Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3371/10.7TXPRT-M.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
CUMPRIMENTO DE DOIS TERÇOS DA PENA
Data do Acordão: 06/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (TEP)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 61.º DO CP; ART. 173.º, N.º 1, DO CEPMPL
Sumário: I – [A liberdade condicional] trata-se de um incidente de execução da pena de prisão a que preside uma finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização, e que assenta na formulação de um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro e em liberdade, do condenado que já cumpriu parte considerável da pena (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 528).

II – A concessão da liberdade condicional aos dois terços da pena pelo que, atingido este patamar e cumpridos que estejam seis meses de prisão, verificado o consentimento do condenado, ela depende da satisfação das exigências de prevenção especial de socialização – prognose favorável sobre o futuro comportamento em meio livre.

III – Na formulação deste juízo sobre o comportamento futuro do condenado, o tribunal deve ponderar os traços da sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena, as competências por si adquiridas no período de reclusão, o comportamento prisional, o seu relacionamento com o crime cometido, as necessidades subsistentes de reinserção social, as perspectivas de enquadramento familiar, social e profissional e a necessidades de protecção da vítima quando disso seja caso.

IV – A liberdade condicional deverá ser concedida quando o julgador conclua que o condenado reúne condições que, razoavelmente, fundam a expectativa de que, uma vez colocado em liberdade, assumirá uma conduta conforme às regras da comunidade. Inversamente, a liberdade condicional deverá ser negada quando o julgador conclua que o condenado não reúne tais condições, seja porque o juízo contrário se revela carecido de razoabilidade, seja porque se revela temerário.

V – A atenuação das exigências de prevenção especial conjugada com os esforços que o condenado vem desenvolvendo, no cumprimento da pena, para refazer a sua vida em termos sociais e laborais, aqui se incluindo o seu consentimento para continuar a ser sujeito a tratamento da sua adição, não obstante o seu ‘deficitário’ relacionamento com o crime cometido e as reduzidas perspectivas de enquadramento familiar e profissional, permite formular um juízo sobre o seu comportamento futuro no sentido de que o fará de forma responsável e sem o cometimento de novos factos típicos.

Decisão Texto Integral:







Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra


           

I. RELATÓRIO

No Tribunal de Execução de Penas de Coimbra correm termos os autos de concessão da liberdade condicional nº 3371/10.7TXPRT-F, relativos ao condenado , nos quais, por despacho de 23 de Março de 2019, lhe foi negada a concessão da liberdade condicional.


*

            Inconformada com o decidido, recorreu a Digna Magistrada do Ministério Público, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

               1. A liberdade condicional tem a maior importância no sistema de execução da pena de prisão, em especial na execução das penas de média e longa duração, na medida em que afasta os inconvenientes de uma permanência em reclusão por períodos demasiado longos, quando tal deixe de se justificar, e porque assegura uma transição menos brusca da reclusão prisional para a liberdade total, tal como se escreveu nas recomendações do relatório CEDERSP (Comissão para o Estudo e Debate da Reforma do Sistema Prisional).

2. Com este pressuposto, deveria o tribunal ter colocado o condenado em liberdade condicional aos dois terços da pena de 2 anos e 2 meses de prisão, que cumpre e pela autoria ele um crime de violência doméstica, com acréscimo ela pena de prisão ele 66 dias de prisão subsidiária, pela autoria de um crime de dano simples, dado que o termo dessas penas vai acontecer em 23/11/2019 e mais nenhuma outra apreciação acontecerá.

3. Não sendo concedida a liberdade condicional ao condenado, sairá ele no termo da pena, em Novembro de 2019, sem qualquer acompanhamento e encaminhamento, sem rede, o que é claramente desaconselhado pela doutrina, pelo direito e pela prática judiciária.

               4. O conselho técnico foi unanimemente favorável à libertação, e o Ministério Público emitiu parecer favorável.

5. Foi positiva a evolução do condenado durante a execução da pena – bom relacionamento interpessoal; trabalhador na brigada agrícola na Quinta (...) – extensão do estabelecimento prisional, com competência e empenho; sem registos disciplinares; frequência de formação em competências básicas; RAI desde Outubro de 2018, pese embora não tenha gozado licenças de saída; problema aditivo/abuso nos consumos de álcool aparentemente controlado, tendo já sido assistido em consultas de alcoologia e aceitando a continuação desse acompanhamento, mesmo em liberdade; sem registo de testes de despiste de consumos com resultados positivos.

6. A interiorização da culpa e o arrependimento constituem uma meta desejável à luz das finalidades subjacentes à sua aplicação mas não são requisitos indispensáveis à colocação de um condenado em liberdade condicional, mormente quando atingidos os dois terços da pena. Isto mesmo se escreveu no acórdão do tribunal da relação do Porto, de 10/10/2012, publicado em www.dgsi.pt – "I – Não é requisito de concessão da liberdade condicional (a meio da pena ou cumpridos dois terços da mesma, nos termos dos nºs 2 e 3 do referido artigo 61º) que o condenado revele arrependimento e interiorize a sua culpa. II – Tal é, seguramente, uma meta desejável a luz das finalidades da pena, mas que supõe uma mudança interior que não pode, obviamente, ser imposta. (…)" nosso sublinhado.

               7. Por isso, não poderá constituir entrave à libertação, nas precisas circunstâncias do caso, o fundamento da ausência de consciência crítica e que é, afinal, a verdadeira razão da decisão. Na verdade, o condenado sempre manteve a sua versão dos factos, negando uns, reconhecendo outros, poderia ter assumido os crimes em audição, instrumentalizando essa assunção para conseguir a liberdade, corno é, de resto, prática comum, sendo certo que não vão ser mais oito meses de prisão que vão fazer a diferença nesse particular. Regista-se, contudo, que o condenado demonstrou bastante emoção na sua audição quando se debruçou sobre o seu passado, chegando às lágrimas, o que não consta da acta, nem teria de constar; constatou-se na imediação, e já o Professor Doutor Pessoa Vaz a referia como sobejamente importante nas decisões judiciais.

8. Também não pode proceder o argumento da "ausência de mudança interna, mais a mais num recluso que já anteriormente cumpriu pena de prisão por duas vezes, impede a formulação de um juízo de prognose favorável quanto ao seu comportamento futuro em meio livre.", pois que as anteriores condenações, que na decisão se não concretizam, já não constam do certificado de registo criminal, e as correspondentes reclusões, que se reportam aos anos de 2005/2006 e 2010, deveram-se a crimes de condução de veículo em estado de embriaguez ou de condução sem habilitação legal, sendo temerário carreá-las para formular um juízo de prognose e justificar uma não colocação em liberdade condicional estando em causa crime de natureza absolutamente diversa.

               9. Igualmente não pode colher o facto de "não dispor de adequado apoio no exterior, que por alguma forma, favorecesse a sua reintegração e ao mesmo tempo, funcionasse como inibidor de futuros comportamentos delituosos, como nem sequer iniciou o seu processo de aproximação ao meio livre.", porque também este argumento, em vez de funcionar em desfavor da liberdade condicional, deveria ter sido valorado como factor justificativo de um tempo de liberdade acompanhada, assim sendo possibilitado o encaminhamento e auxílio do libertado; doutro modo, ficará ele entregue à sua sorte aquando da saída do estabelecimento prisional, sem qualquer rede de suporte, sem qualquer entidade que o auxilie na reentrada em meio livre, o que vai manifestamente contra os princípios subjacentes ao instituto. Ainda assim, o condenado tem possibilidade de vir a trabalhar para antigo patrão, sendo que trabalhou durante vinte e sete anos como manobrador de máquinas por conta de empresa que prestou serviços para a , e tem competências para o trabalho na agricultura. Além disso, dispõe do apoio afectivo dos irmãos e da filha, ainda que sem capacidade para o acolherem nas suas casas.

10. Também não pode constituir obstáculo à libertação a questão da problemática alcoólica em razão do seu não devido reconhecimento, uma vez que, como se alude na decisão, a reclusão permitiu a manutenção da abstinência, demonstrada por testes de despiste negativos e com adequado acompanhamento, e o condenado aceita prossegui r em liberdade com consultas de alcoologia no centro de saúde, continuando, portanto, o acompanhamento em curso. O não reconhecimento do alcoolismo, muitas vezes por vergonha, é recorrente e é exactamente nessas situações que se torna muito importante o auxílio que a liberdade condicional pode proporcionar através dos técnicos da reinserção social, o que não acontecerá se libertado sem mais. Refira-se, contudo, que o condenado assumiu consumos excessivos de álcool nas audições.

11. Por fim, mas não menos importante, importa notar que a vítima do crime de violência doméstica, que havia refeito a sua vida sentimental após a prisão do condenado, faleceu em Novembro de 2018, por causas não relacionadas com o crime, inexistindo, agora, o sempre temível e muito inquietante risco de reincidência nos casos de cumprimento de pena pelo crime de violência doméstica – o dos posteriores contactos com as vítimas ou o do reatar de relacionamentos após a salda da cadeia, com ocultos sentimentos de retaliação, de vingança.

12. A violência doméstica é uma realidade dramática no nosso país a exigir muita atenção e elevadas cautelas na prevenção e no acompanhamento posterior ao cumprimento de pena, e é evidente que com o recurso não se está a desvalorizar, nem poderia, o crime cometido, a resistente capacidade crítica, que até poderia ter sido instrumentalizada em audição, com assunção do crime com vista à obtenção da liberdade, e nem se considera de menor importância a problemática aditiva, mas importa ajustar e equilibrar a apreciação e a decisão dos casos, sempre com a ressalva de que cada um contém as suas próprias especificidades.

13. Decidiu mal a senhora juíza ao não conceder a liberdade condicional em tais circunstâncias.

14. A decisão viola o disposto no artigo 61 º do código penal.

15. O recurso deve ser julgado procedente e o despacho revogado e substituído por outro que conceda a liberdade condicional ao condenado.

Vossas Excelências decidirão.


*

            O condenado não respondeu ao recurso.

*

Igualmente inconformado com o decidido, recorreu o condenado, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

1. O Recorrente está a cumprir uma pena de prisão de 2 anos e 2 meses pela condenação da prática de um crime de violência doméstica, bem como de uma pena de prisão subsidiária de 66 dias pelo crime de dano simples, sendo que os dois terços da pena tiveram lugar no passado dia 4 de Março;

2. Houve parecer favorável do conselho técnico e do Ministério Público à liberdade condicional, na medida em que o Recorrente tem tido uma evolução favorável ao longo do cumprimento da pena;

3. Não obstante, a Mma. Juiz "a quo" entendeu não conceder a liberdade condicional dado que o juízo de prognose não era favorável por força da ausência de sentido crítico e reflexão quanto aos crimes praticados por parte do Recorrente;

4. O juízo de prognose tem como finalidade perceber se o condenado, em liberdade, pode conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, com base nas circunstâncias concretas do caso, na sua vida anterior, na sua personalidade e na evolução da personalidade durante a execução da pena de prisão;

5. O Recorrente está em RAI desde Outubro de 2018, frequenta actividades de cariz sócio-cultural e profissional, trabalha na brigada agrícola da Quinta (...) com desempenho positivo, está a ser seguido em consultas de alcoologia, não tem registo de infracções disciplinares e o seu comportamento é considerado bom;

6. O Recorrente tinha estabilidade profissional, trabalhou durante quase três décadas para a mesma entidade empregadora e só a insolvência desta o deixou no desemprego. Porém, tal não o impediu de voltar a encontrar trabalho e ter uma vida profissional activa. Tem, de igual modo, uma família que o apoia;

7. A vítima do crime de violência doméstica pelo qual o Recorrente foi condenado faleceu no dia 26 de Novembro de 2018, sendo que a sua morte não está relacionada com a factualidade que levou à condenação;

8. Na matéria de facto tida em conta pela Mma. Juiz "a quo" para a decisão de que se recorrem, existem 8 pontos que são indiscutivelmente favoráveis à concessão da liberdade condicional e apenas 1 que vai no sentido contrário, sendo que esse ponto desfavorável diz respeito à falta de arrependimento ou sentido crítico por parte do Recorrente face ao crime cometido;

9. O art. 61.º, n.º 2, al. a) do Código Penal não faz qualquer referência ao arrependimento ou à falta de interiorização da culpa enquanto requisito para se avaliar a liberdade condicional;

10. A jurisprudência e a doutrina vão no sentido de considerar que é mais eficaz para prevenir a reincidência e facilitar o processo de ressocialização que se inicie a transição gradual e fiscalizada do Recorrente para a vida livre através da concessão da liberdade condicional em vez de o manter em reclusão;

11. No caso concreto, manter o Recorrente no estabelecimento prisional até ao fim da pena (que ficará totalmente cumprida no próximo dia 23 de Novembro) só prejudicará os esforços de readaptação ao meio livre. Pelo contrário, dar-lhe uma primeira oportunidade de poder criar bases sustentáveis para o seu futuro com o auxílio de técnicos de reinserção social irá facilitar a criação de bases sólidas para a sua vida futura;

12. A morte da vítima do crime de violência doméstica praticado pelo Recorrente no passado dia 26 de Novembro de 2018, por causas que não têm qualquer relação com o crime, é um factor que diminui consideravelmente as exigências de prevenção especial no caso concreto;

13. O Recorrente manifestou a intenção de continuar, em liberdade, o tratamento para a dependência do álcool, situação que ficará mais facilitada se continuar a ser apoiado por técnicos de reinserção social;

14. Por tudo isto, a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância não respeitou o disposto no art. 61.º do Código Penal.

Nestes termos e nos melhores de Direito, atendendo ao que foi aqui exposto, entende o Recluso, ora Recorrente, que o recurso deverá ser julgado procedente, pelo que deverá ser revertida a decisão tomada pelo Tribunal de 1.ª instância e ser concedida a liberdade condicional.

Assim se fará a necessária e habitual JUSTIÇA


*

            A Digna Magistrada do Ministério Público não respondeu ao recurso.

*

Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, relativamente ao recurso do Ministério Público, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, subscrevendo a fundamentação da respectiva, e concluiu pela procedência do recurso e, relativamente ao recurso do condenado, apôs o seu visto.

            Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.


*

            Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

*

            II. FUNDAMENTAÇÃO

            Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pela Digna Magistrada do Ministério Público e pelo condenado, recorrentes, a questão a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, é a de saber se estão ou não verificados os pressupostos de que a lei faz depender a concessão da liberdade condicional, ultrapassados os dois terços da pena.


*

  Para a resolução desta questão importa ter presente o teor do despacho recorrido que é o seguinte:

“ (…).

A. RELATÓRIO

Correm os presentes autos tendo em vista a eventual colocação em liberdade condicional relativamente ao condenado …, nascido a 28/9/1974.

O condenado encontra-se em reclusão no Estabelecimento Prisional Regional da ….


*

O processo seguiu a sua normal tramitação, mostra-se devidamente instruído, e nele foram observadas todas as legais formalidades.

Estão juntos aos autos os relatórios a que alude o art. 173º do CEP.

O Conselho Técnico, reunido no dia 13/3/2019, prestou os necessários esclarecimentos, tendo emitido parecer unanimemente favorável à colocação em liberdade condicional.

O Ministério Público emitiu, posteriormente ao Conselho Técnico, parecer favorável à colocação do condenado em liberdade condicional.

Ouvido o recluso, após a realização do Conselho Técnico, o mesmo autorizou a eventual colocação em liberdade condicional.


*

O tribunal é competente e o processo é o próprio.

Não existem nulidades, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa


*

B. DE FACTO E DE DIREITO

No caso dos autos, tendo em consideração o teor dos relatórios dos serviços de educação e ensino e de reinserção social, as certidões das decisões judiciais e declarações do recluso, sendo que os elementos apurados foram também obtidos através do contacto com os técnicos que elaboram os relatórios referidos e que detêm o dever funcional de avaliação, considera-se que:

1) o recluso cumpre uma pena de 2 anos e 2 meses de prisão, aplicada no proc. 534/17.8PCCBR, pelo cometimento de um crime de violência doméstica na pessoa da sua companheira e uma pena de 66 dias de prisão subsidiária, imposta no proc. 276/17.4PBCBR pela prática de um crime de dano;

2) os dois terços da pena de prisão, acrescidos dos 66 dias de prisão subsidiária ocorreram a 4/3/2019, prevendo-se o termo das penas para 23/11/2019;

3) o condenado encontra-se ininterruptamente detido desde 18/7/2017, com a imposição da medida de coacção de prisão preventiva, não só por anteriormente ter incumprido as medidas de coacção que lhe foram inicialmente impostas, mas também por ter persistido em comportamentos delituosos;

4) o condenado é oriundo de uma família numerosa (11 filhos) e sócio economicamente carenciada; ainda com os filhos menores ocorreu a morte do progenitor, o que obrigou o recluso, à semelhança dos irmãos, a abandonar a actividade escolar e a ingressar precocemente na vida laboral de forma a contribuir na economia familiar; em 1998 iniciou um relacionamento afectivo com … de quem teve uma filha, actualmente com 17 anos de idade; no decurso da reclusão, em 26/11/2018, a ex-companheira veio a falecer, ficando a filha da mesma e do condenado a coabitar com a irmã mais velha daquela (de 31 anos de idade, empregada fabril) e com os dois filhos, na residência da sua mãe; apesar de o condenado contar com o apoio afectivos dos irmãos, estes não lhe poderão prestar outro tipo de apoio em liberdade;

5) o condenado trabalhou durante 27 anos como manobrador de máquinas numa empresa que prestava serviços para as … SA, que terá entrado em insolvência, razão pelo qual terá ficado em situação de desemprego;

6) o condenado iniciou o consumo de bebidas alcoólicas aos 16 anos em situação de convívio com grupos de pares, consumos que foi mantendo ao longo dos anos; contudo, não reconhece devidamente o padrão de consumos excessivos de bebidas alcoólicas; apesar disso, aceitou realizar consultas de alcoologia no Centro de Saúde, e aceita continuar o acompanhamento em liberdade;

7) o condenado nega ter exercido violência física sobre a companheira, admitindo apenas ter proferido expressões injuriosas e ter agarrado um ombro da companheira, para dela se defender, por a mesma ter uma faca na mão; atribui à vítima consumos excessivos de bebidas alcoólicas e atitudes provocatórias, na origem das quais ocorriam desentendimentos verbais; nega o cometimento do crime de dano; o condenado não revela sentido crítico quanto aos seus comportamentos pretéritos, que na maioria não assume, sentido como injustas as penas que lhe foram aplicadas;

8) em reclusão, o condenado mantém comportamento adequado, sem registo disciplinar;

9) ascendeu a RAI em 22/3/2018, estando colocado na Quinta (...) , onde trabalha na brigada agrícola com bom desempenho;

10) frequenta o curso de competências básicas ministrado na Quinta (...) , e que valoriza;

11) participa nas actividades sócio-culturais quando organizadas pelo EP;

12) ainda não beneficiou de licença de saída;

13) não dispondo de enquadramento em meio livre, uma vez em liberdade, perspectiva arrendar um quarto;

14) não dispõe de momento de concretizado projecto laboral, mas refere a possibilidade de trabalhar na agricultura numa quinta agrícola sita no Choupal e ainda na realização de serviços de pintura;

15) o condenado cumpre actualmente a sua terceira reclusão, tendo a anterior ocorrido entre 28/4/2009 e 24/12/2010.


*

 A aplicação da liberdade condicional assenta em vários pressupostos, de natureza formal e material, elencados no art. 61º do CP.

Assim, são pressupostos formais da concessão da liberdade condicional:

a) que o condenado tenha cumprido 1/2 da pena, e no mínimo 6 meses de prisão (n.º 2), ou 2/3 da pena, e no mínimo 6 meses de prisão (n.º 3) ou 5/6 da pena, quando a pena for superior a 6 anos (n.º 4);

b) que o condenado consinta ser libertado condicionalmente (n.º 1).

Por seu turno, são requisitos materiais da concessão da liberdade condicional (excepto na situação do n.º 4):

a) que, de forma consolidada, seja de esperar que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer crimes, tendo-se para tanto em atenção as circunstâncias do caso, a sua vida anterior, a respectiva personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão (que constituem índices de ressocialização a apurar no caso concreto); e

b) a compatibilidade da libertação com a defesa da ordem e da paz social (excepto, também, na situação do n.º 3).

Ora, no que se reporta aos requisitos da liberdade condicional, dúvidas não restarão que a alínea a) se reporta e assegura finalidades de prevenção especial, ao invés da alínea b) que antes visa finalidades de prevenção geral.

Como tal, dado o efectivo relevo concedido à reinserção social por parte da liberdade condicional, haverá para tanto que, no caso em análise, para efeitos da alínea a) – e considerando a prevenção especial – atender-se, fundadamente, às circunstâncias do caso, à consideração da vida anterior, à personalidade do condenado e à evolução da personalidade do condenado durante a execução da pena de prisão.

Já para efeitos da alínea b) – e atendendo à prevenção geral – há que assegurar o seu funcionamento através da sua vertente positiva, no sentido em que o legislador institui que a pena serve a defesa da sociedade (art. 42.º, n.º 1 do CP).

Por último, importa referir que, em termos de duração da liberdade condicional, fixa o n.º 5 do art. 61.º do CP, que esta tem uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos, considerando-se então extinto o excedente da pena.

No caso, importa agora apreciar a liberdade condicional já por referência aos 2/3 da pena de prisão, acrescida da pena de prisão subsidiária, marco temporal ocorrido em 4/3/2019.

As penas em execução resultam do cometimento de um crime de violência doméstica e de um crime de dano.

O condenado declarou aceitar a aplicação da liberdade condicional.

Estão, pois, preenchidos os pressupostos formais da concessão da liberdade condicional.

Julgamos, no entanto, que os requisitos substanciais da concessão da liberdade condicional não se encontram ainda verificados.

Tal como expressamente resulta do disposto no art. 61º nº 3 do CP, “o tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos os dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior”, ou seja, quando “for fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes”.

Ou seja: a liberdade condicional ficará unicamente dependente da possibilidade da formulação de um juízo de prognose positivo relativamente ao condenado.

Assim, e para a concessão da liberdade condicional deverá mostrar-se ser possível concluir que, de forma consolidada, seja de esperar que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer crimes, sendo então ponderados todos os aspectos referidos na al. a) do art. 61º do CP, que servirão como índices de ressocialização.

Pelo que, tendo em vista a fundamentação do referido juízo de prognose, na elaboração dos relatórios a que alude o art. 173º do CEP por parte dos serviços prisionais e reinserção social, há que apurar da personalidade do condenado e evolução desta durante a execução da pena, das competências adquiridas no período de reclusão, do comportamento prisional e seu relacionamento com o crime cometido, e bem assim das necessidades subsistentes de reinserção social, perspectivas de enquadramento familiar, social e profissional e necessidades de protecção da vítima, se for o caso.

Apreciando o caso, e em termos institucionais, dúvidas não há que o condenado vem registando um percurso positivo, na medida em que mantém comportamento adequado, isento de infracções disciplinares, com bom desempenho laboral e ainda integrado no curso de competências básicas que vem frequentando. Ascendeu, por isso, a RAI em 27/3/2018.

Sucede, no entanto, que o condenado continua a não demostrar qualquer sentido crítico relativamente aos seus comportamentos delituosos, que de resto não assume na sua maioria, não apresentando ressonância crítica no que tange as suas anteriores condutas, sendo perceptível desresponsabilização, desculpabilização e desvalorização.

Estamos assim perante um condenado que apresenta um adequado percurso institucional mas que não interiorizou o desvalor dos seus anteriores comportamentos, nem a sua ilicitude, não se registando, consequentemente, qualquer mudança no seu posicionamento perante os crimes cometidos.

Esta ausência de mudança interna, mais a mais num recluso que já anteriormente cumpriu pena de prisão por duas vezes, impede a formulação de um juízo de prognose favorável quanto ao seu comportamento futuro em meio livre.

Acresce que o condenado não só não dispõe de adequado apoio no exterior, que por alguma forma, favorecesse a sua reintegração e ao mesmo tempo, funcionasse como inibidor de futuros comportamentos delituosos, como nem sequer iniciou o seu processo de aproximação ao meio livre.

Por outro lado, e se é verdade que a reclusão vem permitindo a manutenção da abstinência, com adequado acompanhamento, o certo é que o condenado não reconhece devidamente o padrão de consumos excessivos de bebidas alcoólicas que realizava, apesar de aceitar realizar consultas de alcoologia no Centro de Saúde, e de aceitar continuar o acompanhamento em liberdade. Persiste, também por isso, um relevante factor de risco, que só a reclusão tem conseguido pôr cobro.

Em suma: subsistem consideráveis exigências de prevenção de reincidência e de ressocialização, estas evidenciadas pelo facto de as anteriores reclusões não terem surtido efeito dissuasivo da prática de novos crimes, e bem assim por causa da problemática aditiva que apresenta, agora controlada em reclusão, sendo que ante o posicionamento do condenado perante os crimes cometidos – que não regista qualquer evolução, sem assunção das responsabilidades próprias –, não é possível, de maneira fundada, sustentar um juízo de prognose favorável para o futuro.

Tal como refere Figueiredo Dias, decisivo é “… não o «bom» comportamento prisional «em si» – no sentido de obediência aos (e do conformismo com) os regulamentos prisionais –, mas o comportamento prisional na sua evolução, como índice de (re)socialização e de um futuro comportamento responsável em liberdade” (cfr. “As Consequências Jurídicas do Crime”, ed. 1993, pág. 538 e 539 e Ac. da RC de 25/2/2015, disponível em www.dgsi.pt). Isto porque “A liberdade condicional não é um “prémio”, não se baseia exclusivamente no bom comportamento prisional ou na existência de apoio no exterior. O condenado deve demonstrar que consegue ter um comportamento adequado em meio livre, aprofundando a sua capacidade reflexiva quanto aos actos anteriormente praticados.” (cfr. Ac. da RC de 10/7/2018, disponível em www.dgsi.pt).

Face ao exposto, e apesar do percurso institucional do condenado se revelar positivo, o juízo de prognose é desfavorável, quer pela reincidência que se verifica, quer pelas necessidades de ressocialização que o caso continua a demandar, isto porque se mantém a ausência de sentido crítico por parte do condenado e a ausência de reflexão que não permitem prognosticar uma mudança de comportamentos, alicerçada num verdadeiro “corte” com os empreendidos no passado.

Pelo que não se mostrando preenchidos os requisitos substanciais da liberdade condicional, ao nível da al. a) do n.º 2 do art. 61.º do CP, não pode a mesma ser concedida.

C. DECISÃO

Por todo o exposto, em conformidade com as disposições legais supra referidas, decide-se não conceder ao condenado … a liberdade condicional.


*

 Notifique e comunique ao E.P. e serviços de reinserção social.

*

 Fls. 199: tomei conhecimento. No termo da prisão subsidiária, previsto para 14/4/2019, deverá, como antes determinado a fls. 157, ser o condenado religado à ordem do proc. 534/17.8PCCBR para continuação do cumprimento de tal pena.

D.N.


*

 Uma vez que já não haverá lugar à renovação da instância, determino que, com a prudente antecedência, se emitam mandados de libertação do condenado, para cumprimento no dia 23/11/2019, data em que atinge o termo das penas, a menos que interesse a sua reclusão à ordem de outro processo.

(…)”.


*

Da verificação [ou não] dos pressupostos da concessão da liberdade condicional aos dois terços da pena

1. A aplicação da pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade ou sejam, a realização de fins de prevenção, geral e especial (art. 40º, nº 1 do C. Penal). Reflectindo esta noção, dispõe o art. 42º, nº 1 do C. Penal que, a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, tendo ainda redacção idêntica o art. 2º, nº 1 do C. Execução das Penas e das Medidas Privativas da Liberdade [doravante, CEPMPL].  

É precisamente neste âmbito que se insere o instituto da liberdade condicional entendido, como o legislador deixou consignado no parágrafo 9 da Introdução do Código Penal, aprovado pelo Dec. Lei nº 400/82, de 23 de Setembro, não como uma recompensa por boa conduta prisional mas antes, como um auxílio e incentivo ao condenado, através da criação de um período de transição entre a prisão e a liberdade, que lhe permita uma adaptação gradual à nova realidade e a consequente adequação da sua conduta aos padrões sociais, necessariamente enfraquecida pelo período de reclusão suportado.

Trata-se de um incidente de execução da pena de prisão a que preside uma finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização, e que assenta na formulação de um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro e em liberdade, do condenado que já cumpriu parte considerável da pena (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 528).

A concessão da liberdade condicional depende da verificação dos pressupostos previstos no art. 61º, do C. Penal.

A primeira ideia a reter é a de que ela depende sempre do consentimento do condenado (nº 1, do artigo citado). Depois, há que distinguir entre liberdade condicional não obrigatória e liberdade condicional obrigatória.

A liberdade condicional não obrigatória ou ope judicis é concedida quando:

a) O condenado tiver cumprido metade da pena de prisão e no mínimo de seis meses, se:

- Atentas as circunstâncias do caso, a sua personalidade e a evolução desta ao longo do cumprimento da pena, existiram fundadas razões para crer que, posto em liberdade, conduzirá a sua vida de forma socialmente responsável (nº 2, a) do art. 61º do C. Penal); e

- A libertação for compatível com a defesa da ordem e da paz social (nº 2, b) do mesmo artigo);

b) O condenado tiver cumprido dois terços da pena de prisão e no mínimo de seis meses, desde que, atentas as circunstâncias do caso, a sua personalidade e a evolução desta ao longo do cumprimento da pena, existiram fundadas razões para crer que, posto em liberdade, conduzirá a sua vida de forma socialmente responsável (nº 3 do mesmo artigo).

A liberdade condicional obrigatória ou ope legis é concedida logo que o condenado cumpra cinco sextos da pena de prisão superior a seis anos (nº 4, do mesmo artigo).  

2. No recurso está em causa concessão da liberdade condicional aos dois terços da pena pelo que, atingido este patamar e cumpridos que estejam seis meses de prisão, verificado o consentimento do condenado, ela depende da satisfação das exigências de prevenção especial de socialização – prognose favorável sobre o futuro comportamento em meio livre.

Vejamos então.

a. O recluso foi condenado, por sentença de 22 de Janeiro de 2018, proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Juízo Local Criminal de Coimbra – Juiz 3, transitada em 21 de Fevereiro de 2018, pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nº 1, b) do C. Penal, na pena de dois e dois meses de prisão, e foi condenado, por despacho de 22 de Fevereiro de 2018 [proferido em processo especial sumaríssimo] proferido pelo Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Juízo Local Criminal de Coimbra – Juiz 1, transitado em 30 de Abril de 2018, pela prática de um crime de dano, p. pelo art. 212º, nº 1 do C. Penal, na pena de cem dias de multa à taxa diária de € 5, a que correspondem sessenta e seis dias de prisão subsidiária tendo sido determinado por despacho de 8 de Novembro de 2018, o cumprimento da prisão subsidiária.

O condenado iniciou a reclusão, ainda em prisão preventiva, em 18 de Julho de 2017, e atingiu os dois terços da pena de dois anos e dois meses de prisão, acrescida dos sessenta e seis dias de prisão subsidiária, em 4 de Março de 2019.

Ouvido em declarações a 13 de Março de 2019, o condenado consentiu na sua colocação em liberdade condicional.

Estão pois verificados os pressupostos formais da aplicação da liberdade condicional aos dois terços da pena.

3. Atentemos agora na verificação, ou não, do seu pressuposto material.

Já vimos que a lei faz depender a concessão da liberdade condicional aos dois terços da pena da pena da formulação pelo tribunal de um juízo de prognose favorável, no sentido de que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.

Na formulação deste juízo sobre o comportamento futuro do condenado, o tribunal deve ponderar os traços da sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena, as competências por si adquiridas no período de reclusão, o comportamento prisional, o seu relacionamento com o crime cometido, as necessidades subsistentes de reinserção social, as perspectivas de enquadramento familiar, social e profissional e a necessidades de protecção da vítima quando disso seja caso (art. 173º, nº 1 do CEPMPL).

Toda a prognose é uma probabilidade, uma previsão da evolução futura de uma situação, fundada no conhecimento da evolução de situações semelhantes, sendo aplicáveis as mesmas condições ou seja, fundada nas regras da experiência. Por isso que, na análise da concessão da liberdade condicional não seja nunca possível a formulação de um juízo de certeza. Na verdade, nenhuma decisão pode assegurar que não mais o condenado, uma vez em liberdade, voltará a delinquir.

Significa isto que, feita a conjugação e ponderação dos factores supra enunciados, a liberdade condicional deverá ser concedida quando o julgador conclua que o condenado reúne condições que, razoavelmente, fundam a expectativa de que, uma vez colocado em liberdade, assumirá uma conduta conforme às regras da comunidade. Inversamente, a liberdade condicional deverá ser negada quando o julgador conclua que o condenado não reúne tais condições, seja porque o juízo contrário se revela carecido de razoabilidade, seja porque se revela temerário.

Tudo isto sem esquecer que na decisão existe sempre, por um lado, uma margem de subjectividade do decisor, e por outro, a vantagem decorrente da imediação da prova designadamente, da audição do recluso (art. 176º do CEPMPL), imediação de que o tribunal de recurso não comunga.

Aqui chegados.

4. Na decisão recorrida considerou-se provado – além de outros factos – que a conduta prisional do condenado tem sido adequada e sem registos disciplinares, tendo passado a RAI em 22 de Março de 2018, trabalhando na brigada agrícola com bom desempenho [pontos 8 e 9 dos factos provados], frequenta um curso de competências básicas na quinta onde desempenha a sua actividade agrícola e participa nas actividades sócio-culturais organizadas pelo EP [pontos 10 e 11 dos factos provados], não beneficiou de licença de saída, não dispõe de enquadramento em meio livre e não dispõe, de momento, de projecto laboral concretizado [pontos 12, 13 e 14 dos factos provados], nega ter exercício violência física sobre a ex-companheira, atribui-lhe consumo excessivo de álcool e atitudes provocatórias, nega a prática do crime de dano, não revela sentido crítico quanto aos seus comportamentos pretéritos e considera injustas as penas aplicadas, sendo que cumpre actualmente a terceira reclusão, tendo a anterior ocorrido entre Abril de 2009 e Dezembro de 2010 [pontos 7 e 15 dos factos provados], entrou precocemente no mundo laboral devido à morte do progenitor, em 1998 iniciou um relacionamento afectivo com a ex-companheira que durou cerca de dezoito anos, tendo uma filha comum com 17 anos de idade, trabalhou cerca de vinte e sete anos como manobrador de máquinas até ter ficado desempregado devido á insolvência da entidade patronal, iniciou o consumo de álcool pelos 16 anos de idade, não reconhece devidamente o padrão de consumos excessivos que pratica, aceitou realizar consultas de alcoologia e aceita continuar o acompanhamento em liberdade [pontos 4, 5 e 6 dos factos provados]. 

Pois bem.

a. Não se suscitam dúvidas sobre a evolução comportamental positiva do condenado, quer pela adequação da conduta ao regime prisional, quer pelo esforço na aquisição de novas competências profissionais, quer pelo empenho na integração no meio social em que, por agora, se insere.

Devendo reconhecer-se que o meio prisional apresenta, no entanto, específicas características que em muito diferem do meio livre, certo é que a evolução claramente positiva do comportamento prisional do condenado é um factor a ter em conta como índice de ressocialização e de um comportamento futuro socialmente responsável.

b. Menos favoráveis para o condenado se apresentam as circunstâncias de não dispor de enquadramento em meio livre e não dispor igualmente de projecto laboral concretizado. Com efeito, e como consta do Relatório Social para Concessão de Liberdade Condicional de fls. 34 a 37, o condenado não possui habitação própria, a filha, ainda menor, vive com uma irmã mais velha, e os seus [do condenado] irmãos, embora o apoiem afectivamente, não lhe podem proporcionar outro tipo de apoio. Por outro lado, e como consta do mesmo relatório, o condenado verbalizou que, uma vez em liberdade, irá trabalhar na agricultura para um conhecido, mas sem identificar o futuro patrão e sem exibir qualquer comprovativo da oferta de trabalho o que, no limite, determinará que tenha que recorrer ao apoio da segurança social designadamente, através do RSI.

Estas circunstâncias, ainda que menos positivas, não constituem de modo algum, obstáculos intransponíveis à concessão da liberdade condicional, tanto mais que o condenado contará, seguramente, com o apoio dos serviços da DGRSP para superar as dificuldades que, neste campo, possam surgir.

 c. Maiores dificuldades levantam as circunstâncias de o condenado não reconhecer devidamente o padrão de consumos excessivos que pratica e de não revelar sentido crítico quanto aos seus comportamentos pretéritos, determinantes da sua reclusão, sendo certo que esta última foi determinante para que, na decisão recorrida, fosse negada a concessão da liberdade condicional.

A questão da dependência alcoólica ganha particular relevo se atentarmos no facto de, como resulta do teor da sentença condenatória de fls. 4 a 11, a embriaguez do condenado estar presente em parte significativa das condutas aí consideradas como provadas e integradoras da prática do crime de violência doméstica. E é sabido que o consumo de álcool desinibe, potenciando o seu consumo excessivo a libertação de impulsos vários designadamente, os de natureza violenta, em quem o consome.

Porém, muito embora continue a desvalorizar a sua problemática aditiva, é no entanto muito positiva a circunstância de o condenado frequentar a consulta de alcoologia, como é igualmente positivo o seu consentimento para, uma vez em liberdade, manter essas consultas, sendo que a efectivação deste propósito poderá e deverá ser monitorizado pela DGRSP.

Nesta perspectiva, não cremos que a posição assumida pelo condenado relativamente ao consumo excessivo de álcool constitua, per se, um obstáculo intransponível à concessão da liberdade condicional.

Por fim, a problemática ausência de sentido crítico do condenado quanto aos seus comportamentos pretéritos, determinantes da sua reclusão.

Conforme já dito, aqui reside o fulcro da decisão recorrida, quanto à não concessão da liberdade condicional, por referência à prevenção especial, positiva e negativa, à perigosidade do agente e à sua reinserção social.

Com efeito, como se afirmou na decisão recorrida «(…) o condenado continua a não demonstrar qualquer sentido crítico relativamente aos seus comportamentos delituosos, que de resto não assume na sua maioria, não apresentando ressonância crítica no que tange as suas anteriores condutas, sendo perceptível desresponsabilização, desculpabilização e desvalorização. (…). Esta ausência de mudança interna, mais a mais num recluso que já anteriormente cumpriu pena de prisão por duas vezes, impede a formulação de um juízo de prognose favorável quanto ao seu comportamento futuro em meio livre.».

Vejamos.

Reconhecendo-se que para efeitos de concessão da liberdade condicional, o sentido crítico do agente quanto à própria conduta e portanto, a interiorização da culpa, é um índice importante para a densificação das exigências de prevenção especial, ela não é, contudo, um pressuposto legal dessa concessão, nem sua condição necessária. O que a lei exige é a possibilidade de formulação de uma prognose favorável quanto à capacidade do condenado em conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem praticar novos crimes. Significa isto que, quando não existe aquela interiorização, nem por isso é legítimo concluir, sem mais, pela prognose negativa, tudo dependendo do caso concreto.

O condenado cumpre pena de prisão pela prática de crime de violência doméstica, que tem por vítima a sua ex-companheira. Trata-se de um crime grave, com peso muito relevante no panorama nacional, dada a inexplicável frequência com que vem sendo praticado.

É também um crime em que, por existir uma específica relação entre o agente e a vítima, que é fonte da significativa taxa de ‘reincidência’, com o correspondente aumento das exigências de prevenção especial, incluindo no que diz respeito à execução das penas de prisão impostas. Nesta medida, em regra, a interiorização da culpa pelo agente deve verificar-se, como condição da concessão da liberdade condicional, sob pena de a vítima ficar antecipadamente desprotegida, com a restituição do agressor ao meio livre.

Acontece, porém, que nos autos não ocorre este perigo pois a vítima, a ex-companheira do condenado, a qual, aliás, havia já iniciado uma nova relação afectiva, faleceu entretanto, como consta do relatório supra referido, sem que aí se estabeleça qualquer relação entre a conduta do condenado e a morte da vítima.

Assim, a atenuação das exigências de prevenção especial por esta via, operada, conjugada com os esforços que o condenado vem desenvolvendo, no cumprimento da pena, para refazer a sua vida em termos sociais e laborais, aqui se incluindo o seu consentimento para continuar a ser sujeito a tratamento da sua adição, não obstante o seu ‘deficitário’ relacionamento com o crime cometido e as reduzidas perspectivas de enquadramento familiar e profissional, permite formular um juízo sobre o seu comportamento futuro no sentido de que o fará de forma responsável e sem o cometimento de novos factos típicos.

No limite, e como bem nota a Digna Magistrada do Ministério Público no parecer a que se reporta o art. 177º, nº 1 do CEPMPL, é clara a conveniência de um período de liberdade sob tutela. Com efeito, no decurso deste período o condenado poderá, gradualmente, adaptar-se à vida em liberdade, adequando a sua conduta aos padrões sociais, no que será apoiado, vigiado e fiscalizado pelos serviços competentes (DGRSP) o que, seguramente, terá resultados muito mais proveitosos, em termos das subsistentes necessidades de reinserção social, do que o cumprimento total da pena de prisão, e a consequente colocação do condenado em meio livre, sem qualquer período de apoio institucional.

d. Em suma, pelas razões sobreditas, entendemos que está verificada, in casu, a previsão da alínea a), do nº 2 do art. 61º do C. Penal pelo que, nos termos do nº 3 do mesmo artigo, deve ser concedida a liberdade condicional ao condenado, sujeita à observância das seguintes condições:

- Fixar residência no concelho de Coimbra, que comunicará, de imediato, à DGRSP;

- Exercer actividade laboral remunerada, comunicando de imediato à DGRSP, a identidade da entidade patronal;

- Manter as consultas de alcoologia;

- Apresentar-se e colaborar com a DGRSP que tutelará o condenado, sempre que para tal seja solicitado.


*

            Procedem, pois, as conclusões dos recurso não podendo, por isso, manter-se o despacho recorrido.

*

III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder provimento aos recursos e, em consequência, decidem:

A) Revogar o despacho recorrido.

B) Conceder a liberdade condicional ao condenado …, até ao termo das penas [23 de Novembro de 2019], sujeita à observância das seguintes condições:

- Fixar residência no concelho de Coimbra, que comunicará, de imediato, à DGRSP;

- Exercer actividade laboral remunerada, comunicando de imediato à DGRSP, a identidade da entidade patronal;

- Manter as consultas de alcoologia;

- Apresentar-se e colaborar com a DGRSP, que tutelará o condenado, sempre que para tal seja solicitado.

            C) Recursos sem tributação, por não ser devida.


*

Passem-se mandados de libertação imediata, sem prejuízo de interessar a detenção ou prisão do condenado à ordem de qualquer outro processo.

*

Comunique, com cópia, ao TEP de Coimbra, ao EP da Covilhã e à DGRSP.

*

Coimbra, 12 de Junho de 2019

Acórdão integralmente revisto por Vasques Osório – relator – e Helena Bolieiro – adjunta.