Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
117/16.0GAVZL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA PILAR DE OLIVEIRA
Descritores: AMEAÇA;
MAL FUTURO
Data do Acordão: 05/16/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE OLIVEIRA DE FRADES)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 153.º, N.º 1, E 155.º, N.º 1, AL. A), DO CP
Sumário:
I – O que distingue a ameaça do cometimento de um crime e a prática desse mesmo ilícito penal são as próprias circunstâncias da acção reveladoras da intenção que lhes está subjacente.
II – No caso, como o dos autos, em que apenas se provou que o arguido disse à assistente “mato-a”, sem imediato seguimento da tentativa de perpetração do crime correspondente, sendo a descrita actuação idónea a causar medo no visado, está preenchido o tipo de crime de ameaça.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório
No processo comum singular 117/16.0GAVZL da Comarca de Viseu, Juizo de Competência Genérica de Oliveira de Frades, após realização da audiência de julgamento foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
1 – Julgo procedente, por provada, a acusação deduzida pelo MP, contra o arguido AA, pelo que o condeno, como autor material, de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos art.ºs 153º, e 155º, nº1º, alínea a) do Código Penal na pena de 150 dias de multa, à razão diária de 8.50 € (oito euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz a quantia global de 1.275.00€, pela prática de um crime de ameaça agravada.
2- Vai ainda o arguido condenado no pagamento ao demandante da quantia de 1.000.00€ (mil euros) e título de pedido de indemnização civil;
3- Custas Criminais que se fixam 2 Ucs nos termos do nº5º do art.º 8º do Regulamento das Custas Processuais.
4-Sem custas cíveis nos termos do art.º 4º, nº1º, alínea n) do Regulamento das custas processuais.

Inconformado com esta decisão dela recorreu o arguido AA, rematando a correspondente motivação com as seguintes conclusões:
1ª- A sentença proferida pelo Tribunal a quo é, atento o disposto na al. a) do nº 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal, nula, por violadora do vertido no n.º 2 do artigo 374º do mesmo diploma legal,
2ª- Na medida em que, o Tribunal a quo ao declarar, sem qualquer fundamentação, ainda que sintética, no elenco da matéria de facto não provada, que a mesma “Inexiste com relevo para a decisão da causa,”
3ª- Incumpriu o dever de enumerar, como provados ou não provados, os factos resultantes da discussão da causa, relevantes para a estratégia da defesa e para a boa decisão da causa, como lhe ordena o normativo do nº 2 do artº 374º do C.P.Penal,
4ª- Desprimorando, por completo, a transparência e a clarividência que a Lei exige.
5ª- Para além disso, resulta ainda do texto da sentença do Tribunal a quo que não se mostra feita a indicação completa das provas, nem de forma absoluta, se mostra efectuado o exame crítico das mesmas que formaram a convicção do tribunal,
6ª- Tanto mais que, como supra melhor se demonstrou, e para além do mais, o Tribunal a quo dá como provados, nomeadamente no que aos pontos 6 e 7 da matéria de facto provada respeita, factos que não foram sequer alegados, pois que nem constam do pedido de indemnização cível apresentado nem de qualquer outra peça,
7ª- Sem que indique, como deveria, se os mesmos resultaram da discussão da causa ou as concretas provas que permitiram e que levaram o Tribunal a quo a considerá-los como tal.
8ª- Acresce ainda que, e na parte do enquadramento jurídico-penal, o Tribunal a quo acaba por, de forma absolutamente incompreensível, fazer subsumir às características essenciais do tipo legal de crime, factualidade completamente distinta daquela que resulta dos autos, sobretudo daquela que considerou como provada,
9ª- Pois que pode ler-se na sentença recorrida, nomeadamente, que, “no caso ao ameaçar que dava um tiro o mal é de natureza pessoal” ou que, “nos autos, verifica-se que a ameaça era de facto um mal futuro, ao dizer que um dia o matava”,
10ª- Sem que tais expressões – “que dava um tiro” ou “que um dia o matava” – resultem, como se demonstrou, por qualquer forma dos autos, tanto mais que nem constam sequer da matéria de facto provada.
11ª- Ora, dispõe expressamente o n.º 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal, no que aos requisitos da sentença respeita, que “ao relatório segue-se a fundamentação que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”,
12ª- Norma essa que, nada mais é que o reflexo da exigência do dever de fundamentação consagrada no artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa,
13ª- Que se reporta quer à fundamentação da matéria de facto (provada e não provada), quer à fundamentação da matéria de direito, por forma a, nas palavras de Germano Marques da Silva, “lograr obter uma maior confiança do cidadão na Justiça, no autocontrolo das autoridades judiciárias e no direito de defesa a exercer através dos recursos”,
14ª- Que se concretiza, nas suas palavras, “através de uma fundamentação reforçada, que visa, por um lado, a total transparência da decisão, para que os seus destinatários (aqui se incluindo a própria comunidade) possam apreender e compreender claramente os juízos de valoração e de apreciação da prova, bem como a actividade interpretativa da lei e sua aplicação e, por outro lado, possibilitar ao tribunal superior a fiscalização e o controlo da actividade decisória, fiscalização e controlo que se concretizam através do recurso, o que consubstancia, desde a Revisão de 1997, um direito do arguido constitucionalmente consagrado, expressamente incluído nas garantias de defesa - artigo 32º, n.º1, da Constituição da República. Assim, de acordo com o artigo 374º, a sentença, para além dos requisitos formais ali expressamente previstos, deve incluir a fundamentação, que consiste claramente na enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. A lei impõe, pois, que o tribunal não só dê a conhecer os factos provados e os não provados, devendo assim sem qualquer dúvida enumerá-los com toda a transparência e visibilidade, mas também que explicite expressamente o porquê da opção (decisão) tomada, o que se alcança através da indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção, impondo, ainda, obviamente, o tratamento jurídico dos factos apurados, com subsunção dos mesmos ao direito aplicável, sendo que em caso de condenação está o tribunal obrigado, como não podia deixar de ser, à determinação motivada da pena ou sanção a cominar, posto o que deve proceder à indicação expressa da decisão final, com indicação das normas que lhe subjazem.”
15ª- A enumeração dos factos provados e dos factos não provados, traduz-se, no fundo e em concreto, na tomada de posição do Tribunal sobre todos os factos submetidos à sua apreciação, um a um,
16ª- Constituídos por concretos factos alegados e contidos na acusação, na contestação, no pedido cível e naqueles que, não constando de tais peças, resultem da discussão da causa e tenham interesse para a decisão,
17ª- Por forma a que se possa efectivamente determinar quais os factos que foram, em concreto, tidos em conta e valorados pelo Tribunal, quer na positiva, quer na negativa, com o indispensável cuidado e ponderação – vide, neste sentido, A. A. Tolda Pinto, A Tramitação Processual Penal, 2ª ed., pg. 954.
18ª- Não sendo, por isso, suficiente, nem tal basta para assegurar as garantias de defesa do arguido, uma declaração genérica dos factos provados e não provados, como sucedeu no caso dos autos,
19ª- Razão pela qual, a sentença de que ora se recorre padece do vício previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal,
20ª- Sendo, por isso, impreterivelmente, nula.
21ª- Pelo que, e ao abrigo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 379º do Código de Processo Penal, deve ser determinada a prolação de nova decisão.
22ª- Ou, caso assim não se entenda, deve tal decisão ser substituída por outra que absolva o recorrente,
23ª- Tanto mais que, entende o recorrente, o Tribunal a quo fez uma errada apreciação da prova, ao dar como provados os pontos 1 a 7 da matéria de facto considerada como provada,
24ª- Designadamente e para além do mais que “a assistente AS trabalhou para o ora arguido há cerca de dois anos”, que o arguido, ora recorrente, “… proferiu ameaças de morte dirigidas à AS” e que, “com efeito, o arguido, após uma troca de palavras disse à AS“… eu mato-a, … não sabe com quem se está a meter…”; o que repetiu várias vezes.”
25ª- O Tribunal a quo alicerçou a motivação da condenação quase em exclusivo, nas declarações da assistente,
26ª- Desvalorizando, por completo, as declarações prestadas pelo recorrente e bem assim os depoimentos prestados pelas testemunhas presenciais T1 e T2, indicadas pela própria assistente e acusação, que as sustentam,
27ª- O que bastou para o Tribunal a quo concluir o que concluiu nos pontos 4 a 7 da matéria de facto dada como provada.
28ª- Sucede que, da prova produzida, entende o recorrente, que não resultou provado que, pese embora a discussão ocorrida entre arguido e assistente no dia em apreço nos autos, o mesmo tenha proferido e dirigido àquela uma qualquer expressão ameaçadora.
29ª- Pelo que, os factos extraídos pelo Tribunal a quo, que, diga-se, tão pouco derivam da factualidade discutida nos autos, e que levaram à condenação do recorrente, revelam-se, para além do mais, genéricos e conclusivos.
30ª- Tanto mais que, da prova produzida resulta, desde logo, que a assistente trabalhou para a sociedade comercial ---., sua entidade empregadora, de Outubro de 2016 a Agosto de 2016,
31ª- Pelo que, não poderia, sem mais, o Tribunal a quo ter considerado como provado no ponto 1 da matéria de facto provada, que “A queixosa e Assistente AS trabalhou para o ora arguido há cerca de dois anos, exercendo a função de engenheira civil na firma “---.”, impondo nessa parte, decisão diversa da recorrida, a análise conjugada do contrato de trabalho da assistente constante a fls. 160 dos autos e da carta de despedimento que a mesma juntou em sede audiência de discussão e julgamento,
32ª- Entende também o recorrente que, contrariamente ao que o Tribunal a quo pretendeu fazer crer que, da prova produzida resulta, sem margem para dúvidas que, que não obstante o recorrente ter negado os factos de que vinha acusado, o mesmo não apresenta uma versão da factualidade ocorrida completamente diferente da da assistente.
33ª- Sendo aliás, a própria assistente que de forma totalmente incoerente, apresenta, na audiência de discussão e julgamento, uma versão da factualidade totalmente diferente da que havia narrado aquando do auto de denúncia, constante de fls. 4 e 5 dos autos, conforme melhor resulta das declarações prestadas pela assistente, gravadas através do sistema integrado de gravação digital – cfr. acta de Audiência de Discussão e Julgamento de 11.05.2017 - disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, com a referência 20170511103809_3353928_3447691, das 10:38:15 às 11:36:44, com a duração de 00:58:33, – nomeadamente dos depoimentos registados entre os minutos 00:06:45 e 00:16:11 e os minutos 00:20:05 e 00:20:53.
34ª- Efectivamente, o recorrente não pode admitir, como pretende o douto Tribunal a quo, em face da prova produzida, que as suas declarações não corroborem o relato circunstanciado de quase a totalidade dos factos relatados pela assistente e que a negação de ter proferido qualquer ameaça dirigida àquela - aliás corroborada pela demais prova testemunhal presencial arrolada pela acusação -, afaste a veracidade do seu depoimento.
35ª- Tanto mais que, entende o recorrente que, da prova produzida, resulta, sem margem para dúvidas, ter resultado provado que no dia ---, e pelos factos praticados no dia --- pela assistente, foi instaurado, contra aquela, pela sua entidade empregadora - a sociedade ---. -, um processo disciplinar, cuja produção de prova teve lugar nas instalações da referida empresa na manhã do dia ---, e da qual a assistente teve conhecimento, impondo nessa parte, decisão diversa da recorrida, o exame unitário dos documentos de fls. 157 a 219, conjugado com a análise das declarações prestadas pelo arguido, com os depoimentos prestados pelas testemunhas trazidas a julgamento T1 e T2 e com as declarações da própria assistente, nomeadamente:
- declarações do arguido, gravadas através do sistema integrado de gravação digital – cfr. acta de Audiência de Discussão e Julgamento de 11.05.2017 - disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, com a referência 20170511101933_3353928_3447691, das 10:19:34 às 10:29:35, com a duração de 00:10:01, – nomeadamente do depoimento registado entre os minutos 00:00:08 e 00:02:40;
- depoimento da testemunha T1, gravado através do sistema integrado de gravação digital – cfr. acta de Audiência de Discussão e Julgamento de 11.05.2017 – e disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, com a referência 20170511121312_3353928_3447691, das 12:13:13 às 12:33:10, com a duração de 00:19:57, – nomeadamente do depoimento registado entre os minutos 00:12:25 e 00:13:10;
- depoimento da testemunha T2, gravado através do sistema integrado de gravação digital – cfr. acta de Audiência de Discussão e Julgamento de 11.05.2017 – e disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, com a referência 20170511123409_3353928_3447691, das 12:34:10 às 12:57:46, com a duração de 00:23:36, registado entre os minutos 00:06:15 e 00:06:48 e entre os minutos 00:17:49 e 00:18:05;
- declarações da assistente, gravadas através do sistema integrado de gravação digital – cfr. acta de Audiência de Discussão e Julgamento de 11.05.2017 – e disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, com a referência 20170511103809_3353928_3447691, das 10:38:15 às 11:36:44, com a duração de 00:58:33, registada entre os minutos 00:49:43 e 00:50:05.
36ª- Entende também o recorrente que, da prova produzida, resultou sobejamente provado que foi a instauração do processo disciplinar, e os factos que o motivaram, que esteve na origem da discussão ocorrida entre arguido e assistente no refeitório da empresa na tarde do dia ---, impondo nessa parte, decisão diversa da recorrida, a análise das declarações prestadas pelo arguido e pela própria assistente, nomeadamente:
- declarações do arguido, gravadas através do sistema integrado de gravação digital – cfr. acta de Audiência de Discussão e Julgamento de 11.05.2017 - disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, com a referência 20170511101933_3353928_3447691, das 10:19:34 às 10:29:35, com a duração de 00:10:01, – nomeadamente do depoimento registado entre os minutos 00:08 e 00:02:40;
- declarações da assistente, gravadas através do sistema integrado de gravação digital – cfr. acta de Audiência de Discussão e Julgamento de 11.05.2017 – e disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, com a referência 20170511103809_3353928_3447691, das 10:38:15 às 11:36:44, com a duração de 00:58:33, registada entre os minutos 00:16:21 e 00:17:23 e entre os minutos 00:25:14 e 00:31:19 e entre os minutos 00:24:09 a 00:29:36.
37ª- Não tendo da prova produzida, isso sim, resultado provado como considerou o Tribunal a quo, que a instauração do processo disciplinar à assistente tenha resultado não pela ocorrência de uma verdadeira infracção disciplinar por parte daquela mas sim pelo facto desta se ter alegadamente recusado a revogar o seu contrato de trabalho e a prescindir dos seus direitos com o aproximar do términus “da parceria entre a empresa e entidades públicas” com a qual “a empresa teve vantagens patrimoniais na sua contratação”,
38ª- Tanto mais que, não resultou de qualquer outro meio de prova, nomeadamente documental, que não das declarações da assistente, que a sua contratação foi efectuada na base de uma qualquer parceria entre a empresa e entidades públicas ou que tal contratação trouxe benefícios patrimoniais para a sua entidade empregadora.
39ª- Sendo certo que, da prova produzida, o que resultou sobejamente provado, no entendimento do recorrente, é que nunca este teve intenção de despedir a assistente, ao ponto de, após a cessação do contrato da assistente por iniciativa desta, a empresa se ter visto obrigada a contratar outro engenheiro para ocupar o seu lugar sem recorrer a qualquer incentivo – impondo nessa parte, decisão diversa da recorrida, o exame unitário do documento de fls. fls. 215, conjugado com a análise das declarações prestadas pela assistente e com o depoimento prestado pela testemunha trazida a julgamento pela acusação e defesa T2, nomeadamente:
- declarações da assistente, gravadas através do sistema integrado de gravação digital – cfr. acta de Audiência de Discussão e Julgamento de 11.05.2017 – e disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, com a referência 20170511103809_3353928_3447691, das 10:38:15 às 11:36:44, com a duração de 00:58:33, registada entre os minutos 00:55:54 e 00:56:14
- depoimento da testemunha T2, gravado através do sistema integrado de gravação digital – cfr. acta de Audiência de Discussão e Julgamento de 11.05.2017 – e disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, com a referência 20170511123409_3353928_3447691, das 12:34:10 às 12:57:46, com a duração de 00:23:36, registado entre os minutos 00:06:15 e 00:06:48 e entre os minutos 00:22:49 e 00:23:31.
40ª- Acresce que, entende ainda o recorrente que, da prova produzida, também resultou provado, sem margem para dúvidas que foi o recorrente que, ao sair do refeitório, e após a discussão que ambos reconhecem ter existido, chamou, aos berros, o funcionário T1, por forma a que, na frente deste, a assistente repetisse o que lhe havia dito quando se encontravam sozinhos dentro do refeitório, impondo nessa parte, decisão diversa da recorrida, a análise conjugada das declarações prestadas pelo arguido com as próprias declarações da assistente, nomeadamente:
- declarações do arguido, gravadas através do sistema integrado de gravação digital – cfr. acta de Audiência de Discussão e Julgamento de 11.05.2017 - disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, com a referência 20170511101933_3353928_3447691, das 10:19:34 às 10:29:35, com a duração de 00:10:01, – nomeadamente do depoimento registado entre os minutos 00:08 e 00:02:40;
- declarações da assistente, gravadas através do sistema integrado de gravação digital – cfr. acta de Audiência de Discussão e Julgamento de 11.05.2017 – e disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, com a referência 20170511103809_3353928_3447691, das 10:38:15 às 11:36:44, com a duração de 00:58:33, registadas entre os minutos 00:54:44 a 00:54:53, 00:03:33 a 00:03:40 e 00:03:45 a 00:04:39 e 00:53:44 e 00:55:06.
41ª- Tal como resultou provado, da conjugação de toda a prova produzida, que o recorrente não ameaçou por qualquer forma a assistente, não tendo proferido nem a expressão “eu mato-a…, não sabe com quem se está a meter”, nem qualquer outra - impondo nessa parte, decisão diversa da recorrida, a análise das declarações do próprio recorrente conjugada com os depoimentos prestados pelas testemunhas presenciais trazidas a julgamento pela acusação e defesa T1 e T2, nomeadamente:
- declarações do arguido, gravadas através do sistema integrado de gravação digital – cfr. acta de Audiência de Discussão e Julgamento de 11.05.2017 - disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, com a referência 20170511101933_3353928_3447691, das 10:19:34 às 10:29:35, com a duração de 00:10:01, – nomeadamente do depoimento registado entre os minutos 00:09:32 a 00:09:36;
- depoimento da testemunha T1, gravado através do sistema integrado de gravação digital – cfr. acta de Audiência de Discussão e Julgamento de 11.05.2017 – e disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, com a referência 20170511121312_3353928_3447691, das 12:13:13 às 12:33:10, com a duração de 00:19:57, – nomeadamente do depoimento registado entre os minutos entre os minutos 00:01:10 a 00:02:52 e entre os minutos 00:03:24 a 00:04:03;
- depoimento da testemunha T2, gravado através do sistema integrado de gravação digital – cfr. acta de Audiência de Discussão e Julgamento de 11.05.2017 – e disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, com a referência 20170511123409_3353928_3447691, das 12:34:10 às 12:57:46, com a duração de 00:23:36, registado entre os minutos 00:01:44 a 00:02:04, entre os minutos 00:03:16 a 00:04:11 e entre os minutos 00:05:48 a 00:06:01;
42ª- E não se diga, como fez o Tribunal a quo, que tais testemunhas não mereceram credibilidade,
43ª- Pois que, não obstante as relações que mantém com o arguido, prestaram um depoimento isento, fazendo uma descrição bastante detalhada e credível do episódio em apreço,
44ª- Ao ponto de terem inclusive desmontado os novos pontos que a assistente, na audiência de discussão e julgamento, veio acrescentar ao seu conto.
45ª- Tanto mais que, não resultou provado, da prova produzida, por qualquer forma, que o recorrente tenha sido, em algum momento, agarrado pelo funcionário T1 e/ou pelo funcionário --- , por forma de evitar que o aquele se “dirigisse” à assistente,
46ª- Tal como não resultou provado que a porta que dá acesso à fábrica, e pela qual tal funcionário foi chamado e acorreu ao chamamento, estivesse fechada,
47ª- Não tendo ainda resultado provado sequer, da prova produzida, que a assistente tenha estado, nesse dia e na sequência do episódio em apreço, na fábrica, ou que lá estivesse uma mancha de sangue – impondo nessas partes, decisão diversa da recorrida, a análise conjugada dos depoimentos prestados pelas testemunhas presenciais trazidas a julgamento pela acusação e defesa T1 e T2, nomeadamente:
- depoimento da testemunha T1, gravado através do sistema integrado de gravação digital – cfr. acta de Audiência de Discussão e Julgamento de 11.05.2017 – e disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, com a referência 20170511121312_3353928_3447691, das 12:13:13 às 12:33:10, com a duração de 00:19:57, – nomeadamente do depoimento registado entre os minutos 00:03:05 a 00:03:21, entre os minutos 00:05:40 a 00:06:14, entre os minutos 00:13:58 a 00:15:09 e entre os minutos 00:16:29 a 00:17:13;
- depoimento da testemunha T2, gravado através do sistema integrado de gravação digital – cfr. acta de Audiência de Discussão e Julgamento de 11.05.2017 – e disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, com a referência 20170511123409_3353928_3447691, das 12:34:10 às 12:57:46, com a duração de 00:23:36, registado entre os minutos 00:09:54 a 00:10:32, entre os minutos 00:13:36 a 00:14:15 e entre os minutos 00:16:33 a 00:17:03;
48ª- Resultou ainda provado, da prova produzida, que nos documentos juntos pela assistente em sede de audiência de discussão e julgamento, apenas se fez constar as normas de serviço de que todos os funcionários da empresa, inclusive a assistente, já tinham conhecimento, – impondo nessas partes, decisão diversa da recorrida, a análise conjugada dos depoimentos prestados pelas testemunhas presenciais trazidas a julgamento pela acusação e defesa T1 e T2, nomeadamente:
- depoimento da testemunha T1, gravado através do sistema integrado de gravação digital – cfr. acta de Audiência de Discussão e Julgamento de 11.05.2017 – e disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, com a referência 20170511121312_3353928_3447691, das 12:13:13 às 12:33:10, com a duração de 00:19:57, – nomeadamente do depoimento registado entre os minutos 00:03:05 a 00:03:21, entre os minutos 00:08:38 a 00:09:49;
- depoimento da testemunha T2, gravado através do sistema integrado de gravação digital – cfr. acta de Audiência de Discussão e Julgamento de 11.05.2017 – e disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, com a referência 20170511123409_3353928_3447691, das 12:34:10 às 12:57:46, com a duração de 00:23:36, registado entre os minutos 00:09:36 a 00:09:53 e entre os minutos 00:11:42 a 00:13:23;
49ª- De resto, sempre se dirá que, da análise atenta de toda a prova produzida, sobressaem, isso sim, as inúmeras contradições do depoimento da assistente no que ao circunstancialismo dos factos respeita,
50ª- Tanto mais que, primeiro começa por relatar ao Tribunal que o recorrente, dirigindo-se a si, proferiu a seguinte expressão ““-Eu sei onde você mora, eu mato a si e à sua família”,
51ª- Acrescentando, mais tarde que afinal o mesmo também lhe disse que a assistente não sabia com quem se estava a meter, - como resulta das suas declarações registadas entre os minutos 00:06:56 e 00:09:43 e 00:20:05 e 00:20:53,
52ª- Ao mesmo tempo em que, como disse, no concreto depoimento registado entre os minutos 00:18:47 e 00:19:51, que o recorrente se havia dirigido na sua direcção, a correr e que foi “agarrado pelos funcionários” César e Filipe,
53ª- Não se recordando, depois, se o Filipe lá teria estado ou não.
54ª- Mas mais,
55ª- Que de seguida, e de acordo com as suas declarações registadas entre os minutos 00:10:25 e 00:10:30, enviou um sms à sua irmã com o seguinte teor “ele disse mata-me”,
56ª- Tendo mais tarde, na concreta passagem do seu depoimento registado entre os minutos 00:22:04 e 00:22:07, referido, afinal, que o que escreveu foi: “ele disse que me matava”,
57ª- Referiu ainda a assistente, nas concretas passagens das suas declarações registadas entre os minutos 00:11:40 e 00:11:45, que depois do episódio em que o arguido alegadamente a ameaçou, esteve na fábrica, e que tal teria sido hora e meia antes de ter saído da empresa,
58ª- Ora tendo em conta que também declarou, na concreta passagem do seu depoimento registada entre os minutos 00:14:40 e 00:14:41, que saiu da empresa às 17h30, sendo que, tendo os factos denunciados ocorreram por volta das 16h00, não se percebe Venerandos Juízes Desembargadores como é que ao mesmo tempo a assistente podia ter estado, à mesma hora, em dois lugares distintos.
59ª- Ora, em face de todas estas incongruências, as perguntas que se colocam são as seguintes Exmos. Senhores Venerandos Juízes Desembargadores:
- Afinal qual foi, em concreto, a expressão ameaçadora proferida pelo arguido? E com base em que provas é que o Tribunal a quo se baseou para dar como provado, no ponto 3 da matéria de facto provada, que o mesmo disse à Cláudia “eu mato-a,… não sabe com quem se está a meter…”?
60ª- E mais, uma vez que nem das declarações da assistente resulta, de forma alguma, que o recorrente tenha alegadamente repetido por mais do que uma vez tal expressão ameaçadora, com base em que provas é que o Tribunal a quo se baseou para dar como provado, no ponto 3 da matéria de facto provada, que o mesmo repetiu a expressão “eu mato-a,… não sabe com quem se está a meter…” várias vezes?
61ª- Acresce que, também não se compreende que tendo a assistente, como a mesma declara na concreta passagem das suas declarações registada entre os minutos 00:09:37 e 00:09:40, ficado “paralisada” com a expressão alegadamente proferida pelo recorrente e com o facto de o mesmo se ter alegadamente dirigido a si, a correr, como que denotando a intenção de a agredir,
62ª- Que o recorrente lhe tenha anunciado um mal futuro.
63ª- Ao passo que também não se entende, como é que o recorrente lhe pode ter produzido medo,
64ª- Se, como resultou sobejamente provado, da prova produzida, ao invés de ter abandonado de imediato as instalações da empresa, notem Venerandos Juízes Desembargadores, a assistente regressou ao seu posto de trabalho, tendo estado reunida com o arguido, pelo menos mais duas vezes, sem por qualquer forma manifestar vontade de ali não estar ou medo do mesmo, impondo nestas partes, decisão diversa da recorrida, a análise das declarações prestadas pela própria assistente, conjugadas com o depoimento da testemunha T2 e com as declarações do arguido:
- declarações da assistente, gravadas através do sistema integrado de gravação digital – cfr. acta de Audiência de Discussão e Julgamento de 11.05.2017 – e disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, com a referência 20170511103809_3353928_3447691, das 10:38:15 às 11:36:44, com a duração de 00:58:33, registadas 00:47:41 e 00:49:40.
- depoimento da testemunha T2, gravado através do sistema integrado de gravação digital – cfr. acta de Audiência de Discussão e Julgamento de 11.05.2017 – e disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, com a referência 20170511123409_3353928_3447691, das 12:34:10 às 12:57:46, com a duração de 00:23:36, registado entre os minutos 00:14:19 a 00:14:37;
- declarações do arguido, gravadas através do sistema integrado de gravação digital – cfr. acta de Audiência de Discussão e Julgamento de 11.05.2017 - disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, com a referência 20170511101933_3353928_3447691, das 10:19:34 às 10:29:35, com a duração de 00:10:01, – nomeadamente do depoimento registado entre os minutos 00:06:17 e 00:08:20;
65ª- Pois que, o que resultou provado, da conjugação de tais declarações, é que a assistente cumpriu o seu horário de trabalho e só depois disso é que foi apresentar queixa ao posto da GNR de ….
66ª- De resto, notem Venerandos Juízes Desembargadores que, nem o facto de a mesma ter estado muito tempo a acalmar-se no referido posto antes de prestar depoimento, pode relevar de alguma forma para que possa dar como provada toda a factualidade narrada pela assistente como parece fazer crer o Tribunal a quo,
67ª- Pois que, notem Venerandos Juízes Desembargadores, não será do senso comum que uma funcionária, jovem como a assistente, perante uma chamada de atenção de um empregador, a instauração de um processo disciplinar e uma altercação por tais factos, fique nervosa?
68ª- Parece-nos que sim.
69ª- Tanto assim é que, o que também resultou sobejamente provado, da prova produzida é que a assistente não resolveu logo o seu contrato de trabalho, o que apenas sucedeu em Agosto de 2016, após o gozo das suas férias em Ibiza e porque a assistente “disse que não ia mais trabalhar” e não porque tinha medo do recorrente,
70ª- Tendo igualmente resultado provado que, após tal episódio, a assistente esteve de baixa médica, desconhecendo-se de resto, por total ausência de prova, se psicológica ou motivada por doença,
71ª- E que, a mesma não queria sair de casa, durante tal período, porque andava com muita pressão no trabalho ou porque não tinha autorização médica e não porque tivesse medo do recorrente, - impondo neste sentido, decisão diversa da recorrida, a análise das declarações prestadas pela própria assistente, conjugadas com o depoimento da testemunha T3, sua mãe, e da testemunha T4, nomeadamente:
- declarações da assistente, gravadas através do sistema integrado de gravação digital – cfr. acta de Audiência de Discussão e Julgamento de 11.05.2017 – e disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, com a referência 20170511103809_3353928_3447691, das 10:38:15 às 11:36:44, com a duração de 00:58:33, registadas 00:34:20 e 00:34:40.
- depoimento da testemunha T3, gravado através do sistema integrado de gravação digital – cfr. acta de Audiência de Discussão e Julgamento de 11.05.2017 - disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, com a referência 20170511113749_3353928_3447691, das 11:37:50 às 11:46:43, com a duração de 00:08:53.
- depoimento da testemunhas T4, gravado através do sistema integrado de gravação digital – cfr. acta de Audiência de Discussão e Julgamento de 11.05.2017 - disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, com a referência 20170511115547_3353928_3447691, das 11:55:49 às 12:11:53, com a duração de 00:16:05, na concreta passagem registada entre os minutos 00:15:25 e 00:15:59.
72ª- Ora, em face a tudo quanto supra se expôs, forçoso é concluir que, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo ao ter dado como provado os factos constantes dos pontos 1 a 7 da matéria de facto provada e ao não ter considerado um único facto não provado, realizou uma incorrecta apreciação da prova,
73ª- Na verdade, da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, nomeadamente, e para além do mais, das incongruentes declarações da assistente, bem como dos depoimentos das testemunhas presenciais da acusação, não se logrou demonstrar que o arguido, ora recorrente, tenha praticado o crime de ameaça agravada,
74ª- Não dispondo o Tribunal a quo de qualquer elemento probatório que lhe permitisse dar como provados os referidos pontos.
75ª- De resto, de tudo o que supra se deixou exposto, resulta também que o Tribunal a quo olvidou os mais elementares princípios do Processo penal, pois que não deu sequer o benefício da dúvida ao aqui recorrente, mediante a aplicação do princípio in dúbio pro reo, antes partindo e de uma presunção para condenar o recorrente.
76ª- Sendo certo que as exigências relativas à produção de prova no processo penal, a consagração do ónus da prova para quem acusa, o princípio da presunção de inocência, impedem a formulação de conclusões condenatórias com base em pressuposições, em deduções ou até com base em associações.
77ª- Pelo que, também por esta via deveria o Tribunal a quo, ter julgado como não provados os pontos da fundamentação supra referidos, nos concretos moldes em que se acharam incorrectamente julgados.
78ª- Ao não fazê-lo violou o princípio da presunção da inocência consagrado no artigo 32º da Constituição da Republica Portuguesa, bem como o disposto nos artigos 127º, 129º. 130 n.º 2, 118º n.º 3, 355º e 374º n.º 2 todos do C.P.P.
Sem prescindir:
79ª- Sempre se dirá que, se há factualidade que não poderá nunca dar-se como provada nos presentes autos é que o recorrente alguma vez tenha dito à assistente que “um dia o matava” ou que lhe tenha dito que lhe “dava um tiro”,
80ª- Razão pela qual, não se compreende por que razão o Tribunal a quo tenha feito uso de tais expressões para justificar, no caso dos autos, o preenchimento dos elementos objectivos do tipo legal de crime em apreço.
81ª- Não se compreendendo de igual forma, por que razão o Tribunal a quo conclua que o arguido provocou medo e inquietação na assistente pelo facto da mesma “se ter de imediato dirigido à GNR e ter ficado incapacitada para o trabalho”,
82ª- Factos esses que nem sequer foram – nem podiam diga-se! - considerados como provados pelo Tribunal a quo.
83ª- Razão pela qual, e para além da nulidade que acarreta, supra suscitada, se terá que concluir ainda que a conduta do recorrente não preenche os elementos típicos do crime de ameaça agravada que foi condenado, devendo, assim, ser absolvido.
84ª- De resto, e se, por breves instantes que fossem, acreditássemos que a realização da Justiça se rege pelo dogma da vítima e pelo evangelho das suas declarações, sendo irrelevante qualquer outro meio de prova, e considerássemos, dessa forma, credível o depoimento da assistente, o que apenas por mera cautela de patrocínio se hipostasia,
85ª- Sempre seria de notar que a conduta do recorrente com os contornos que a assistente lhe desenha jamais preencheria, quer objectiva quer subjectivamente, o tipo legal de crime constante do artigo 153º e 155º, n.º1 alínea a) do Código Penal,
86ª- Pois que, e hipoteticamente falando, o arguido ao proferir a expressão “mato a si e à sua família” ao mesmo tempo em que terá sido alegadamente agarrado pelos funcionários para não agredir a assistente,
87ª- Não estaria nunca, e para além do mais, a anunciar-lhe um mal futuro,
88ª- O que não poderá também deixar de culminar na sua absolvição.
89ª- Ora, face a tudo quanto se expôs, forçoso é concluir que a conduta do recorrente não preenche os elementos típicos, quer objectivos, quer subjectivos do crime de ameaça agravada pelo qual foi condenado.
90ª- Pelo que assim decidindo, violou ainda o sentença recorrida os artigos 153º e 155º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal.

Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso obter provimento, devendo em consequência, ser declarada nula a sentença recorrida ou, caso assim não se entenda, ser a mesma revogada, decretando-se a absolvição do recorrente.
Assim decidindo, farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA!

O recurso foi objecto de despacho de admissão.

O Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo o seguinte:
1. O arguido recorreu da sentença que o condenou pela prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelo art. 153.º/1 e 115.º/1/a) do Código Penal, com base em fundamentos que não devem, salvo melhor opinião, colher.
2. A declaração dos factos provados na sentença não foi genérica. Foi a que decorria da acusação, que era objetiva, factual e suficiente para descrever os elementos objetivos de subjetivos do crime de ameaça agravada (arts. 153.º/1 e 155.º/1-a) do Código Penal).
3. A sentença não elencou nada no capítulo da matéria de facto não provada porque os cinco factos singelos da acusação considerados integralmente provados.
4. A análise crítica da prova documental e testemunhal foi plenamente cumprida. O tribunal identificou os concretos pontos que descredibilizavam as testemunhas T1 e T2 e fez uma avaliação coerente, lógica e unitária da prova.
5. Há, de facto, uma imprecisão na acusação e na matéria de facto provada que deve ser oficiosamente corrigida, mas que não abala minimamente a apreciação da matéria de facto nem, consequentemente, a condenação. A entidade empregadora é, efetivamente, como bem refere o recorrente, a sociedade. O arguido é gerente e a sua relação com a assistente é a de superior hierárquico.
6. Porém, o crime de ameaça agravado não constituiu um crime próprio ou específico de entidades empregadoras. A circunstância de o arguido não ser a entidade empregadora não constituiu, por isso, um elemento típico objetivo nem agravante, pelo que, não considerá-lo provado, em nada altera o juízo do tribunal.
7. A relação hierárquica do arguido (e não a qualidade de entidade empregadora) atua, conforme sucedeu, como um fator agravante da ilicitude, que influi na determinação da medida da pena.
8. Ademais, impõe-se sanar um equívoco gerado na audiência de julgamento durante a inquirição da assistente pelo Tribunal, que o Recorrente explorou, como era expectável, na sua defesa.
9. A assistente não contou na audiência uma versão diferente do relato que fez na GNR, no próprio dia dos factos. Com efeito, quando apresentou a queixa, a assistente mencionou exatamente o que consta da acusação e voltou a afirmá-lo na audiência. Basta comparar o auto de denúncia com o seu depoimento gravado (ou transcrito pelo Recorrente) para chegar a essa conclusão.
10. Uma vez que o auto está no processo (fls. 4), limitamo-nos a remeter para as linhas 8 a 30 e a destacar o seguinte excerto, que surgiu no exato contexto em que a assistente o descreveu:
“Após algumas troca de palavras em que a Denunciante confronta o seu patrão com as suas atitudes, este chama o encarregado da firma Sr. T1, para presenciar aquela discussão, na qual de uma forma bastante alterado ameaçou matar a Denunciante bem como à sua família, usando as seguintes expressões “eu mato-a a si e à sua famíla”, repetindo várias vezes “não sabe com quem se está a meter”, intervindo já nesta fase a Sra. T2 (Ex mulher) do Denunciado e também a funcionária da empresa, dizendo “AA, tem calma”.
11. A assistente depôs sempre num estado de genuína e autêntica comoção nervosa e mostrou-se humilde ao ser confrontada com uma (inexistente) discrepância dos seus relatos.
12. O facto de na manhã do dia dos factos terem sido ouvidas testemunhas no processo disciplinar da assistente e de isso ter despoletado a discussão é irrelevante.
13. Ninguém duvida que o clima entre o arguido e a assistente fosse tenso. Porém, como é de elementar justiça e bom senso, nenhuma discussão legitimaria uma ameaça, menos ainda de morte.
14. Conforme explicou a assistente, o processo disciplinar surgiu por causa de um erro de orçamentação, decorrente da aceitação de valores por parte da assistente, que lhe foram ditos pelo próprio arguido. Introduziu-os no programa informático, gerando um resultado inferior ao que era suposto.
15. O processo disciplinar foi sempre utilizado pelo arguido como um prejuízo hipotético a que a assistente podia obviar aceitando a revogação do seu contrato de trabalho!
16. Não há dúvida de que a assistente sentia medo do arguido, porque como qualquer cidadão precisa do seu emprego, é jovem, sabia que um trabalhador, que conhecia por Paulo, tinha saído da empresa em condições semelhantes às suas e estava, ademais, a ser coagida desde há tempos. Afirmou também que se ouviam muitas discussões e berros na empresa, provocados pelo arguido.
17. Foi visível no dia da audiência, a ansiedade que o reviver dos acontecimentos lhe causava e o desconforto por estar novamente na presença dos colegas e do ex-superior hierárquico.
18. Os depoimentos das testemunhas T1 e T2 não foram credíveis, como bem considerou o Tribunal. O primeiro por força da dependência hierárquica face ao arguido, o segundo pela relação de união de facto.
19. O modo como estas testemunhas descreveram os factos sugeriu um episódio perfeitamente inócuo. T2 explicou que foi ao local porque ouviu chamar o funcionário T1 num tom mais elevado, nada mais.
20. Ambos negaram que tivessem tido que segurar o arguido, negaram que a assistente tivesse ido à fábrica com o arguido na sequência da discussão, negaram mesmo que tivessem conhecido as diretivas que os promoveram, no próprio dia, a diretores adjuntos.
21. T2 mostrou-se tão irrealisticamente surpreendida com as questões formuladas, que as suas reações e postura foram, no mínimo, inverosímeis. Só o propósito de proteger o seu companheiro as podia explicar.
22. O testemunho dos militares da GNR, T5 e T6, foi crucial na credibilização da assistente. Relataram que a assistente chegou ao posto muito nervosa e chorou bastante até se sentir capaz de prestar declarações. Confrontados com a possibilidade de o auto de notícia não conter a totalidade do relato da assistente (embora não se perceba o que nele pudesse faltar), admitiram-no como possível. Sublinharam que o estado de ansiedade da assistente podia justificar a omissão de um ou outro detalhe e a não formulação de mais questões pelo agente que recebeu a queixa.
23. A convicção do Tribunal a quo subjacente à sua decisão da matéria de facto foi fundamentada, obedeceu a um processo lógico e demonstrado na análise de prova testemunhal que não merece censura.
24. Todos os factos descritos na acusação resultaram provados, pelo que os elementos objetivos e subjetivos do crime de ameaça agravada encontram-se necessariamente preenchidos e o arguido tinha de ser, como foi, e bem, condenado.
25. Não há dúvida de que as expressões que o arguido proferiu, no local de trabalho, num tom perfeitamente exaltado e violento, com poderes hierárquicos sobre a destinatária e na pendência de um processo disciplinar, eram objetivamente aptas a causar, como causaram, medo e perturbação na assistente.
26. O seu estado de comoção nervosa foi, sublinha-se, genuíno e autêntico (e aqui a imediação foi, como sempre é, fundamental na formação da convicção).
27. O poder de direção constitui uma forma de dissimular condutas de assédio moral no local de trabalho, que não pode ser usado para as legitimar e deve ser reprimido pelas instâncias judiciais (REDINHA, Mª Regina G., Assédio moral ou mobbing no trabalho, in “O Assedio no Trabalho”, Coleção de Formação Inicial, CEJ, p. 138). 137).
28. O mobbing vertical descendente é particularmente grave. Afeta a reputação profissional dos trabalhadores, bem como as suas vidas sociais e familiares. Prejudica, de uma maneira geral, a saúde física e psicológica das vítimas (REDINHA, Mª Regina G., cit, p. 141, Lo, Sónia LOPES., O assédio moral no trabalho, in “O Assedio no Trabalho”, Colecção de Formação Inicial, CEJ,. p. 157).
29. A relação de subordinação jurídica, agravada pelo atual contexto de desemprego, é propícia à lesão de direitos de personalidade. O sistema de justiça penal tem de dar uma resposta firme e inequívoca, que satisfaça as necessidades de prevenção geral.
Termos em que deverá ser negado provimento ao recurso interposto pelo arguido, confirmando-se a decisão recorrida, nos seus precisos termos.

A assistente AS respondeu ao recurso, concluindo o seguinte:
A)
A decisão da matéria de facto baseou-se, além de mais, na livre convicção do julgador decorrente do conjunto da prova documental e testemunhal junta aos autos e produzida em audiência final, objetivável numa solução compreensível, nesse sentido se encontra vasta jurisprudência designadamente a referida nos pontos 3, 4 e 5 das presentes alegações.
B)
Resulta da sentença dos factos provados e não provados e da motivação do raciocínio que levou à conclusão, que a Senhora Juíza de Direito foi correta e convincente na decisão que proferiu, tendo respondido às razões alegadas no processo e sustentadas pelas partes que foram submetidas ao exame critico necessário à formação da convicção do tribunal.
C)
É pois inatacável a sentença que V.ªs Ex.ªs Senhores Juízes Desembargadores confirmarão, considerando-se até que há manifesta falta de fundamentação útil do recurso que V.ªs Ex.ªs apreciarão.
D)
Sendo infundada a alegação do recorrente no que respeita ao erro de julgamento por errada apreciação da prova.
E)
Para a doutrina e jurisprudência, existe erro de julgamento, quando o juiz decide mal, ou porque decide contra a lei ou contra factos apurados, nos termos de parte do acórdão transcrito no ponto 10 das alegações e que aqui se dá por reproduzido.
F)
No presente caso o recorrente não conseguiu demonstrar a existência de erro de julgamento, porque a Senhora Juíza de Direito decidiu corretamente e não com erro.
G)
O que o recorrente pretende com as suas alegações de recurso é tão só que em sede de recurso sejam dados como provados os factos decorrentes do seu próprio depoimento e do depoimento do funcionário T1 e da ex-mulher e companheira do arguido, T2, apenas porque lhe convém e não por ter existido erro de julgamento.
H)
Quanto ao depoimento da assistente, a Senhora Juíza apreciou-o livremente, conjugando-o com a restante prova produzida, tendo motivado a convicção sobre o valor probatório do mesmo, sendo os factos relatados pela Assistente em audiência de julgamento coincidentes com os factos que constam do auto de notícia, que prestou depoimento na audiência de julgamento do dia 11 de maio de 2017, mais concretamente na passagem da gravação transcrita no ponto 15 das alegações e que aqui se dá por reproduzido.
I)
E, se o relato dos factos que ficou a constar do auto de noticia foi simplificado, tal resultou da indicação do militar da GNR do posto de … que elaborou o auto, testemunha T6 que prestou depoimento na audiência de julgamento do dia 11 de maio de 2017, mais concretamente a passagem da gravação transcrita no ponto 18 das alegações.
J)
Resultando inequivocamente provado que, tal como referido na douta sentença, que foi a testemunha T6 que disse à assistente que os factos constantes do auto de notícia eram suficientes para instrução do respetivo processo junto dos Serviços do Ministério Público.
L)
Mais confirmou esta testemunha a verdade dos factos relatados pela assistente e dados como provados na douta sentença, tal como explicou de forma cabal o estado de ansiedade e medo em que esta se encontrava depois de o arguido/ recorrente a ter ameaçado, bem como a dilação de tempo que mediou entre a hora de chegada da assistente aos posto da GNR de … e a hora a que foi reduzida a escrita a denúncia, mais concretamente nas passagens transcritas nos pontos 21, 22 e 23 das alegações e que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
M)
Decidiu bem a douta sentença ao dar como provado os factos constantes nos pontos 1 a 7 da matéria de facto dada como provada, não tendo o recorrente qualquer fundamento de facto e de direito para os impugnar atendendo à prova documental junta aos autos e a prova testemunhal produzida, mais precisamente os depoimentos da Assistente e das testemunhas T6 e T5, que prestaram depoimento na audiência de discussão e julgamento no dia 11 de maio de 2017, mais precisamente as concretas passagens da gravação dos mesmos depoimentos transcritas nos pontos 15, 18, 21, 22, 23,31 e 32 das alegações, transcrições que aqui se dão por reproduzidas.
N)
Invoca o arguido/ recorrente, a violação dos princípios in dubio pro reo e da presunção de inocência sem qualquer fundamento posto que da douta sentença, ora posta em causa, não resultou nenhum “non liquet” sobre qualquer facto.
O)
Resulta, de uma cuidada leitura da douta sentença, que a Exmª Senhora Juíza de Direito não ficou com dúvidas sobre a verificação de factos desfavoráveis ao arguido por si considerados provados, nem ficou com dúvidas relativamente a qualquer facto favorável ao arguido que tenha considerado como não provado.
P)
Resulta provado dos documentos juntos aos autos e da prova produzida em audiência de julgamento que, na sequência da recusa da assistente em aceitar que fosse despedida sem que lhe fossem pagas todas as quantias devidas por lei, no dia 20 de junho de 2016, pelas 16:00h., o arguido disse à assistente: “... eu mato-a, … não sabe com quem se está a meter...”
Q)
Aquelas expressões integram o conceito de ameaça agravada para efeitos do disposto nos artigos 153º, nº 1 e 155º do Código Penal, ou seja, um mal de natureza pessoal em que o objeto da ameaça é o crime de homicídio, a concretizar no futuro e dependente da vontade do arguido, segundo a prespetiva do homem comum, tendo em conta que a assistente ao tempo era funcionária do arguido.
R)
As ameaças feitas pelo arguido criaram na assistente insegurança, intranquilidade e medo que afetaram a sua paz individual impedindo-a de ir trabalhar e mesmo de sair de casa durante vários dias tendo estado com baixa médica por período prolongado.
S)
Bem sabendo o arguido/ recorrente que as expressões proferidas nas instalações da empresa de que é gerente durante horário de trabalho, dirigidas à assistente, sua funcionária, eram adequadas a provocar nesta medo e intranquilidade, que foram testemunhadas presencialmente pelas testemunhas T6 e T5, conforme transcrições dos seus depoimentos constantes dos pontos 18, 21, 22, 23, 31 e 32 das alegações que aqui se dão por reproduzidas.
T)
Resultou provado que o arguido cometeu o crime de ameaça agravado pelo qual foi condenado, não existindo qualquer fundamento legal ou de facto para alteração da decisão constante da douta sentença.
U)
A sentença sub judice decidiu bem e não violou as normas dos artigos referidos pela recorrente, a qual deve ser confirmada e negado provimento ao recurso.

ASSIM SENDO, DEVERÃO VS. Exªs, SENHORES DESEMBARGADORES, MANTER A SENTENÇA RECORRIDA, NEGANDO PROVIMENTO AO RECURSO, ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA.

Nesta Relação o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer em que acompanha a resposta do Ministério Público na 1ª instância, concluindo que o recurso não merece provimento.
Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, o arguido respondeu, concluindo como no recurso.
Corridos os vistos legais e realizada conferência, cumpre apreciar e decidir.
***
II. Fundamentos da Decisão Recorrida
A decisão recorrida contém os seguintes fundamentos de facto:
1 – Da Matéria de Facto Provada
De relevante para a decisão da causa, resultou provada a seguinte matéria de facto:
1 - A queixosa e Assistente AS trabalhou para o ora arguido há cerca de dois anos, exercendo a função de engenheira civil na firma “---”.

2 - No dia 20 de Junho de 2016, cerca das 16:00 horas, nas instalações da referida firma, sitas na Zona Industrial de …, o arguido proferiu ameaças de morte dirigidas à AS.
3 - Com efeito, o arguido, após uma troca de palavras disse à AS “…eu mato-a,…não sabe com quem se está a meter…”; o que repetiu várias vezes.
4 - Ao proceder da forma descrita, o arguido agiu com o propósito concretizado de intimidar a AS e de lhe produzir medo ou susto, anunciando-lhe que no futuro lhe iria infligir um mal, e, dessa forma, afectando-a na sua liberdade de movimentos e de autodeterminação.
5 - O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que aquela(s) ameaça(s) era(m) adequada(s) a provocar receio e medo à AS e a afectar a sua liberdade de movimentos e de autodeterminação, e actuou querendo proceder dessa forma, bem sabendo a sua conduta criminalmente proibida.
Relativa ao Pedido de Indemnização Civil
6 – Como consequência da conduta praticada pelo arguido a demandante sofreu psicologicamente, encontrando-se profundamente nervosa e abalada.
7 – O que motivou incapacidade para o trabalho e subsequentemente a cessação do respectivo contrato.
Relativa à determinação da sanção
8 – O arguido aufere mensalmente a quantia de 1040.00€ a título de pensão de reforma.
9 – O arguido vive com a sua ex-esposa a qual trabalha na empresa da qual é gerente e aufere mensalmente a quantia de 525.00€;
10 – O arguido paga mensalmente a quantia de 400.00€ à Autoridade Tributária a título de dívida de impostos;
11 – O arguido vive em casa arrendada pela qual paga mensalmente a quantia de 425.00€.
12 – O arguido tem os seguintes antecedentes criminais:
- foi condenado no processo 977/08.8 TAVIS na pena de 230 dias de multa à taxa diária de 5.00€, pela prática de um crime de falsidade do depoimento;
- foi condenado no processo 104/11.4IDVIS, na pena de 160 dias de multa à taxa diária de 8.00€ pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal;

2- Da matéria de facto não provada
Inexiste com relevo para a decisão da causa.

3- Motivação da decisão de facto
O tribunal formou a sua convicção de acordo com a análise de todos os elementos de prova nos termos que passa a expor.
O arguido prestou declarações, tendo negado a prática dos factos e oferecido uma versão da factualidade ocorrida completamente diferente da vertida na acusação.
Com efeito referiu que a Assistente é que o confrontou com a existência e manutenção do processo disciplinar que lhe tinha sido instaurado, tendo referido que a continuar o referido processo, iria expor factos nada abonatórios relativos à empresa, e que perante tais palavras o arguido chamou por um funcionário para ouvir estas palavras que a Assistente instada a repetir não repetiu.
Por sua vez a Assistente ofereceu uma versão dos factos completamente diferente da do arguido.
A este propósito de referir o visível estado de emoção nervosa com que a Assistente prestou depoimento, sem contudo toldar a credibilidade com que descreveu a factualidade ocorrida uma vez que descreveu pormenorizadamente os factos tendo até se socorrido de pormenores descritivos e explicações para a ocorrência dos factos perfeitamente credíveis de acordo com um juízo de bom sendo.
Desde logo começou por explicar que tendo sido contratada pela empresa ao abrigo de uma parceria entre a empresa e entidades públicas, a empresa teve vantagens patrimoniais na sua contratação, porém e porque tal parceria estava perto do final os encargos com o seu vencimento e demais impostos e contribuições passariam a ser integralmente suportados pela empresa, o que conduziria naturalmente a uma agravação de custos.
Esclareceu que devido a tais factos foi contactada pelo arguido no sentido de rescindir o contrato de trabalho, assegurando o mesmo a emissão de documentos para que beneficiasse de subsídio de desemprego, o que recusou.
Foi na sequência de tal recusa que viu uma mudança/hostilidade na atitude do arguido e que este lhe comunicou erradamente preços que colocou no orçamento e que motivaram subsequentemente a instauração de procedimento disciplinar (fls. 157 a 219) tendo referido que os erros de orçamentação que serviram de fundamento ao processo disciplinar nem sequer foram seus, pois os preços foram ditados pelo próprio arguido.
É na sequência de tais factos que o arguido pratica os factos descritos na acusação proferindo a ameaça imputada e que depois até ordena que, em computador, elabore os documentos juntos aos autos em sede de audiência de julgamento e designados como directivas 1 e 2, e concernente ao organigrama da empresa e proibições dirigidas aos funcionários nomeadamente relativas ao uso de telemóvel, fumar e períodos de descanso.
Toda esta factualidade descrita pela Assistente, até porque suportada nomeadamente pelos referidos documentos resulta na credibilidade do depoimento.
Porém, existem mais factos que a suportam.
Referiu a Assistente que no final do seu horário de trabalho se dirigiu à GNR de …, donde saiu apenas cerca das 9 da noite até porque demorou muito tempo a acalmar-se antes de prestar depoimento.
Tal facto foi integralmente confirmado quer por T5, comandante do posto que aquando do seu depoimento referiu isso mesmo. O estado de nervos e choro em que a Assistente se encontrava, o tempo que demorou até se acalmar, sendo que só mais tarde é as suas declarações foram levadas ao auto.
Também o militar que elaborou o auto – T6 – confirmou o estado de nervosismo da Assistente, o tempo que demorou até se acalmar, e esclareceu que (e porque a Assistente em sede de declarações afirmou mais factos do que os que constam do auto de fls. 4 e 5 e referiu que também os descreveu na GNR) foi quem disse à Assistente que aqueles factos que fez constar dos autos (menos dos que por si descritos) eram suficiente.
Ora, também isto confere mais uma vez credibilidade às declarações da Assistente.
Os depoimentos das testemunhas T3 e T4 serviram unicamente para prova do estado de nervos e ansiedade em que a Assistente se encontrava naquele dia.
Os depoimentos das testemunhas T1 (funcionário do arguido) T2 (funcionária do arguido, ex mulher e actual companheira) e T7 (funcionário do arguido) não mereceram qualquer credibilidade, desde logo porque atentas as relações que mantêm com o arguido, expressaram corporalmente uma total falta de à vontade nos declarações prestadas. Ademais descreveram a factualidade de forma demasiadamente singela, sendo que de relevante apenas referiram a exata expressão que o arguido também afirmou (quando instou a Assistente a repetir o que tinha dito), mas sem grande enquadramento circunstancial e mostraram um total desconhecimento das já referidas directivas, o que se estranha, na medida em que quer T1, encarregado na produção e T2 (funcionária administrativa) foram pela directiva 2 promovidos a Directores Adjuntos, facto que desvalorizaram, tentaram titubeantemente desvalorizar, antes de preocupando mais em tecer largos elogios ao arguido.
Porém este desconhecimento afirmado não é irrelevante, pois que se desconheciam mas existem as referidas directivas, pergunta o tribunal o que terá motivado as mesmas.
E só pode concluir pela razão apontada pela Assistente, ou seja, de que perante a sua recusa na cessação do contrato e após o arguido ter proferido as expressões referidas na acusação, ordenou-lhe que as minutasse exactamente para que soubesse que passava agora
A prova dos factos relativos ao pedido de indemnização civil, fundou-se nas declarações da demandante que aliás demonstrou o ainda presente estado de comoção nervosa, e ainda no depoimento da sua mãe e da sua amiga T4, que confirmaram o mesmo, sendo irrelevante que a Assistente tenha gozado férias em Ibiza, e não apenas tenha ficado em casa como foi referido pela sua mãe, que na parte relativa ao local onde a filha gozou férias obviamente não mereceu credibilidade, sendo que no entanto mereceu no que concerne à descrição do estado de saúde da sua filha no período após ocorrência dos factos e até ao gozo de férias, uma vez que foi afirmado pela Demandante, pelo arguido e pela T2 que a Assistente esteve incapacitada para o trabalho por baixa médica.
A prova dos factos relativos à determinação da sanção e antecedentes criminais, resultara do teor das declarações do arguido, bem como do teor do seu certificado de registo criminal de fls. 54 e ss.
***
III. Apreciação do Recurso
A documentação em acta das declarações e depoimentos prestados oralmente na audiência de julgamento determina que este Tribunal, em princípio, conheça de facto e de direito (artigos 363° e 428° nº 1 do Código de Processo Penal).
Não obstante, o concreto objecto do recurso é sempre delimitado pelas conclusões extraídas da correspondente motivação (artigo 412º, nº 1 do Código de Processo Penal) sem embargo das questões do conhecimento oficioso.

Vistas as conclusões do recurso as questões a apreciar são as seguintes:
- Se a sentença recorrida padece de nulidade;
- Se ocorre erro de julgamento da matéria de facto, devendo ser alterada no sentido indicado pelo recorrente;
- Se os factos provados não integram a prática do imputado crime de ameaça.

Apreciando:
Da alegada nulidade da sentença recorrida
Alega o recorrente que a sentença recorrida padece da nulidade prevista no artigo 379º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Penal por inobservância do disposto no artigo 374º, nº 2 do Código de Processo Penal nos seguintes aspectos:
- falta de enumeração, como provados ou não provados, dos factos resultantes da discussão da causa relevantes para a estratégia de defesa e para a boa decisão da causa;
- falta de indicação completa das provas e do respectivo exame crítico, nomeadamente no que concerne aos pontos 6 e 7 dos factos provados;
- consideração de factualidade não constante como provada para efectuar o enquadramento jurídico “que dava um tiro”, “que um dia o matava”.

Preceitua o artigo 374º, nº 2 do Código de Processo Penal que «ao relatório segue-se a fundamentação que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal». O artigo 379º, nº 1, alínea a) comina de nula a sentença que não contiver os requisitos citados.
A razão de ser da exigência de fundamentação em geral está ligada ao próprio conceito do Estado de direito democrático, sendo um instrumento de legitimação da decisão que serve a garantia do direito ao recurso e a possibilidade de conhecimento mais autêntico pelo tribunal de recurso. Assim, a fundamentação da decisão deve obedecer a uma lógica de convencimento que permita a sua compreensão pelos destinatários, mas também ao tribunal de recurso.
Para essa lógica de convencimento e de possibilidade de controlo por via de recurso, não se exige que se proceda a uma análise exaustiva dos meios de prova, seja no que respeita à sua legalidade (a abordar quando seja questionável) ao seu conteúdo verbal ou aos motivos que lhe confiram ou não credibilidade, esta vertente apenas se impõe na medida do necessário para a compreensão da decisão, da sua lógica intrínseca, de modo a que não possa apresentar-se como arbitrária ou injustificada, não porque o fosse mas porque indemonstrada a sua justificação.
Sobre as exigências de fundamentação da convicção pode ler-se no Acórdão do STJ de 21.3.2007, proferido no processo 07P024, publicado em www.dgsi.pt:
A fundamentação da sentença consiste, pois, na exposição dos motivos de facto (motivação sobre as provas e sobre a decisão em matéria de facto) e de direito (enunciação das normas legais que foram consideradas e aplicadas) que determinaram o sentido («fundamentaram») a decisão.
As decisões judiciais, com efeito, não podem impor-se apenas em razão da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz (Cfr. Germano Marques da Silva, “Curso de processo penal”, III, pág. 289).
A garantia de fundamentação é indispensável para que se assegure o real respeito pelo princípio da legalidade da decisão judicial; o dever de o juiz respeitar e aplicar correctamente a lei seria afectado se fosse deixado à consciência individual e insindicável do próprio juiz. A sua observância concorre para a garantia da imparcialidade da decisão; o juiz independente e imparcial só o é se a decisão resultar fundada num apuramento objectivo dos factos da causa e numa interpretação válida e imparcial da norma de direito (cfr. Michele Taruffo, “Note sulla garanzia costituzionale della motivazione”, in BFDUC, ano 1979, Vol. LV, págs. 31-32).
A fundamentação adequada e suficiente da decisão constitui uma exigência do moderno processo penal e realiza uma dupla finalidade: em projecção exterior (extraprocessual), como condição de legitimação externa da decisão pela possibilidade que permite de verificação dos pressupostos, critérios, juízos de racionalidade e de valor e motivos que determinaram a decisão; em outra perspectiva (intraprocessual), a exigência de fundamentação está ordenada à realização da finalidade de reapreciação das decisões dentro do sistema de recursos para reapreciar uma decisão o tribunal superior tem de conhecer o modo e o processo de formulação do juízo lógico nela contido e que determinou o sentido da decisão (os fundamentos) para, sobre tais fundamentos, formular o seu próprio juízo. (negrito nosso).
(…)
O “exame crítico” das provas constitui uma noção com dimensão normativa, com saliente projecção no campo que pretende regular - a fundamentação em matéria de facto - , mas cuja densificação e integração faz apelo a uma complexidade de elementos que se retiram, não da interpretação de princípios jurídicos ou de normas legais, mas da realidade das coisas, da mundividência dos homens e das regras da experiência; a noção de “exame crítico” apresenta-se, nesta perspectiva fundamental, como categoria complexa, em que são salientes espaços prudenciais fora do âmbito de apreciação próprio das questões de direito.
Em suma, a fundamentação de facto deve dar a conhecer, por si, sem recurso a outros elementos do processo, os factos que foram objecto de discussão, mesmo que não alegados por escrito, mas apenas oralmente, relevantes para a decisão, elencando-os como provados ou não provados, as provas em que assentou a convicção assim expressa no item anterior, quer a positiva quer a negativa e os motivos de ter sido conferida ou não credibilidade aos meios de prova produzidos na sua conjugação global.
Relembrando o exposto quanto à função intraprocessual da fundamentação de facto, só assim será possível o controlo efectivo da decisão em recurso (primariamente às partes recorrer com perfeito conhecimento da situação) quer no âmbito da legalidade das provas consideradas, quer no âmbito da verificação de eventuais vícios do artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal, quer no âmbito da verificação da existência de eventual erro de julgamento da matéria de facto, tendo presente que neste domínio não está em causa um novo julgamento a realizar na 2ª instância (efectivamente impossível através da audição de prova gravada, sem imediação) mas apenas verificar se a convicção exposta pelo tribunal a quo encontra apoio razoável e lógico na prova produzida.
Como refere o Conselheiro Sérgio Poças Conselheiro Sérgio Poças, Da Sentença Penal – Fundamentação de Facto, na Revista Julgar, nº 3 “a fundamentação é um verdadeiro acto de transparência, de verdade (…) a decisão é um texto – claro, enxuto, conciso e completo onde, em discurso argumentado – para ser convincente – expondo-se, expõe a decisão e as suas razões.”

Quanto à alegada falta enumeração de factos resultantes da discussão da causa vem desacompanhada de enunciação dos factos que na perspectiva do recorrente eram relevantes para a boa decisão da causa e não foram elencados como provados ou não provados pelo Tribunal a quo, limitando-se a mencionar a passagem da decisão recorrida sob o título da matéria de facto não provada “inexiste com relevo para a decisão da causa”.
Ora essa passagem só por si não é demonstrativa de que tenham resultado da discussão da causa factos com efectivo relevo nos termos do artigo 386º, nº 2 e 369º do Código de Processo Penal , ou seja, com repercussão em algum aspecto jurídico da causa, que não hajam sido objecto de apreciação.
E se nos socorrermos do alegado pelo recorrente quando impugna a matéria de facto o que verificamos é que alude a factos que na sua perspectiva terão resultado provados ou não provados da discussão da causa meramente instrumentais da avaliação da credibilidade dos depoimentos e declarações mas que por si não têm qualquer reflexo no aspecto jurídico da causa, como é o caso dos aludidos nas conclusões 45ª, 46ª, 47ª, 48ª, e que, portanto não deviam constar do elenco factual da decisão recorrida.

Relativamente à alegada falta de indicação completa das provas e do respectivo exame crítico, nomeadamente no que concerne aos pontos 6 e 7 dos factos provados:
Relativamente a estes factos (que ao contrário do que menciona o recorrente foram alegados na petição cível) o penúltimo parágrafo da motivação da decisão de facto da decisão recorrida a eles se reporta indicando os meios de prova que suportaram essa convicção e efectuando o seu exame crítico, aliás com conjugação de vários conteúdos probatórios, não se divisando o invocado vício.
E quanto ao exame crítico da prova em geral também ele consta da decisão recorrida, contendo, para além do mais, exposição clara das razões porque se concedeu credibilidade à versão da assistente em detrimento da versão do arguido e das testemunhas T1 e T2, sendo até a impugnação da matéria de facto que o recorrente realiza significativa no sentido de que entendeu essas razões que, precisamente, tenta rebater.

No que respeita à alegada consideração de factualidade não constante como provada para efectuar o enquadramento jurídico “que dava um tiro”, “que um dia o matava”, verificamos que, efectivamente, a propósito do enquadramento jurídico dos factos, vem mencionado na decisão recorrida que “,o mal é de natureza pessoal o mal pode ter natureza pessoal ou patrimonial, no caso, ao ameaçar que dava um tiro. Ora a ameaça em causa é “eu mato-a”. Não obstante, o manifesto lapso de escrita existente não compromete a integração jurídica, é rectificável e não consubstancia nulidade.
O mesmo se diga da expressão “que um dia o matava” também não correspondente com o facto provado “eu mato-a”.
A rectificação de tais erros de escrita (provavelmente derivados do uso do texto de outra sentença) pode e deve ser efectuada nesta instância nos termos do artigo 380º, nº 2 do Código de Processo Penal.
Assim, corrigem-se os seguintes segmentos da decisão recorrida:
- A fls. 264 onde se lê “O mal pode ter natureza pessoal ou patrimonial, no caso, ao ameaçar que dava um tiro, o mal é de natureza pessoal.” passará a ler-se “O mal pode ter natureza pessoal ou patrimonial, no caso, ao ameaçar que matava, o mal é de natureza pessoal.”;
- A fls. 264 onde se lê “Nos autos, verifica-se que a ameaça era de facto com um mal futuro ao dizer que um dia a matava” passará a ler-se “Nos autos, verifica-se que a ameaça era de facto com um mal futuro ao dizer que a matava”.

Em suma, concluiu-se que a sentença recorrida não padece da apontada nulidade.

Da impugnação da matéria de facto – Erro de julgamento
O recorrente invoca que ocorre erro de julgamento da matéria de facto no que respeita aos pontos 1 a 7 dos factos provados.
No que concerne ao ponto 1 entende que não se provou que a assistente trabalhava para o arguido, ao ponto 2 que não se provou que o arguido proferiu ameaças de morte e quanto ao ponto 3 que não se provou que o arguido tenha dito “…eu mato-a … não sabe com quem se está a meter …”.
Contesta a convicção positiva do Tribunal quase exclusivamente baseada nas declarações da assistente (o que não bastaria para dar como provados os factos 4 a 7).
No seu entender impõem decisão diversa da recorrida os depoimentos das testemunhas T1 e Maria Helena Matos.
No sentido da descredibilização das declarações da assistente alega nomeadamente que em audiência apresentou uma versão completamente diferente da que havia narrado no auto de notícia, que existe divergências no depoimento prestado em audiência em momentos diferentes, que do depoimento resulta que esteve ao mesmo tempo em dois locais diferentes.
Quanto à versão do arguido alega que foi corroborada pelas mencionadas testemunhas. Qualifica o depoimento das referidas testemunhas de credível e detalhado ao contrário do que considerou o Tribunal a quo.
Como já consta do ponto anterior alega ainda o recorrente como devendo considerar-se provados ou não provados diversos factos da contextualização dos acontecimentos, alguns mencionados na motivação da convicção da sentença recorrida, cuja função se restringe à avaliação da credibilidade dos depoimentos e declarações e que não integram a categoria dos factos que nos termos legais já mencionados, devam ser elencados como provados ou não provados.
Por consequência não podem os mesmos ser aditados à decisão de facto, como parece ser pretensão do recorrente.
Finaliza o recorrente argumentando que foi violado o princípio constitucional da presunção de inocência e in dubio pro reo que aquele primeiro princípio deve observar.

Importará começar por esclarecer que declarações de sentido contrário não produzem necessariamente um resultado de convicção dubitativa, não sendo esse o sentido do princípio probatório alegado pelo recorrente.
O que se exige a quem julga vai muito para além de uma pura análise de conteúdos verbais que, sendo contraditórios, se devam anular. Exige antes uma cuidada elaboração mental que parte dos conteúdos verbais, da forma como foram produzidos, das envolventes que possam condicionar a sua correspondência à verdade, da conjugação deles com todos os outros elementos probatórios, passando todos esses aspectos pelo crivo das regras da lógica e da experiência.
Na análise da prova oral tem plena expressão o princípio da livre apreciação da prova, liberdade que não consente uma convicção íntima, caprichosa e emotiva, dado que é o livre convencimento lógico, motivado, em obediência a critérios legais, passíveis de motivação e de controlo, na esteira de uma “liberdade de acordo com um dever”, no ensinamento do Professor Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, vol. I, Reimpressão, Coimbra Editora, 1984, pág. 201 a 206, que o processo penal moderno exige, dever esse que axiologicamente se impõe ao julgador por força do Estado de Direito e da Dignidade da Pessoa Humana.
De harmonia com o aludido princípio da livre apreciação da prova, o julgador é livre ao apreciar as provas, estando tal apreciação apenas “vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório” – cfr. Professor Cavaleiro Ferreira, in “Curso de Processo Penal”, vol. I, pág. 211. “A livre convicção não pode ser vista em função de qualquer arbitrária análise dos elementos probatórios, mas antes deve perspectivar-se segundo as regras da experiência comum, num complexo de motivos, referências e raciocínio, de cariz intelectual e de consciência, que deve de todo em todo ficar de fora a qualquer intromissão interna em sede de conhecimento. Isto é, na outorga, não de um poder arbitrário, mas antes de um dever de perseguir a chamada verdade material, verdade prático-jurídica, segundo critérios objectivos e susceptíveis de motivação racional.” – cfr. Professor Figueiredo Dias, ob. e loc. citados e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08.02.2012, proferido no processo 38/10.0 TAFIG.C1, disponível in www.dgsi.pt/jtrc.
Sempre que o caminho trilhado pelo Tribunal a quo na convicção formada e nos motivos dela determinantes, se mostre perfeitamente explicado, de forma lógica e objectivável deverá prevalecer. Como se menciona no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.05.2010, proferido no processo 11/04.7 GCABT.C1.S1, disponível in www.dgsi.pt/jstj, “Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova.”. Só assim não será, quando as provas produzidas impõem decisão diversa da proferida pelo tribunal recorrido, o que sucederá, sem preocupação de enunciação exaustiva, designadamente, quando o julgador decidiu a apreciação dos meios de prova ou de obtenção de prova ao arrepio e contra a prova produzida (v.g. dá como provado determinado facto com fundamento no depoimento de determinada testemunha e ouvido tal depoimento ou lida a respectiva transcrição constata-se que a dita testemunha disse coisa diversa da afirmada na decisão recorrida ou nem se pronunciou sobre aquele facto), ou quando o tribunal valorou meios de prova ou de obtenção de prova proibidos, ou apreciou a prova produzida desrespeitando as regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis, ou quando a apreciação da prova produzida contraria as regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, enfim, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência, ou, ainda, quando a apreciação se revela ilógica, arbitrária e violadora do favor rei.
Em síntese, o princípio da livre apreciação da prova determina que a valoração da prova conducente a uma correcta convicção seja uma actividade intelectual cuja liberdade está condicionada ao respeito das regras da experiência e do princípio fundamental in dubio pro reo, o que traduz a exigência de que as regras da experiência sejam susceptíveis de afastar qualquer dúvida que se coloque na construção da convicção.

Analisando a esta luz a prova produzida, verificamos que, tal como refere o tribunal recorrido, a assistente relatou os factos ocorridos de modo circunstanciado e detalhado, apesar de ser patente, mesmo através da gravação o seu nervosismo.
Entre o teor da queixa e as declarações em audiência não verificamos a existência de verdadeira contradição, apenas a assistente nunca referiu em audiência que a expressão ameaçadora proferida tenha sido repetida como consta da queixa, o que tanto se pode dever ao tempo decorrido, como ao facto de não ter sido questionada sobre esse pormenor e de lhe não ter ocorrido a sua eventual relevância.
Ao contrário do que refere o recorrente, não declarou a assistente de modo diferente em momentos distintos, antes acrescentou em momento posterior pormenores que não tinha mencionado numa primeira abordagem, ou usou palavras diferentes com o mesmo significado (caso do uso do discurso directo e indirecto) como não conseguimos, perante o teor das declarações, entender a afirmação do recorrente no sentido de que assistente em momentos diferentes disse estar em dois sítios diferentes.
O que flui as declarações da assistente é que este acontecimento, inserido dentro do que entendeu como pressão no sentido do seu despedimento, a afectou de tal modo que ainda em audiência era patente o seu nervosismo.
Tendo em conta que estava em causa uma relação de trabalho subordinado, preexistindo um processo disciplinar instaurado contra a assistente, não encontramos qualquer estranheza no facto de esta apenas se ter dirigido à GNR para apresentar queixa no termo do seu horário de trabalho e de, entretanto, ter continuado no seu posto de trabalho.
O agente da GNR que recebeu a queixa e que foi inquirido como testemunha, T6, é bem significativo no sentido de que a assistente chegou ao posto bastante alterada e ansiosa, pelo que só cerca de duas horas depois foi possível elaborar a queixa. Esse estado de grande nervosismo que ao agente da GNR pareceu genuína, não se compagina com a atitude pensada de se dirigir à entidade policial para “inventar uma ameaça”, segundo as regras da experiência.
Ou seja, mesmo sem os benefícios da imediação conseguimos entrever a congruência das declarações em causa.
Quanto às declarações do arguido, negatórias de haver proferido a ameaça em causa, foram efectivamente confirmadas pelos depoimentos das testemunhas T1, encarregado da empresa gerida pelo arguido, e T2, companheira do arguido e também trabalhadora da mesma empresa.
Através da gravação também é patente que estes depoimentos estão longe de ser circunstanciados, parecendo querer negar que o arguido estivesse exaltado, especialmente a primeira, embora a segunda tenha confirmado que disse a arguido para ter calma. Mas mais significante é que ambos disseram desconhecer a directiva desse dia que os promovia a directores adjuntos, referindo a testemunha T1 que nunca foi director adjunto.
Embora a propósito da qualificação jurídica (matéria em que não intervém o teor da prova, mas exclusivamente o provado) alega o recorrente que a expressão em causa não integra o crime de ameaças porque a assistente declarou que o arguido estava ao mesmo tempo que proferia as expressões a ser agarrado pelos funcionários.
Convém igualmente notar que da matéria de facto provada não consta toda a expressão que foi declarada pela assistente e que foi “eu sei onde você mora, mato-a a si e à sua família”. A primeira referência só se pode compreender como anúncio de um mal futuro, sendo certo que estando o arguido a ser agarrado no momento em que proferiu a expressão, não podia nesse momento concretizar o mal que anunciou.
Nesta matéria é evidente que não deve ser efectuada qualquer alteração factual que se compaginasse com a vontade de concretizar de imediato o mal anunciado.
E cremos que o exposto já é suficiente para demonstrar a existência de fundamento para a convicção que o tribunal a quo expressou e motivou, aliás, para além do exposto, usando sempre de criteriosa e conjugada análise dos depoimentos e declarações segundo as regras da experiência.
E se, mesmo sem o inegável benefício da imediação, pode este Tribunal aperceber-se da congruência da prova que fundamentou a convicção positiva do tribunal, devidamente conjugada entre si, importa concluir que ela permite a convicção alcançada pelo Tribunal a quo, nos seus aspectos essenciais, não se vislumbrando que na apreciação da credibilidade dos depoimentos e declarações o tribunal se tenha desviado das regras da experiência.
E quando a convicção expressa pelo Tribunal a quo encontra respaldo no teor da prova produzida e está devidamente explicitada e fundamentada, também nos aspectos da credibilidade, não pode o Tribunal de recurso, a que falta o aspecto essencial da imediação, censurá-la sem razões que radiquem em análise flagrantemente violadora das regras da experiência, o que no caso não ocorre manifestamente.
Em suma, não se detecta a existência de qualquer erro de julgamento da matéria de facto que determine alteração com a dimensão pretendida, nomeadamente por violação do princípio de livre apreciação da prova com o limite que lhe está subjacente de observância das regras da experiência ou por violação do outro alegado princípio in dubio pro reo; emanação ao nível probatório do mais lato princípio da presunção de inocência. É que a violação deste pressuponha que o Tribunal a quo tivesse formado convicção positiva sem a necessária base probatória o que, como já se mencionou, não ocorre.

Importa, porém, excepcionar do exposto o seguinte:
No facto provado nº 1 menciona-se que a assistente trabalhava para o arguido quando a prova não oferece qualquer dúvida, incluindo a documental, que essa relação de trabalho existia com a sociedade que o arguido geria e não com este pessoalmente.
Deve a redacção do mesmo ser alterada.
No facto provado nº 2 menciona-se a conclusão de que o arguido proferiu ameaças de morte, o que, não sendo afirmação factual, deve ser retirado do elenco dos factos, havendo que fundir a redacção dos pontos 2 e 3 dos factos provados.
No facto provado nº 3 consta que o arguido repetiu várias vezes a expressão “eu mato-a” o que não resulta das declarações da assistente. Deverá a menção dessa repetição ser retirada dos factos provados.
Apenas nestas questões de pormenor merece a impugnação procedência, passando a matéria de facto da sentença recorrida a ter a seguinte redacção:
De relevante para a decisão da causa, resultou provada a seguinte matéria de facto:
1 - A queixosa e Assistente AS trabalhou, há cerca de dois anos, exercendo a função de engenheira civil, por conta da sociedade “---” De que o arguido é gerente.
2 - No dia 20 de Junho de 2016, cerca das 16:00 horas, nas instalações da referida sociedade, sitas na ---, o arguido, após uma troca de palavras disse à AS “…eu mato-a,…não sabe com quem se está a meter…”.
3 - Ao proceder da forma descrita, o arguido agiu com o propósito concretizado de intimidar a AS e de lhe produzir medo ou susto, anunciando-lhe que no futuro lhe iria infligir um mal, e, dessa forma, afectando-a na sua liberdade de movimentos e de autodeterminação.
4 - O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que aquela(s) ameaça(s) era(m) adequada(s) a provocar receio e medo à AS e a afectar a sua liberdade de movimentos e de autodeterminação, e actuou querendo proceder dessa forma, bem sabendo a sua conduta criminalmente proibida.

Relativa ao Pedido de Indemnização Civil
5 – Como consequência da conduta praticada pelo arguido a demandante sofreu psicologicamente, encontrando-se profundamente nervosa e abalada.
6 – O que motivou incapacidade para o trabalho e subsequentemente a cessação do respectivo contrato.

Relativa à determinação da sanção
7 – O arguido aufere mensalmente a quantia de 1040.00€ a título de pensão de reforma.
8 – O arguido vive com a sua ex-esposa a qual trabalha na empresa da qual é gerente e aufere mensalmente a quantia de 525.00€;
9 – O arguido paga mensalmente a quantia de 400.00€ à Autoridade Tributária a título de dívida de impostos;
10 – O arguido vive em casa arrendada pela qual paga mensalmente a quantia de 425.00€.
11 – O arguido tem os seguintes antecedentes criminais:
- foi condenado no processo 977/08.8 TAVIS na pena de 230 dias de multa à taxa diária de 5.00€, pela prática de um crime de falsidade do depoimento;
- foi condenado no processo 104/11.4IDVIS, na pena de 160 dias de multa à taxa diária de 8.00€ pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal;

Nestes termos, a alteração substancial da factualidade assente na 1ª instância pretendida pelo recorrente só poderia ocorrer pela verificação de algum dos vícios a que aludem as alíneas do nº 2, do artigo 410º do Código de Processo Penal, a saber: (a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; (b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; e (c) o erro notório na apreciação da prova – cfr. ainda artigo 431º, do citado diploma, não alegados, mas do conhecimento oficioso.
Está, porém, a decisão recorrida, isenta de tais vícios.
Em conclusão, o teor da prova produzida consente a convicção que o Tribunal recorrido formulou e fundamentou, não se reconhecendo qualquer violação de princípios probatórios, quer confrontando o teor da prova produzida, quer exclusivamente a motivação expressa, sendo de manter a decisão de facto proferida, apenas com as alterações de pormenor acima consignadas.

Da qualificação jurídica
Entende o recorrente que a conduta dada como provada não se subsume ao tipo legal de crime de ameaça dos artigos 153º, nº 1 e 155º, nº 1 do Código Penal porque a expressão proferida surge como a verbalização de um mal eminente e não um mal futuro.
Pretende por consequência ser absolvido do crime de ameaça por que foi condenado em primeira instância.
A distinção entre mal actual e mal futuro não assenta no texto legal que é do seguinte teor:
"Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação é punido …"
Quando o tipo legal se refere a ameaça não exige expressa ou implicitamente que o mal anunciado seja expresso numa forma verbal futura. E tendo presente o outro elemento típico de adequação do mal anunciado a causar medo ou inquietação, tanto uma forma verbal presente, como uma forma verbal futura é adequada a causar medo. Tanto causa medo ao visado dizer-se vou-te matar ou irei matar-te e nem as expressões proferidas indicam a realização de uma acção imediata, podendo também significar acção a realizar num futuro próximo.
E se é verdade que a doutrina e a jurisprudência referem que o mal anunciado tem de ser futuro (porque ameaçar significa anunciar um mal que não se quer concretizar no momento do anúncio) essa referência apenas é feita para afastar as situações de ocorrência de um mal iminente ou imediato que se quer efectivamente causar, porque o crime de ameaça não supõe sequer que o agente queira, ainda que no futuro, causar o mal anunciado. Nas palavras de Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, pág. 343 "isto significa apenas que o mal, objecto da ameaça, não pode ser iminente, pois que, nesse caso, estar-se-á diante de uma tentativa de execução do respectivo acto violento, isto é, do respectivo mal."
Assim, a confusão que poderá estabelecer-se a esse propósito diz respeito a outra realidade, a distinção que há que fazer entre o crime correspondente ao mal anunciado e o crime de ameaça e haverá situações em que a distinção é difícil. Assim, cometerá crime de homicídio na forma consumada ou tentada quem diz eu mato-te e dispara de imediato uma arma, já cometerá o crime de ameaça quem o mesmo diz e apenas exibe uma arma.
Ou seja, o que distingue a ameaça do cometimento de um crime e o cometimento desse mesmo crime são as próprias circunstâncias da acção que revelam a intenção que lhe preside.
No caso apenas se provou que o arguido disse à assistente “mato-a” sem que a tal afirmação se tenha seguido a tentativa de cometer o crime correspondente. São estas circunstâncias da acção de mera verbalização de uma hipotética vontade de matar, não acompanhada de qualquer acto demonstrativo da vontade de concretizar de imediato esse mal, que indicam a intenção que presidiu ao agente, qual seja a de causar medo, não a iminência de matar, sendo certo que essa actuação é idónea a causar medo e, efectivamente causou-o, como vem provado.
Estando, pois presentes na factualidade provada quer os elementos objectivos, quer os subjectivos do crime de ameaça e não ocorrendo causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, constituiu-se efectivamente o recorrente como autor de um crime dessa natureza, como foi considerado na decisão recorrida, não obstante se ter eliminado da factualidade provada a referência à repetição por várias vezes da expressão.
Por consequência importa manter a condenação do arguido, improcedendo o recurso.
***
IV. Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos, acordam em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e, em consequência, manter a sentença recorrida com as alterações acima consignadas.
Pelo seu decaimento em recurso condenam o arguido em custas, fixando a taxa de justiça devida em quatro UC (cfr. artigo 513º, nº 1 do Código de Processo Penal).
***
Coimbra, 17 de Maio de 2018
Texto elaborado e integralmente revisto pela relatora

Maria Pilar de Oliveira (relatora)
José Eduardo Martins (adjunto)