Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
141/12.1GBTCS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CALVÁRIO ANTUNES
Descritores: ESCUTA TELEFÓNICA
LOCALIZAÇÃO CELULAR
REQUISITOS
Data do Acordão: 05/22/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TRANCOSO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 189º Nº 2 E 187º CPP
Sumário: 1.- Para serem admissíveis as escutas telefónicas, têm, de estar preordenadas à perseguição dos chamados crimes do catálogo, tem de existir uma suspeita da prática do crime, têm de estar subordinadas ao princípio de subsidiariedade, no sentido de, em princípio não haver outro meio eficaz, menos gravoso, para alcançar o resultado probatório em vista, devendo ficar demonstrado que a escuta «reveste grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova», ou seja, a escuta telefónica tem de revelar-se “como um meio em concreto adequado a mediatizar aquele resultado e ainda que as escutas telefónicas sejam limitadas a um universo determinado de pessoas ou ligações telefónicas.

2.- A pretensão de identificação de todos os aparelhos/cartões que estiveram registados nas antenas/células em determinado espaço físico e período temporal, tem que se submeter ao regime legal das escutas telefónicas estabelecido no artº 187º do CPP.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes da 4ª Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra

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No processo supra identificado, foi requerido pelo M.P., que, “Com vista à identificação dos autores dos factos em investigação, ao abrigo do disposto nos arts. 187.º,n.º 1, al. a) e 189.°, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal, promovo se determine a notificação das operadoras de telecomunicações móveis, TMN, Vodafone e Optimus, para que, em 15 dias, procedam ao envio, em suporte digital, dos dados de localização que permitam identificar todos os aparelhos / cartões que estiveram registados nas antenas / células e período indicados nos quadro de recolha de dados identificativos de fls. 96, cuja preservação foi, atempadamente, solicitada pela PJ e comunicada ao Ministério Público (cfr. fls.96 e 97)”

 Na sequência de tal requerimento foi proferido o despacho (cuja cópia se encontra a fls. 46 a 48 destes autos) ora recorrido no qual se decidiu indeferir o requerido.

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Inconformado com tal, recorreu o Ministério Publico (fls. 49/59), tendo formulado as seguintes conclusões:

“1. Nos presentes autos investigam-se factos susceptíveis de configurar, entre outros, a prática de quatro crimes de burla qualificada, p.p. pelo art. 218.°, n.°2, al. c) do Código Penal.

2.O presente recurso versa matéria de direito e vem interposto do despacho de fls. 205 a 207, que indeferiu o requerimento do Ministério Público de fls. 202, em que se solicitava ao Juiz de Instrução que ordenasse às operadoras de telecomunicações móveis TMN, VODAFONE e OPTIMUS que fornecessem os dados de localização que permitissem identificar todos os aparelhos e cartões que estiveram registados as antenas / células e período indicados no quadro de recolha de dados identificativos,

3. Com o fundamento de que, nos termos do art. 187.º, n.º 4 ex vi art. 189.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal, a obtenção de dados de tráfego e localização celular só pode ter como visado o suspeito da prática de um crime, o que no presente caso, não sucedia.

4.Ora, entendemos, salvo devido respeito por opinião contrária, que Mm.ª JIC carece de razão, porquanto nos autos existem, pelos menos, dois indivíduos com características certas e determinadas e que, aliás, foram reconhecidos através de fotografia, que são os suspeitos da prática dos factos.

5.De facto, nos termos do art. 189.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, na redacção introduzida pela Lei n.º 47/2007, de 29.08, a obtenção de dados sobre a localização celular e registo de realização de comunicações ou conversações telefónicas - como os requeridos nos autos - só pode ser ordenada ou autorizada em qualquer fase do processo, por despacho do juiz, quanto aos crimes previstos no n.º1 do art. 187.º e no tocante às pessoas indicadas no n.º 4 do mesmo artigo.

6.Com esta redacção, o legislador aplicou o regime das escutas à obtenção de dados sobre a localização celular e registo de realização de comunicações e, nesse medida, tais dados apenas podem ser obtidos quando estiver em causa a prática de um dos crimes de "catálogo" (dos elencados no n.º1 do art. 187.º) e relativamente a um dos "alvos" indicados no n.º 4 do mesmo artigo.

7. Um desses "alvos" é o suspeito, sendo que é neste aspecto que reside a questão controversa, porquanto a Mm.ª JIC entendeu que não havia qualquer suspeito nos autos, porque existiam apenas umas descrições genéricas dos autores dos factos.

8. Nos termos do art. 1º, n.º1, al. e) do Código de Processo Penal é suspeito "toda a pessoa relativamente à qual exista indício de que cometeu ou se prepara para cometer um crime, ou que nele participou ou se prepara para participar".

9. Como tem sido decidido pela jurisprudência - conforme acórdãos mencionados na motivação de recurso -, a noção legal de suspeito pressupõe uma pessoa determinada, relativamente à qual existam indícios da prática de um crime.

10. Essa exigência de individualização do suspeito, não se confunde com a sua identificação completa, bastando que seja uma certa e determinada pessoa, e não uma abstracção, o que ocorre quando estamos perante crimes praticados por incertos.

11. Ora, nos presentes autos, existem suspeitos da prática de tais factos, os quais são pessoas concretas, com certas e determinadas características, que se encontram descritas quer no auto de denúncia que deu origem ao inquérito n.º 192/12.6JAGRD (que se encontra incorporado nestes autos) quer no auto de reconhecimento fotográfico.

12. De acordo com os ofendidos, “Ambos os indivíduos ( ... ) eram do sexo masculino e caucasianos e apresentavam-se bem vestidos; o indivíduo que dialogou com o ofendido, que saiu do veículo do lugar do passageiro, era de estatura média, moreno, com cerca de 1,70 metro de altura, aparentava ter cerca de 55/60 anos de idade, usava bigode de cor preto, cabelo cheio penteado para trás de cor preta, cara grossa, falava fluentemente português, vestia calças de cor escura, camisola de cor cinzenta e casaco escuro; o condutor do veículo, que lhes foi apresentado como doutor, tinha o rosto comprido, de compleição forte, usava chapéu tipo cowboy, de cor castanha, aparentado ter cerca de 60 anos de idade, alto com cerca de 1,80 metro de altura e com boa apresentação, vestia casaco comprido de cor castanha claro e calças de cor escura".

13. E depois de confrontados com diversas fotografias de indivíduos com características idênticas às descritas, os ofendidos indicaram dois indivíduos como sendo os suspeitos dos factos, a saber, João Serrano da Cunha e Amândio Peres Lopes, cujas fotografias se encontram a fls. 169/ 170 e 173/174.

14. Deste modo, no nosso entendimento, não há dúvidas de que se mostra preenchido o requisito legal em causa, sendo os dois suspeitos identificados nos autos, os "alvos" do pedido de dados de tráfego solicitado.

15. A diligência probatória requerida visa confirmar a identidade dos suspeitos já descritos e reconhecidos nos autos e constitui elemento de prova essencial à descoberta da verdade, que de outro modo não era possível obter.

16.Com efeito, apenas obtendo a listagem de todos os aparelhos activos naquela antena de telecomunicações, é possível provar que os suspeitos estiveram no local onde foi abandonada a viatura em que seguiam quando praticaram os factos enunciados.

17. Nesta medida, afigura-se-nos que a obtenção das informações requeridas é necessária e adequada à descoberta da verdade e proporcional, tendo em conta os factos praticados e face ao interesse público na descoberta dos autos dos factos.

Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Ex. ªs doutamente suprirão, deverá o douto despacho ser revogado e substituído por outro, que ordene às operadoras de telecomunicações móveis TMN, VODAFONE e OPTIMUS que forneçam os dados de localização que permitam identificar todos os aparelhos / cartões que estiveram registados nas antenas / células e período indicados no quadro de recolha de dados identificativos de fls. 96 dos autos,

Com o que Vossas Excelências farão a costumada JUSTIÇA! ”

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Admitido o recurso (fls 60), foi mantido o despacho recorrido (fls. 62)

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Nesta instância, o Exmº Procurador-geral Adjunto, emitiu douto parecer, no sentido de que deve ser concedido provimento ao recurso.

Foram colhidos os vistos legais.

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Cumpre decidir.

Vejamos o despacho recorrido (por transcrição):

“CONCLUSÃO - 13-12-2012

(Termo electrónico elaborado por Escrivão Auxiliar José do Adro)

=CLS=

Veio a Digna Magistrada do Ministério Público requerer, com vista à identificação dos autores dos factos em investigação, se determine a notificação das operadoras de telecomunicações móveis TMN, VODAFONE e OPTIMUS para que, em 15 dias, procedam ao envio em suporte digital dos dados de localização que permitam identificar todos os aparelhos/cartões que estiveram registados nas antenas/células e período indicados no quadro de recolha de dados identificativos de fls. 96, cuja preservação foi, atempadamente, solicitada pela PJ e comunicada ao Ministério Público.

Vejamos.

No caso vertente, investigam-se factos susceptíveis de integrar a prática do crime de burla qualificada, previsto e punido pelo artigo 218.°, n.º 2, alíneas b) e c) do Código Penal.

Ora, por força da remissão operada pelo artigo 189.° do Código de Processo Penal para o artigo 187.°, do mesmo diploma, o regime de extensão previsto naquela norma legal, encontra-se dependente de quatro pressupostos materiais, de que a lei faz depender a sua admissibilidade.

Em primeiro lugar, terão de estar preordenadas à perseguição de um dos crimes do catálogo.

Por outro lado, exige-se uma forma relativamente qualificada da suspeita da prática do crime. Não se exigindo os fortes indícios, não se basta o ordenamento jurídico com meras suposições ou boatos não confirmados. "A suspeita terá de atingir um determinado nível de concretização, a partir de dados do exterior ou da vida psíquica” (cfr. Costa  Andrade, ln "Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal", página 290).

Em terceiro lugar, estão subordinadas a um princípio de subsidiariedade, isto é, não será legítimo ordenar as escutas nos casos em que os resultados probatórios possam ser alcançados sem dificuldades particularmente acrescidas.

Por último, limita a lei as escutas a um universo determinado de pessoas ou ligações telefónicas, exigindo o n.º 4 do artigo 187.°, do Código de Processo Penal que este meio de obtenção de prova seja dirigido contra: a) suspeito ou arguido; b) pessoa que sirva de intermediário, relativamente à qual haja fundadas razões para crer que recebe ou transmite mensagens destinadas ou provenientes de suspeito ou arguido; ou c) vítima de crime, mediante o respectivo consentimento, efectivo ou presumido.

Nos presentes autos não existe arguido constituído e, para além das descrições genéricas dos autores dos factos, não se apurou qualquer elemento relativo aos mesmos.

Dispõe o artigo 1.°, alínea e), do Código de Processo Penal que é suspeito toda a pessoa relativamente à qual exista indício de que cometeu um crime ou se prepara para cometer um crime, ou que nele participou ou se preparara para participar.

A lei não exige que o suspeito seja pessoa devidamente identificada, mas exige que se tenha em vista uma pessoa concreta, com determinadas características, ainda que não devidamente apurada a respectiva identidade.

A questão reconduz-se à chamada densificação da noção de suspeito.

A jurisprudência vem sufragando o entendimento de que a pessoa em concreto relativamente à qual se visa a utilização do meio de obtenção de prova em causa não pode ser uma mera abstracção (neste sentido vide, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7/11/2007 e Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14/07/2010).

Conforme se refere nesta última decisão "O n. º 4 do art. 187. º do Código de Processo Penal exige que a autorização judicial ali prevista tenha por referência pessoas concretas ou, pelo menos, determináveis (que ainda não conste dos autos a identificação civil). Não basta para esse efeito a indicação de um grupo indeterminado de utilizadores de telemóvel, cujo único traço comum é o de ocuparem, no dia dos facto e horas indicadas, um espaço físico abrangido por determinadas BTS/antenas das opera oras de telemóveis nacionais. ".

Afigura-se-nos, por isso, que a ausência de elementos que permitam indicar quem são as pessoas autoras dos factos em investigação não justifica nem salvaguarda a legalidade de obtenção de prova pelo meio que vem promovido, porquanto, violando um dos pressupostos legais, seriam alvo do mesmo pessoas que nada teriam a ver com os factos em investigação, denegando-se e infringindo-se, de modo inaceitável, o seu direito ao sigilo das comunicações (cfr. artigo 34.°, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa).

 Face ao exposto, indefiro o requerido. ”                    

                                                                      ***

 Apreciando.

 O Direito.

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, (Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98), sem prejuízo das de conhecimento oficioso.

Assim sendo, temos como 

Questão a decidir: 

Apreciar se a solicitada notificação das operadoras de telecomunicações móveis TMN, VODAFONE e OPTIMUS para procederem ao envio em suporte digital dos dados de localização que permitam identificar todos os aparelhos/cartões que estiveram registados nas antenas/células e período indicados no quadro de recolha de dados identificativos de fls. 96, deveria ter sido ordenada ou não.                                                 ***

Vejamos então.

 

 Com as escutas telefónicas, a intromissão afecta não só a pessoa perseguida, mas também a que, no outro extremo da linha, se dispõe confiadamente a encetar ou a prosseguir um diálogo. De modo que qualquer limitação da liberdade e do segredo das conversações telefónicas envolve-se tanto com o direito à palavra como com o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar (artigo 26°, nº 1, da CRP).

Por outro lado, a Constituição (artigo 34º, nº 4) proíbe toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvo os casos previstos na lei em matéria de processo criminal. Conjugando esta disposição com nº 8 do artigo 32º, que — para além de outras — declara nulas as provas obtidas mediante abusiva intromissão nas telecomunicações, chega-se à existência de um regime relativo, não impeditivo, em absoluto, da intervenção das autoridades públicas nas telecomunicações.

A escuta telefónica é um meio de obtenção de prova cuja produção e utilização reveste significativo melindre, consabido que conflitua com direitos e valores fundamentais diversos, designadamente o direito à privacidade, o direito ao sigilo e inviolabilidade das telecomunicações.

Nos termos do artigo 187°, nº 1, do Código de Processo Penal, "a intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só pode ser ordenada ou autorizada, por despacho do juiz", quanto aos crimes ali elencados e se houver razões para crer que a diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova.

Assim, a citada norma do processo penal tem que ser vista à luz do disposto no artigo 18°, n.º 3, da Constituição, segundo o qual "a lei só pode restringir os direitos liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos" e revela a preocupação por parte do legislador ordinário em dar cumprimento a esse comando constitucional: restringe-se a possibilidade de realização das intercepções telefónicas à investigação de determinados crimes, em princípio considerados mais graves, ou em que tais diligências se revelam de maior eficácia, ou cometidos, eles próprios, através do telefone; exige-se, para a efectivação das intercepções, que haja razões para crer que a diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova; e defere-se ao juiz a competência para, em cada caso, verificar a existência desses requisitos e autorizar - ou denegar - a realização de escutas.

Por isso, a sua admissibilidade depende (da rigorosa verificação) de requisitos de natureza formal e substancial – artigo 187º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

O que a lei exige é que existam razões suficientemente fortes e objectivas de que as escutas telefónicas se revelam de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova. Relevância a apreciar segundo os critérios da necessidade, adequação e proporcionalidade, atento o carácter excepcional e subsidiário das escutas telefónicas, por constituírem uma ingerência na vida privada e nos meios de comunicação privada.

É neste sentido que tanto a doutrina como a jurisprudência têm interpretado a norma em referência, no seu confronto com as normas constitucionais sobre o direito à reserva da intimidade da vida privada (art. 26º nº 1 da Constituição da República Portuguesa) e sobre a inviolabilidade das telecomunicações e demais meios de comunicação privada (art. 34º nº 1 e nº 4 da Constituição da República Portuguesa).

 As escutas telefónicas devem, assim, ser entendidas como a consagração de um juízo de ponderação de interesses a que não é alheia a ideia de eficácia funcional da justiça penal, no sentido de que aquelas só são admissíveis, quando revelarem grande interesse para a descoberta da verdade. Trata-se da consagração processual dos princípios constitucionais da necessidade, adequação e proporcionalidade, através da atribuição de carácter subsidiário às escutas telefónicas.

Ora, daqui ressalta que não basta uma convicção subjectiva e porventura infundada, do juiz, acerca da grande relevância da diligência, antes se exige uma convicção baseada em "razões" que não podem deixar de ser objectivas, consistentes e compreensíveis pelo cidadão médio.

O que o juiz tem que fazer é um juízo acerca das probabilidades da eficácia da diligência e autorizar a sua realização apenas quando essa probabilidade se mostrar muito elevada pois que quando assim não for não se justifica a intromissão na vida privada e familiar que as escutas telefónicas sempre acarretam. Mas esse juízo tem que assentar em elementos concretos e consistentes, que já devem constar do processo quando a questão é submetida a apreciação judicial.

Ou, como defende Costa Andrade (in Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, pag. 290) é de exigir "uma forma relativamente qualificada da suspeita da prática do crime" e, se não é de reclamar "o limiar dos fortes indícios da prática do crime (de que o artigo 202° faz depender a prisão preventiva)" já não serão suficientes "as meras suposições ou boatos infundados", pois que a suspeita tem de "atingir um determinado nível de concretização a partir de dados do acontecer exterior ou da vida psíquica".

Assim, podemos dizer que só podem ser ordenadas ou autorizadas por decisão do juiz, quando houver razões para crer que se revelarão de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova e a não ser assim, estar-se-ão a afectar, injustificadamente, direitos e valores de matriz constitucional, o que é inadmissível.

Por isso, só perante a certeza ou a forte probabilidade de que através de determinado telefone a colocar sob escuta irão processar-se conversações ou comunicações atinentes ao facto em investigação (suposta a verificação dos demais pressupostos legais) é admissível a determinação ou a autorização da intercepção e da gravação das conversações ou comunicações, posto que estas, como já se consignou, conflituam com direitos e valores fundamentais, cuja violação não é sustentável sem a ocorrência, pelo menos, de forte probabilidade de que da escuta advirão resultados de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova.

Daí que este meio de obtenção de prova assuma um carácter excepcional, devendo reger-se pelos critérios da proporcionalidade, da adequação e da necessidade (art. 18 nº 2 da CRP).

É que a verdade que se visa alcançar no processo penal, não sendo um valor absoluto, só pode ser procurada através de meios justos, não podendo ser investigada a qualquer preço, mormente quando esse preço é o sacrifício dos direitos das pessoas.

Precisamente para assegurar “a menor compressão possível dos direitos fundamentais afectados pela escuta telefónica” a lei exige, na fase do inquérito, a intervenção de um juiz, o qual verifica se estão preenchidos os requisitos do artº. 187º do CPP e, em caso afirmativo, autoriza a intercepção.

Além disso, por força da remissão operada pelo artigo 189° do Código de Processo Penal para o artigo 187°, do mesmo diploma, o regime de extensão previsto naquela norma legal, encontra-se dependente de quatro pressupostos materiais, de que a lei faz depender a sua admissibilidade.

Assim, para serem admissíveis as escutas telefónicas, têm, de estar preordenadas à perseguição dos chamados crimes do catálogo, tem de existir uma suspeita da prática do crime, têm de estar subordinadas ao princípio de subsidiariedade, no sentido de, em princípio não haver outro meio eficaz, menos gravoso, para alcançar o resultado probatório em vista, devendo ficar demonstrado que a escuta «reveste grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova», ou seja, a escuta telefónica há-de revelar-se “como um meio em concreto adequado a mediatizar aquele resultado e ainda que as escutas telefónicas sejam limitadas a um universo determinado de pessoas ou ligações telefónicas.

         Ora, tudo o que foi trazido ao conhecimento da Senhora Juiz "a quo", com eventual relevo para a questão, foi que existem indícios de que alguém praticou um crime de burla qualificada, previsto e punido pelo artigo 218°, nº 2, alíneas b) e c) do Código Penal e apenas por isso pretende o M.P. que “....se determine a notificação das operadoras de telecomunicações móveis TMN, VODAFONE e OPTIMUS para que, em 15 dias, procedam ao envio em suporte digital dos dados de localização que permitam identificar todos os aparelhos/cartões que estiveram registados nas antenas/células e período indicados no quadro de recolha de dados identificativos de fls. 96, cuja preservação foi, atempadamente, solicitada pela PJ e comunicada ao Ministério Público.”

            Tal pretensão viola de forma manifesta o princípio da proporcionalidade e não obedece ao requisito do nº 4 do artigo 187° do Código de Processo Penal, pelo que bem andou o tribunal “a quo”, ao indeferir o requerido pelo M.P. (neste sentido, vidé, além da jurisprudência citada no despacho recorrido, ainda Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10-05-2011, Processo: 65/11.0JAFUN-A.L1-5, Relator: MARGARIDA BLASCO e Ac. do TRCoimbra, de 16/02/2005, Processo nº 273/05, Relator: OLIVEIRA MENDES, ambos in www.dgsi.pt)

 Consequentemente, não se verificando o requisito do nº 4 do artigo 187° do Código de Processo Penal, não assiste qualquer razão ao recorrente, pelo que, sem necessidade de mais considerações, julgamos improcedente, o recurso interposto, mantendo-se na integra a decisão recorrida.

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Decisão:

Pelos fundamentos expostos, decidem os juízes da 4ª Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra, negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e, consequentemente, manter o despacho recorrido.

Sem custas.

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 (Calvário Antunes - Relator)

 (Fernando Chaves)