Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
926/10.3TVPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CATARINA GONÇALVES
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
REVOGAÇÃO
JUSTA CAUSA
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 11/18/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: BAIXO VOUGA - JUÍZO DE GRANDE INSTÂNCIA CÍVEL DE AVEIRO – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1156º E 1170º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – O contrato por via do qual alguém se obriga a prestar a outrem determinados serviços de arquitectura, mediante retribuição, e do qual não resulta para o prestador dos serviços qualquer outro interesse que não seja o de receber a retribuição, é um contrato de prestação de serviços que, por força do disposto no arts. 1156º e 1170º do C.C., é livremente revogável por qualquer das partes, independentemente da existência de justa causa.

II – Todavia, não obstante a sua livre revogabilidade, estando em causa um contrato oneroso que tem como objecto a prestação de determinados serviços, a sua revogação unilateral por parte do contraente a quem se destinam os serviços implica, em princípio, a obrigação de indemnizar a outra parte pelos prejuízos decorrentes da cessação antecipada do contrato.

III – Não haverá, porém, lugar a qualquer indemnização quando exista justa causa para a revogação do contrato e desde que essa justa causa se reconduza a qualquer facto ou circunstância que seja imputável à contraparte.

IV – A justa causa, enquanto pressuposto da faculdade de revogar o contrato (como acontece na situação previstas art. 1170º, nº 2, do CC.), há-de corresponder a qualquer facto, situação ou circunstância que torne inexigível, de acordo com as regras da boa fé, a manutenção da relação contratual e que poderá ser ou não imputável à contraparte; todavia, enquanto factor de exclusão da obrigação de indemnizar a cargo da parte que revoga o contrato, apenas releva a justa causa que se reconduza a um comportamento ou actuação da contraparte, de forma a que possa afirmar-se que a revogação do contrato decorreu de uma determinada actuação da contraparte que, segundo as regras da boa fé, tornava inexigível para a parte revogante a manutenção da relação contratual.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

A... , Ldª, com sede na Rua (...), Braga, intentou a presente acção, com processo ordinário, contra B..., S.A., com sede na Rua (...), Aveiro, alegando, em suma, que: em 22/11/2005, celebrou com a Ré um contrato por via do qual esta adjudicou à Autora a prestação de vários serviços de arquitectura e de engenharia com vista a desenvolver um projecto denominado Aveiro Park; a Ré pagou a primeira prestação acordada na data da celebração do contrato e pagou a 2ª prestação em Dezembro de 2005, no momento em que a Ré aprovou o estudo prévio que a Autora havia elaborado; em execução desse contrato, a Autora elaborou o pré-projecto base de arquitectura, procedeu à sua reformulação com vista a introduzir algumas alterações sugeridas pelos técnicos da Câmara Municipal; em 08/09/2006, a Autora entregou na Câmara Municipal o projecto base de arquitectura; entretanto, por razões imputáveis à Ré (relacionadas com um emparcelamento exigido pela Câmara ou uma anexação de dois prédios) o projecto não foi apreciado pela Câmara Municipal, sendo que, após outras diligências, a Ré veio a comunicar à Autora, por fax de 03/02/2010, que não pretendia que a Autora continuasse a desenvolver o projecto, resolvendo unilateralmente o contrato e adjudicando o projecto a outro prestador de serviços, sendo que este veio a aproveitar o projecto que havia sido elaborado pela Autora; por força dessa resolução, a Ré está obrigada a pagar à Autora a parte do preço que está previsto na alínea c) da cláusula décima do contrato, no valor de 45.000,00€ acrescidos de IVA (valor que deverá ser abatido da quantia de 6.250,00€ que, entretanto, foi liquidada), bem como a quantia de 2.000,00€ acrescidos de IVA referente ao projecto de segurança contra incêndio que a Autora elaborou, estando ainda obrigada a indemnizar a Autora pelos prejuízos que sofreu e que correspondem a pelo menos metade do valor que teria direito a receber caso o contrato não tivesse sido resolvido, ou seja, 45.000,00€.

Com estes fundamentos, pede que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de 49.370,00€ correspondente a honorários em dívida e a quantia de 45.000,00€ a título de prejuízos decorrentes da resolução do contrato, valores que devem ser acrescidos de juros de mora, à taxa comercial, desde a citação.

A Ré contestou, alegando, em suma, que: foi a Autora que não cumpriu as obrigações que assumiu, na medida em que apenas apresentou um projecto de arquitectura na CMA em 08/09/2006 (mais de dez meses depois da assinatura do contrato) e tal projecto não ia devidamente instruído o que acarretou mais atrasos da exclusiva responsabilidade da Autora, sendo que não procedeu ao loteamento de anexação de dois prédios, como lhe competia e não procedeu ao levantamento topográfico que lhe permitiria ter tido a percepção de que a área existente não correspondia à que estava registada; em face desse incumprimento, pôs fim ao contrato com justa causa, nada devendo à Autora.

Com estes fundamentos e alegando ainda ter pago indevidamente a quantia referente à alínea c) da cláusula 10ª (uma vez que o projecto de arquitectura nunca foi aprovado), conclui pela improcedência da acção e pede, em reconvenção, que a Autora seja condenada a pagar-lhe a quantia de 45.000,00€ que a Ré lhe pagou indevidamente, acrescida de juros e a ressarcir os danos causados à Ré pelo incumprimento que se vierem a provar em liquidação de sentença.

Sustenta ainda a Ré que a Autora litigou de má fé, pedindo a sua condenação em multa e indemnização não inferior a 15.000,00€.

A Autora respondeu, reafirmando os factos que já havia alegado na petição inicial, sustentando que não existiu qualquer incumprimento da sua parte e impugnando alguns dos factos alegados pela Ré.

Conclui pela improcedência do pedido reconvencional e pede a condenação da Ré, por litigância de má fé, em indemnização correspondente a 5.000,00€.

Findos os articulados, foi proferido despacho a admitir a reconvenção, foi proferido despacho saneador e foi elaborada a selecção da matéria de facto assente e base instrutória.

Após realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente e julgando a reconvenção improcedente, condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de €38.750,00 mais IVA, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, desde a citação até integral pagamento, calculados acordo com as seguintes taxas: a) entre a citação e 31.12.2011 aplica-se a taxa de 8,25%; b) entre 01.01.2012 e 31.12.2012 aplica-se a taxa de 8%; c) entre 01.01.2013 e 30.06.2013 aplica-se a taxa de 7,75%; d) desde 01.07.2013 até à presente data aplica-se a taxa de 7,5%; e) doravante, aplica-se a taxa de juros que venha a vigorar em relação aos juros comerciais, até que ocorra o pagamento. No que toca ao demais peticionado, a Ré foi absolvida, tendo a Autora sido absolvida do pedido reconvencional.

Na aludida sentença, foi ordenada a notificação da Ré para exercer o contraditório relativamente ao pedido de condenação por litigância de má fé que a Autora havia formulado na réplica e em decisão posterior – proferida em 28/11/2013 – a Ré foi condenada, por litigância de má fé, na multa correspondente a 5 UC, tendo sido ordenada a notificação das partes para se pronunciarem sobre as despesas e sofridos pela Autora em consequência da litigância de má fé.

Inconformada com a sentença proferida, a Ré veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

1. Após a elaboração da sentença, extingue-se o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria em causa, exceptuando a rectificação permitida pelas normas dos artigos 613.º n.º 2 e 614.º, matéria essa que não inclui o “esquecimento” de responder a parte da matéria, no caso vertente há condenação da Ré como litigante de má-fé.

2. A ora recorrente foi notificada de um despacho que a condenou em litigante de má-fé, e ainda não havendo a condenação em concreto, ou seja, do” quantum” é que a Ré está obrigada a pagar à A., tem que se concluir que o prazo para interposição do recurso, de toda a sentença, ainda não se iniciou.

3. Ora, quando há reforma da sentença nos termos do artº 614º e do nº 1 do artº 616º o prazo para o recurso só começa a correr depois de notificada a decisão proferida sobre o requerimento.

 4. Pelo que o prazo para interposição do recurso ainda não se iniciou, pelo que se requer a devolução da taxa de justiça e da respectiva multa junta com o presente recurso.

5. E estamos perante um contrato de prestação de serviços (art. 1154.º do CC), embora atípico, abrangido pelo princípio da liberdade contratual (art. 405.º do CC), que apresenta, conforme os casos, maior ou menor afinidade com o contrato de empreitada ou com o contrato de mandato, daí que a sua atipicidade determinará a aplicação das regras contidas nas suas próprias cláusulas e as normas gerais dos contratos.

6. A A. não cumpriria a prestação a que se obrigou mediante a apresentação dos estudos e projectos que entendesse, em seu exclusivo critério, serem os mais adequados, senão quando as soluções arquitectónicas propostas respeitassem os critérios previamente estabelecidos no Plano de Pormenor e em toda a legislação que regula a edificação e os procedimentos administrativos para a obtenção da licença de construção.

7. A. A. não respeitou os critérios definidos no Plano de Pormenor, nem as exigências legais em vigor na data da elaboração e da entrada do pedido de licenciamento na Câmara Municipal, tendo por isso sido rejeitado liminarmente.

8. A A. não cumpriu a sua prestação, tratando-se de um não cumprimento objectivo e definitivo, visto que a prestação já não era realizável no contexto do programa contratual e, os prazos contratualizados estavam há muito terminados.

9. A A. tinha a obrigação de saber perante os elementos documentais e informativos e perante as normas jurídicas em vigor; o Plano de Pormenor, o DL 555/99, que jamais poderiam ter dado entrada do projecto em causa por este não cumprir as normas legais.

10. Para além de que a A. com o seu termo de responsabilidade diz, expressamente, que o pedido de licenciamento devidamente instruído por si e que deu entrada na CM de Aveiro, estava a respeitar todas as normas legais.

11. Estarmos, portanto, perante um não cumprimento objectivo e definitivo, visto que a prestação já não era realizável no contexto do programa contratual e mesmo que materialmente possível, deixou de ter interesse para a Ré no referido contexto, perda de interesse que, também, tendo a ver com a situação de mora que é perfeitamente justificável, pois viola os prazos contratualizado, e objectivamente atendível, perante o indeferimento liminar da CM de Aveiro.,

12. O facto de a A. ter executado a primeira fase dos trabalhos, ou seja, o Estudo Prévio, não significa que tenha cumprido a prestação a que se obrigou. O que se verifica é que a A. não desenvolveu adequadamente essa primeira fase, sendo indeferido liminarmente o projecto pelo não cumprimento das normas do Plano de Pormenor e as demais em vigor, que, por isso, ficou completamente inutilizada pela não aprovação da segunda fase, frustrando-se a realização do interesse do credor, segundo o programa contratual.

13. Não obstante entendermos que a acção deve ser julgada improcedente mesmo com base apenas na matéria dada como assente, o certo é que, por mera cautela, esta deve ser modificada ao abrigo dos artigos 662º, n.º 1, do Código do Processo Civil, já que, a prova oral foi gravada, devendo a matéria transcrita passar a fazer parte da matéria dada como assente, incluindo, também, a matéria dada em resposta aos quesitos no relatório pericial, toda ela devidamente identificada no ponto III, por ter grande importância para a boa decisão da presente causa.

14. E a matéria alegada anteriormente, no ponto IV, dada como provada deve ser, quer pelo depoimento das testemunhas transcrito, quer pelo relatório pericial, dada como não provada.

15. Assim, deve ser dado como provado toda a matéria referida no ponto IV e dada como não provada a referida no ponto II das presentes alegações.

16. A A., no termo de responsabilidade, expressamente, diz que o projecto de arquitectura que dá entrada na CM Aveiro, em Setembro de 2006, está conforme e respeita todas as normas legais. O que não aconteceu, porque;

17. a lei exigia o emparcelamento e não foi feito, nem a A. avisou Ré, aquando da assinatura do contrato de tal exigência, nem quando já estava obrigada a trabalhar na primeira fase do contrato da necessidade de tal procedimento, violação do DL 555799;

18. mesmo estando obrigada a saber que havia tal exigência legal deu entrada do projecto que veio a ser rejeitado liminarmente, por não cumprir a lei em vigor;

19. O projecto que deu entrada, devidamente instruído peça A., com o termo de responsabilidade anteriormente referido e que foi rejeitado liminarmente, não respeitava e violava o Plano de Pormenor tal com está provado, pela maioria dos peritos no relatório de peritagem, designadamente pelo perito nomeado pelo Tribunal.

20. Ao ler-se a douta sentença, verifica-se que as conversas informais tidas entre a A. e elementos da CM Aveiro, muitos deles sem terem competências para analisarem e despacharem o projecto de arquitectura, é dado um valor jurídico que não têm, Fica-se com a sensação que se recuou anos no tempo, quanto, todo o ordenamento do território e a edificação urbana não tinham regras, normas legais que respeitar, e tudo dependia da boa vontade das pessoas.

21. O primeiro acto efectivo que a A. praticou foi em 8 de Setembro de 2006, data da entrega do projecto de arquitectura na CMA, ou seja, mais de dez meses depois da assinatura do contrato.

22. A Ré ao contratar os serviços de arquitectura, prestado pela Ré, ora recorrida, para a criação de um projecto de um imóvel, ficou a cargo dos arquitecto preceder conforme todas as exigências legais, as decorrentes dos planos de ordenamento com eficácia plurisubjectiva, ou seja, que tem eficácia perante os particulares, as normas constantes do regime de urbanização, DL 555/99, com as respectivas actualizações, as exigência dos regulamentos de edificação, e da demais legislação que tem que ser cumprida para que se possa obter a licença de construção.

23. Ao condenar a douta sentença a Ré, ora recorrente, apesar de ter sido a A. a violar o contrato em causa na presente acção, está esta a violar as normas jurídicas do Plano de Pormenor da Baixa de Stº António de Aveiro e o seu regulamento, as normas do regime de urbanização, o DL 555/999, com as respectivas actualizações,

24. A A. ao apresentar o projecto da CMA era da sua responsabilidade ter procedido ao loteamento de anexação dos dois prédios que constituição a parcela do plano de pormenor; bem como o dever de ter respeitado as normas do Plano de Pormenor, PP, tal com é dito pelo relatório de peritagem, designadamente a implantação do projecto apresentado não respeitava a implantação imposta pelo PP., o que levaria à nulidade da aprovação.

25. Por tudo quanto se deixou alegado a A. não cumpriu as obrigações para as quais foi contratada, violando expressamente obrigações assumidas com a assinatura do contrato e não cumpriu os prazos a que estava obrigada.

26. o contrato concerne em si clausulas abusivas, especificamente as cláusula décima - primeira do Contrato alínea b) onde expressamente é dito que “ a Ré é obrigada a prestar informações relativas a eventuais condicionamentos jurídicos ou outros, susceptíveis de terem influência relevante nos estudo e projectos a elabora pela A” bem com a parte final na alínea a) do n.1 da clausula oitava, ou seja: “ o fornecimento dos elementos necessários à sua elaboração, como sejam os levantamentos topográficos das zonas de implantação do edifício e dos dados do programa estabelecido”.

27. Estas clausulas são abusivas, pelo que devem ser declaradas nulas. Através do contrato em causa a A. continua obrigada a respeitar , designadamente, as regras do código de defesa do consumidor. Mas a A., aqui prestador de serviços, faz- se valer de seu conhecimento técnico e experiência de mercado para incluir as referidas cláusulas abusivas.

28. Estas não foram esclarecidas à Ré, e da forma como estão escritas podem levar qualquer pessoa que não arquitecto ao urbanista a não entender o seu alcance oculto, que só visam proteger o prestador de serviços, aqui a A., ora recorrida.

29. Por tudo quanto se deixou alegado a Ré não pode ser condenada no pagamento do que quer que seja à A, seja a que título for

30. Com a condenação da Ré nos termos em que foi, e que virá a ser quando for proferido o despacho que irá determinar o “quantum” da indemnização como litigante de má-fé, esta a douta sentença a violar o instituto do abuso de direito e o principio da boa-fé, ou seja está a violar as normas 334º do Código Civil, uma vez que uma partes está a exercer um direito e ao fazê-lo está a exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelo bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, e os artigos anteriormente referidos.

Assim,

Termos em que, com o Douto Suprimento de Vossas Excelências, não se deve manter a douta sentença recorrida,

Deve ser concedido provimento ao recurso e julgada a acção improcedente e não provada e a reconvenção julgada procedente e provada.

 

A Autora apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

A – A Ré resolveu o contrato unilateralmente e sem qualquer motivo válido, pelo que nos termos contratuais e por força do disposto no art. 798º do Código Civil, está obrigada a pagar os honorários dos trabalhos já entregues e a indemnizar a Autora pelos prejuízos a que deu causa.

B – (repetição da conclusão A)

C – Provou-se que em Dezembro de 2005, a autora elaborou e entregou à ré o estudo prévio, que foi aprovado por esta (cf. o facto provado n.º 6), estudo esse que constitui um ato de execução do contrato [cf. a alínea a) do n.º 1 da cláusula 8 do documento que se dá por reproduzido no facto provado n.º 5].

D – Provou-se que as partes acordaram que era a ré quem devia fornecer à autora os levantamentos topográficos das zonas de implantação do edifício [cf. a alínea a) do n.º 1 da cláusula 8 e a alínea a) da cláusula 11 do documento que se dá por reproduzido no facto provado n.º 5].

E – A Ré alegou que o termo de responsabilidade só deu entrada na CMA em 19.12.2006, ou seja, mais de um ano depois da celebração do contrato. Todavia, não se provou tal facto, tendo-se antes apurado que quando o projecto foi entregue na CMA, em 08.09.2006, ia acompanhado do respetivo termo de responsabilidade (cf. a motivação da fundamentação de facto, no que concerne ao facto vertido no quesito 31).

F – Provou-se que a ré apenas pagou à autora as seguintes quantias previstas no n.º 2 da cláusula 10 do contrato: os €9.000,00 previstos na alínea a), os €36.000,00 previstos na alínea b) e €7.500,00 dos €45.000,00 previstos na alínea c) – cf. os factos provados n.ºs 5, 6 e 41. Pelo que deverá manter-se o quantum em que foi condenada e a Ré condenada como litigante de má-fé.

Termos em que se pugna pela manutenção da decisão recorrida e da condenação da Ré como litigante de má-fé.


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II.

Questões a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações da Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – são as seguintes as questões a apreciar e decidir:

• Saber se existiu erro na apreciação da prova e se, em função desse erro, importa ou não alterar – e em que termos – a decisão proferida sobre a matéria de facto, no que toca aos pontos impugnados;

• Saber se existia ou não fundamento/justa causa para que a Ré/Apelante pudesse resolver ou revogar o contrato que havia celebrado com a Autora, com vista a saber se está ou não obrigada a pagar-lhe a parte do preço que havia sido acordado e a cujo pagamento foi condenada pela decisão recorrida.


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III.

Na 1ª instância, foi fixada a seguinte matéria de facto:

1. A Autora exerce, com intuitos lucrativos, a actividade de arquitectura, tendo a forma de uma sociedade comercial (facto assente A).

2. A Ré resultou da transformação da sociedade C... (facto assente B).

3. A Autora participou, em Fevereiro de 2005, num concurso de ideias, organizado pela Ré, e a convite desta, para a realização de um projecto denominado Aveiro Park (facto assente C).

4. Em Abril de 2005 a Ré seleccionou a proposta da Autora de entre os demais concorrentes e as partes iniciaram os contactos e reuniões, com vista à celebração de um contrato (facto assente D).

5. Em 22.11.2005, Autora e Ré celebraram entre si um contrato, junto por cópia como documento n.º 2 da petição inicial, cujo teor se dá aqui por reproduzido, mediante o qual foi por esta adjudicada àquela a prestação de vários serviços de arquitectura e de engenharia, com vista a desenvolver o referido projecto, tendo aí pago a primeira prestação acordada nesse contrato (facto assente E).

6. Em Dezembro de 2005, no desenvolvimento desse contrato, a Autora apresentou o estudo prévio que foi aprovado pela Ré, tendo esta pago a 2.ª prestação acordada na cláusula décima do referido contrato (facto assente F).

7. A Autora elaborou o projecto de acordo com o concurso que lhe foi apresentado pela Ré (parte do quesito 42).

8. Em 31.03.2006, no desenrolar do contrato, a Autora, na pessoa do seu sócio, arquitecto D..., e do seu colaborador, arquitecto E..., depois de ter elaborado o projecto base de arquitectura, reuniram com a arquitecta F...e o arquitecto G..., técnicos da Câmara Municipal de Aveiro (CMA) (quesito 1).

9. Na sequência dessa reunião (mormente do que os técnicos da CMA nela referiram, verbalmente), o projecto sofreu algumas alterações de pormenor (parte do quesito 2).

10. Reformulado o projecto pela Autora, de acordo com o referido pelos técnicos da Câmara Municipal de Aveiro, a Ré solicitou junto da Câmara Municipal de Aveiro a marcação de uma reunião com o Presidente da edilidade (parte do quesito 3).

11. Em 19.07.2006, o projecto foi apresentado pela Autora, na pessoa dos sócios-gerentes, ao Presidente da Câmara, O...., e Vice-Presidente, P...., aos técnicos da CMA, Engenheira Q....e Arquitecta R...., na presença dos representantes da ré, L... e I... (quesito 4).

12. Nessa apresentação, o Presidente da Câmara teve uma reacção positiva ao projecto (parte do quesito 5).

13. A pedido da Ré, em 08.09.2006, o projecto foi entregue na CMA, acompanhado de requerimento assinado pelo representante da Ré, I... (quesito 6).

14. O projecto que a Autora apresentou na CMA previa 16 apartamentos (quesito 41).

15. No acto da entrega do projecto, a secretaria da CMA informou a Autora e o representante da Ré, I..., que era necessário entregar também o projecto de segurança contra incêndios, pelo que a Autora contratou a sociedade TDP – Projecto e Fiscalização Lda., para proceder à sua elaboração (quesito 7).

16. Em 26.09.2006, através de ofício dirigido à Ré, a CMA informou que, para apreciar o processo, a Ré deveria proceder a operação de “emparcelamento/loteamento” dos dois prédios objecto da pretensão (facto assente G).

17. Em cumprimento dessa exigência, a Ré, em Outubro 2006, iniciou o “emparcelamento/loteamento” imposto pela CMA, informando a mesma através de missiva via e-mail dirigida à engenheira H..., Directora do Departamento de Gestão Urbanística e Obras Particulares (facto assente H).

18. O representante da Ré, I..., informou a Autora que ia tratar do “emparcelamento”, de modo a solicitar à CMA a reapreciação do projecto (quesito 9).

19. Em 13.11.2006, foi aprovado o projecto de segurança contra incêndios pelo CDOS, na sequência do qual a Autora, em 19.12.2006, entregou na CMA uma versão ligeiramente alterada do projecto de arquitectura, de modo a haver total concordância com o projecto de segurança contra incêndios aprovado pelo CDOS, acompanhada de requerimento assinado pelo representante da Ré, Dr. I... (facto assente I).

20. O projecto de segurança contra incêndios entregue na CMA e aprovado pelo CDOS de Aveiro tem o valor de €2.000,00, acrescidos do IVA (quesito 28).

21. Em Janeiro 2007, a Ré informou a Autora do teor do ofício que a CMA lhe dirigiu, onde reafirmava o parecer técnico anterior, de 26.09.2006, indeferindo o pedido de licenciamento, porque “o terreno a que se refere a pretensão (parcela n.º 1 do Plano de Pormenor da baixa de Santo António) é constituído por dois artigos (074 e 1524), pelo que deve proceder à operação de emparcelamento/loteamento, nos termos da legislação aplicável” (quesito 8).

22. Em 21.06.2007, a Autora foi contactada pela sociedade de advogados “N... e Associados”, que se apresentou como representante da Ré, solicitando-lhe todos os documentos relativos ao processo (quesito 10).

23. A Autora enviou, via fax, à sociedade de advogados “ N....e Associados” os documentos relativos ao processo (facto assente J).

24. A CMA acabou por reconhecer, após intervenção do gabinete de advogados da Ré, que não era necessária a elaboração do emparcelamento/loteamento, bastando proceder à anexação dos dois terrenos junto da Conservatória do Registo Predial (quesito 34).

25. A Autora foi informada pela sociedade de advogados que estava ultrapassada a questão do “emparcelamento”, pois bastava proceder à anexação dos dois prédios e, assim, logo que esta fosse registada na Conservatória e a respectiva certidão entregue na CMA, estariam reunidas as condições para a reapreciação do projecto de arquitectura nos serviços técnicos da Câmara Municipal; no entanto havia outro problema (desconformidade de áreas…) que não permitia de imediato proceder à anexação dos dois artigos em causa e respectivo registo (facto assente L).

26. A anexação não podia ser feita por causa da desconformidade entre a área registada na Conservatória e a área declarada na matriz (quesito 35).

27. A discrepância de áreas dos prédios foi referida à Autora pelo representante da Ré, I..., que ficou de tratar da rectificação (quesito 36).

28. Foi a Ré que contratou o gabinete de advogados que procedeu à rectificação das áreas e do respectivo registo (quesito 37).

29. Aquando do descrito em L), a sociedade de advogados sugeriu à Autora que fosse pedida a reapreciação do projecto junto da CMA (quesito 11).

30. Em Julho de 2007, a Autora contactou a engenheira H..., da CMA, sobre a possibilidade de reapreciação do projecto pretendida pelos representantes da Ré (quesito 12).

31. Foi então informada que “é necessário apresentar a certidão da conservatória do registo predial, com a anexação dos dois prédios em causa, pois sem isso o processo não será apreciado” (quesito 13).

32. Faltava a certidão do registo da anexação para se poder pedir à CMA a reapreciação do projecto de arquitectura da Autora (parte do quesito 38).

33. A Autora transmitiu a informação referida no quesito 38 aos representantes da Ré e esta continuou, assim, a tratar da anexação dos dois prédios, junto da Conservatória do Registo Predial (quesito 14).

34. Em 07.09.2007, a Autora informou a Ré, na pessoa de L..., da necessidade de resolver as questões registais e solicitou o pagamento dos trabalhos já elaborados, cujo atraso na sua apreciação na CMA não era da sua responsabilidade (facto assente M).

35. Em 26.11.2007, a Autora enviou uma carta a L..., acompanhando documentos pedidos por este, relativos ao projecto, solicitando a liquidação de uma factura de 02.04.2007, referente à elaboração de imagens 3D pedidas pela Ré, para publicidade ao empreendimento, aproveitando para reafirmar a necessidade de facturar e receber os honorários contratuais relativos aos trabalhos já elaborados e entregues na CMA, pois o atraso na apreciação do projecto não era, de todo, da sua responsabilidade (facto assente N).

36. Em 07.12.2007, L... enviou uma carta, acompanhada de um cheque, para pagamento da factura relativa à elaboração das imagens 3D, sem se pronunciar sobre outro assunto (facto assente O).

37. Pelo telefone, a Ré, na pessoa de L..., informou estar com dificuldades e necessitar encontrar um “parceiro financeiro” para avançar com o processo e para realizar o empreendimento (facto assente P).

38. No final de 2007, a pedido da Ré, a Autora teve várias reuniões com o seu representante, L..., e “possíveis parceiros” para o empreendimento em causa, nomeadamente a empresa T.... e a empresa U....(quesito 15).

39. Entre Dezembro de 2007 e Maio 2008, nos contactos por telefone com L... para obter algum pagamento, a Autora nada conseguiu senão a promessa de notícias, logo que este encontrasse “parceiro” para o empreendimento (isto sem prejuízo do pagamento que depois a Ré veio a efectuar à Autora, referido no facto assente V) (quesitos 18 e 19).

40. Em Maio de 2008, a Autora recebeu um e-mail da sociedade de advogados “ N....e Associados”, informando sobre o estado do processo (aguardavam o averbamento nas Finanças, para de seguida requerer o registo na Conservatória) e manifestando que entendiam ser urgente avançar com as alterações ao projecto, para dar cumprimento ao DL n.º 163/2007, que entretanto entrou em vigor (facto assente Q).

41. Em Julho de 2008, o sócio da Ré liquidou o valor de €6.250,00, acrescidos do IVA (€7.500,00) (facto assente V).

42. A Ré apenas procedeu ao pedido de anexação das duas parcelas em 26.06.2009, tendo o registo sido efectuado em 02.09.2009 (facto assente R).

43. Em Dezembro de 2009, O Dr. L.... contactou a Autora, informando que tinha agora um “parceiro” (a sociedade CivilCasa) e apresentou-lhe o seu representante, engenheiro S...., que iria conduzir o processo a partir de então (facto assente S).

44. O engenheiro S.... deslocou-se à sede da Autora duas vezes – em Dezembro 2009 e em Janeiro 2010 (facto assente T).

45. Na sequência do descrito em T), na primeira reunião, o engenheiro S.... informou que pretendia, à luz da sua experiência do mercado imobiliário de Aveiro, alterar o projecto de arquitectura anteriormente aprovado pela ré e entregue na CMA, designadamente, quanto às tipologias dos apartamentos e à distribuição da área comercial (quesito 20).

46. A Autora ficou de apresentar uma proposta de honorários em aditamento ao contrato existente, tendo em conta essas alterações (quesito 21).

47. Na segunda reunião (cf. o facto assente T) foi apresentada a proposta (quesito 22).

48. No fim dessa reunião, a Ré ficou de analisar a proposta apresentada (quesito 23).

49. Em fim de Janeiro de 2010, a Autora contactou telefonicamente o engenheiro S.... para falar sobre o assunto, tendo obtido como resposta o fax referido no facto assente U) (quesito 25).

50. Em 03.02.2010, a Autora recebeu um fax, informando que a Ré não pretendia que a autora continuasse a desenvolver o projecto (facto assente U).

51. Na sequência do fax referido em U), a Ré transmitiu à Autora ter adjudicado o projecto de arquitectura a outro prestador de serviços de arquitectura (quesito 26).

52. Até à data, a CMA não aprovou o projecto apresentado pela Autora (facto assente X).

53. A implantação do projecto apresentado pela Autora não respeita a implantação imposta pelo Plano de Pormenor (parte do quesito 30).

54. Depois de dar entrada na câmara municipal, um projecto de arquitectura pode ser objecto de acertos, para ficar em condições de obter aprovação (parte do quesito 39).

55. Como consequência necessária e directa do comportamento da autora, de intentar a presente acção nos respectivos termos em que tal ocorreu, teve a Ré que pagar – a quantia de €351,90 – para poder apresentar a contestação (parte do quesito 32).


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IV.

Questão prévia

Sustenta a Apelante, nas quatro primeiras conclusões das suas alegações, que o prazo para a interposição do recurso ainda não se havia iniciado, à data em que (à cautela) o interpôs, uma vez que, já depois da sentença, foi notificada de um despacho que a condenou como litigante de má fé e, não existindo ainda condenação em concreto, o prazo para interpor recurso da sentença apenas se inicia com a notificação da decisão que vier a fixar o valor da indemnização devida pela litigância de má fé e, com estes fundamentos, requer a devolução da taxa de justiça e da multa que pagou aquando da interposição do recurso.

É certo, no entanto, não lhe assistir razão, conforme se considerou, aliás, em despacho da relatora oportunamente proferido e que rejeitou o 2º recurso que a Apelante veio interpor da sentença, no pressuposto de que o prazo para essa interposição apenas se havia iniciado com a decisão que veio a ser proferida posteriormente e que fixou o valor da indemnização devida pela litigância de má fé.

A sentença, sobre a qual incide o presente recurso, foi proferida em 08/10/2013 e foi notificada às partes por notificação elaborada em 04/11/2013 e que se presume efectuada em 07/11/2013.

Em tal sentença foi ordenada a notificação da Ré para, no prazo de dez dias, exercer o contraditório relativamente ao pedido de condenação por litigância de má fé que havia sido formulado pela Autora e, após observância do contraditório, veio a ser proferida decisão – em 28/11/2013 – que condenou a Ré por litigância de má fé na multa de 5 UC, mais concedendo às partes o prazo de dez dias para se pronunciarem sobre as despesas e demais prejuízos a ter em conta na fixação da indemnização devida à Autora pela litigância de má fé da Ré.

A notificação dessa decisão foi elaborada em 29/11/2013, presumindo-se efectuada em 02/12/2013 e, em 03/02/2014, veio a ser proferida decisão que, em complemento da proferida em 28/11, fixou a indemnização devida à Autora pela litigância de má fé.

Para fundamentar o seu entendimento de que o prazo para recorrer da sentença apenas se inicia com a notificação do despacho (posterior) que fixa a indemnização devida pela litigância de má fé, a Ré invoca o disposto nos arts. 613º, nº 2, e 614º do C.P.C., sustentando, no essencial e com base nessas normas, que não podia ter sido condenada por litigância de má fé através de um despacho quando a sentença havia sido proferida muitos dias antes.

Ora, conforme se considerou no despacho da relatora supra referido – e que aqui se reafirma – o que resulta das normas citadas é apenas que, ressalvando a possibilidade de rectificar erros materiais, suprir nulidades ou reformar a sentença (ao abrigo dos arts. 614º e seguintes), uma vez proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa. No entanto, o poder jurisdicional do juiz que se esgota com a prolação da sentença é apenas o que se reporta à matéria da causa, ou seja, o que se reporta ao litígio que estava em causa, tendo em conta as pretensões deduzidas pelas partes e os respectivos fundamentos, não resultando das citadas disposições legais que o juiz não possa apreciar nenhuma outra questão que surja no processo e que não se relacione com essa matéria. Ao determinar que, proferida a sentença, fica esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, o que o legislador pretendeu foi vedar ao juiz a possibilidade de alterar a decisão que havia proferido ou os respectivos fundamentos.

No entanto, apesar de esgotado o poder do juiz sobre a matéria da causa, nada obsta a que possa apreciar outras questões que se venham a suscitar e, mais concretamente, nada obsta a que venha a proferir decisão sobre a litigância de má fé das partes, caso essa matéria não tenha sido apreciada na sentença, como aqui aconteceu.

E a verdade é que nada na lei impõe que a condenação por litigância de má fé tenha que ser proferida, obrigatoriamente, na sentença. Ainda que seja esse o local e o momento mais apropriado para o efeito, a verdade é que casos existem em que – como sucedeu no caso sub judice – a necessidade de assegurar o contraditório não permite a prolação imediata de decisão sobre essa matéria e, não sendo possível proferir de imediato essa decisão, nada na lei impõe que a sentença (que aprecia e decide a matéria da causa e o litígio que opõe as partes) não possa ser proferida de imediato.

De todo o modo, ainda que fosse acolhida a tese da Apelante – segundo a qual, depois de proferida a sentença, não poderia existir nova decisão a condenar a parte por litigância de má fé – tal apenas significaria que havia sido praticada uma nulidade processual a arguir nos termos gerais ou que o despacho posterior era ilegal, podendo e devendo ser atacado por via de recurso.

Mas daí nunca poderia decorrer que o prazo para recorrer da sentença apenas se iniciasse com a decisão posterior que viesse a condenar por litigância de má fé e fixasse o valor da multa e indemnização devida, já que, ainda que se entendesse que esse procedimento era ilegal – e não parece ser o caso – sempre estariam em causa duas decisões autónomas e, portanto, seria sempre a partir da notificação de cada uma delas que seria contado o prazo para que as partes reagissem, seja por via de recurso, seja por via de arguição de alguma nulidade que tivesse sido praticada e que a parte devesse conhecer com tal notificação.

O prazo para interpor recurso da sentença iniciou-se, portanto, com a respectiva notificação efectuada em 07/11/2013 e terminou em 17/12/2013 (considerando já o acréscimo de dez dias em virtude o recurso ter por objecto a reapreciação da prova gravada), pelo que o presente recurso – interposto em 20/12/2013 – foi apresentado no terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo, não havendo, portanto, lugar à devolução da taxa de justiça e da respectiva multa, já que, à data da interposição do recurso, o prazo para tal interposição já se havia iniciado e já havia terminado e o acto apenas poderia ser admitido com o pagamento da aludida multa.

Impugnação da matéria de facto

A Apelante vem impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, sustentando que não deveria ter sido considerada provada a matéria de facto que está enunciada na sentença sob os nºs 11, 18, 22, 24, 29, 30, 34, 45 e 46 e sustentando dever ser considerada provada a matéria de facto que está enunciada na sentença (como não provada) sob os nºs 63, 65 e 66.

Para justificar tal pretensão, invoca os depoimentos das testemunhas H..., I..., J... e F..., sem que especifique, no entanto, de forma clara, quais as concretas razões pelas quais entende que esses depoimentos deveriam conduzir a decisão diversa da recorrida e sem indicar os excertos concretos desses depoimentos que permitem tal conclusão, limitando-se a remeter, de forma genérica, para as transcrições (integrais) desses depoimentos que incluiu nas suas alegações.

Analisemos cada um dos factos a que alude a Apelante.

Sob o nº 11 (que se reporta ao ponto 4º da base instrutória), foi considerado provado que:

Em 19.07.2006, o projecto foi apresentado pela autora, na pessoa dos sócios-gerentes, ao Presidente da Câmara, O...., e Vice-Presidente, P...., aos técnicos da CMA, Engenheira Q....e Arquiteta R...., na presença dos representantes da ré, L... e I...”.

No que toca a esta matéria, a impugnação da Apelante incide apenas sobre a presença de L..., dizendo que o mesmo não esteve presente na aludida reunião, como se pode ver do depoimento da testemunha I... (refira-se que, como já dissemos, a Apelante não especifica aquilo que a testemunha disse em concreto sobre esta matéria e não indica o excerto do depoimento em que se baseia, limitando-se a remeter para o depoimento integral).

A verdade é que, depois de proceder à sua audição, nada é possível recolher desse depoimento que permita afirmar que L... não esteve presente nessa reunião. É certo que a testemunha não o confirma expressamente (sendo certo que não lhe foi expressamente perguntado), mas também não o negou. E, sendo certo que essa testemunha não negou esse facto, a verdade é que o mesmo é confirmado pela testemunha, P...., que, sendo o Vice-Presidente da CMA que esteve presente nessa reunião, confirma claramente a presença de L....

Assim sendo, nenhuma razão encontramos para alterar o citado ponto da matéria de facto.

Sob o nº 18 (que se reporta ao ponto 9º da base instrutória), considerou-se provado que:

O representante da ré, I..., informou a autora que ia tratar do “emparcelamento”, de modo a solicitar à CMA a reapreciação do projecto”.

Sustenta a Apelante que essa matéria não deve ser considerada provada, limitando-se a dizer que esse facto não está provado como se pode verificar pelo depoimento das testemunhas que está transcrito nas alegações. Perante esta afirmação vaga, ficamos sem saber quais são as razões pelas quais a Apelante entende que essa matéria deve considerar-se provada, já que se limita e remeter para as transcrições integrais dos depoimentos das aludidas testemunhas.

Ora, com excepção da testemunha, I..., as demais testemunhas que são citadas pela Apelante nada sabem sobre aquilo que o aludido representante disse (ou não) à Autora.

E, embora a testemunha I... negue (aparentemente) esse facto, a verdade é que acaba por confirmar, no seu depoimento, que foi a Ré quem tratou dessa questão, declarando a testemunha ter contactado, para esse efeito, o gabinete do Eng. J.... (facto que é confirmado pela testemunha J...) por ter sido esse gabinete quem havia elaborado o plano de pormenor para a CMA e que, por esse efeito, estava em boas condições para o ajudar. E, como resulta destes depoimentos, foi este gabinete (contratado pela Ré) que tratou da questão do emparcelamento, embora a questão tenha sido solucionada pela mera anexação, uma vez que, por alteração da legislação, o emparcelamento e o loteamento inerente haviam deixado de ser necessários.

Ora, se foi a Ré quem tratou desta questão, parece legítimo presumir que disso tenha informado a Autora.

Importa notar que o está em causa neste ponto não é a circunstância de esse emparcelamento dever ser (ou não) efectuado pela Autora; o que está aqui em causa (foi apenas isso que foi considerado provado) é o facto de o aludido representante da Ré ter informado a Autora de que iria resolver essa questão e parece que assim foi efectivamente. Com efeito, seja pelo facto de a Autora não conseguir resolver esse assunto (como diz a testemunha, I...), seja pelo facto de esse serviço não estar abrangido pelo contrato que havia celebrado, seja por qualquer outra razão, a verdade é que foi a Ré quem tratou desse assunto, através de um outro gabinete que contratou para o efeito e, portanto, é de presumir que tenha informado a Autora dessa sua intenção.

Mantém-se, portanto, o citado ponto da matéria de facto.

Sob o nº 22 (que se reporta ao ponto 10º da base instrutória), considerou-se provado que:

Em 21.06.2007, a autora foi contactada pela sociedade de advogados N....”, que se apresentou como representante da ré, solicitando-lhes todos os documentos relativos ao processo”.

Considera a Apelante que esta matéria não pode ser considerada provada e – mais uma vez – limita-se a remeter para os depoimentos das testemunhas supra referidas sem indicar quais as concretas declarações das testemunhas que apoiam essa pretensão.

A verdade é que as aludidas testemunhas nada declararam que seja susceptível de contrariar esse facto.

Importa notar que – como decorre da fundamentação da decisão – a prova desse facto resultou da conjugação entre o teor do facto assente J, o teor do documento a que tal facto assente se reporta (cf. fls. 44) e as regras da lógica e da experiência comum (se está provado que os documentos foram enviados pela autora à sociedade de advogados, lógico é que esta lhos tenha solicitado).

Ora, nada temos a apontar a essa fundamentação.

De facto, se a Autora enviou os referidos documentos àquela sociedade de advogados (como resulta da matéria de facto), é de presumir que tais documentos lhe tenham sido solicitados, nenhuma alteração se impondo efectuar ao citado ponto da matéria de facto.

Sob o nº 24 (que se reporta ao ponto 34º da base instrutória), considerou-se provado que:

A CMA acabou por reconhecer, após intervenção do gabinete de advogados da ré, que não era necessária a elaboração do emparcelamento/loteamento, bastando proceder à anexação dos dois terrenos junto da Conservatória do Registo Predial”.

Diz a Apelante que não está provado que a CMA tenha alguma vez reconhecido que não era necessário o emparcelamento e, para justificar tal afirmação, diz apenas que isso resulta dos depoimentos das testemunhas que estão transcritos nas alegações.

Mais uma vez, a Apelante não explica o seu raciocínio e não diz como é que aqueles depoimentos permitiriam concluir que a CM não reconheceu aquele facto, quando é certo que resulta claramente dos depoimentos citados que aquele emparcelamento deixou de ser necessário (por força de alteração da legislação) e nunca chegou a ser efectuado, resultando dos pontos 31 e 32 da matéria de facto (pontos não impugnados) que, a partir de determinada altura, a reapreciação do processo pela CMA já não dependia de qualquer emparcelamento, mas apenas da anexação dos dois prédios (o que equivale a dizer que a CMA reconhecia a desnecessidade do emparcelamento) e tanto é assim que, como resulta dos referidos depoimentos, o último projecto apresentado foi deferido sem necessidade de qualquer emparcelamento. 

Não se justifica, portanto, qualquer alteração.

Sob o ponto 29 (que se reporta o ponto 11º da base instrutória) considerou-se provado que:

Aquando do descrito em L), a sociedade de advogados sugeriu à autora que fosse pedida a reapreciação do projecto junto da CMA (quesito 11)”.

Limitando-se, mais uma vez, a remeter para o teor dos depoimentos citados, sem concretizar as razões da sua pretensão, sustenta a Apelante que essa matéria não deve ser considerada provada.

A decisão recorrida justificou a prova desse facto nos seguintes termos: “O facto vertido no quesito 11 provou-se pelo teor do documento de fls. 45, a que se reporta o facto assente L). Na mensagem de correio eletrónico em referência, M... (da sociedade de advogados) escreve à arquiteta V....(da autora) que “nada impede que seja pedia a reapreciação do projeto, com a menção de que a certidão predial comprovativa da anexação será entregue logo que finalizado o processo de registo”.

Assim é efectivamente.

De facto, aquela mensagem incorpora, só por si, uma sugestão no sentido de ser pedida a reapreciação do projecto e nada resultou dos depoimentos citados pela Apelante que seja susceptível de abalar esse facto.

Assim, também neste ponto improcede a pretensão da Apelante.

Sob o nº 30 (reportado ao ponto 12º da base instrutória), considerou-se provado que:

Em Julho de 2007, a autora contactou a engenheira H..., da CMA, sobre a possibilidade de reapreciação do projeto pretendida pelos representantes da ré (quesito 12)”.

Limitando-se, novamente, a remeter para o teor dos depoimentos citados, sem concretizar as razões da sua pretensão, sustenta a Apelante que essa matéria não deve ser considerada provada.

A decisão recorrida justificou a prova desse facto, com o documento de fls. 46, que consiste numa mensagem de correio electrónico da arquitecta V... para L..., de 07.09.2007, na qual se refere expressamente o dito contacto com a engenheira H..., em Julho de 2007 – mensagem essa a que se reporta, também, o facto assente M (aceite pela ré).

E a verdade é que as testemunhas citadas pela Apelante não contrariam esse facto. Com efeito, atendendo ao facto em questão, apenas a testemunha, H..., estaria em condições de negar a sua verificação e a verdade é que não o fez, tendo admitido que o mesmo tivesse ocorrido, embora não o possa confirmar em absoluto atendendo aos inúmeros telefonemas que recebia diariamente.

Mantém-se, portanto, o aludido facto.

Sob o nº 34 (reportado à alínea M) dos factos assentes) considerou-se provado que:

Em 07.09.2007, a autora informou a ré, na pessoa de L..., da necessidade de resolver as questões registais e solicitou o pagamento dos trabalhos já elaborados, cujo atraso na sua apreciação na CMA não era da sua responsabilidade”.

A Apelante contesta a última parte do facto em questão, dizendo que não esta provado que a responsabilidade não era da A., pois isso decorre da aplicação do direito à matéria de facto dada como provada, sendo que o que se pode dar como provado é que a A. disse que não tinha responsabilidade, o que são coisas muito diferentes.

Mas, salvo o devido respeito, o ponto de facto em questão não se reporta à responsabilidade (ou não) da Autora, sendo que, se o fizesse, conteria, evidentemente, uma conclusão de direito. O aludido ponto de facto (que, aliás, já constava da matéria de facto assente) limita-se a reproduzir o teor da informação que a Autora prestou à Ré e nada mais do que isso e, nessa medida, não se justifica qualquer alteração.

Sob os nºs 45 e 46 (reportados aos pontos 20 e 21 da base instrutória) considerou-se provado que:

Na sequência do descrito em T), na primeira reunião, o engenheiro S.... informou que pretendia, à luz da sua experiência do mercado imobiliário de Aveiro, alterar o projecto de arquitectura anteriormente aprovado pela ré e entregue na CMA, designadamente, quanto às tipologias dos apartamentos e à distribuição da área comercial” e “A autora ficou de apresentar uma proposta de honorários em aditamento ao contrato existente, tendo em conta essas alterações”.

Diz a Apelante – sem invocar sequer qualquer meio probatório – que esses factos não estão provados, já que aquilo o que estava em causa era um novo projecto e não uma alteração ao projecto existente.

Importa notar, no entanto, que esta matéria foi considerada provada – como decorre da fundamentação da decisão – por força da confissão dos legais representantes da Ré que ficou devidamente registada em acta e, como tal, nenhuma alteração se impõe efectuar.

Sustenta ainda a Apelante que deve ser considerado provado que “A autora e a ré acordaram que aquela procederia ao loteamento de anexação dos dois prédios que constituíam a parcela do plano de pormenor”, invocando, para o efeito, os depoimentos das testemunhas, I... e J....

Sendo certo que a Apelante não alude às concretas afirmações das testemunhas que permitiriam considerar esse facto provado – limitando-se a remeter para os depoimentos integrais – a verdade é que nada encontramos nesses depoimentos que aponte para a confirmação daquele facto.

Refira-se que a testemunha J... não referiu sequer ter qualquer conhecimento das negociações e acordos celebrados entre a Ré e a Autora e a testemunha, I..., também não confirma, em momento algum do seu depoimento, o facto aqui em questão. Importa notar que, como decorre dos aludidos depoimentos e como já foi referido supra, a Ré contratou um outro gabinete para resolver o problema do emparcelamento e foi este gabinete que acabou por tratar da questão da anexação, já que o emparcelamento se havia tornado desnecessário, sem que as aludidas testemunhas façam qualquer referência à existência de um qualquer acordo entre a Ré e a Autora no sentido de ser esta a proceder ao loteamento com vista à anexação dos prédios.

Mantém-se, portanto, a decisão que considerou esse facto como não provado.

Na perspectiva da Apelante, também deveria considerar-se provada a seguinte matéria de facto (reportada a parte do ponto 32º e ao ponto 33º da base instrutória):

Como consequência necessária e directa do comportamento da autora, de intentar a presente acção nos respectivos termos em que tal ocorreu, a ré teve gastos com as deslocações que os representantes da mesma se vêem obrigados a efectuar das suas residências até ao escritório da sua mandatária, com o pagamento dos honorários desta, com o pagamento de certidões para fazerem prova do alegado e com as horas despendidas no processo” e “A ré teve, e ainda tem, nas pessoas dos seus representantes legais, uma instabilidade emocional derivada do nervosismo, da angústia, da ansiedade que toda esta situação lhe trouxe e pelo facto de ver contra si intentada a presente acção nos termos em que foi”.

E, para justificar a sua pretensão, invoca o depoimento da testemunha, F..., remetendo, mais uma vez, para a transcrição integral do seu depoimento sem que especifique as concretas passagens do seu depoimento das quais se poderia retirar a confirmação daqueles factos.

A verdade é que a testemunha nada disse de concreto sobre esta matéria; a testemunha apenas aludiu – em termos muito vagos – a incómodos causados e decorrentes da acusação/sugestão de plágio relativamente ao projecto que elaborou, incómodos esses que nem sequer precisou ou concretizou.

Além das concretas despesas que já foram incluídas na matéria de facto provada, a resposta negativa ao demais que era perguntado nos citados pontos da base instrutória foi justificada pela decisão recorrida nos seguintes termos:

“Quanto ao mais, a prova apresentada pela ré limitou-se ao depoimento das testemunhas F..., I... e J... – sendo que nenhuma delas referiu qualquer gasto concreto de tempo e dinheiro por parte da ré com deslocações ao escritório da mandatária, com os honorários desta e com “horas despendidas no processo”.

Não se considerou provado o facto vertido no quesito 33 porque a prova apresentada pela ré limitou-se ao depoimento das testemunhas F..., I... e J..., e das declarações dessas testemunhas não resultou que os legais representantes da ré tenham sofrido instabilidade emocional, nervosismo, angústia ou ansiedade. A testemunha F... referiu apenas a existência de “incómodos”, em termos vagos e insuficientes para considerar provado o facto vertido no dito quesito”.

Concordamos plenamente com essa justificação, razão pela qual se mantém a decisão recorrida no que respeita aos citados pontos de facto.

Direito

Conforme se considerou na decisão recorrida, estamos perante um contrato de prestação de serviços, por via do qual a Autora se obrigou a fornecer à Ré, mediante um preço, os serviços de arquitectura que estão referidos no contrato celebrado entre as partes e que, em termos gerais, correspondiam à elaboração de um projecto geral de arquitectura e projectos de especialidades para um edifício a construir num terreno propriedade da ré, que constitui a parcela 1 do Plano de Pormenor aprovado pela RCM n.º 111/2004.

Tal contrato foi celebrado em 22/11/2005 e em 03/02/2010, a Ré, de forma unilateral, pôs fim ao contrato, comunicando à Autora que não pretendia que ela continuasse a desenvolver o projecto e adjudicando o projecto de arquitectura do aludido edifício a outro prestador de serviços.

A sentença recorrida veio a considerar que a Ré não tinha fundamento para resolver unilateralmente o contrato e condenou-a a pagar à Autora a quantia de 38.750,00€ (acrescida de IVA) correspondente à parte da 3ª prestação que a Ré ainda não havia pago, considerando-se, para o efeito, que a não verificação do facto a que estava condicionado esse pagamento (a aprovação camarária do projecto base de arquitectura) era imputável à Ré que, sem fundamento legítimo, havia resolvido o contrato.

A Ré contesta essa decisão – interpondo o presente recurso – sustentando, em linhas gerais, que foi a Autora quem incumpriu o contrato, porquanto não cumpriu a prestação para a qual foi contratada e não cumpriu os prazos que haviam sido acordados. Com efeito – diz – a Autora não respeitou os critérios definidos no Plano de Pormenor, nem as exigências legais em vigor na data da elaboração e da entrada do pedido de licenciamento na Câmara Municipal, sendo certo que não efectuou o emparcelamento que, à data, era exigido por lei, razão pela qual aquele pedido foi rejeitado liminarmente. Sustenta, por outro lado, que está em causa um não cumprimento objectivo e definitivo, visto que a prestação já não era realizável no contexto do programa contratual, sendo que os prazos contratualizado estavam há muito terminados e mesmo que materialmente possível, deixou de ter interesse para a Ré no referido contexto.

Analisemos, portanto, essa questão.

Tal como referimos supra, está em causa um contrato de prestação de serviços – previsto no art. 1154º do Código Civil – e que é regulado pelas cláusulas contratuais (livremente estabelecidas pelas partes) e pelas disposições legais que regulam o contrato de mandato (cfr. art. 1156º do CC).

No que toca à resolução do contrato, resulta do disposto no art. 432º, nº 1, do citado diploma que ela apenas é admitida quando fundada na lei ou em convenção.

Relativamente a essa matéria, convencionaram as partes, no contrato que celebraram, que a Ré poderia rescindir o contrato se a Autora se atrasasse mais de dez dias sobre a data prevista para entrega dos estudos e projectos, se o atraso global no cumprimento dos prazos fosse superior a sessenta dias e se a Autora faltasse repetidamente ao cumprimento das suas obrigações contratuais.

Mais estipularam as partes – cfr. cláusula 14ª, nº 3 – que “o incumprimento torna-se definitivo e a rescisão opera de imediato e automaticamente, se o contraente faltoso não satisfizer a obrigação incumprida no prazo de quinze dias a contar da data da interpelação que lhe seja feita com essa finalidade”.

Significa isto, portanto, que, além de terem limitado a possibilidade de resolução do contrato a situações de incumprimento que delimitaram em termos objectivos, as partes convencionaram que tal resolução não poderia operar sem que o contraente faltoso tivesse a possibilidade de cumprir a obrigação em falta num prazo de quinze dias a contar da interpelação que lhe fosse efectuada com essa finalidade.

Ora, como é bom de ver, a declaração efectuada pela Ré – por via da qual pôs fim ao contrato – não respeita minimamente o disposto na citada cláusula.

De facto, na aludida declaração, a Ré não faz sequer alusão ao incumprimento de qualquer obrigação por parte da Autora e, portanto, é evidente que não também contém qualquer interpelação com vista ao respectivo cumprimento (e, conforme referimos, tal interpelação era necessária – em face dos termos do contrato – para que o contrato pudesse ser resolvido, caso permanecesse a situação de incumprimento ao fim de quinze dias).

Resulta, aliás, da citada declaração que não estava em causa qualquer incumprimento por parte da Autora, referindo a Ré – clara e expressamente – que não pretendia continuar a desenvolver o projecto com a Autora em virtude de os honorários propostos superarem “a quantia definida para a época”.

Invoca agora a Ré/Apelante uma série de incumprimentos por parte da Autora, seja ao nível dos prazos que haviam sido acordados, seja ao nível da prestação a que estava obrigada, sustentando, designadamente, que a Autora não havia procedido ao emparcelamento/loteamento, que, à data, era necessário, razão pela qual o projecto não foi apreciado pela Câmara Municipal.

A verdade é que os eventuais incumprimentos ou atrasos da Autora são totalmente irrelevantes, razão pela qual se torna desnecessário apreciar a sua existência.

Tais incumprimentos são irrelevantes, em primeiro lugar, porque não foi com esse fundamento que a Ré pôs fim ao contrato (a Ré pôs fim ao contrato por não aceitar a proposta de honorários que a Autora havia efectuado face à alteração ao projecto que a Ré pretendia efectuar e não por qualquer incumprimento em que a Autora tivesse incorrido) e, em segundo lugar, porque, ainda que tivessem existido e ainda que a Ré pudesse resolver o contrato com esse fundamento, tal resolução não poderia operar – conforme previsto no contrato – sem que a Autora tivesse a possibilidade de proceder ao cumprimento no prazo de quinze dias a contar da interpelação que a Ré teria que lhe efectuar com essa finalidade, interpelação essa que não foi efectuada.

Importa notar, por outro lado, que os incumprimentos que a Ré imputa à Autora já haviam ocorrido há muito e a Ré sempre se conformou com eles, seja por entender que não estava em causa qualquer incumprimento (ao contrário do que agora sustenta), seja por não lhe atribuir a relevância suficiente para resolver o contrato.

Vejamos.

O contrato foi celebrado em 22/11/2005 e a Autora elaborou um projecto que apresentou na Câmara Municipal em 08/09/2006, sendo que, posteriormente – em 10/12/2006 – apresentou uma versão ligeiramente alterada desse projecto de modo a haver concordância com o projecto de segurança contra incêndios que a Câmara havia exigido.

Em 26/09/2006, a Câmara Municipal informou que a apreciação do projecto estava dependente da operação de emparcelamento/loteamento dos dois prédios que eram objecto da pretensão.

Na sequência desse facto, a Ré encetou diligências com vista a tal emparcelamento/loteamento; dado que, por força de alteração da legislação, tal emparcelamento deixou de ser necessário, sendo suficiente a anexação dos prédios, a Ré iniciou os procedimentos com vista à anexação dos prédios, tendo contratado um gabinete de advogados para resolver o problema da desconformidade da área registada na Conservatória e a declarada na matriz, já que esta desconformidade impedia aquela anexação; no decurso de todas estas diligências que estavam a ser efectuadas pela Ré – já em finais de 2007 e em 2008 – houve reuniões entre a Autora e a Ré, sem que haja notícia de que esta alguma vez tivesse imputado à Autora qualquer incumprimento do contrato e sem que manifestasse a intenção de resolver o contrato, apenas informando a Autora que necessitava de encontrar um parceiro para avançar com o empreendimento e tendo liquidado (em Julho de 2008) uma parte da prestação prevista no contrato; a Ré pediu a anexação das parcelas em 26/06/2009, tendo o registo sido efectuado em 02/09/2009; em Dezembro de 2009, o representante da Ré informou a Autora que havia encontrado um parceiro, indicando o seu representante que, a partir daí, iria conduzir o processo; a Autora teve algumas reuniões com esse representante, manifestando este a sua pretensão de alterar o projecto de arquitectura que havia sido apresentado e ficando a Autora de apresentar a sua proposta de honorários relativamente a tal alteração; a Autora apresentou essa proposta e é na sequência desse facto que a Ré põe fim ao contrato, sem aludir a qualquer incumprimento e limitando-se a aludir ao valor da proposta que a Autora havia apresentado.

Ou seja, durante os anos de 2007, 2008 e 2009, a Ré diligenciou pelo emparcelamento e, posteriormente, pela rectificação de áreas e pela anexação dos prédios; durante todo esse período, não invocou o incumprimento de qualquer prazo pela Autora e não está provado que alguma vez tenha exigido à Autora a realização da operação de loteamento/emparcelamento por ter entendido que tal prestação estava incluída no contrato que com ela havia celebrado.

E, portanto, não o tendo feito durante todo esse período, não seria legítimo – configuraria até abuso de direito – que viesse depois (já em 2010) resolver o contrato com base em alegados incumprimentos da Autora que estavam perfeitamente ultrapassados – seja pelo tempo entretanto decorrido sem que a Ré indiciasse qualquer pretensão no sentido de pretender invocar esse incumprimento para resolver o contrato, seja pela circunstância de a obrigação em causa (o emparcelamento) já não ser necessária e já ter sido solucionada por outra via.

Parece-nos, portanto, indiscutível que, em 2010, a Ré não poderia resolver o contrato com base nesses incumprimentos.

E a verdade é que não o fez.

Com efeito – reafirma-se – a Ré não resolveu o contrato com fundamento no incumprimento de qualquer obrigação por parte da Autora; a Ré pôs fim ao contrato num momento em que já estavam reunidas todas as condições para o projecto avançar e apenas porque não concordou (ou não lhe interessou) o valor dos honorários que a Autora solicitou com vista à alteração do projecto (alteração que foi pretendida pela Ré).

Além do mais, ainda que existisse algum incumprimento contratual por parte da Autora, a Ré não poderia resolver o contrato sem que, em conformidade com o previsto no contrato, interpelasse a Autora para proceder ao cumprimento, interpelação que não efectuou.

Diz a Apelante que o primeiro acto efectivo que a A. praticou foi em 8 de Setembro de 2006, data da entrega do projecto de arquitectura na CMA, ou seja, mais de dez meses depois da assinatura do contrato. Mas a verdade é que a Ré nunca se insurgiu contra esse atraso; não interpelou a Autora para cumprir – interpelação que estava prevista no contrato como procedimento prévio à resolução – e a relação contratual perdurou ainda durante mais de três anos, sem que a Ré manifestasse a intenção de proceder à sua resolução com esse fundamento e, portanto, não poderá agora invocar esse facto para justificar a resolução do contrato (resolução que nem sequer alude ao incumprimento desses prazos).

Diz também a Apelante que a Autora não respeitou os critérios definidos no Plano de Pormenor, nem as exigências legais que à data estavam em vigor, sendo que não procedeu ao loteamento/emparcelamento que, à data, era obrigatório, o que motivou a rejeição liminar do pedido pela Câmara Municipal. Mas, ainda que essa circunstância configurasse um incumprimento contratual da Autora, deveria a Ré ter reagido, nessa altura, interpelando a Autora, nos termos previstos no contrato, para cumprir devidamente essa obrigação. Ora, não foi isso que fez a Ré. A Ré aceitou (aparentemente) que essa obrigação não era da Autora (ou, pelo menos, conformou-se com a sua não realização) e foi ela própria quem encetou diligências para proceder a tal emparcelamento, sem que alguma vez – durante os vários anos que se seguiram – tenha manifestado intenção de resolver o contrato com esse fundamento. Assim sendo, não poderá agora invocar a omissão dessa operação de emparcelamento (num momento em que ela já não é necessária) para justificar a resolução do contrato.

Nos termos previstos no contrato, a Ré apenas poderia proceder à sua resolução em caso de incumprimento da Autora (nos termos previstos no nº 1 da cláusula 14ª), sendo que essa resolução apenas poderia operar se o incumprimento subsistisse após o decurso do prazo de quinze dias a contar da data da interpelação que deveria efectuar à Autora com essa finalidade.

Não foi isso que aconteceu.

A Ré não resolveu o contrato com fundamento em qualquer incumprimento da Autora e depois de a interpelar para o cumprimento; a Ré pôs fim ao contrato porque pretendia alterar o objecto da prestação da Autora, ou seja, pretendia alterar o projecto de arquitectura e não concordou com os honorários que a Autora apresentou com vista a essa alteração e tais circunstâncias não lhe permitiam resolver o contrato, em face da lei e em face do contrato.

E, se é certo que aquela declaração - efectuada em 2010 – não poderá configurar uma resolução do contrato válida e eficaz à luz das cláusulas contratuais, a verdade é que tal resolução também não encontra qualquer apoio na lei.

Com efeito, a resolução do contrato é uma faculdade que, em princípio e salvo convenção em contrário, apenas é admissível quando ocorre incumprimento definitivo da obrigação; a simples mora não confere ao credor o direito de resolver o contrato, assistindo-lhe apenas o direito de exigir a prestação e a indemnização dos prejuízos que essa situação lhe tenha causado (art. 804º, nº 1), sendo certo que apenas o incumprimento definitivo do contrato bilateral confere ao credor a possibilidade de o resolver, exigindo a restituição da prestação que já tenha realizado (cfr. art. 801º, nº 2).

Ora, à data da aludida declaração, não existia qualquer incumprimento definitivo da obrigação da Autora, na medida em que a prestação a que a Autora estava vinculada era possível e podia perfeitamente ser executada nos termos contratados.

É certo, no entanto, que, em determinadas circunstâncias, a lei permite converter a mora em incumprimento definitivo e proceder à resolução do contrato e parece ser esta a situação invocada pela Apelante – nas suas alegações de recurso – quando diz que a prestação já não era realizável no contexto do programa contratual e que, por força da mora e da violação dos prazos contratuais, deixou de ter interesse nessa prestação.

Todavia, a conversão da mora em incumprimento definitivo e a consequente faculdade de resolução do contrato não se basta com a afirmação do credor de que deixou de ter interesse na prestação.

O art. 808º do CC dispõe, a esse propósito, que:

1. Se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação.

2. A perda do interesse na prestação é apreciada objectivamente.

 Tal como resulta desta disposição, a mora do devedor pode converter-se em não cumprimento definitivo em duas situações distintas: perda de interesse na prestação em consequência da mora e não realização da prestação no prazo que razoavelmente for fixado pelo credor.

A primeira situação respeita aos casos em que a mora do devedor elimina, só por si, o interesse do credor na prestação, ou seja, o cumprimento da prestação fora do prazo que havia sido fixado não tem qualquer interesse para o credor. Todavia, e tal como resulta do nº 2 da citada disposição legal, não basta, para o efeito, uma perda de interesse subjectiva na prestação; a perda de interesse tem que ser apreciada objectivamente, ou seja, a perda de interesse da prestação tem que resultar da apreciação objectiva da situação de tal forma que seja possível concluir que, naquelas circunstâncias, qualquer pessoa, colocada na posição do credor, deixaria de ter interesse na prestação.

A segunda situação reporta-se aos casos em que, apesar de não se verificar uma perda objectiva do interesse na prestação, o credor pretende libertar-se do vínculo que sobre si recai, fixando ao devedor que incorreu em mora um último prazo para cumprir a prestação e para além do qual declara que considera a obrigação não cumprida.

Esta notificação – apelidada por alguns autores de notificação admonitória ou interpelação cominatória – destina-se a satisfazer o interesse legítimo do credor que, apesar de continuar a ter interesse objectivo na prestação, não pretende continuar vinculado à sua prestação e sujeito à mora da outra parte por tempo ilimitado. 

 Ora, ainda que existisse mora da Autora, a verdade é que nenhuns factos se provaram – e tão pouco foram alegados – que permitissem concluir pela perda (objectiva) de interesse da Ré na prestação, importando notar, aliás, que a Ré adjudicou os serviços a outro prestador de serviços, o que revela, só por si, o seu interesse na prestação (a Ré não perdeu, portanto, interesse na prestação, pretendendo apenas que ela fosse executada por outrem que não a Autora). Por outro lado, também não se provou – e tão pouco foi alegado – que a Ré/Apelante tenha efectuado a interpelação a que alude a norma citada, concedendo à Autora um último prazo para cumprir a sua prestação sob pena de esta se considerar definitivamente não cumprida.

É certo, portanto, em face do exposto, que a aludida declaração da Ré – pela qual pôs fim ao contrato – não tem eficácia resolutiva do contrato, seja à luz das cláusulas contratuais estabelecidas pelas partes, seja à luz das disposições legais que regem a resolução do contrato.

Mas, não obstante o facto de a Autora e a sentença recorrida aludirem à figura da resolução do contrato, parece-nos que, em rigor, a declaração da Ré corresponde apenas a uma revogação unilateral do contrato, que, por regra, é admitida nos contratos de prestação de serviços (cfr. art. 1170º, nº 1, do CC, aplicável por força do disposto no art. 1156º do mesmo diploma). Com efeito, aquela declaração não alude sequer à figura da resolução do contrato, não alude a qualquer incumprimento ou a qualquer outra situação que pudesse justificar tal resolução (resolução que, como sabemos, apenas é admitida nas situações previstas na lei ou ao abrigo da convenção das partes) e limita-se a informar que o valor dos honorários propostos os obriga (à Ré) a não proceder ao desenvolvimento do projecto com o gabinete da Autora. Aliás, a circunstância de a Ré ter adjudicado o projecto de arquitectura a outro prestador de serviços constituiria, só por si, uma revogação tácita do contrato (cfr. art. 1171º do C.C.).

Importa notar que a resolução e a revogação do contrato são figuras jurídicas distintas.

Como refere Antunes Varela[2], a resolução é a destruição da relação contratual, operada por um dos contraentes, com base num facto posterior à celebração do contrato, que goza, por regra, de eficácia retroactiva e que, ressalvando as situações previstas nos arts. 434º e 435º do CC, é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico; a revogação corresponde à destruição do contrato por efeito da vontade de um ou de ambos os contraentes, distinguindo-se da resolução por se projectar apenas para o futuro (reportando-se, essencialmente, a negócios ainda não consumados ou ressalvando os efeitos negociais já consumados).

Ao contrário do que acontece com a resolução do contrato (que, com algumas excepções, não pode funcionar com base na mera vontade das partes, dependendo da efectiva verificação do facto/situação que está previsto na lei ou na convenção como fundamento para tal resolução), a revogação do contrato, ainda que seja unilateral, exprime, em regra, um poder discricionário, sem que a parte revogante tenha de invocar e demonstrar qualquer fundamento para a destruição da relação contratual, ainda que, em determinados casos, a existência (ou não) de um fundamento objectivo para a revogação não seja indiferente, designadamente, para efeitos indemnizatórios (como acontece precisamente no caso do mandato)[3].

Ora, tal como dissemos, o mandato – e, consequentemente, o contrato de prestação de serviços que está submetido ao regime do mandato – é, em princípio, livremente revogável, apenas se ressalvando o caso de o mandato ter sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro, caso em que, por força do disposto no art. 1170º, nº 2, apenas poderá ser revogado pelo mandante sem acordo do interessado se existir justa causa.

Parece-nos indiscutível que o carácter oneroso do contrato não basta para concluir que o mandato (ou a prestação de serviços) tenha sido conferido também no interesse do mandatário e, portanto, o interesse do mandatário a que alude a norma citada há-de ser um interesse diverso daquele que apenas se consubstancia na recepção da contrapartida ou retribuição estabelecida[4].

Como refere Manuel Januário da Costa Gomes[5], “…para se concluir pelo interesse do mandatário ou de terceiro, é forçoso descortinar um direito subjectivo de que um deles seja titular, direito que é exercido, ou por qualquer forma actuado, através do mandato e, mais especificamente, através do cumprimento do acto gestório”, acrescentado o citado autor que “… o direito subjectivo do mandatário in rem suam a que se aludiu, não tem a sua génese na relação gestória, não é explicado por esta: esse direito subjectivo decorre duma outra relação entre o mandante e o mandatário, relação essa que determina amiúde a constituição do mandato ou que, não a determinando embora, pode vir a condicionar ou a regular significativamente os termos do “agir por conta”, nomeadamente quanto ao seu aspecto consequencial, traduzido na repercussão (destinação) dos efeitos na esfera do mandante”.

Assim e à luz das considerações efectuadas, é imperioso concluir que, perante a matéria de facto provada, nada permite afirmar a existência de um interesse da Autora que seja relevante para efeitos de irrevogabilidade do contrato e, como tal, a Ré podia revogar o contrato – como revogou – ao abrigo do disposto no art. 1170º, nº 1 e podia fazê-lo livremente e independentemente da existência de justa causa.

Mas a circunstância de a Ré poder revogar livremente o contrato não é, só por si, bastante para a isentar de indemnizar a Autora.

Com efeito e como decorre do disposto no art. 1172º, ainda que o mandato (ou prestação de serviços) possa ser livremente revogado, a parte que revogar o contrato deve indemnizar a outra do prejuízo que esta sofrer nas situações previstas na norma citada, o que acontece, designadamente, quando a revogação proceder do mandante (ou da pessoa a quem se destinam os serviços) e estiver em causa um contrato oneroso que tenha sido conferido por certo tempo ou para determinado assunto. De facto, como refere Manuel Januário da Costa Gomes[6], “quando o mandato se integra numa destas espécies, o mandatário detém uma forte expectativa na permanência da relação contratual até final e na obtenção de uma determinada retribuição global. É, assim, de toda a justiça que o mandante que põe cobro às expectativas da permanência do vínculo, indemnize o mandatário pelos prejuízos sofridos”.

Ora, estando em causa nos presentes autos um contrato de prestação de serviços oneroso que tinha como objecto determinados serviços, a Ré, tendo revogado unilateralmente o contrato, estará, em princípio, obrigada a indemnizar a Autora pelos prejuízos que esta sofreu.

Não haverá, porém, lugar a essa indemnização, quando exista justa causa para a revogação e desde que essa causa se reconduza a qualquer actuação ou comportamento da contraparte, ou seja, quando a revogação do contrato é determinada por razões imputáveis à contraparte, já que, como referem Pires de Lima e Antunes Varela[7], “seria, de facto, intolerável que o contraente provocasse pela sua conduta a revogação e ainda por cima obtivesse a indemnização pelo prejuízo que alegue ter sofrido[8].

Sendo um conceito indeterminado (não definido pelo legislador), a justa causa há-de corresponder a qualquer facto, situação ou circunstância – que poderão ser ou não imputáveis à contraparte – que torne inexigível, de acordo com as regras da boa fé, a manutenção da relação contratual[9].

Mas, tal como se referiu supra, enquanto factor de exclusão da obrigação de indemnizar a cargo da parte que revoga o contrato, quando este é livremente revogável (como aqui acontecia), apenas releva a justa causa que se reconduza a um comportamento ou actuação da contraparte, de forma a que possa afirmar-se que a revogação do contrato decorreu de uma determinada actuação da contraparte que, segundo as regras da boa fé, tornava inexigível para a parte revogante a manutenção da relação contratual.

Ora, não nos parece que tal aconteça no caso sub judice.

Com efeito, remetendo para as considerações supra efectuadas a propósito da existência (ou não) de fundamento para a resolução do contrato, reafirmamos agora que os incumprimentos que a Ré imputa à Autora não constituiriam – ainda que tivessem existido – justa causa para a revogação do contrato que a Ré/Apelante veio a efectuar em 2010.

Reafirma-se que esses alegados incumprimentos já existiam há muito e, sem que a Ré tivesse reagido ou tivesse manifestado qualquer intenção de pôr fim ao contrato com esse fundamento, a relação contratual perdurou ainda durante vários anos, importando notar que não foram esses incumprimentos que motivaram a decisão da Ré de pôr fim ao contrato, mas sim a circunstância de pretender alterar o projecto e de não estar disposta a pagar os honorários que a Autora pediu por tal alteração.

De facto, numa actuação conforme às regras da boa fé, a Ré/Apelante não poderia invocar como justa causa para a revogação do contrato que veio a efectuar em 2010 o facto de o projecto ter sido entregue na CM para além do prazo que estava previsto no contrato, quando é certo que esse projecto foi apresentado em 2006 sem que a Ré, durante os anos que se seguiram, tivesse atribuído qualquer relevância a esse facto. Da mesma forma, não poderia a Ré, em boa fé, invocar como justa causa para tal revogação, a circunstância de a Autora não ter cumprido devidamente a sua prestação por não ter procedido ao emparcelamento que, à data, era obrigatório e que a Apelante sustenta ser obrigação da Autora, quando é certo que, não obstante esse facto, a Ré manteve a relação contratual durante vários anos, quando é certo que foi ela quem, durante esses anos, diligenciou pela resolução dessa questão sem exigir a sua resolução à Autora e quando é certo que essa questão já estava ultrapassada à data da revogação (porque o emparcelamento já não era necessário, porque a anexação dos prédios já estava efectuada e porque já estavam reunidas todas as condições para que o projecto pudesse avançar). E o facto de a implantação do projecto apresentado pela Autora não respeitar a implantação imposta pelo Plano de Pormenor também não releva para considerar que, por essa razão, não era exigível à Ré a manutenção da relação contratual, já que esse facto poderia perfeitamente ser corrigido pela Autora.

Não descortinamos, pois, na matéria de facto qualquer actuação ou comportamento da Autora que, à luz das regras da boa fé, pudesse – em 2010 – tornar inexigível para a Ré a manutenção da relação contratual e que, como tal, seja susceptível de isentar a Ré/Apelante da obrigação de indemnizar a Autora pelos prejuízos decorrentes da revogação do contrato, quando é certo que, durante os vários anos de vigência do contrato, a Ré não atribuiu relevo especial aos comportamentos que agora imputa à Autora e antes actuou como se continuasse interessada na execução do contrato, criando na Autora a expectativa de que o contrato iria ser cumprido logo que a Ré resolvesse a questão da rectificação de áreas, anexação dos prédios e respectivo registo.

No que respeita ao valor da indemnização, afirmam Pires de Lima e Antunes Varela[10], que “…o prejuízo da revogação calcular-se-á em função da compensação que o mandato devia proporcionar normalmente ao mandatário[11].

A sentença recorrida apenas condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de 38.750,00€ correspondente à parte (ainda não paga) da 3ª prestação que estava prevista no contrato, sendo certo que a Ré já lhe havia pago a 1ª e a 2ª prestação, no valor de 9.000,00€ e 36.000,00€, tendo pago ainda, por conta da 3ª prestação, o valor de 6.250,00€ e respectivo IVA.

É certo, portanto, que não está aqui em causa a questão de saber se a Autora tem ou não direito à totalidade do preço que havia sido contratado; importa apenas saber (pois é apenas esse o objecto do recurso) se a Autora tem ou não direito à 3ª prestação que, nos termos do contrato, deveria ser paga no prazo de trinta dias após a recepção pela C... da aprovação camarária do projecto base de arquitectura.

É certo que o aludido projecto ainda não havia obtido aprovação camarária e, portanto, não estava ainda verificada a condição de que dependia a exigibilidade do pagamento daquela prestação.

A verdade é que, aquando da revogação do contrato, já estavam ultrapassadas as questões que haviam impedido a apreciação do projecto apresentando pela Autora e, portanto, estavam reunidas as condições para que o mesmo visse a obter aprovação em curto prazo, ainda que, para o efeito, a Autora tivesse que proceder a algumas rectificações, já que, como resulta da matéria de facto provada, o projecto que havia elaborado e apresentado não respeitava a implantação imposta pelo Plano de Pormenor.

De qualquer forma, será seguro afirmar que a quantia de 45.000,00€ a que alude a 3ª prestação (a que nos reportamos) corresponde à remuneração/preço de serviços que, à data da revogação do contrato, a Autora já havia elaborado em parte e que, como tal, lhe é devido. É certo, no entanto, que os serviços a que se reportava tal prestação não estariam ainda inteiramente executados, já que, como se disse, a Autora ainda teria que efectuar alterações ao projecto. De qualquer forma, ultrapassados que estavam todos os entraves que se colocaram (emparcelamento, anexação e registo), a Autora tinha expectativa de receber a curto prazo o valor daquela prestação, porquanto nada obstava já a que, efectuadas as necessárias rectificações, o projecto base viesse a ser aprovado pela CM, expectativa essa que se frustrou pela circunstância de a Ré ter revogado unilateralmente o contrato.

É justo, portanto, que seja paga à Autora a aludida quantia.

Em face do exposto, confirma-se a sentença recorrida, sendo desnecessária a apreciação da questão referente à nulidade de determinadas cláusulas do contrato, uma vez que tais cláusulas não assumem relevância para a decisão.


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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

I – O contrato por via do qual alguém se obriga a prestar a outrem determinados serviços de arquitectura, mediante retribuição, e do qual não resulta para o prestador dos serviços qualquer outro interesse que não seja o de receber a retribuição, é um contrato de prestação de serviços que, por força do disposto no arts. 1156º e 1170º do C.C., é livremente revogável por qualquer das partes, independentemente da existência de justa causa.

II – Todavia, não obstante a sua livre revogabilidade, estando em causa um contrato oneroso que tem como objecto a prestação de determinados serviços, a sua revogação unilateral por parte do contraente a quem se destinam os serviços implica, em princípio, a obrigação de indemnizar a outra parte pelos prejuízos decorrentes da cessação antecipada do contrato.

III – Não haverá, porém, lugar a qualquer indemnização quando exista justa causa para a revogação do contrato e desde que essa justa causa se reconduza a qualquer facto ou circunstância que seja imputável à contraparte.

IV – A justa causa, enquanto pressuposto da faculdade de revogar o contrato (como acontece na situação previstas art. 1170º, nº 2, do CC.), há-de corresponder a qualquer facto, situação ou circunstância que torne inexigível, de acordo com as regras da boa fé, a manutenção da relação contratual e que poderá ser ou não imputável à contraparte; todavia, enquanto factor de exclusão da obrigação de indemnizar a cargo da parte que revoga o contrato, apenas releva a justa causa que se reconduza a um comportamento ou actuação da contraparte, de forma a que possa afirmar-se que a revogação do contrato decorreu de uma determinada actuação da contraparte que, segundo as regras da boa fé, tornava inexigível para a parte revogante a manutenção da relação contratual.


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V.
Pelo exposto, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da Apelante.
Notifique.

Maria Catarina Ramalho Gonçalves (Relatora)

Maria Domingas Simões

Nunes Ribeiro

                    


[1] Reg. nº 142.
[2] Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª ed., págs. 275 e segs.
[3] Cfr. Antunes Varela, ob. cit. pág. 279 e 280.
[4] Neste sentido, pode ver-se, entre outros, o Acórdão do STJ de 02/03/2011, proc. nº 2464/03.1TBALM.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt, bem como Manuel Januário da Costa Gomes, Em Tema de Revogação do Mandato Civil, pág.146..
[5] Ob. ct., pág. 149.
[6] Ob. cit., pág. 272.
[7] Código Civil Anotado, Vol. II, 3ª ed., revista e actualizada, pag. 735.
[8] No mesmo sentido, Manuel Januário da Costa Gomes, ob. cit., págs. 219 a 221.
[9] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit. pág. 731, Manuel Januário da Costa Gomes, ob. cit., pág. 220, e, entre outros, o Ac. do STJ de 22/04/2003, proc. nº 04B1201, disponível em http://www.dgsi.pt.
[10] Ob. cit., pág. 735.
[11] No mesmo sentido, Manuel Januário da Costa Gomes, ob. cit., pág. 273 e Ac. do STJ de 30/06/2009, proc. nº 288/09.1YFLSB, disponível em http://www.dgsi.pt.