Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1119/10.5TBPBL-E.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS GIL
Descritores: BENFEITORIA
BENFEITORIAS NECESSÁRIAS
BENFEITORIAS ÚTEIS
FORMA
Data do Acordão: 06/12/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: POMBAL 3º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS.221, 222, 562, 566, 1273, 1275 CC
Sumário: 1. As benfeitorias necessárias conferem tanto ao possuidor de boa fé como ao possuidor de má fé, o direito a ser indemnizado nos termos gerais, isto é, segundo as regras da reconstituição natural (artigos 1273º, nº 1, 1ª parte, 562º e 566º, todos do Código Civil).

2. As benfeitorias úteis conferem, prioritariamente, ao possuidor de boa ou má fé o direito ao levantamento das benfeitorias, desde que tal levantamento não implique detrimento para a coisa benfeitorizada (artigo 1273º, nº 1, 2ª parte, do Código Civil).

3. As benfeitorias úteis que não possam ser levantadas conferem tanto ao possuidor de boa fé como ao possuidor de má fé o direito ao valor das benfeitorias, valor calculado de acordo com as regras do enriquecimento sem causa (artigo 1273º, nº 2, do Código Civil).

4. As benfeitorias voluptuárias apenas conferem ao possuidor de boa fé o direito ao levantamento das mesmas, desde que isso não envolva prejuízo para a coisa benfeitorizada, porque se isso decorrer do levantamento das benfeitorias voluptuárias, o possuidor de boa fé não terá nem direito ao levantamento, nem sequer a ser indemnizado (artigo 1275º, nº 1, do Código Civil).

5. O direito prioritário de levantamento das benfeitorias úteis apenas cede quando esse exercício prejudicar a coisa benfeitorizada e não quando dele resultar prejuízo para a benfeitoria, cabendo ao autor da benfeitoria a alegação e prova de que esse levantamento só se pode efectuar com detrimento da coisa benfeitorizada.

6. É legalmente admissível regulação convencional escrita da forma das alterações do contrato que afaste as normas supletivas sobre a forma das estipulações posteriores ao documento (artigos 221º, nº 2 e 222º, nº 2, ambos do Código Civil).

Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, os juízes abaixo-assinados da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

            1. Relatório

            A 08 de Outubro de 2010, por apenso ao processo de insolvência nº 1119/10.5TBPBL, pendente no 3º juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Pombal, A (…) e E (…) instauraram acção especial para verificação ulterior de créditos contra a Massa Insolvente de MM (…) e esposa MJ (…), os credores dos insolventes MM e MJ (…)e contra os insolventes MM (…) e MJ (…) pedindo que:

            a) se considere justificado, verificando-o, o crédito dos autores supra reclamado, no total de € 161.481,40;

            b) se gradue o referido crédito com preferência sobre os demais, mercê do direito real de garantia de que goza, consubstanciado no direito de retenção do imóvel prometido vender;

            c) se declare separada da massa insolvente a “moradia bifamiliar tipo T4” erigida num lote de terreno “sito na Urbanização Quinta (...) da freguesia de São Silvestre, descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o nº (...) /20000306 da dita freguesia e omisso na matriz da mesma freguesia e com a licença de construção nº (...) /2002 passada pela Câmara Municipal de Coimbra em 01 de Março de 2002, e sendo a sua prorrogação em 19 de Setembro de 2003 até 01 de Junho de 2004” até que os autores obtenham pagamento da totalidade do seu crédito.

            Para fundamentar as suas pretensões, os autores alegam, em síntese, que no dia 01 de Julho de 2004, na qualidade de promitentes compradores, no estado de casados, celebraram com os insolventes, estes na qualidade de promitentes vendedores, um contrato-promessa de compra e venda, livre de ónus ou encargos, relativo a uma “moradia bifamiliar tipo T4” a erigir num lote de terreno “sito na Urbanização Quinta (...) da freguesia de São Silvestre, descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o nº (...) /20000306 da dita freguesia e omisso na matriz da mesma freguesia e com a licença de construção nº (...) /2002 passada pela Câmara Municipal de Coimbra em 01 de Março de 2002, e sendo a sua prorrogação em 19 de Setembro de 2003 até 01 de Junho de 2004”      , tendo entregue aos insolventes, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de cinquenta mil euros, acordando que a marcação da escritura pública de compra e venda ficaria a cargo dos insolventes[1], a qual se haveria de realizar até ao dia 30 de Janeiro de 2005, mas nunca antes dos autores terem vendido o apartamento tipo “T3”, sito na Rua (...) , em Coimbra, de que os autores eram donos, apartamento que foi vendido em 06 de Outubro de 2004. Em 07 de Julho de 2004 os autores e os insolventes celebraram um novo contrato-promessa de compra e venda relativo ao mesmo imóvel para substituir o primeiro contrato, mantendo-se porém todas as obrigações antes enunciadas. Em 14 de Outubro de 2004, autores e insolventes outorgaram um aditamento ao contrato-promessa de compra e venda no qual acordaram o reforço do sinal em mais vinte mil euros, valor que os autores logo pagaram e que a moradia a executar haveria de obedecer a uma “Memória Descritiva” que anexaram a esse aditamento ao contrato. No entanto, em Janeiro de 2005, os insolventes não marcaram a escritura pública do contrato prometido, não tendo sido ainda concluída a moradia, não tendo os insolventes ainda obtido a licença de utilização da moradia cuja venda haviam prometido fazer aos autores. Neste circunstancialismo, os autores comunicaram aos insolventes que haviam perdido o interesse no cumprimento do contrato-promessa, predispondo-se então os insolventes a facultar a imediata ocupação da moradia prometida vender aos autores, o que estes aceitaram. Passados mais de três anos sobre a ocupação da moradia cuja venda foi prometida pelos insolventes aos autores, há ainda trabalhos por realizar, não foi ainda obtida licença de habitação, nem foi marcada ainda a escritura de compra e venda da moradia, tendo os autores, a expensas suas, realizado alguns trabalhos na moradia cuja execução competia aos insolventes, despendendo nesses trabalhos o valor global de € 13.236,04. Entretanto, com o passar do tempo, os autores deixaram de ter interesse na concretização do negócio prometido pois deixaram de ter financiamento aprovado para tal aquisição, divorciaram-se um do outro, pretendendo levar vidas autónomas noutros locais que não o da moradia objecto do contrato-promessa.

            Efectuadas as citações nos termos legais, a Massa Insolvente e de MM (…) e MJ (…) veio dar notícia do não recebimento, via citius, da contestação por si tempestivamente remetida, requerendo que seja considerada tempestiva a contestação por si oferecida. Após audição dos autores veio a ser proferida decisão que determinou o desentranhamento da contestação por não terem sido observadas as regras legais sobre subscrição múltipla dos articulados, proferindo-se seguidamente sentença que julgou a acção parcialmente procedente.

            Inconformada com esta decisão, a Massa Insolvente de MM (…) e MJ (…) interpôs recurso de apelação contra a mesma, recurso que obteve provimento.

            Julgou-se tempestiva a contestação oferecida pela Massa Insolvente de MM (…) e MJ (…), proferiu-se despacho saneador tabelar e fixou-se o valor da causa em € 161.481,40, dispensando-se a selecção da matéria de facto assente e controvertida.

            As partes ofereceram as suas provas, requerendo ambas a gravação da audiência final.

            Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, respondendo-se à matéria vertida nos articulados, proferindo-se seguidamente sentença que julgou a acção parcialmente procedente por provada e, em consequência, reconheceu aos autores um crédito de € 151.021,34, acrescido de juros de mora à taxa de 4 % contados desde a citação, até integral pagamento, julgando improcedente o pedido de separação da massa insolvente da moradia objecto do contrato-promessa de compra e venda.

            Inconformada com a sentença proferida, a Massa Insolvente de MM (…) e MJ (…) interpôs recurso de apelação terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:           

1.º O presente recurso tem por objecto analisar se a mera resolução do contrato por declaração unilateral, acompanhada da perda do interesse do promitente-comprador e desacompanhada de mora do devedor, preenche a previsão do artigo 808.º, n.º 1 do Código Civil e analisar a qualificação como benfeitorias de despesas suportadas pelos recorridos.

2.º Ao aceitar ocupar a moradia objecto de contrato de promessa os autores evidenciaram com toda a certeza que prescindiam do prazo inicial acordado para a conclusão do negócio e que não o consideravam já essencial;

3.º Os réus não incorreram em mora nos termos do artigo 805.º do Código Civil já que não se trata de um contrato com prazo certo imperativo, a obrigação não provem de facto ilícito e os réus insolventes não impediram a interpelação;

4.º Por não terem incorrido em mora a perda do interesse dos recorridos no negócio não pode ser equiparada ao não cumprimento da obrigação nos termos do n.º 1 do artigo 808 do Código Civil;

5.º Os artigos 801.º e 805.º do Código Civil devem ser interpretados no sentido de que a perda objectiva de interesse do credor na conclusão do negócio prometido só deve conduzir ao não cumprimento definitivo da obrigação por culpa do devedor quando este já se encontrar objectivamente em mora;

6.º A resolução do contrato de promessa de compra e venda operada pelos promitentes-compradores a 20 de Novembro de 2008 não preenche a previsão do disposto no n.º2 do artigo 442.º do Código Civil quando diz que “se o não cumprimento for devido a este ultimo [quem recebe o sinal], tem aquele [quem constitui o sinal] a faculdade de exigir o dobro do que prestou”;

7.º O n.º 2 do artigo 442.º do Código Civil deveria ter sido aplicado na parte e com o sentido que lhe é dado na parte em que dispõe que “se quem constituir o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue”;

8.º Não podem ser integrados na categoria de “benfeitorias” nos termos do disposto no n.º1 do artigo 216.º do Código Civil o frigorífico, fogão, microondas, máquina de lavar louça e roupa, exaustor e placa de encastrar e caixa de correio em alumínio já que são objectos móveis, independentes do imóvel objecto de contrato promessa;

9.º Não foi alegado ou provado que aqueles bens móveis ainda permanecessem no interior do objecto de contrato de promessa de compra e venda.

10.º Sem prescindir, ainda que se considerassem como benfeitorias úteis, o frigorifico, fogão, microondas, máquina de lavar louça e roupa, exaustor e placa de encastrar e caixa de correio em alumínio podem ser levantados do objecto sem prejuízo da coisa, e como tal, nos termos do n.º 1 do artigo 1275.º do Código Civil não deve a recorrente ser condenada a indemnizar os recorridos pelo seu valor.

11.º São benfeitorias voluptuarias a um piso radiante e alarme por serem objectos que, integrando a coisa objecto de contrato de promessa, não lhe acrescentam qualquer valor ou utilidade.

Os autores contra-alegaram pugnando pela total improcedência do recurso de apelação interposto pela Massa Insolvente de MM (…) e MJ (…)

Proferiu-se despacho a deferir requerimento dos autores para esclarecimento do dispositivo, aí se consignando que o crédito reconhecido aos autores goza de direito de retenção sobre o imóvel objecto do contrato-promessa de compra e venda, admitindo-se o recurso interposto como de apelação, com subida nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

As partes foram convidadas para, querendo, se pronunciarem sobre a eventual alteração oficiosa da resposta ao artigo 51º da base instrutória e apenas os recorridos se pronunciaram no sentido de na resposta ao artigo 51º da petição inicial se relevar o conteúdo do documento nº 35 oferecido com a petição inicial.

Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

            2. Questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 684º, nº 3 e 685º-A nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redacção aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil

2.1 Da alteração oficiosa da resposta ao artigo 51º da petição inicial

2.2 Da inexistência de mora dos insolventes pressuposto sem o qual não releva a perda do interesse dos autores na prestação;

2.3 Da indevida qualificação como benfeitorias necessárias ou úteis do frigorífico, do fogão, do micro-ondas, das máquinas de lavar louça e roupa, do exaustor, da placa de encastrar, da caixa de correio, do piso radiante e do alarme.

3.1 Da alteração oficiosa da resposta ao artigo 51º da petição inicial

(…)

Os depoimentos destas testemunhas, conjugado com o teor do documento junto a folhas 92 destes autos permitem responder afirmativamente ao artigo 51º da petição inicial, com excepção da referência probatória aí constante e com o esclarecimento que € 1.480,16 acrescidos de IVA à taxa de 19%, respeitam à vedação em painel de chapa e € 55,00 acrescidos de IVA à taxa de 19%, respeitam à caixa de correio em alumínio.

Assim, pelo que precede, decide-se alterar a resposta ao artigo 51º da base instrutória nos termos que se acabam de expor.

3.2 Fundamentos de facto constantes da decisão sob censura e que não foram objecto de qualquer impugnação, com a alteração oficiosamente determinada nesta instância, não impondo os elementos do processo decisão diversa, impassível de ser destruída por outras provas, nem tendo sido oferecido qualquer documento superveniente


3.2.1

Em 01 de Julho de 2004, MM (…) e MJ (…) declararam prometer vender aos autores, que declararam prometer comprar, “um lote de terreno para uma moradia bifamiliar, tipo T4, sito na Urbanização (...) , da freguesia de S. Silvestre, descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o n.º (...) /20000306 da dita freguesia e omisso na matriz da mesma freguesia e com a licença de construção n.º (...) /2002, passada pela Câmara Municipal de Coimbra em 01 de Março de 2002, e sendo a sua prorrogação em 19 de Setembro de 2003 até 01/06/2004.”, nos termos constantes de fls. 30 a 32, cujo teor aqui se dá por reproduzido, destacando-se as seguintes cláusulas[2]:

Terceira

A referida Fracção deverá ser entregue livre de quaisquer ónus ou encargos e responsabilidade, nomeadamente hipotecas ou penhoras no acto da outorga da respectiva escritura.

(…)


Sexta

1- A marcação da escritura pública de compra e venda ficará a cargo dos segundos outorgantes[3], que se efectuará até ao dia 30 de Janeiro de 2005, avisando os primeiros outorgantes, com pelo menos 15 dias de antecedência do local, dia e hora da celebração da referida escritura.

2- A escritura pública só se efectuará após a venda do apartamento tipo “T3” sito na Rua (...) – 1º esquerdo, em Coimbra, sendo o sinal devolvido sem qualquer penalização, ora de juros ou encargos.


Nona

Qualquer alteração ao disposto no presente contrato promessa de compra e venda que as partes possam vir a acordar, só será válida se consagrada por escrito em documento assinado por todos os outorgantes, do qual conste a indicação expressa, das cláusulas que foram suprimidas e a nova relação das aditadas ou alteradas.” (resposta aos artigos 1º e 2º da petição inicial).

3.2

Como sinal e princípio de pagamento do preço total acordado os autores pagaram aos insolventes a quantia de € 50.000 (cinquenta mil euros) (resposta ao artigo 3º da petição inicial).

3.3

Acordaram que a escritura se haveria de realizar até ao dia 30 de Janeiro de 2005 (resposta ao artigo 5º da petição inicial).

3.4

Sem prejuízo de (a referida escritura) não se poder realizar senão “após a venda do apartamento tipo “T3” sito na Rua (...) – 1º esquerdo, em Coimbra” (resposta ao artigo 6º da petição inicial).

3.5

Por escritura pública de 06 de Outubro de 2004, os autores declararam vender a (…) e marido, (…), pelo preço de cento e setenta e cinco mil euros a fracção autónoma designada pela letra “F”, correspondente a T-Três, destinado a habitação, localizado no 1º andar esquerdo, uma garagem localizada na cave menos três, designada pela letra da fracção, do prédio urbano situado na (...) , freguesia de Santo António dos Olivais, concelho de Coimbra e estes declararam aceitar a venda (documento autêntico junto de folhas 35 a 40).

3.6

Em 07 de Julho de 2004, por escrito assinado pela autora e pelos insolventes, estes declararam prometer vender aos autores, que declararam prometeram comprar, “um lote de terreno para uma moradia bifamiliar, tipo T4, sito na Urbanização (...) , da freguesia de S. Silvestre, descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o n.º (...) /20000306 da dita freguesia e omisso na matriz da mesma freguesia e com a licença de construção n.º (...) /2002, passada pela Câmara Municipal de Coimbra em 01 de Março de 2002, e sendo a sua prorrogação em 19 de Setembro de 2003 até 01/06/2004.”, nos termos constantes de fls. 50 a 52 cujo teor aqui se dá por reproduzido[4] (resposta ao artigo 8º da petição inicial).

3.7

Em 14 de Outubro de 2004, por escrito assinado pelos insolventes e pela autora, foi convencionado um aditamento ao acordo, nos termos constantes de fls. 53 a 57 cujo teor aqui se dá por reproduzido[5] (resposta ao artigo 9º da petição inicial).

3.8

Nesse aditamento autores e insolventes acordaram no pagamento por aqueles a estes de um reforço, no montante de € 20.000 (vinte mil euros), do sinal que havia sido pago (resposta ao artigo 10º da petição inicial).

3.9

Tais € 20.000 (vinte mil euros) de reforço foram pagos no dia 14 de Outubro de 2004 pelos autores aos insolventes (resposta ao artigo 11º da petição inicial).

3.10

E mais acordaram que a moradia a executar haveria de obedecer à “Memória Descritiva”[6] que então juntaram, como “Anexo 1” a esse aditamento ao acordo (resposta ao artigo 12º da petição inicial).

3.11

No final do mês de Janeiro de 2005, não havia sido marcada a escritura de compra e venda (resposta ao artigo 13º da petição inicial).

3.12

No final do mês de Janeiro de 2005, os insolventes não haviam concluído, e nunca chegaram a concluir, a construção da moradia em causa e na composição da mesma faltavam elementos acordados (resposta ao artigo 14º da petição inicial).

3.13

No final do mês de Janeiro de 2005 os insolventes não tinham obtido, e nunca chegaram a obter, a licença de utilização da moradia (resposta ao artigo 15º da petição inicial).

3.14    

No final do mês de Março de 2005, por a situação não se ter alterado, os autores comunicaram aos insolventes, por carta registada com aviso de recepção, o seguinte:

Assunto: Resolução de contrato promessa de compra e devolução do sinal em dobro[7]

Exmos. Senhores:

Como é do conhecimento de V. Exas. foi celebrado entre nós, no dia 1 de Julho de 2004, um contrato promessa com vista à compra de uma moradia identificada na cláusula 1ª daquele acto jurídico.

A construção de tal moradia deveria estar concluída até ao dia 30 de Janeiro do corrente ano, data em que se outorgaria a respectiva escritura que formalizaria o respectivo contrato de compra e venda prometido.

E tal escritura pública não foi marcada, nem poderia sê-lo porque V. Exas. não concluíram a construção da citada moradia até àquela data, verificando-se incumprimento contratual da v/parte, e incumprimento definitivo pois, para além de outros considerandos, nós, segundos outorgantes, perdemos todo o interesse na referida moradia, e também pelo facto de o prazo se ter esgotado há muito tempo.

Nestes termos vimos pela presente comunicar a V. Exa. a resolução do contrato promessa acima referido, e em consequência reclamar a devolução, em dobro, de todas as quantias entregues a título de sinal, a saber € 70.000, 00 (setenta mil euros).

Se tal quantia não for paga no prazo máximo de 10 (dez) dias accionaremos de imediato a respectiva acção judicial.” (resposta ao artigo 16º da petição inicial).


3.15

Os insolventes predispuseram-se, então, a permitir aos autores a imediata ocupação da moradia, o que estes aceitaram (resposta ao artigo 17º da petição inicial).

3.16

Em 3 de Maio de 2005, os autores, na qualidade de “promitentes compradores de uma moradia bifamiliar, tipo T4, sito na Urbanização (...) , da freguesia de S. Silvestre, descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o n.º (...) /20000306 da dita freguesia e omisso na matriz da mesma freguesia e com a licença de construção n.º (...) /2002, passada pela Câmara Municipal de Coimbra em 01 de Março de 2002, e sendo a sua prorrogação em 19 de Setembro de 2003 até 01/06/2004” e os insolventes, na qualidade de “promitentes vendedores” declararam por escrito assinado por todos:

1º- Que os promitentes vendedores entregam nesta data uma cópia das chaves da habitação prometida vender.

2º Que após a vistoria da referida habitação, os promitentes compradores verificaram que falta terminar a escada de acesso ao sótão e respectivo corrimão, telheiros exteriores e churrasqueira conforme memória descritiva e justificativa aditada ao contrato promessa de compra e venda.

3º Que por exclusivo interesse dos promitentes vendedores não é possível escriturar nesta data a habitação prometida vender.

4- Que nesta data entregam o cheque n.º 0300017001 sob o Banco Internacional de Crédito no montante de 155.424, 01 (cento e cinquenta e cinco mil quatrocentos e vinte e quatro euros e um cêntimo), à ordem de (…), que só poderá ser movimentado no dia da escritura pública de compra e venda da habitação prometida vender.

Os outorgantes prescindem de mútuo acordo do cumprimento das formalidades previstas no n.º 3 do artigo 410º do Código Civil, ou seja, de reconhecimento presencial das assinaturas, deste modo reconhecem que a omissão destes requisitos não é causada por culpa de qualquer dos outorgantes e renunciam expressamente à invocação dessa omissão.” (resposta aos artigos 18º a 21º da petição inicial).


3.17

Aquela licença continua por emitir (resposta ao artigo 24º da petição inicial).

3.18

O financiamento bancário que os autores tinham conseguido fazer aprovar em 2004/2005, por duas vezes, para pagamento da parte do preço da moradia ainda não paga, caducou (resposta ao artigo 27º da petição inicial).

3.19

Os autores deixaram de ter qualquer financiamento aprovado a esse propósito (resposta ao artigo 28º da petição inicial).

3.20

Em 28 de Janeiro de 2009, os autores não conseguiram fazer aprovar empréstimo em condições iguais às daquele (resposta ao artigo 29º da petição inicial).

3.21

Os autores pretendem viver autonomamente, noutros locais que não aquele (resposta ao artigo 32º da petição inicial).

3.22

Os autores continuam a residir, embora autonomamente, naquela mesma casa (resposta ao artigo 33º da petição inicial).

3.23

Por carta de 2008/11/20, os autores declararam aos insolventes:

Assunto: Resolução de contrato promessa de compra e venda celebrado em 07 de Julho de 2004

Exmos. Senhores:

O contrato promessa acima referenciado, em que somos promitentes compradores e V. Exas. Promitentes vendedores, previa que a celebração da escritura pública do negócio prometido se haveria de realizar até ao dia 30 de Janeiro de 2005.

Certo é que até ao presente, não obstante as nossas repetidas insistências para o efeito, uma tal escritura continua por realizar. Não foi celebrada nem o poderia ter sido uma vez que V. Exas. não só não concluíram a obra nos termos contratados, como não colocaram o prédio (e a documentação a ele respeitante) nas condições necessárias à outorga de tal escritura.

Não ignoram V. Exas. o que a esse propósito temos condescendido - a ponto de, após termos comunicado a resolução do contrato (por carta de 31 de Março de 2005), termos ainda aceitado esperar mais algum tempo mediante a autorização do uso do imóvel a que então acederam.

Volvidos quase quatro anos desde então, a situação tornou-se insustentável.

Perdemos, em definitivo, o interesse na aquisição do imóvel. Aliás, o financiamento bancário que então tínhamos feito aprovar para pagamento da parte do preço ainda não liquidada, foi entretanto cancelado: informou-nos o Banco que, decorrido todo este tempo as “regras” internas de concessão de empréstimos são completamente distintas e que, por isso, não nos concederão qualquer financiamento.

Como dissemos, não temos, pois, neste momento, qualquer interesse já na aquisição do imóvel em causa.

Uma tal situação, reconduzindo-se a um incumprimento definitivo do contratado por V. Exas. confere-nos o direito à resolução do contrato promessa acima aludido – o que aqui vimos comunicar – e à consequente devolução, em dobro, do sinal pago.

Acresce que fomos nós próprios que, à nossa custa, ali realizamos diversas obras, que ali instalamos diversos equipamentos e que suportamos diversas despesas tendo em vista a aquisição do imóvel, tudo no valor de € 3.236, 04. Resolvido o contrato temos também o direito a ser ressarcidos de tal montante por V. Exas.

Atento a que o valor total do sinal pago (em duas tranches, a originária e a de reforço) ascende a € 70.000, 00, solicitamos o pagamento, no prazo de 15 dias a contar da presente data, do valor de € 140.000 referente ao dobro daquele, acrescido do valor de € 13.236, 04. Sob pena de imediato recurso à via judicial para cobrança de tais quantias.

Até ao pagamento das mesmas exerceremos direito de retenção sobre o imóvel cuja posse nos foi entregue por V. Exas, entregando-o logo que aquela quantia nos seja disponibilizada.” (resposta ao artigo 35º da petição inicial).


3.24

O insolvente remeteu aos autores carta datada de 2008/11/28, na qual consta:

Assunto: Escritura de compra e venda de moradia – Urbanização Quinta do Paço

Exmo(s) Senhor(a):

Serve a presente para lhe comunicar que estou disponível para cumprir o contrato promessa de compra e venda e em breve lhe será enviada uma carta a comunicar-lhe a data e o local de celebração da Escritura Pública de compra e venda.” (resposta ao artigo 36º da petição inicial).


3.25

Nenhuma comunicação os insolventes enviaram aos autores dando conta da data, hora e local de realização da escritura (resposta ao artigo 40º da petição inicial).

3.26

Os autores enviaram aos insolventes, em 2008/12/09, carta de resposta àquela recebida, na qual consta:

Assunto: Resolução de contrato promessa de compra e venda celebrado em 07 de Julho de 2004

Exmos. Senhores:

Acusamos recebida a sua carta datada de 28 de Novembro de 2008

Afigura-se-nos que V. Exa. não terá compreendido o que lhe transmitimos: neste momento já não estamos interessados (pois que, face à delonga na celebração do negócio definitivo e pelas razões que então lhe demos conta, perdemos o interesse) na aquisição do imóvel. E isso mesmo que V. Exa. estivesse agora – e não acreditamos que esteja – em condições de outorgar a respectiva escritura pública.

Assim, concluímos como na nossa anterior carta, de 2008/11/20, solicitando o pagamento das quantias ali referidas, sob pena de recurso à via judicial.” (resposta ao artigo 41º da petição inicial).


3.27

Os autores colocaram na moradia um piso radiante, com o que gastaram € 800 (oitocentos euros) (resposta ao artigo 45º da petição inicial).

3.28

Os autores colocaram uma torneira de lava loiça, no montante de € 240, 38 (duzentos e quarenta euros e trinta e oito cêntimos) (resposta ao artigo 46º da petição inicial).

3.29

Os autores suportaram os custos da emissão do certificado do ITED (para ligação das telecomunicações), no valor de € 40 (quarenta euros) (resposta ao artigo 47º da petição inicial).

3.30

Os autores compraram para a cozinha um micro-ondas, no valor de € 394,00, um exaustor no valor de € 143, 24, um frigorífico no valor de € 1.108, 879, acrescido de IVA a 19%, uma placa encastrada no valor de € 304, 842, acrescido de IVA a 19%, uma máquina de lavar louça, no valor de € 445, 194, acrescido de IVA a 19%, uma máquina de lavar roupa no valor de € 358, 147, acrescido de IVA a 19% e um forno no valor de € 592, 396, acrescido de IVA a 19% (resposta ao artigo 48º da petição inicial).

3.31

Os autores compraram e pagaram o alarme, no valor de € 1.755 (resposta ao artigo 49º da petição inicial).

3.32

Os autores compraram e pagaram um “kit” videoporteiro, no montante de € 808, 97 (resposta ao artigo 50º da petição inicial).

3.33

Os autores pagaram a quantia de € 1.826, 84 (mil oitocentos e vinte e seis euros e oitenta e quatro cêntimos) pela feitura e aplicação de uma caixa de correio em alumínio e uns painéis em chapa, esclarecendo-se que € 1.480,16 acrescidos de IVA à taxa de 19%, respeitam à vedação em painel de chapa e € 55,00 acrescidos de IVA à taxa de 19%, respeitam à caixa de correio em alumínio (resposta ao artigo 51º da petição inicial).

3.34

Os autores suportaram o custo da baixada da EDP, no valor de € 266, 20 (resposta ao artigo 52º da petição inicial).

3.35

Os autores pagaram uma comissão ao interveniente no acordo da sociedade mediadora imobiliária, no valor de € 2.600 (resposta ao artigo 53º da petição inicial).

3.36

Por a escritura pública do acordo prometido não ter sido celebrada durante os dois anos posteriores a 2004/10/06, os autores foram notificados pela Administração Fiscal, no decurso do ano de 2007, para proceder ao pagamento do imposto incidente sobre as mais-valias referentes à venda do seu apartamento, no valor de € 1.376, 29 (respostas aos artigos 54º a 57º da petição inicial).

3.37

Os autores habitam na moradia, sem interrupção, desde Maio de 2005 até ao presente (resposta ao artigo 73º da petição inicial).

4. Fundamentos de direito

4.1 Da inexistência de mora dos insolventes, pressuposto sem o qual não releva a perda do interesse dos autores na prestação

A recorrente pugna pela revogação da decisão sob censura em virtude de, na sua perspectiva, ter ocorrido perda de interesse dos autores na prestação, sem que os promitentes vendedores se achassem constituídos em mora. Não vem assim questionada a perda de interesse na prestação invocada pelos autores como fundamento da resolução do contrato-promessa, mas apenas que tal perda de interesse tenha ocorrido estando os promitentes vendedores em mora porquanto, na perspectiva da recorrente, o acordo celebrado a 03 de Maio de 2005, teria transformado a obrigação de contratar de obrigação a prazo em obrigação pura, tendo por isso cessado a mora em que os promitentes vendedores então se achavam. Deste modo, também não vem questionado pela recorrente que os insolventes se achavam em mora quando foi celebrado o acordo de 03 de Maio de 2005[8].

A recorrente sustenta que o acordo celebrado a 03 de Maio de 2005 teria determinado a alteração da obrigação de contratar de obrigação a prazo em obrigação pura.

Os recorridos pugnam pela improcedência deste fundamento do recurso, alegando que o acordo celebrado a 03 de Maio de 2005 teve como único alcance a renúncia aos efeitos decorrentes da resolução do contrato efectuada a 31 de Março de 2005, que a pretendida transformação da obrigação de contratar de obrigação a prazo em obrigação pura constitui uma questão de facto nova, porque não alegada nos articulados e por isso, não submetida à prova, não constituindo o acordo celebrado a 03 de Maio, em todo o caso, formal e estruturalmente, pacto modificativo do contrato-promessa, no que respeita o prazo de cumprimento da obrigação de contratar.

Cumpre apreciar e decidir.

 O contrato-promessa relativo à celebração de contrato oneroso de transmissão de direito real sobre edifício é um contrato formal (artigo 410º, nº 3, do Código de Processo Civil). No entanto, nos termos do disposto no nº 2, do artigo 221º do Código Civil, as estipulações posteriores ao documento só estão sujeitas à forma legal prescrita para a declaração se as razões da exigência especial da lei lhe forem aplicáveis. Tem-se entendido que as estipulações relativas ao tempo do cumprimento não são abrangidas pela razão da exigência da forma legal[9], o que permite a validade de tais estipulações posteriores não reduzidas a escrito, ainda que a sua prova seja dificultada pela inadmissibilidade de prova testemunhal e por presunções (vejam-se os artigos 394º, nº 1 e 351º, ambos do Código Civil).

Na perspectiva da recorrente, o acordo celebrado a 03 de Maio de 2005 consubstanciaria uma estipulação posterior ao contrato-promessa relativa ao tempo de cumprimento da prestação de facto bilateralmente prometida. Porém, analisado o texto deste acordo, não se detecta no mesmo qualquer referência à alteração do tempo de cumprimento das prestações de facto reciprocamente prometidas e, pelo contrário, colhem-se aí indicações no sentido de que os agora insolventes reconheceram a situação de mora em que se achavam e que essa situação lhes era exclusivamente imputável (veja-se o ponto 3.16 dos fundamentos de facto). Na verdade, que sentido retirar do reconhecimento da falta de execução de alguns dos trabalhos acordados, bem como da referência de que apenas por exclusivo interesse dos promitentes vendedores não é possível escriturar, nessa data, a habitação cuja venda foi prometida?

Porém, além das indicações adversas ao entendimento sufragado pela recorrente nas suas alegações de recurso e decorrentes do texto do acordo de 03 de Maio de 2005 acabadas de realçar, certo é que, como bem salientam os recorridos, que não foi esta factualidade alegada nos articulados, nem como tal foi produzida prova sobre essa mesma factualidade. Não há assim qualquer factualidade provada donde resulte a purgação da mora em que se achavam os promitentes vendedores, nem a alteração do tempo do cumprimento das obrigações de contratar.

Finalmente, a cláusula nona do contrato-promessa contém uma regulação convencional da forma das alterações do contrato que afasta as normas supletivas sobre a forma das estipulações posteriores ao documento (artigos 221º, nº 2 e 222º, nº 2, ambos do Código Civil), pelo que a pretendida alteração do tempo de cumprimento das obrigações assumidas dependia, contratualmente, de forma escrita. Ora, não se divisa nos autos qualquer documento que tenha procedido à alteração da cláusula contratual relativa ao tempo do cumprimento e nos termos convencionados pelas partes.

Assim, por tudo quanto precede, conclui-se, como se concluiu na sentença sob censura, que os promitentes vendedores se achavam em mora quando se verificou a perda objectiva do interesse na prestação prometida por parte dos autores e que esta perda do interesse na prestação prometida resultou da mora prolongada dos promitentes vendedores. Neste circunstancialismo, os autores tinham o direito de resolver o contrato-promessa celebrado a 07 de Julho de 2004, bem como o direito a haverem o sinal pago em dobro, ex vi artigos 442º, nº 2, 2ª parte e 801º, nº 2, ambos do Código Civil.

4.2 Da indevida qualificação como benfeitorias necessárias ou úteis do frigorífico, do fogão, do micro-ondas, das máquinas de lavar louça e roupa, do exaustor, da placa de encastrar, da caixa de correio, do piso radiante e do alarme

A recorrente pugna por que o frigorífico, o fogão, o microondas, as máquinas de lavar louça e roupa, a placa de encastrar e a caixa de correio não sejam consideradas benfeitorias, em virtude de tais bens não estarem incorporados no imóvel cuja venda foi prometida aos autores, mais pugnando pela qualificação como benfeitorias voluptuárias do piso radiante e do alarme, estes sim incorporados na coisa prometida vender, mas sem qualquer reflexo no valor da coisa. A recorrente pugna ainda que para a hipótese do frigorífico, o fogão, o microondas, as máquinas de lavar louça e roupa, a placa de encastrar e a caixa de correio serem considerados benfeitorias, sempre será de negar qualquer indemnização aos recorridos em virtude de poderem ser levantados sem detrimento da coisa benfeitorizada.

Cumpre apreciar e decidir.

Antes de entrar na análise das questões concretas suscitadas pela recorrente cumpre salientar, em primeiro lugar, que não vem posta em causa a questão da impossibilidade de cumulação da indemnização por incumprimento do contrato-promessa consistente no dobro do sinal com qualquer outra indemnização fundada no mesmo incumprimento (artigo 442º, nº 4, do Código Civil), razão por que não curaremos de tal problemática nesta decisão.

Em segundo lugar, cabe referir que muito embora os autores tenham expressamente excluído da sua pretensão indemnizatória a máquina de lavar roupa (artigo 48º da petição inicial), na decisão recorrida foi tido em conta o valor pago pelos recorridos pela compra desse bem. Porém, porque não foi suscitada a nulidade da decisão recorrida, por condenação ultra petitum (artigo 668º, nº 1, alínea e), do Código de Processo Civil). Não sendo vício de conhecimento oficioso, não há que conhecer do mesmo neste acórdão.

Em terceiro lugar, a recorrente refere que o tribunal a quo qualificou um fogão como benfeitoria, quando não se divisa na matéria de facto provada, nem na fundamentação jurídica da decisão recorrida qualquer alusão a um fogão, apenas havendo referências a um forno. Parece assim tratar-se de uma imprecisão da recorrente, pelo que se entenderá a referência ao fogão como referida ao forno.

Em quarto lugar, ao invés do que vem afirmado pela recorrente, a decisão recorrida não qualificou o exaustor, a placa de encastrar e o forno como benfeitorias, mas antes reconheceu aos recorridos o direito a serem indemnizados pelo valor de tais bens em virtude dos promitentes vendedores estarem contratualmente obrigados a suportar o custo de tais bens (veja-se o penúltimo parágrafo da página 17 da sentença recorrida – folha 481 destes autos). Nesta parte, o recurso da recorrente não tem objecto pois não pode este tribunal proceder a uma reapreciação de uma questão que efectivamente não foi conhecida pelo tribunal a quo conforme a recorrente afirma ter sido. Para que nesta parte o recurso da recorrente tivesse objecto, necessário seria que a recorrente criticasse o enquadramento realmente efectuado pelo tribunal a quo relativamente a tais bens. Assim, no que tange estes bens, é desde já patente a improcedência do recurso.

Finalmente, por se tratar de vício de conhecimento não oficioso (artigo 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil), exorbita dos poderes de cognição deste tribunal a aferição da eventual conformidade da causa de pedir acolhida na decisão recorrida com as causas de pedir invocadas na petição inicial, pois nesta invocou-se, por um lado, a violação das obrigações contratuais assumidas pelos promitentes vendedores e, por outro lado, a título subsidiário, o instituto do enriquecimento sem causa, enquanto na decisão recorrida a procedência parcial da pretensão indemnizatória dos recorridos se fundou na violação das obrigações contratuais pelos promitentes vendedores, no que respeita o exaustor, a placa de encastrar e o forno, fundando-se relativamente aos restantes bens no instituto das benfeitorias.

Assim, pelo que anteriormente se expôs cumpre neste acórdão verificar se o frigorífico, o microondas, as máquinas de lavar louça e roupa e a caixa de correio podem ser consideradas benfeitorias e, na hipótese afirmativa, se podem ser levantados do imóvel benfeitorizado sem detrimento da coisa benfeitorizada. Em segundo lugar importa verificar se o piso radiante e o alarme são benfeitorias voluptuárias.

Nos termos do disposto no artigo 216º, nº 1, do Código Civil, consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa.

As benfeitorias podem ser necessárias, úteis ou voluptuárias (artigo 216º, nº 2, do Código Civil).

São necessárias as benfeitorias que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; são úteis as benfeitorias que não sendo indispensáveis para a conservação da coisa, aumentam o valor da coisa benfeitorizada; finalmente, são benfeitorias voluptuárias as que não são indispensáveis para a conservação da coisa, nem lhe aumentam o valor, servindo apenas para recreio do benfeitorizante (artigo 216º, nº 3, do Código Civil).

As benfeitorias necessárias conferem tanto ao possuidor de boa fé como ao possuidor de má fé, o direito a ser indemnizado nos termos gerais, isto é, segundo as regras da reconstituição natural (artigos 1273º, nº 1, 1ª parte, 562º e 566º, todos do Código Civil).

Já as benfeitorias úteis conferem ao possuidor de boa ou má fé o direito ao levantamento das benfeitorias, desde que tal levantamento não implique detrimento para a coisa benfeitorizada (artigo 1273º, nº 1, 2ª parte, do Código Civil).

As benfeitorias úteis que não possam ser levantadas conferem tanto ao possuidor de boa fé como ao possuidor de má fé o direito ao valor das benfeitorias, valor calculado de acordo com as regras do enriquecimento sem causa (artigo 1273º, nº 2, do Código Civil).

Finalmente, as benfeitorias voluptuárias apenas conferem ao possuidor de boa fé o direito ao levantamento das mesmas, desde que isso não envolva prejuízo para a coisa benfeitorizada, porque se isso decorrer do levantamento das benfeitorias voluptuárias, o possuidor de boa fé não terá nem direito ao levantamento, nem sequer a ser indemnizado (artigo 1275º, nº 1, do Código Civil). O possuidor de má fé perde, em qualquer caso, as benfeitorias voluptuárias efectuadas (artigo 1275º, nº 2, do Código Civil).

No que respeita o frigorífico, o microondas, as máquinas de lavar louça e roupa e a caixa do correio, a serem consideradas benfeitorias, nunca poderiam, pela sua própria natureza, ser consideradas benfeitorias necessárias mas apenas úteis e, por isso, apenas poderiam conferir direito a indemnização ao autor dessas despesas se acaso se pudesse concluir que a sua retirada da casa beneficiada causaria detrimento a esta.

A circunstância de tais bens serem de utilização comum a qualquer casa de habitação, como alegam os recorridos nas suas contra-alegações, não significa que passem a fazer parte da substância da casa a que respeitam e que esta não se possa conservar sem os mesmos. São bens de equipamento que constituem o recheio de uma casa, recheio variável em função das condições económicas do proprietário da casa, bem como das suas concretas necessidades pessoais e familiares. Frequentemente, as casas de habitação são vendidas sem tais equipamentos e, obviamente, não é por isso que tais casas são inadequadas ao desempenho da sua função habitacional, apenas sucedendo que será o adquirente a proceder à aquisição desse recheio em função das suas possibilidades e necessidades.

Atente-se que o direito prioritário de levantamento das benfeitorias úteis apenas cede quando esse exercício prejudicar a coisa benfeitorizada e não quando dele resultar prejuízo para a benfeitoria. Ora, salvo melhor opinião, o prejuízo para a coisa benfeitorizada apenas poderia suceder, eventualmente, se acaso tais bens se achassem encastrados na coisa beneficiada, factualidade que os recorridos agora introduzem relativamente aos electrodomésticos, a destempo, nas suas contra-alegações de recurso (veja-se o nº 16 das contra-alegações).

Assim, no que tange o frigorífico, o microondas, as máquinas de lavar louça e roupa e a caixa do correio, os recorridos não têm direito a ser indemnizados pois não está demonstrado que do levantamento de tais bens resultasse detrimento para a coisa benfeitorizada, sendo que competia aos recorridos a alegação e prova de que o levantamento das alegadas benfeitorias implicava dano na coisa benfeitorizada[10].

Vejamos agora a questão do piso radiante e do alarme que a recorrente admite estarem integrados na coisa cuja compra e venda foi prometida e não poderem ser levantados sem detrimento da moradia, mas que considera constituírem benfeitorias voluptuárias.

A qualificação como voluptuárias destas benfeitorias depende da conclusão de que servem apenas para recreio do benfeitorizante. Ora, atendendo a um nível médio de conforto das habitações, não parece que o aquecimento de uma casa ou um sistema de alarme sirvam apenas para recreio do benfeitorizante, pelo que, poderiam, à primeira vista, integrar-se nas benfeitorias úteis. Porém, analisando a factualidade provada constata-se que não se provou que estes trabalhos cujo custo foi suportado pela autora tenham aumentado o valor da casa[11], nem parece que seja um facto notório que a efectivação de tais trabalhos aumente, necessariamente, o valor de uma casa, pois podem ser equipamentos redundantes, desnecessários, por exemplo por já estar assegurado o aquecimento ou a segurança da casa com outros sistemas alternativos. Dir-se-á que esta hipótese não é verosímil, pelo que não deve ter qualquer peso na nossa decisão. Porém, como bem elucida Michele Taruffo[12], um facto pode ser verosímil e ser falso, tal como um facto inverosímil pode ser verdadeiro. Daí que a verosimilhança não possa ser exclusivamente adoptada como critério seguro para joeirar os factos verdadeiros dos factos falsos. O plano da verosimilhança e o plano da verdade dos factos são planos distintos, sendo que o que releva nesta decisão é o plano da prova que foi efectivamente produzida e o resultado probatório dessa produção de prova. Neste plano, é indubitável que não se fez prova de que o piso radiante e a instalação de alarme tenham aumentado o valor da moradia, sendo essa a factualidade que competia aos autores provar para serem titulares de um direito de indemnização. Mais, nem sequer se alegou essa factualidade, pelo que a prova desse aumento de valor era uma prova impossível porque incidia sobre factualidade processualmente inexistente.

Assim, por tudo quanto precede, conclui-se pela procedência parcial do recurso, devendo a decisão recorrida ser revogada na parte em que arbitrou aos recorridos indemnização relativamente ao frigorífico (€ 1.108,879 + IVA à taxa de 19%), ao microondas (€ 394,00), às máquinas de lavar louça e roupa (€ 445,194 e € 358,147, respectivamente, preços acrescidos de IVA à taxa de 19%), à caixa do correio (€ 55,00 + IVA à taxa de 19%[13]), ao piso radiante (€ 800,00) e ao alarme (€ 1.755,00) e reconheceu direito de retenção aos autores para garantia do pagamento desta indemnização, mantendo-se no mais a decisão sob censura. Deste modo, o crédito dos recorridos garantido por direito de retenção deve reduzir-se ao montante global de € 145.731,35.

5. Dispositivo

Pelo exposto, em audiência, os juízes abaixo-assinados da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra acordam em alterar oficiosamente a resposta ao artigo 51º da petição inicial, por enfermar de deficiência, julgando-se provado este artigo, esclarecendo-se que € 1.480,16 acrescidos de IVA à taxa de 19%, respeitam à vedação em painel de chapa e € 55,00 acrescidos de IVA à taxa de 19%, respeitam à caixa de correio em alumínio e em julgar parcialmente procedente por provado o recurso de apelação interposto pela Massa Insolvente de MM (…) e MJ (…), consequentemente, em revogar parcialmente a decisão sob censura e reconhecer aos recorridos um crédito no valor de € 145.731,35 (cento e quarenta e cinco mil setecentos e trinta e um euros e trinta e cinco cents, mantendo no mais tudo o que foi decidido na decisão recorrida.

Custas do recurso de apelação a cargo da massa insolvente (artigo 304º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.


***

Carlos Gil ( Relator )

Fontes Ramos

Carlos Querido



[1] Os autores alegaram esta factualidade no artigo 4º da petição inicial. No entanto, resulta da documentação oferecida pelos autores que incumbia a estes a marcação da escritura (vejam-se os nºs 1, das cláusulas sextas dos contrato-promessa celebrados a 01 de Julho de 2004 e a 07 de Julho de 2004).
[2] Em homenagem ao princípio da autosuficiência reproduzimos as cláusulas relevantes para a decisão do caso.
[3] São identificados como segundos outorgantes os autores nesta acção.
[4] As cláusulas terceira, sexta e nona deste contrato são idênticas às cláusulas terceira, sexta e nona do contrato celebrado a 01 de Julho de 2004 e referido no ponto 3.1 dos fundamentos de facto. Na cláusula Décima deste contrato ficou exarado: “Este contrato substitui o contrato celebrado em 01 de Julho de 2004 por ambos os outorgantes.
[5] Não se reproduz o conteúdo deste documento atento o teor dos pontos seguintes dos fundamentos de facto (pontos 3.8 a 3.10 dos fundamentos de facto).
[6] Consta da Memória descritiva no acabamento da sala comum a instalação de sistema de ar condicionado completo marca LG até € 4.023,99 e na cozinha, na rubrica electrodomésticos, a instalação de forno, placa e exaustor marca Teka, prevendo-se ainda a pré-instalação de sistema de alarme da Grupem.
[7] Omitiu-se a datação da carta, 31 de Março de 2005 e o local, Coimbra.
[8] Na verdade, como resulta da sentença recorrida, esta qualificação não é linear já que, ao invés do que foi alegado pelos autores, era a estes que competia a marcação da escritura pública. Porém, como bem se justificou na sentença sob censura, sem dissenso da recorrente, nenhum sentido fazia qualquer marcação da escritura pública por parte dos autores, sem que a obra estivesse acabada e tivesse sido emitida licença de utilização, pois só poderia ser celebrada a escritura pública com exibição de licença de utilização (artigo 1º, nº 1, do decreto-lei nº 281/99, de 26 de Julho). Neste circunstancialismo, foram os promitentes vendedores que com a sua conduta omissiva obstaram a que pudesse ser marcada a escritura pública relativa ao contrato prometido.
[9] A propósito veja-se Código Civil Anotado, 4ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora 1987, Pires de Lima e Antunes Varela, com a colaboração de M. Henrique Mesquita, páginas 211 e 212.
[10] Sobre esta questão do ónus da prova vejam-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Maio de 2009, proferido no processo nº 08B3495 e de 06 de Maio de 2008, proferido no processo nº 08A1389.
[11] Os autores haviam alegado no artigo 61º da petição inicial que “aquelas obras e materiais foram empregues e ficarão na moradia que é propriedade dos insolventes, valorizando-a na exacta medida do preço por eles (obras e matérias) pago. Sobre esta matéria o tribunal a quo não se pronunciou de forma discriminada, apenas referindo no final da decisão da matéria de facto que o “demais alegado nos articulados não obtém qualquer resposta a nível probatório por se tratar de matéria de direito ou conclusiva, ou configurar mera impugnação ou não relevar para a decisão da causa”, formulação alternativa que não permite a este tribunal saber qual foi o exacto juízo do tribunal a quo relativamente à matéria vertida no citado artigo 61º da petição inicial. Por isso, em ordem a verificar se havia alguma deficiência na resposta à decisão da matéria de facto, no que tange a citada factualidade, visto o disposto no artigo 712º, nº 4, do Código de Processo Civil, interpretado a contrario sensu, à cautela, procedeu-se à audição de toda a prova produzida em audiência, verificando-se que não foi efectivamente produzida prova sobre essa matéria, não havendo assim qualquer deficiência a carecer de ser suprida oficiosamente.
[12] Sobre esta questão vejam-se deste autor: La Prueba de los Hechos, Editorial Trotta, Cuarta edición 2011, páginas 503 a 507; Simplesmente la Verdad, Marcial Pons 2010, páginas 105 e 106.
[13] O preço da caixa de correio consta do documento nº 35 que foi oferecido para prova da matéria vertida no artigo 51º da petição inicial, documento que notoriamente suportou a resposta positiva a este artigo dada pelo tribunal a quo, tanto mais que nenhuma testemunha se pronunciou sobre estes valores e que justificou a alteração oficiosa da resposta ao artigo 51º da petição inicial.