Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
274/13.7TASEI.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: TITULAR DE CARGO POLÍTICO;
PREVARICAÇÃO;
APLICAÇÃO DA LEI PENAL NO TEMPO;
REGIME MAIS FAVORÁVEL AO AGENTE;
ALTERAÇÃO DO PDM (PLANO DIRECTOR MUNICIPAL);
LEI PENAL EM BRANCO
Data do Acordão: 09/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA (JC CÍVEL E CRIMINAL – JUIZ 3)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 11.º DA LEI N.º 34/87, DE 16-07; ART. 2.º, N.º 2, DO CP
Sumário:
I – Eliminar um facto do número de infracções tem subjacente uma modificação nas concepções do legislador da valoração político-criminal, não detectável na alteração de um PDM (plano director municipal) – instrumento de gestão territorial com a natureza jurídica de regulamento administrativo –, a qual deixa intocada a natureza do tipo legal de crime, no caso de prevaricação (p. e p. no artigo 11.º da Lei 34/87, de 16-07), cuja norma incriminatória não se inclui propriamente na denominada norma penal em branco.
II – Mesmo a admitir-se configurar o artigo 11.º da Lei 34/87 uma norma em branco, sempre a situação ocorrida escaparia àquela outra em que, através da dita norma, se visa, directamente, garantir a obediência à norma integrante, circunscrevendo-se a alteração do PDM, que passou a permitir a construção de moradia em determinado local, tão só ao plano administrativo, com a consequência de a construção em causa se mostrar agora devidamente legalizada, sendo de manter, em consonância, a punibilidade do ilícito típico acima referido.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra
I. Relatório

1. No âmbito do PCC n.º 274/13.7TASEI do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda, Guarda – JC Cível e Criminal – Juiz 3, em 15 de Janeiro de 2018, o Coletivo de Juízes proferiu o acórdão, cujo dispositivo se transcreve [transcrição parcial]:
Pelo exposto, acórdão os Juízes que compõem este Tribunal Coletivo em julgar a acusação parcialmente procedente, e assim decidem:
[…]
- condenar o arguido A pela prática, em autoria material e na forma consumada, quanto aos factos vertidos em B), de um crime de prevaricação, p. e p. pelos art.ºs 30º, do Código Penal, 3º, n.º 1, al. i), 3º - A, al. f), e 11º, da lei n.º 34/87, de 16.07, ex vi art.ºs 4.º, alíneas a), subalíneas i) a iii), b), subalíneas i) a iii), do Estatuto dos Eleitos Locais, art.º 9º e 34º, do Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de Junho, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 278/95, de 25-10, e ainda do art.º 13º, do RJUE na redação dada pela Lei n.º 4 –A/2003, de 19-02, na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão, que suspende na sua execução, pelo mesmo período;
- absolver os arguidos A (…) das penas acessórias de proibição do exercício de função e/ou de suspensão do exercício de função, previstos nos art.ºs 66º e 67º do Código Penal, assim como não se determina qualquer perda de mandato, que se não mostra sequer requerida (cfr. art.º 29º da Lei n.º 34/87, de 16.07);
[…]
- absolver os arguidos A, B e C da pretensão de perdimento a favor do Estado e correspondente pagamento ao mesmo das quantias de € 10125,07 e € 107.530,00, alegadamente correspondentes à vantagem patrimonial decorrente da prática do aludido crime de prevaricação;
[…].

2. Inconformado recorreu o arguido A, formulando as seguintes conclusões:
1 – Vem o presente recurso interposto do douto acórdão de fls que condenou o aqui arguido recorrente pela prática em autoria material e na forma consumada, quanto as factos vertidos em B), de um crime de prevaricação p. e p. pelos art.ºs 30º, do Código Penal, 3º, n.º 1, al. i), 3º - A, al. f), e 11º, da lei n.º 34/87, de 16.07, ex vi art.ºs 4.º, alíneas a), subalíneas i) a iii), b), subalíneas i) a iii), do Estatuto dos Eleitos Locais, art.º 9º e 34º, do Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de Junho, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 278/95, de 25-10, e ainda do art.º 13º, do RJUE na redação dada pela Lei n.º 4 –A/2003, de 19-02, na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão, que suspende na sua execução, pelo mesmo período.
2 – Entende o arguido aqui recorrente, séria e convictamente que deveria ser absolvido pelo crime porque vem acusado.
3 – Ora, de acordo com a matéria de facto dada como provada no douto acórdão recorrido, designadamente nos pontos 16, 17, 18 e 35, é pois evidente que à data em que o arguido foi julgado, a sua atuação não está tipificada como crime, tomando em conta a alteração do PDM.
4 – Quando o despacho foi proferido em 27/12/2005, data da prática do facto ilícito já que vigorava o então primeiro PDM ou seja o publicado no DR, I Série, n.º 169, de 24/07/1997 a que se faz referência no ponto 16 dos factos dados como provados.
5 – Atenta a alteração do PDM a partir de 27/08/2015 data em que foi publicado o Aviso 9736/2015 no DR., II série, 167, de 27/08/2015, aquela zona passou a ser considerada zona urbana, não se tornando assim necessário qualquer parecer do PNSR atualmente ICNF.
6 – Ora os PDM`s constituem lei, já que para o efeito são elaborados e publicados em Diário da República.
7 – E, se é certo que o PDM enquanto lei, não é uma lei penal, a verdade é que, qualquer pessoa que viole qualquer norma inserida no PDM poderá incorrer na prática de um crime.
8 – Ou seja, os vários preceitos normativos do PDM, ou pelo menos muitos deles, têm relevância e dignidade penal, porquanto a sua violação faz incorrer o infrator em consequências penais, o que foi o caso dos autos.
9 – No caso em análise, foi a violação de uma regra ou preceito normativo inserida(o) no PDM que originou a prática de um crime de prevaricação por parte do arguido aqui recorrente.
10 – Porquanto, as normas inseridas pelo PDM têm aplicação para efeito do disposto no artigo 2º nºs 2 e 4 do CP, sendo que no caso em análise existe uma sucessão de duas leis (com caráter e dignidade penal no tempo.
11 – Ora se efetivamente assim é, não obstante o arguido ter cometido o crime (27/12/2005) na vigência do primeiro PDM (publicado no DR, I serie, n.º 169, de 27/07/1997) que vigorou de 24/07/1997 até 27/08/2015, a verdade é que quando o arguido foi submetido a julgamento, já estava em vigor o segundo PDM (publicado o aviso 9736/2015 no DR, II série, 167, de 27/08/2015), o qual ainda se encontra em vigor e teve o seu início em 27/08/2015.
12 – É, pois indiscutível que “in casu” ocorre uma sucessão de leis que tem dignidade e consequências penais no tempo e que terão que ser analisadas e ponderadas, designadamente o primeiro PDM (publicado no DR, I série, n.º 169, de 24/07/1997) e o segundo PDM (publicado o aviso 9736/2015 no DR, II série, 167, de 27/08/2015), devendo aplicar-se o preceituado no artigo 2º, n.º 4 do CP, ou seja o princípio da retroatividade da Lei com dignidade penal mais favorável ao arguido.
13 – Acontece que estamos perante uma sucessão de leis no tempo que posteriormente descriminalizou a atuação do arguido à data da prática dos factos.
14 – Deveria o Tribunal “a quo” tomar em linha de conta tal situação, designadamente aquela sucessão de leis penais no tempo, de acordo com o princípio da interpretação extensiva a que acima se faz referência no artigo 27, no sentido do arguido aqui recorrente vir a ser absolvido.
15 – Daí que a sentença recorrida incorreu em vício do art. 410.º, n.º 2 do CPP.
16 – Não se tendo ocupado o douto acórdão recorrido desta questão, há uma omissão de pronúncia da sentença, o que acarreta a sua nulidade, nos termos do artigo 379º, nº 1, al. c) do Código de Processo Penal, nulidade essa que desde já se invoca para os devidos e legais efeitos.
17 – Assim, em consequência da nulidade de omissão de pronúncia detetada, deve o acórdão ser substituído por outro que, completando-a, se pronuncie sobre a sucessão de leis no tempo, proceda à aplicação do regime concretamente mais favorável, alterando em conformidade com a matéria de facto dada como provada nos pontos 16, 17, 18 e 35, venha a aplicar o regime mais favorável ao arguido aqui recorrente, ou seja o segundo PDM (publicado o aviso 9736/2015 no DR, II série, 167, de 27/08/2015), no sentido de se vir entender que à data em que o arguido aqui recorrente foi julgado, os factos praticados já não constituíam crime, e o arguido venha a ser absolvido com as legais consequências.
18 – A decisão jurídica violou ou não fez uma aplicação correta do disposto nos artigos 2º, n.ºs 2 e 4 do CP, artigo 379.º n.º 1 al. c), art. 410.º, n.º 2, art. 414º n.º 4 todos do CPP, e artigo 29.º n.º 4 da CRP.

Termos em que,
Tomando em conta a matéria invocada, e com o douto suprimento de V. Exas. deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão nos termos expostos, com as legais consequências, devendo o arguido ser absolvido, ou quando assim se não entender deverá anular-se o julgamento e o processo baixar à primeira instância no sentido de se aplicar ao arguido o conceito do regime mais favorável, tomando em conta a matéria alegada no artigo 46 destas alegações.
Decidindo-se em tal conformidade será feita JUSTIÇA!

3. Por despacho exarado a fls. 1843 foi o recurso admitido, com efeito suspensivo.

4. Ao recurso respondeu a Digna Procuradora da República, concluindo:
1 - O arguido A foi condenado pela prática de um crime de prevaricação, p. e p. pelos artigos 30º do Código Penal, e 3º, n.º 1, al. i), 3º A, al. f) e 11º, da Lei n.º 34/87, de 16/7, ex vi art.ºs 4º, alíneas a), subalíneas i) a iii) e b), subalíneas i) a iii), do estatuto dos Eleitos Locais, art.º 9º e 34º, do Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de junho, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 278/95, de 25/10, e ainda pelo art.º 13º, do RJUE na redação dada pela Lei n.º 4-A/2003, de 19/2, na pena de dois anos e dois meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo.
2 - Nos presentes autos, o arguido A foi condenado por, em 27.12.2005, ter deferido o pedido de construção da moradia da arguida C dentro da área do Parque Natural da Serra da (…) e fora da área urbana da mesma freguesia, nos termos que melhor constam da factualidade dada como provada nos pontos 10 a 13, 16 a 54, dos factos provados.
3 - A alteração do PDM de (…) ocorrida em 2015, que excluiu da área do Parque Natural (…) e passou a definir como área urbana da freguesia de (…), o local onde o arguido, em 2005, deferiu o pedido de construção da moradia da arguida C, não consubstancia uma descriminalização da conduta do arguido.
4 – O douto acórdão recorrido apreciou a questão da ulterior alteração do PDM tendo de forma fundamentada entendido que não está em causa uma descriminalização da conduta e que tal alteração não reveste uma importância decisiva na apreciação do crime em apreço.
5 – Inexiste a nulidade invocada, prevista na alínea c), do n.º 1, do art. 379º, do Código de Processo Penal, uma vez que a douta decisão, a fls. 1797 a 1799, apreciou precisamente a questão suscitada pelo recorrente no presente recurso, da alteração do PDM ocorrida em 2015.
6 – O douto acórdão recorrido não violou qualquer imperativo legal nem enferma de qualquer vício, pelo que, não merecendo censura deverá ser integralmente mantido.
Termos em que deve o recurso interposto pelo arguido A ser julgado improcedente, nos termos acima expostos.
Assim se fazendo Justiça.

5. Na Relação o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.

6. Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do CPP, o recorrente não reagiu.

7. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, pois, decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso
Balizando as conclusões os poderes cognitivos do tribunal de recurso, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso, no caso em apreço importa apreciar se (i) Enferma o acórdão da nulidade prevista na primeira parte da alínea c), do n.º 1, do artigo 379.º do CPP; (ii) Incorre o acórdão no vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; (iii) Errou o Coletivo ao afastar a aplicação do artigo 2.º do C. Penal.

2. A decisão recorrida
Ficou a constar do acórdão [transcrição parcial]:
II. Factos Provados
Da audiência de discussão e julgamento resultaram provados os seguintes factos:
Do despacho de acusação destes autos,
[…]
B) factos respeitantes aos arguidos A, B e C
10. A exerceu o cargo de Presidente da Câmara Municipal de (…) entre janeiro de 1994 e outubro de 2009, tendo sido eleito nas listas do Partido (…).
11. Era este arguido quem, na qualidade de Presidente da Câmara Municipal, detinha a competência para autorizar os pedidos formulados pelos cidadãos em sede de urbanismo e construção de obras particulares.
12. Quanto aos pedidos de viabilidade para construção, eram sempre objeto de deliberação da Câmara, tomada em reunião. Quanto à aprovação posterior do projeto de execução (arquitetura e especialidades) para efeitos de emissão de licença, era uma competência sua, também sujeita a ratificação da Câmara na reunião seguinte.
13. O seu despacho era sempre proferido depois de um parecer dos Serviços, que se certificavam da conformidade do projeto com a viabilidade emitida.
14. B, exerceu o cargo de Diretor do Departamento de Planeamento, Urbanismo e Ambiente da Câmara Municipal de (…) entre setembro de 2005 e fevereiro de 2009 e detinha, por força de tais funções, o dever de apreciar e instruir os processos relativos aos pedidos de construção de obras particulares para depois os apresentar para decisão ao Presidente da Câmara Municipal.
15. C exerceu o cargo de Secretária da Junta de Freguesia de (…) entre outubro de 2009 e setembro de 2013 e exerce o de Presidente da Junta da União de Freguesias de (…) desde setembro de 2013 até à atualidade, tendo sido eleita como independente nas listas do Partido (…).
16. Desde 1997 e até ao ano de 2015 estava em vigor o PDM publicado no DR, I Série, n.º 169, de 24/07/1997, segundo o qual a zona agora denominada Rua (…), pertencente a (…), situava-se dentro do perímetro do Parque Natural (…), sendo considerado Reserva de Zona Agrícola (RAN), de acordo com o P.N.S.E. e respetivo Regulamento, definidos no Decreto-lei n.º 167/79, de 04-06 e Portaria n.º 583/90, de 25-07. (…).
17. Por força da Lei, quaisquer construções fora do então considerado perímetro urbano careciam de parecer prévio e de autorização de caráter vinculativo a emitir pelo agora denominado Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I. P. então Parque Natural da (…).
18. Somente a partir de 27/08/2015, data da publicação do Aviso 9736/2015 no DR, II Série, 167, de 27/08/2015 é que tal zona passou a ser considerada zona urbana, podendo ser aí edificadas edificações sem necessidade de parecer do I.C.F.N.
19. A arguida, em data não concretamente apurada mas situada desde 1998, decidiu construir uma moradia para residir no terreno que (…) era proprietário na agora denominada Rua do (…).
20. Todavia, desde esse ano de 1998, sempre que a arguida solicitava nos Serviços Municipalizados da Câmara Municipal de (…) o pedido de viabilidade para poder realizar tal construção, a resposta era negativa por se constatar que a área de implantação da moradia estava situada dentro do perímetro do Parque Natural da (…) e por o I.C.F.N. não autorizar tal obra.
21. Em 19.11.1998, (…) apresenta à Câmara Municipal (…) um pedido de viabilidade de construção que é registado sob o n.(…) onde, conforme se pode verificar nas plantas anexas, o terreno é o mesmo onde acabou por ser construída a moradia em apreço.
22. Na sequência de tal pedido, em 04.12.1998, a Câmara Municipal de (…) solicita parecer ao Parque Natural (…), através do ofício n.º 8852.
23. Em 22.12.1998, o Parque Natural (…) remete à Câmara Municipal de (…), através do ofício n.º 98/PNSE, o parecer n.º 784/98/PNSE, negativo, relativamente ao pedido de viabilidade apresentado por (…), pelo facto do terreno estar fora do perímetro urbano de (…) e em Zona Agrícola definida pelo Plano de Ordenamento do PNSE.
24. Em 27.01.2000, o arguido A, subscreve uma informação a referir que o PDM está a ser revisto e que a área em causa poderá integrar o perímetro urbano e, em 04-02-2000, a Câmara Municipal (…) remete ao PNSE o ofício n.º 1086 a pedir uma reapreciação do processo.
25. Em 15.02.2000, o PNSE remete o ofício n.º 2000/PNSE à Câmara Municipal (…) com o parecer n.º 67/2000/PNSE, novamente negativo, relativamente ao pedido de viabilidade titulado por (…), pelos motivos já expostos anteriormente. Face a esta decisão, em 19.07.2001, (…) apresenta um recurso junto do PNSE mas em 07.08.2001, o PNSE remete o ofício n.º 2001/PNSE ao requerente (…), a informar que se mantinham os pareceres negativos anteriores.
26. Apesar de ter conhecimento desse facto, a arguida não desistiu deste seu intento.
27. Em 18.04.2005, a arguida C apresenta à Câmara Municipal (…) um pedido de informação prévia de construção que é registado sob o n.º 136/2005 (em que o local de implantação da moradia se mantém o mesmo).
28. Em 26.04.2005, na Câmara Municipal (…) com aquele remetente e destinatário o PNSE é elaborado um ofício com o n.º 4530 que, ao contrário daquilo que era normalmente (mas nem sempre) seguido pelos serviços da Câmara Municipal que expediam tais ofícios por via registada, foi enviado em correio simples, sem registo nos CTT, a pedir parecer no âmbito do pedido de informação prévia n.º 136/2005, o qual nunca deu entrada nos serviços do PNSE.
29. De seguida, em 23.09.2005, a arguida deu entrada na Câmara Municipal (…) do requerimento para aprovação do projeto de arquitetura, o qual foi solicitado por intermédio (…), unicamente por ser o proprietário do terreno em causa e deu origem ao processo de obras particulares da Câmara Municipal (…) n.º 328/2005 que, posteriormente, passou a ter o alvará de licença de obras n.º (…).
30. Em tal projeto, foi feita a menção expressa no termo de responsabilidade datado de 23.09.2005 (constante de fls. 260, do processo de obras) e assinado pelo técnico (…), que a construção da moradia, cujo licenciamento foi requerido por (…), cumpria as disposições legais e regulamentares aplicáveis, designadamente o ROEU e o PDM e, na memória descritiva e justificativa datada do mesmo dia (constante de fls. 266 a 271 do processo de obras) que a edificação em causa se inseria em zona urbana, num lote com a área de 5.260 m2.
31. Os arguidos bem sabiam que a construção em causa não se inseria em zona urbana mas sim no interior de zona de área protegida, nem se situava num lote com a área de 5.260 m2.
32. Na parte final do requerimento de (…), após a sua assinatura, é colocada uma anotação manuscrita cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida (cfr. fls. 252 do processo administrativo a estes autos apenso).
33. Em 20.12.2005, a funcionária (…) coloca uma anotação manuscrita a lápis na capa do processo de obras, com os seguintes dizeres: "Processo entrado a pedido do Sr. Presidente, para falar posteriormente c/ Sr. Engenheiro (problemas com o Parque Natural)".
34. Em 20.12.2005, o arguido B, na qualidade de Diretor do Departamento de Planeamento, Urbanismo e Ambiente da Câmara Municipal (…), inseriu uma anotação manuscrita no processo de obras (cfr. fls. 252), com os seguintes dizeres: "Reunião com Sr. Presidente em 20/12/2005. Mandou avançar (impercetível) contacto c/ proprietário".
35. Assim instruído, o arguido A, em 27/12/2005 apôs na capa de tal processo os seguintes dizeres: “… Deferido 14/2/6 (…) Deferido - Em 27/12/5 - Por Delegação da Câmara Municipal - O Presidente", assinando em conformidade.
36. A 28.12.2005, a Câmara Municipal (…) notifica (…) do deferimento do processo de obras, através do ofício 12244.
37. Na sequência desta comunicação, em 15.01.2006, (…) apresenta um requerimento para aprovação dos projetos de especialidades.
38. A 24.01.2006, o despacho de 27.12.2005 do Presidente da Câmara Municipal é ratificado em reunião do executivo.
39. Em 08.02.2006 é apresentado um termo de responsabilidade pela direção técnica da obra e em 13.02.2006 é apresentada uma declaração de seguro de acidentes de trabalho, pelo empreiteiro da obra.
40. Em 17.02.2006, a arguida, por intermédio do (…), apresenta um requerimento para emissão de alvará de licença de obras, entrado em 17/02/2006 (registo n.º 333). Mas que é despachado favoravelmente pelo arguido A com data de 14.02.2006, dia anterior ao da entrada do requerimento.
41. Em 23.02.2006, a arguida, por intermédio do (…), procede à abertura do livro de obra.
42. Em 07.03.2006, o despacho de 14.02.2006 do arguido A é ratificado em reunião do executivo.
43. As obras terminaram em Janeiro de 2007.
44. Em 10.07.2007, a arguida, por intermédio do (…), apresentou um pedido de licença de utilização para a obra construída sob a licença n.º (…) com referência ao processo de obras n.º 328/2005.
45. Nesta sequência, após informação de 13.07.2007 de que a obra está em condições de obter a licença de utilização, em 26.07.2007 é emitido pela Câmara Municipal (…) o alvará de utilização n.(…).
46. A arguida formulou em 09.01.2009 um pedido de retificação ao alvará de utilização da área do prédio para que, onde constava inicialmente a área de 5.260 m2 do prédio 282/910715, passasse a constar unicamente a área de 525 m2 relativa ao prédio (…) tendo todavia a Câmara Municipal dado um parecer negativo a esta pretensão.
47. O prédio em causa, situado em (…), foi inscrito na matriz predial rústica de (…) com o número (…), com a área de 525 m2.
48. Posteriormente, em 2008, tal obra deu origem ao número (…) da matriz urbana, com o valor patrimonial de 107.530,00 euros, com a área de 525 m2.
49. Depois da reorganização administrativa das freguesias em Portugal, a propriedade em causa passou a estar inscrita na matriz predial urbana da (…) com o número (…), com o valor patrimonial aí consignado de 107.394,94 euros.
50. O arguido A agiu de forma livre, deliberada e consciente, no exercício das suas funções de Presidente da Câmara Municipal (…) e em clara e querida violação dos seus poderes e deveres conferidos por Lei, com o propósito de beneficiar de forma indevida (…) e (…), para que esta pudesse construir uma moradia em zona inserida no Parque Natural (…), sabendo perfeitamente que tal lhe era vedado pela Lei, nomeadamente o disposto no art.º 9º e 34º, do Decreto-lei n.º 196/89, de 14 de Junho, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 278/95, de 25-10 e pelo art.º 5º, da Portaria n.º 583/90, de 25-07 e ainda do art.º 13º, do RJUE vigente na altura da entrada do pedido por parte da arguida C.
51. O arguido A sabia que a construção da moradia em causa naquele local não era permitida pela Lei, todavia atuou de forma livre, deliberada e consciente com o propósito de violar as normais legais para permitir que a arguida e (…) pudessem edificar tal imóvel naquele lugar, inclusive os normativos que regulam a tramitação de pedidos de construção em zona proibida e que impunham o pedido de parecer e análise por parte do PNSE e a obediência a tal manifestação de vontade.
52. Os arguidos B e C sabiam que a construção da moradia em causa naquele local não era permitida pela Lei.
53. O arguido A violou de forma propositada os deveres inerentes ao cargo político que desempenhava, designadamente o disposto no artigo 4.º, alíneas a), subalíneas i) a iii), b), subalíneas i) a iii), do Estatuto dos Eleitos Locais, atuando ainda com o intuito concretizado, de conduzir o aludido procedimento de concessão de licença para a construção e posterior licença de utilização de imóvel indevidamente construído em lugar proibido em violação do disposto nos art.ºs art.º 9º e 34º, do Decreto-lei n.º 196/89, de 14 de Junho, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 278/95, de 25-10 e ainda do art.º 13º, do RJUE na redação anterior à data da entrada do pedido por parte da arguida C.
54. O arguido A agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo perfeitamente que esta sua conduta é proibida e punida por Lei Penal.
[…]
Da contestação de B
66. B não teve qualquer intervenção quanto aos trâmites do “processo de construção” para além da correspondência enviada ao PNSE e requerente.
67. Após informação do arquiteto (…) de 22.04.2005 determinou que o pedido de informação prévia apresentado em 18.04.2005 fosse enviado ao PNSE, por carecer de parecer deste.
68. Nem sempre tal correspondência era registada.
69. A expedição do ofício ao PNSE não era das competências do arguido B, nem esse serviço é por si coordenado ou dirigido, cabendo-lhe apenas proceder à ordem do envio (o que fez), mas já não ao registo ou a qualquer acompanhamento da correspondência.
70. Em parte ou circunstância alguma o arguido B informou ou disse que o lugar de construção não se localizava na área do Parque ou que não era necessário parecer desta entidade, o que aliás era do conhecimento dos arguidos A e C.
71. Após este pedido o arguido B não teve outro despacho ou emissão de opinião no pedido de informação prévia.
72. Datado de 23.09.2005 é apresentado requerimento do pedido de aprovação por (…), registado no sistema da Câmara em 26.09.2005, acompanhando o processo de arquitetura da moradia.
73. Este processo e requerimento foi entregue à funcionária (…) que recebeu instruções verbais do arguido A (Presidente da Câmara) para dar entrada do processo de um cidadão que já tinha sido recebido por ele.
74. O mesmo Presidente disse-lhe que havia problemas com o Parque Natural (…), mas ele próprio resolveria a situação com o Eng.º (…), o que se traduziu em mandar seguir o processo.
75. A mesma escreveu, então, para mais tarde se recordar a expressão “processo entrado a pedido do Sr. Presidente, para falar posteriormente c/ Sr. Eng. (problemas com o Parque Natural)”
76. Em anteriores tentativas de informação prévia foram informados da localização dentro do PNSE e que, portanto, o licenciamento dependia do parecer.
77. Em 20 de dezembro de 2005 o arguido teve reunião com o Sr. Presidente (este mandou avançar. Ia contactar c/ proprietário).
78. Na sequência do deferimento foi comunicado pelo arquiteto (…), em 28.12.2005, que o processo tinha sido aprovado por despacho de 27.12.2005 do Presidente da Câmara, que posteriormente levou a reunião de Câmara para conhecimento.
79. O arguido B não produziu, nem redigiu a expressão de fls. 252 do processo de licenciamento, desconhecendo quem o fez, sendo que os processos, incluindo este, estaria nas prateleiras dos serviços e ficando à disposição de qualquer pessoa.
Da contestação de A
80. O arguido A enquanto Presidente da Câmara Municipal tinha competência entre outras para autorizar os pedidos formulados pelos cidadãos/interessados relativamente à construção de obras particulares.
81. Porque se tratavam de assuntos técnicos e complexos o despacho proferido pelo Presidente da Câmara dependia sempre de um parecer dos serviços técnicos, designadamente do departamento de planeamento e urbanismo.
82. O arguido A não tem qualquer relação próxima com a arguida C.
83. Sendo que o arguido foi alheio a todo o pedido de retificação da área constante do prédio inscrito na matriz sob o artigo (…) da União das Freguesias de (…).
[…]
89. A partir de 2015, o terreno em questão deixou de estar inserido em Zona de Reserva Agrícola (RAN) na zona do Parque Natural (…), passando a ser considerado zona urbana.
Da contestação de C
90. A arguida enquanto munícipe diligenciou, junto dos órgãos competentes, no sentido do licenciamento da construção em causa nos autos.
91. Face às dificuldades surgidas para o referido licenciamento insistiu, reclamou e reiterou pedidos e requerimentos, por si e por outros familiares, nesse sentido.
92. Sempre com a convicção de que almejava o seu objetivo percorrendo as vias legais, nunca desistindo e esperando uma solução positiva para os seus anseios.
93. Assim agiu ao longo de 10 anos, sendo que não é técnica da matéria, não faz projetos, plantas de localização, elabora ou assina termos de responsabilidade.
94. A arguida teve conhecimento das posições iniciais do PNSE sobre a sua pretensão.
95. Foi-lhe remetido, pela CM (…), ofício de 26.04.2005, com o n.º4521, informando-a de que naquela data foi “solicitado o parecer do Parque natural (…)”.
96. Nunca teve qualquer relacionamento próximo com o arguido A.
97. Sabia que era o presidente da Câmara e, no período a que se referem os autos, apenas falou com o mesmo uma ou duas vezes, à quarta-feira, que era o dia em que o mesmo atendia o público e para tal, como os outros munícipes que o procuravam, aguardava pela sua vez na sala de espera, onde passou várias horas.
98. Até 2009 a arguida não teve qualquer participação ou intervenção política no concelho ou fora dele, partidária ou não, e só nas eleições autárquicas de 2009 é que integrou as listas do Partido (…), como independente, para a freguesia de (…).
99. Não conhecia o Engº. (…), com o qual nunca falou.
[…]
Mais se provou que,
103. A moradia da arguida C se situa, pelo menos desde 8.08.2014, numa área do Parque Natural (…) em solos não classificados como Reserva Ecológica Nacional ou Reserva Agrícola Nacional, sendo que a construção obteve o Alvará n.º (…) e foi licenciada no pressuposto de que “se localiza próxima do perímetro urbano, numa via infraestruturada que, em sede de revisão do PDM que o Município se propõe executar, seja este espaço urbano”.
104. Por ofício de fls. 756, em 27.01.2000, o arguido A, enquanto Presidente da Câmara (…), após consignar que a construção visada por (…) está fora do perímetro urbano, acrescenta que esse perímetro poderá ser alargado em revisão do PDM, acrescentando que “a autarquia não vê inconveniente na construção se o Parque Natural (…) a tal não se opuser”, cfr. fls. 756, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
105. Em 19.07.2001 dá entrada no PNSE um pedido de recurso de (…) do anterior parecer negativo daquela entidade, acompanhado de uma informação assinada pelo Presidente da Câmara (….), solicitando a reapreciação do pedido de informação prévia de 14.02.2000, mais especificamente a revogação do teor da informação 0067/2000/PNSE e autorização da construção pretendida, ao que aquele PNSE respondeu através do ofício 2001/PNSE, datado de 7.08.2001 em que mantém a posição assumida na informação 067/2000/PNSE.
106. A revisão do Plano Diretor Municipal teve início em 12.03.2001, sendo até 2008 se cingiu a duas reuniões da comissão técnica, altura em que em função de alterações legislativas a CM de (…) deliberou o reinício do procedimento de revisão, sendo que o período de discussão pública do projeto decorreu entre 14 de Maio e 12 de Junho de 2015, tendo em 29 de Junho de 2015, em Assembleia Municipal, aprovado a Proposta Final de 1ª revisão do Plano Diretor Municipal n.º 51/2015, previamente aprovada em reunião da Câmara Municipal de 25 de Junho de 2015 (cfr. fls. 878 e 879, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
107. Em ata de 27.01.2006 do executivo da junta de freguesia de (…), junta de fls. 1301 a 1303 (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), composto pelo Presidente (o aqui arguido (….), Secretário e Tesoureiro, com a ordem de trabalhos onde constava, entre o mais, no ponto dois, a “Discussão sobre a construção e adjudicação de um muro de suporte no (…), como início do alargamento do caminho que liga a Estrada Pública com a Escola primária”, aí se consignou que “Relativamente ao ponto número dois da ordem de trabalhos, o senhor tesoureiro (….) informou o executivo da Junta, dizendo que em conversa com o proprietário do terreno, Sr. (…) ao fundo do caminho que liga a Estrada à Escola Primária, o mesmo lhe referiu que estava disposto a ceder o terreno necessário para o alargamento do referido caminho, desde que a Junta suportasse o custo com a construção do muro. Tomando da palavra o senhor Presidente, questionou o senhor Tesoureiro se achava que se devia proceder à construção do muro, o senhor Tesoureiro referiu que o alargamento daquele caminho era uma necessidade, pois por ali passava muita gente a pé e futuramente poder-se-ia construir uma rua que permitisse a circulação de viaturas, usando da palavra o senhor Presidente propôs que se procedesse ao alargamento do referido caminho, iniciando-se esse alargamento com a construção do muro referido e que se contactassem os proprietários que confinam com esse caminho para cedência de terreno para futuro alargamento do mesmo. Posto à votação foi este ponto aprovado pela unanimidade dos membros da Junta, deliberou-se também por unanimidade adjudica-lo ao senhor (….), visto que era o empreiteiro que também andava a construir os muros do proprietário Sr. (…) que irá ceder os metros necessários para que o caminho fique com uma largura mínima de 5 metros e 50 centímetros”.
108. O muro que envolve o prédio de (…) e (…), no segmento que confronta com o caminho público acima referido, é feito de granito com pedra emparelhada sem juntas; a parte do muro de vedação tem uma extensão de 34 metros, sendo que o prédio em causa perdeu uma área de 75,50m2 após a reconstrução do muro de vedação, acrescendo que o muro reconstruído está alinhado com o muro existente; o prédio não avançou, antes recuou, cedendo 75,50m2 de área para o caminho público existente, que ganhou aquela área em toda a extensão em que se desenvolveu o muro.
109. O custo dos projetos de construção da casa da arguida C teria um valor aproximado de € 3000,00; o custo total das licenças e taxas perfaz o valor de € 1760,97 (suportados em nome de (…), pois em nome da arguida C apenas deu entrada um pedido de informação prévia de construção, de 18.04.2005 e registado sob o n.º 01/2005/136); o custo dos muros de vedação apurou-se em € 3715,00 e os portões metálicos em € 2500,00, orçando as pavimentações exteriores em € 2600,00; à data dos factos o prédio urbano tinha um valor de € 147831,00 e atualmente de € 123210,00.
Das condições pessoais dos arguidos:
[…]
III. Factos não provados
Não se provou que:
[…]
*
IV. Motivação da decisão de facto
[…]

3. Apreciação
§1. Da nulidade do acórdão por omissão de pronúncia
Alegando não haver o tribunal a quo atentado na alteração do PDM, operada, conforme aviso 9736/2015 (publicado no DR, II série, 167, de 27.08.2015), em 27.08.2015, nos termos do qual a zona - dentro da área do Parque Natural da Serra (…) e fora da área urbana da freguesia - onde foi autorizada (deferido o pedido) a construção da moradia de (…), passou a ser considerada “zona urbana”, situação que já ocorria à data em que foi submetido a julgamento e, como tal, por via da aplicação retroativa da lei penal mais favorável, conduziria, por os factos já não constituírem crime, à sua absolvição, refere o recorrente enfermar o acórdão da nulidade prevista na primeira parte, da alínea c), do n.º 1, do artigo 379.º do CPP.
Contudo, uma análise, ainda que perfunctória do acórdão, dita a total falta de fundamento da invocada invalidade. Com efeito, basta atentar no que consignado ficou nos itens 16 a 18 e 106 (fatos provados) – acima transcritos - para concluir não ter o Coletivo ignorado, em sede de decisão de facto, a aprovação e entrada em vigor do novo PDM, à luz do qual a zona em questão «passou a ser considerada zona urbana, podendo aí ser edificadas edificações sem necessidade de parecer do I.C.F.N.» [cf. ponto 18]. Realidade que não foi igualmente desprezada no que ao direito respeita, como, sem mácula decorre das seguintes passagens: «Por outro lado, a circunstância do PDM ter sido ulteriormente alterado tão pouco reveste uma importância decisiva nesta questão.
É que os PDM´s (artigos 69º a 73º, 85º e 86º do RJIT) [e em nota de rodapé: Que são constituídos por delimitação da área da jurisdição dos Municípios fazem parte integrante dos citados planos a cartografia em que são delimitados os zonamentos de todos os instrumentos de planos nacionais, áreas protegidas, planos hídricos, planos da orla costeira, florestal, RAN, REN, recursos minerais, planos de salvaguarda de servidões administrativas, entre outros, devidamente demarcados da Planta de Condicionantes. Os PDM são impressos em versão colorida para impedir erros de análise. Saliente-se que estes e os demais planos relativos ao ordenamento do território são registados no Ministério competente sendo arquivada uma cópia com o respetivo número de registo conjuntamente com o Regulamento que faz, parte integrante do Plano. Os planos, independentemente da modalidade ou origem, só produzem efeitos após publicação na I SÉRIE do DR por força do n.º 1 e n.º 2 do artigo n.º 148º do RJIT (DL 380/99, na redação do DL n.º 46/2009, de 20.02)] não constituem lei penal para efeitos de aplicação do disposto no art.º 2º do Código Penal (donde decorre, entre o mais, que as penas e as medidas de segurança são determinadas pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que dependem, sendo que o facto punível segundo a lei vigente no momento da sua prática deixa de o ser se uma lei nova o eliminar do número das infrações; neste caso, e se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais).
In casu não ocorre, pois, qualquer sucessão de leis penais no tempo, mas antes uma alteração de um regime legal a que se reporta a norma incriminatória, sem que se trate, em rigor, de uma “norma penal em branco” (em que a lei incriminadora remete para uma outra fonte normativa o preenchimento dos seus próprios pressupostos).
Como refere António Fernando da Cruz Novo (in “A Violação das Regras Urbanísticas Reflexão Crítica”, dissertação de mestrado, Universidade Católica do Porto, 2013, …) ”são vulgares os casos em que uma dada operação de construção é concretizada sem a licença adequada tendo como pressuposto um acordo prévio entre promotor e Município no sentido de ser posta em marcha uma alteração dos planos de ordenamento a qual, quando concretizada, legaliza a situação, até aí, ilegal”.
Daí não decorre, por qualquer forma, que exista uma descriminalização de um comportamento ilícito.
Dito de outra forma, o crime de prevaricação não foi objeto de qualquer alteração pela mudança operada, anos depois, no PDM de (…).
As consequências decorrentes da alteração no PDM reportam-se, apenas, ao plano administrativo, passando aquela construção a estar, agora, devidamente legalizada.
Assim, tendo o referido arguido, enquanto titular de cargo político (Presidente da Câmara Municipal (…)), no exercício das suas funções, conduzido o processo a estes autos apenso e decidido o mesmo contra direito (nos termos supra expostos), com a intenção de por essa forma beneficiar outrem, tendo agido de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que incorria em responsabilidade criminal, cometeu o crime de prevaricação».
Perante semelhante apreciação, revela-se o recurso, nesta parte, manifestamente improcedente.

§2. Do vício do artigo 410º, n.º 2 do CPP
Defendendo a aplicação do artigo 2.º do C. Penal «não só à lei penal mas a quaisquer outras leis que tenham relevância e dignidade penais», entende o recorrente que, ao assim não ter decidido, incorreu o acórdão no vício do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, a saber: na insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Ora, também nesta sede, tendo presente reportar-se o dito vício à confeção técnica da matéria de facto, a denunciar lacunas/omissões relevantes, impeditivas de uma decisão conscienciosa, é evidente que o dissídio, traduzido na não aplicação do artigo 2º do Código Penal, norma que, em consequência do novo PDM (de 2015), concretamente enquanto passou a considerar como «zona urbana» a área onde foi - na vigência do PDM em vigor à data da construção classificada como Reserva de Zona Agrícola (RAN) - edificada a moradia, o recorrente entende dever funcionar, não configura o vício em questão, tão pouco qualquer outro, de conhecimento oficioso, razão pela qual, não vindo impugnada a matéria de facto, há que ter esta como definitivamente adquirida.

§3. Da não aplicação do artigo 2.º do Código Penal
Como facilmente se apreende do que já se deixou dito, a questão que opõe o recorrente ao acórdão em crise reside na consideração por parte do Coletivo de não colher, no caso, aplicação o artigo 2.º do C. Penal. Os pontos 11 e 12 das conclusões são bem ilustrativos do seu pensamento. Com efeito, refere: «…, não obstante o arguido ter cometido o crime (27/12/2005) na vigência do primeiro PDM (publicado no DR, I série, n.º 169, de 24/07/1997) que vigorou de 24/07/1997 até 27/08/2015, a verdade é que quando o arguido foi submetido a julgamento, já estava em vigor o segundo PDM (publicado o aviso 9736/2015 no DR, II serie, 167, de 27/08/2015), o qual ainda se encontra em vigor e teve o seu início em 27/08/2015», concluindo: «É, pois indiscutível que “in casu” ocorre uma sucessão de leis que têm dignidade e consequências penais no tempo e que terão que ser analisadas e ponderadas, designadamente o primeiro PDM (…) e o segundo PDM (…), devendo aplicar-se o preceituado no artigo 2º n.º 4 do CP, ou seja o princípio da retroatividade da Lei com dignidade penal mais favorável ao arguido».
Vejamos.
Não tendo merecido contestação o facto de à data do deferimento pelo recorrente, na qualidade de Presidente da Câmara Municipal (…), do pedido relativo ao “processo de obras”, que conduziu à edificação da construção reportada nos autos, a área da respetiva implantação, de acordo com o PDM publicado no DR, I Série, n.º 169, de 24.07.1997 – em vigor até 27.08.2015 (cf. o Aviso 9736/2015, in DR, II Série, 167, de 27.082015) -, se localizar dentro do perímetro do Parque Natural (…), constituindo Reserva de Zona Agrícola, circunstância proibitiva da respetiva execução, a questão a decidir traduz-se em saber se a alteração em 2015 do PDM, ocasião em que a identificada área passou a ser considerada zona urbana, consentindo-se a partir de então a construção de edificações, concretamente daquela a que se reportam os autos, sem necessidade de parecer do I.C.F.N., por aplicação do “regime mais favorável” (artigo 2.º do C. Penal), deve conduzir, como defende o recorrente, à revogação da sua condenação, ou, como é entendimento do Coletivo, as consequências decorrentes daquela (alteração do PDM) apenas são suscetíveis de relevar no plano administrativo, passando aquela construção a estar, agora, devidamente legalizada.
Isto dito.
Eliminar um facto do número de infrações tem subjacente uma modificação nas conceções do legislador, da valoração político-criminal, não detetável na alteração do PDM – instrumento de gestão territorial com a natureza jurídica de regulamento administrativo –, o qual deixa intocada a estrutura do tipo legal do crime, no caso de prevaricação (p. e p. no artigo 11.º da Lei n.º 34/87, de 16.07), cuja norma incriminatória não se inclui propriamente na denominada norma penal em branco, entendida como aquela que, contendo a sanção, define, indiretamente ou por remissão, a matéria da proibição penal, ou seja a conduta objeto da pena na mesma estabelecida.
Seja como for, admitindo com Eduardo Correia, que normas a considerar para o efeito do artigo 2.º do Código Penal não são exclusivamente as de direito criminal, abrangendo antes as pertencentes a outros ramos de direito, enquanto elementos normativos da descrição dos conceitos daquela, o certo é que se a lei de diferente natureza (que não penal) não altera o âmbito do direito (v.g. põe fora da circulação um certo tipo de moeda) isso não pode aproveitar àquele que porventura a tenha falsificado – [cf. Direito Criminal, I, 1971, Almedina, pág. 154].
O mesmo decorre das palavras de Taipa de Carvalho quando, citando JAKBOS, escreve que há que distinguir os casos em que uma lei penal em branco visa, diretamente, garantir a obediência à norma integrante – hipóteses em que, salvo o caso de a norma integrante ser uma disposição inequivocamente temporária, se aplicará (…) o princípio da lei penal favorável – daqueles em que a lei penal em branco visa garantir o efeito de regulamentação (…) prosseguido pela disposição integrante – hipótese em que se mantém a punibilidade das infrações praticadas antes da alteração da norma integradora. Exemplos desta segunda categoria de normas integrantes são as disposições que estabelecem a prioridade à direita ou que determinam as moedas com curso legal – [cf. Sucessão de Leis Penais, 2.ª Edição Revista, Coimbra Editora, pág. 201].
Com efeito, a tal propósito, refere GUNTHER JAKOBS: Si no hay ninguna ley temporal, ello no quiere decir evidentemente que toda modificación favorable de las normas complementarias tenga efecto retroactivo (…), sino que más bien no se produce el efecto retroactivo cuando la ley en blanco no remite a la própria norma complementaria, sino a su efecto de regulación (…), para adiante concretizar: Si la ley en blanco sólo asegura la obediência de la norma complementaria, la derogación de la norma complementaria tiene efecto retroactivo al igual que, por lo demás, lo tiene la derogación de una prohibición (…)
Sin embargo, si la ley en blanco asegura el efecto de regulación que persigue la norma complementaria, mediante la derogación de la norma complementaria se excluye la formacion ulterior de este efecto de regulación, sin que, no obstante, queden nulos los antíguos efectos – [cf. DERECHO PENAL, PARTE GENERAL, Fundamentos y teoria de la imputación, 2.ª edición, corregida, MARCIAL PONS, pág. 119-121].
No caso em apreço, como vimos, o arguido vem condenado por ter deferido o pedido de construção de moradia dentro da área do Parque Natural (…) e fora da área urbana da freguesia. A circunstância de o PDM de (…) (em 2015), ter passado a definir como área urbana – excluindo-o da área do Parque Natural (…) – o local onde foi edificada a dita construção, não colide com o dever do arguido/recorrente de conduzir ou decidir o processo (de obras) de acordo com o direito (o qual se manteve intacto), ou seja não corresponde (retroativamente) à extinção, sequer restrição do dever que, enquanto titular de cargo político, agindo no exercício das suas funções (cf. artigo 11.º da Lei n.º 34/87, de 16.07), sobre ele impendia.
Conclui-se, pois, que mesmo a admitir configurar o artigo 11.º da Lei 34/87, de 16.07 uma norma penal em branco, sempre a situação escaparia àquela outra em que, através da mesma, se visa, diretamente, garantir a obediência à norma integrante, traduzindo-se, tão só, a alteração do PDM à regulamentação administrativa, na parte que ora importa, da classificação dos solos, mantendo-se, como tal, a punibilidade dos ilícito típico em questão. Na verdade, tal como a substituição das regras da prioridade à direita pela prioridade à esquerda, não coloca em crise a punibilidade das violações já verificadas, também a alteração na classificação dos solos, mantendo-se a essência do dever, afigura-se-nos insuscetível de, com fundamento no artigo 2.º do C. Penal, conduzir ao resultado pretendido pelo recorrente.
Nenhuma crítica, pois, nos merece o acórdão recorrido enquanto entendeu circunscrever-se a alteração produzida no PDM ao plano administrativo, com a consequência de a construção em causa se mostrar agora devidamente legalizada.

III. Dispositivo
Termos em que acordam os juízes que compõem este tribunal em julgar improcedente o recurso.
Custas, com taxa de justiça que se fixa em 4 (quatro) UCs, a cargo do recorrente – artigos 513.º e 514º do CPP e 8.º do RCP, com referência à tabela III anexa.

Coimbra, 12 de Setembro de 2018
[Processado e revisto pela relatora]

Maria José Nogueira (relatora)

Isabel Valongo (adjunta)