Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4804/14.9T8CBR.C3
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: FIRMA
REGISTO NACIONAL DE PESSOAS COLETIVAS
RNPC
CERTIFICADO DE ADMISSIBILIDADE
Data do Acordão: 10/11/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JUÍZO COMÉRCIO - JUIZ 3 -
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: DL Nº 129/98 DE 13/5, DL Nº 14/2013 DE 28/1
Sumário: 1. A tutela conferida a pessoas colectivas não sujeitas a registo comercial pelo certificado de admissibilidade da firma, traduzida na presunção de exclusividade da mesma, não se extingue automaticamente pelo decurso do prazo previsto no art.º 11º, n.º 2, alínea a), do DL n.º 129/98, de 13.5/RRNPC, sem que seja realizada a sua inscrição no Ficheiro Central de Pessoas Colectivas, mas apenas após a respectiva declaração, oficiosa ou a requerimento de qualquer interessado, pelo Registo Nacional de Pessoas Colectivas ou por qualquer um dos serviços de registo, depois de notificada a interessada para regularizar a situação no prazo de um mês e se esta nada fizer (art.º 61º, n.ºs 1, alínea a) e 2, do mesmo regime jurídico).

2. Assim, transcorrido o prazo do art.º 11º, n.º 2, alínea a), do RRNPC e se não tiver ocorrido a inscrição oficiosa (ao abrigo do disposto no art.º 12º do RRNPC ou do art.º 27º, n.º 1, al. c), do DL n.º 14/2013, de 28.01), o Registo Nacional de Pessoas Colectivas deverá proceder à notificação da interessada para proceder à regularização da situação e efectuar a inscrição no Ficheiro Central das Pessoas Colectivas no prazo a que alude o n.º 2 do art.º 61º do RRNPC.

3. Aquando da regularização da situação e inscrição no Ficheiro Central das Pessoas Colectivas, a entidade administrativa deverá verificar a manutenção dos pressupostos que possibilitaram a atribuição do certificado de admissibilidade e adoptar os demais procedimentos legalmente previstos, tendo em vista, nomeadamente, o respeito dos princípios que caracterizam a firma, entre os quais, os princípios da verdade e da exclusividade/novidade.

Decisão Texto Integral:






           
           
            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

           

            I. V (…) & Associados, Sociedade de Advogados, R. L., intentou a presente acção de impugnação judicial contra o Instituto dos Registos e Notariado, I. P. (IRN), pedindo a declaração da ilegalidade da decisão do Registo Nacional de Pessoas Colectivas que determinou a perda do direito ao uso da firma e do número de identificação de pessoa colectiva por parte da A., bem como da decisão que rejeitou o recurso hierárquico interposto (daquela primeira decisão) com fundamento na falta de objecto.

            Alegou, em síntese: para efeitos da sua constituição e registo na Ordem dos Advogados (AO), requereu ao Registo Nacional de Pessoas Colectivas (RNPC) o certificado de admissibilidade da firma “V (…) & Associados, Sociedade de Advogados, RL”, que foi emitido em 11.7.2007, tendo-lhe sido então atribuído número de identificação de pessoa colectiva provisório; na sequência deste pedido, foi constituída e registada na OA, e iniciou a sua actividade, que mantém até ao presente, não tendo contudo procedido à sua inscrição no ficheiro central de pessoas colectivas; sete anos após o início da sua actividade, teve conhecimento por ofício da Autoridade Tributária que o RNPC procedera à sua eliminação do Ficheiro Central de Pessoas Colectivas (FCPC), pelo que perdera o direito ao uso da firma e do número de identificação de pessoa colectiva; interpôs recurso hierárquico da decisão de eliminação, da qual nunca fora notificada, recurso que foi rejeitado por falta de objecto, fundamentando-se a rejeição no facto de ter inexistido decisão e de a perda do direito ao uso da firma ser efeito automático da caducidade do certificado de admissibilidade da firma; as decisões em causa são ilegais porque inexiste qualquer norma a determinar a caducidade do certificado de admissibilidade da firma em caso de falta de inscrição no FCPC, e que se o art.º 61º, n.º 1 al. a), do DL n.º 129/98, de 13.5, preceitua que a falta de inscrição determina a perda do direito ao uso da firma - apenas se a falta de inscrição não dever ser suprida oficiosamente e se, depois de notificada a pessoa em causa para proceder à inscrição esta o não faça -, seguramente é porque a perda do direito ao uso da firma não decorre de qualquer caducidade, mas antes de uma decisão a proferir pelo Registo Nacional; sendo a recorrente uma sociedade de advogados, apenas está sujeita a registo na OA, adquirindo personalidade jurídica após esse registo e com o mesmo adquirindo o direito ao uso exclusivo da firma; se o direito ao uso da firma caducasse automaticamente pela não inscrição no ficheiro central no prazo a que alude o art.º 11º, n.º 2, al. a), do DL n.º 129/98, seria de todo desprovida de sentido a norma do art.º 12º, que permite ao RNPC inscrever oficiosamente quem não cumpriu o dever de inscrição, ou a norma do art.º 27º, n.º 1, al. c), do DL n.º 14/2013, de 28.01, que impõe à Autoridade Tributária o dever de inscrever oficiosamente quem não cumpriu o dever de inscrição no ficheiro central; as decisões em causa acabaram por permitir a perda do direito ao uso da firma sem antes terem notificado a A. para regularizar a situação, o que viola o disposto no art.º 61º, n.º 2, do DL n.º 129/98, a al. c) do n.º 1 do art.º 27º do DL n.º 14/2013 e o art.º 100º do CPA, atentando ainda contra o princípio da proporcionalidade consagrado nos art.ºs 18º da Constituição e 5º do CPA.

            No âmbito do recurso hierárquico foi proferida decisão de sustentação, na qual o Senhor Director do RNPC invocou que, não tendo a sociedade recorrente promovido a inscrição no FCPC da sua denominação, depois de decorrido o prazo de validade do respectivo certificado de admissibilidade, cessou a presunção de exclusividade sobre o direito ao uso daquela firma e do NIPC atribuído, ficando a firma sem qualquer protecção, pelo que foi o número de identificação provisório associado à entidade eliminado do ficheiro. Mais sustentou que a perpetuação no ficheiro central da firma admitida significaria uma clara violação dos princípios da legalidade, por decorrer do art.º 15º do RRNPC que o NIPC provisório tem o mesmo prazo de validade que o certificado que lhe deu origem, e da igualdade e da propriedade, já que inviabilizaria a eventual aprovação de firma idêntica a favor de outrem. Concluiu que resulta claramente da lei que após o termo do prazo de validade do certificado de admissibilidade da firma ou denominação, não tendo a entidade promovido o seu registo (inscrição para entidades não sujeitas a registo comercial), deixou de existir uma expectativa juridicamente tutelada, só podendo ser efectuada a inscrição depois de novamente confirmada a não violação do princípio da novidade das firmas e denominações.

            Ultrapassadas as questões processuais objecto da decisão sumária de 27.3.2015 e do acórdão de 26.01.2016 (fls. 78 e 111) e inexistindo terceiros interessados a citar para contestarem a impugnação (nos termos do art.º 70º, n.º 6, do DL n.º 129/98, de 13.5/RRNPC, diploma que estabelece o regime jurídico do Registo Nacional de Pessoas Colectivas[1]), a 1ª instância, por sentença de 18.4.2016, revogou as decisões recorridas e, consequentemente, determinou que, caso não tenha havido lugar a uma inscrição oficiosa, o Registo Nacional de Pessoas Colectivas proceda à notificação da impugnante para proceder à regularização da situação e efectuar a inscrição no Ficheiro Central das Pessoas Colectivas no prazo a que alude o n.º 2 do art.º 61º do RRNPC.[2]

            Inconformado, o demandado interpôs a presente apelação, formulando as seguintes conclusões:

            (…)

            A A. respondeu à alegação de recurso concluindo pela sua improcedência.

            Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar e decidir, sobretudo, se o incumprimento do dever de inscrição no Ficheiro Central das Pessoas Colectivas por entidade não sujeita a registo comercial que tenha obtido certificado de admissibilidade da firma no prazo previsto no art.º 11º, n.º 2, al. a), do RRNPC determina a extinção automática da protecção conferida por aquele certificado.


*

            II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

            a) A recorrente é uma sociedade de advogados registada na Ordem dos Advogados sob o n.º .../07.

            b) Para efeitos da sua constituição e registo, foi requerido ao Registo Nacional de Pessoas Colectivas o certificado de admissibilidade da firma “V (…) &, Sociedade de Advogados, RL”.

            c) Em 11.7.2007 foi emitido o certificado de admissibilidade da firma, com o n.º (...) , e atribuído o número de identificação de pessoa colectiva provisório (...) .

            d) Na sequência deste pedido, a recorrente foi constituída e registada na Ordem dos Advogados com a mencionada denominação.

            e) Não tendo procedido à sua inscrição no ficheiro central de pessoas colectivas no prazo de um mês após a finalização da sua constituição.

            f) Em 01.01.2008 iniciou a sua actividade.

            g) A qual mantém até à presente data, sendo titular de vários contratos com diversas pessoas colectivas públicas, pagando os vencimentos aos seus colaboradores, distribuindo lucros aos seus sócios, os quais depois são tributados em sede de IRS, pagando os seus impostos e mantendo-se activa em sede de IVA e IRC, e tendo a sua situação regularizada em sede de IVA e IRC.

            h) Em de Abril de 2014 a autora recebeu um ofício da Autoridade Tributária a comunicar que o Registo Nacional de Pessoas Colectivas procedera à sua eliminação do Ficheiro Central de Pessoas Colectivas e que por isso perdera o direito ao uso do número de identificação de pessoa colectiva.

            i) A recorrente nunca fora notificada pelo Registo Nacional de Pessoas Colectivas de que havia sido eliminada do Ficheiro Central de Pessoas Colectivas ou que perdera o direito ao uso da firma por falta de inscrição no ficheiro central.

            2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

            O Registo Nacional de Pessoas Colectivas (RNPC) tem por função organizar e gerir o ficheiro central de pessoas colectivas, bem como apreciar a admissibilidade de firmas e denominações (art.º 1º do RRNPC).

            O ficheiro central de pessoas colectivas (FCPC) é constituído por uma base de dados informatizados onde se organiza informação actualizada sobre as pessoas colectivas necessária aos serviços da Administração Pública para o exercício das suas atribuições (art.º 2º, n.º 1).

            A atribuição das firmas e denominações está sujeita à observância dos princípios da verdade e da novidade nos termos e condições previstos no título III e o respectivo registo confere o direito ao seu uso exclusivo (art.º 3º).

            O FCPC integra informação relativa a Associações, fundações, sociedades civis e comerciais, cooperativas, empresas públicas, agrupamentos complementares de empresas, agrupamentos europeus de interesse económico, bem como quaisquer outros entes colectivos personalizados, sujeitos ao direito português ou ao direito estrangeiro, que habitualmente exerçam actividade em Portugal (art.º 4º, n.º 1, a)).

            Entre outros actos e factos, está sujeito a inscrição no FCPC a constituição de uma pessoa colectiva (art.º 6º, n.º 1)

            As entidades sujeitas a registo comercial obrigatório e as que o tenham requerido, bem como os actos e factos que a umas e outras respeitem, são oficiosamente inscritos no FCPC, através de comunicação automática electrónica do sistema integrado do registo comercial (SIRCOM) (art.º 11º, n.º 1). As demais entidades devem promover a inscrição no FCPC no prazo de validade do certificado de admissibilidade, quando exista, ou no prazo de um mês a contar da verificação dos seguintes factos: a) Finalização das formalidades legais de constituição, no caso de pessoas colectivas; b) Publicação do diploma de criação, no caso de entidades constituídas por diploma legal; c) Início de actividade, nos restantes casos (n.º 2).

            O RNPC pode fazer inscrever oficiosamente no FCPC as entidades que não tenham cumprido a obrigação legal de requerer a inscrição e cuja identificação esteja estabelecida (art.º 12º, n.º 1). Após a inscrição oficiosa, deve ser promovido o procedimento legal que ao caso couber (n.º 2).

            A cada entidade inscrita no FCPC é atribuído um número de identificação próprio, designado número de identificação de pessoa colectiva (NIPC) (art.º 13º, n.º 1).

            Com a emissão do certificado de admissibilidade é atribuído um NIPC provisório para efeitos de constituição de pessoa colectiva, de estabelecimento individual de responsabilidade limitada, de organismos da Administração Pública que incorporem na sua denominação siglas, expressões de fantasia ou composições e para os empresários individuais referidos na alínea h) do n.º 1 do artigo 4º (art.º 15º, n.º 1). O NIPC provisório tem o mesmo prazo de validade do certificado que lhe deu origem ou, nos casos previstos no número anterior, o prazo de validade do registo que lhe está associado (n.º 3).

            Após o registo definitivo é conferido o direito ao uso exclusivo de firma ou denominação no âmbito territorial especialmente definido para a entidade em causa nos artigos 36º a 43º (art.º 35º, n.º 1). O certificado de admissibilidade de firma ou denominação constitui mera presunção de exclusividade (n.º 2).
Salvo no caso de decisão judicial, a atribuição do direito ao uso exclusivo ou a declaração de perda do direito ao uso de qualquer firma ou denominação
efectuadas pelo RNPC não podem ser sindicadas por qualquer entidade, ainda que para efeitos de registo comercial (n.º 3). O disposto nos n.ºs 1 e 2 não prejudica a possibilidade de declaração de nulidade, anulação ou revogação do direito à exclusividade por sentença judicial ou a declaração da sua perda nos termos dos artigos 60º e 61º (n.º 4).

            O pedido de certificado de admissibilidade de firma ou denominação deve ser requerido por um dos constituintes ou, sendo o caso, pelas entidades já constituídas, através das seguintes formas: a) Presencialmente, por forma verbal, pelo próprio ou por pessoa com legitimidade para o efeito, ou advogado, notário ou solicitador ou por escrito em formulário próprio; b) Através de sítio na Internet; c) Pelo correio em formulário próprio (art.º 46º, n.º 1).

            O certificado de admissibilidade de firma ou denominação é válido pelo período de três meses, a contar da data da sua emissão, para a firma, sede, objecto, requerente e condições de validade nele indicadas (art.º 53º, n.º 1).

            Os actos de constituição de pessoas colectivas ou de estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada devem fazer referência à emissão do certificado de admissibilidade da firma ou denominação adoptada, através da indicação do respectivo número e data de emissão (art.º 54º, n.º 1).

            O registo comercial ou a inscrição no FCPC, consoante os casos, é recusado quando: a) O acto for nulo; b) O certificado de admissibilidade tiver sido emitido com manifesta violação da lei; c) No acto destinado à constituição ou modificação da pessoa colectiva tiverem sido desrespeitados os elementos ou as condições de validade constantes do certificado de admissibilidade (art.º 58º).

            O RNPC ou qualquer um dos serviços de registo designados nos termos do n.º 1 do artigo 78º podem, oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado, declarar a perda do direito ao uso de firma ou denominação de terceiro, mediante prova da verificação das seguintes situações: a) Falta de inscrição da entidade no FCPC decorrido um ano desde o prazo em que a mesma deveria ter sido realizada; b) Não exercício de actividade pelo titular da firma ou denominação durante um período de dois anos consecutivos (art.º 61º, n.º 1). No caso previsto na alínea a) do número anterior, pode ser declarada a perda do direito ao uso da firma ou denominação, desde que os interessados tenham sido notificados para a sede declarada a fim de regularizarem a situação e o não fizerem no prazo de um mês, a contar da notificação (n.º 2).

           Praticam contra-ordenação e ficam sujeitas a coima, de (euro) 249,40 a (euro) 2493,99, tratando-se de pessoas singulares, e de (euro) 1496,39 a (euro) 14963,94, tratando-se de pessoas colectivas, as entidades que: a) Por qualquer forma, e com intuito fraudulento ou com ânimo de prejudicar terceiro, falsifiquem ou utilizem indevidamente documentos emanados do RNPC; b) Não cumpram a obrigação de inscrição no FCPC ou o não façam nos prazos ou nas condições fixadas no presente diploma; c) Declarem, para quaisquer efeitos, falsos números de identificação; d) Utilizem, para quaisquer efeitos, cartões de identificação com elementos desactualizados (art.º 75º, n.º 1).

            Compete ao RNPC e aos serviços de registo designados em despacho do presidente do IRN, I. P.: a) Velar pela exactidão e actualidade da informação contida no FCPC, promovendo as correcções necessárias; b) Promover a inscrição no FCPC dos actos de constituição, modificação e dissolução das pessoas colectivas e entidades equiparadas; c) Emitir certificados de admissibilidade de firmas e denominações assegurando o cumprimento dos princípios da novidade e da verdade; d) Declarar a perda do direito ao uso de firma ou denominação nos termos do artigo 61º (art.º 78º, n.º 1).

            Os advogados podem exercer a profissão constituindo ou ingressando em sociedades de advogados, como sócios ou associados (art.º 213º, n.º 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 09.9). A constituição e funcionamento das sociedades de advogados consta do regime jurídico da constituição e funcionamento das sociedades de profissionais que estejam sujeitas ao regime das associações públicas profissionais (n.º 8). As sociedades devem optar, no momento da sua constituição, por um dos dois tipos seguintes, consoante o regime de responsabilidade por dívidas sociais a adoptar, devendo a firma conter a menção ao regime adoptado: a) Sociedades de responsabilidade ilimitada, RI; b) Sociedades de responsabilidade limitada, RL (n.º 10).

            3. A firma, em sentido amplo, corresponde ao nome que uma determinada pessoa usa no exercício do comércio, ou ao nome adoptado por uma pessoa colectiva que não seja comerciante (associação, fundação ou sociedades civil sob a forma civil), consistindo, pois, numa perspectiva subjectiva - correntemente utilizada pela lei nacional -, no nome que identifica e individualiza o comerciante/sociedade na respectiva actividade e em função do qual ele beneficia de uma determinada tutela.

            Em sentido estrito, a firma é habitualmente referida por contraposição a denominação. Neste contexto, pese embora uma cada vez menor diferença no tratamento destes conceitos, inclusive no plano legal, a firma-nome corresponde à conjugação de um ou mais nomes de sócios com a indicação de que ressalte essa sua qualidade, significando que organizaram a respectiva actividade de forma colectiva. Por seu lado, a firma-denominação consiste na individualização da sociedade por referência à actividade específica que ela se propõe prosseguir, sendo composta pelo objecto que caracteriza a actividade da sociedade que visa individualizar e identificar. É também concebível que a firma seja mista, incluindo uma referência ao nome dos que prosseguem uma certa actividade e fazendo menção ao tipo de actividade que essas pessoas, organizadas colectivamente, possam prosseguir.[3]     

            Como bem se refere na decisão sob censura, a firma é tradicionalmente qualificada como um sinal distintivo do comércio, tutelando contudo o direito à firma interesses não apenas relacionados com a organização comercial ou empresarial, mas interesses atinentes à própria personalidade do comerciante ou pessoa colectiva.[4]

            4. O direito ao uso (exclusivo) da firma depende de prévio procedimento administrativo, destinado a averiguar se estão reunidos os requisitos de que a lei faz depender a respectiva atribuição e protecção.

            A apreciação da admissibilidade das firmas e denominações (comerciantes ou não comerciantes) cabe ao Registo Nacional de Pessoas Colectivas (RNPC) - cf. o cit. art.º 1º.

            O Ficheiro Central de Pessoas Colectivas (FCPC) integra informações relativas a, entre outras, sociedades civis, designadamente sociedade de advogados, estando a respectiva constituição sujeita a inscrição neste ficheiro (cf. os art.ºs 4º, n.º 1, al. a) e 6º, n.º 1, cit.; 213º, n.ºs 1, 8 e 10, do Estatuto da Ordem dos Advogados e art.ºs 1º, n.º 2 do DL n.º 229/2004, de 10/12 e 27º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 2/2013, de 10.01[5]/diploma que estabelece o regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais).

            O dito procedimento inicia-se com o pedido de certificado de admissibilidade da firma ou denominação, que deve ser requerido por um dos constituintes ou, sendo o caso, pela entidade já constituída (art.º 46º, n.º 1). Este certificado deve ser mencionado no acto de constituição da pessoa colectiva, através da indicação do respectivo número e data de emissão (art.º 54º, n.º 1).

            O certificado de admissibilidade da firma ou denominação é válido pelo período de três meses, a contar da data da sua emissão (art.º 53º, n.º 1); ao ser emitido é atribuído um NIPC provisório para efeitos de constituição de pessoa colectiva, que tem o mesmo prazo de validade (art.º 15º, n.º s 1 e 3); confere uma mera presunção de exclusividade, porque só com a inscrição definitiva no registo nascerá o direito ao uso exclusivo da firma ou denominação (art.º 35º, n.º s 1 e 2).

            Relativamente à inscrição no FNPC, distingue-se entre as pessoas colectivas sujeitas a registo comercial obrigatório e as demais: as primeiras são oficiosamente inscritas no FCPC, através de comunicação automática electrónica do sistema integrado do registo comercial (art.º 11º, n.º 1)[6]; as pessoas colectivas não sujeitas a registo comercial, designadamente as sociedades civis, devem promover a sua inscrição no FCPC no prazo de validade do certificado de admissibilidade, quando exista, ou no prazo de um mês a contar da finalização das formalidades legais de constituição (n.º 2, alínea a), do mesmo art.º).

            O RNPC pode fazer inscrever oficiosamente no FCPC as entidades que não tenham cumprido a obrigação de requerer a inscrição e cuja identificação esteja estabelecida (art.º 12º, n.º 1), seguindo-se o procedimento legal que ao caso couber (n.º2).

            O RNPC ou os serviços de registo podem, oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado, declarar a perda do direito ao uso da firma ou denominação de terceiro, em caso de falta de inscrição da entidade no FCPC decorrido um ano desde o prazo em que a mesma deveria ter sido realizada (61º, n.º 1, al a)), sendo que a perda do direito ao uso da firma ou denominação não pode ser declarada sem que seja concedida aos interessados a possibilidade de regularizarem a situação, no prazo de um mês (n.º 2 do mesmo art.º).

            O incumprimento da obrigação de inscrição no FCPC, ou o seu cumprimento fora dos prazos ou das condições fixadas no RRNPC, constitui contra-ordenação (art.º 75º, n.º 1, alínea b)).

            5. Perante o descrito quadro normativo, afigura-se, salvo o devido respeito por entendimento contrário, que nada será de objectar ao percurso argumentativo e à solução da decisão recorrida.

            Na verdade, tendo o RNPC a faculdade de inscrever oficiosamente no FCPC as entidades (devidamente identificadas) que incumpram a obrigação de requerer a inscrição, mesmo a acolher a tese do recorrente, nunca haveria extinção automática da protecção conferida pelo certificado de admissibilidade da firma: é que, em rigor, esta ficaria na discricionariedade do RNPC, que poderia usar ou não a dita faculdade de inscrever a entidade no ficheiro.

            Por outro, como decorre do apontado regime jurídico, a declaração de perda do direito ao uso da firma por falta de inscrição (art.º 61º, n.º 1, a)) é (apenas) aplicável às entidades que não estejam sujeitas ao registo comercial obrigatório, pois as entidades sujeitas a registo comercial obrigatório não se encontram obrigadas a promover a sua inscrição no FNPC, sendo inscritas oficiosamente através de comunicação electrónica do sistema integrado do registo comercial (art.º 11º, n.º 1).[7]

            Acresce que a qualificação como contra-ordenação do incumprimento da obrigação de inscrição no FCPC, bem como do seu cumprimento fora dos prazos ou das condições fixadas no RRNPC, também não quadra com a pretendida extinção automática da tutela conferida pelo certificado de admissibilidade, traduzida na presunção de exclusividade da firma (art.º 35º, n.º 2).[8]

            6. Decorre do exposto que a tutela conferida a pessoas colectivas não sujeitas a registo comercial pelo certificado de admissibilidade da firma, traduzida na presunção de exclusividade da mesma[9], não se extingue automaticamente pelo decurso do prazo previsto no art.º 11º, n.º 2, al. a), sem que seja realizada a sua inscrição no FNCP, mas apenas após a respectiva declaração, oficiosa ou a requerimento de qualquer interessado, pelo RNPC ou por qualquer um dos serviços de registo, e que apenas poderá ter lugar desde que tenha sido previamente facultada aos interessados a possibilidade de regularizar a situação, mediante notificação para a sede declarada concedendo-lhes tal possibilidade no prazo de um mês (art.º 61º, n.º 2).

            Esta a interpretação que respeitará o indicado quadro normativo e os interesses em presença (art.º 9º do Código Civil).

            7. Entendimento diverso levaria a que a recorrida, vários anos após o início da sua actividade com determinada denominação e NIPC [cf. II. 1., alíneas f) e g), supra], pudesse ser surpreendida com a informação de que cessara a tutela da denominação, bem como o direito ao uso do NIPC, sem que lhe fosse dada a possibilidade de regularizar a situação e manter a denominação e NIPC (em cuja utilização terá inegável e fundado interesse)[10], tanto mais que também não seria de afastar a possibilidade de a mesma haver admitido que a situação se encontraria regularizada no âmbito do art.º 12º do dito regime jurídico.

            Além disso, estabelece o art.º 27º, n.º 1, alínea c), do DL n.º 14/2013, de 28.01, que, sem prejuízo da infracção que ao caso couber, a Autoridade Tributária procede fundamentadamente à inscrição oficiosa, para efeitos de atribuição de NIF, das entidades sujeitas ao regime jurídico do RNPC [que] não cumpram as formalidades previstas nesse regime.

            A perspectiva, da recorrente, de que a extinção, sendo automática, não deve ser declarada e de que é por isso insusceptível de ser sindicada por via de reclamação ou impugnação (cf. nomeadamente, as “conclusões 10ª e 26ª”), atenta contra garantias fundamentais dos particulares perante a prática de actos ilegais por parte da administração, e, em última instância, contra o princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado nos art.ºs 20º, n.º 1, e 268º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.

            8. Concluiu-se, assim, que a presunção de exclusividade conferida à impugnante (aqui recorrida) com a emissão do certificado de admissibilidade da respectiva denominação não se extinguiu automaticamente, por caducidade, decorrido um mês após a conclusão das formalidades legais da sua constituição, carecendo de ser declarada pelo RNPC; esta declaração não poderá ocorrer sem que a impugnante seja previamente notificada para proceder à inscrição em falta no prazo de 30 dias.

            Demonstrada a omissão de tal acto/”convite” (e não efectuada aquela declaração), não se poderá sancionar a impugnada actuação do Instituto dos Registos e Notariado e consequente perda da presunção de exclusividade da firma e do direito ao uso do NIPC [cf. II. 1., alíneas h) e i), supra].

            Trata-se, pois, de uma caducidade diferida e condicionada ao não cumprimento pelo administrado do “convite” para sanar a “irregularidade formal” cometida[11], procedimento que, como vimos, não se verificou e deverá ter lugar.

            9. Soçobram, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.[12]


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            III. Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.      

            Sem custas.                                                           


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11.10.2017


Fonte Ramos ( Relator)

Maria João Areias

Vítor Amaral


[1] E a que respeitam os normativos adiante citados sem menção da origem.

[2] A 1ª instância não conheceu “do pedido de condenação do Instituto dos Registos e Notariado a indemnizar a impugnante pelos prejuízos por ela sofridos em montante a liquidar em execução de sentença uma vez que, como fixado na decisão do primeiro recurso interposto, estamos no âmbito de uma impugnação judicial, onde tal pedido não tem cabimento”.
[3] Vide Paulo Olavo Cunha, Direito das Sociedades Comerciais, 6ª edição, Almedina, 2016, págs. 122 a 125 e ainda, nomeadamente, J. Oliveira Ascensão, Firma (parecer), in CJ, XIII, 4, 27 e seguintes e Coutinho de Abreu, Direito Comercial, vol. I, Almedina, 2009, págs. 154 e seguinte.
[4] Vide, a propósito, Pedro Sousa e Silva, Direito Industrial – Noções Fundamentais, Coimbra Editora, 2011, pág. 257.
[5] Que reza o seguinte: Podem ser constituídas sociedades de profissionais que tenham por objecto principal o exercício de profissões organizadas numa única associação pública profissional, em conjunto ou em separado com o exercício de outras profissões ou actividades, desde que seja observado o regime de incompatibilidades e impedimentos aplicável (art.º 27º, n.º 1). As sociedades de profissionais constituídas em Portugal podem ser sociedades civis ou assumir qualquer forma jurídica admissível por lei para o exercício de actividades comerciais (n.º 2).
[6] Cf., ainda, o art.º 46º, n.º 6, do Código do Registo Comercial, que preceitua: Nos casos em que a entidade se encontre registada sem número de identificação de pessoa colectiva atribuído, a conservatória comunica tal facto ao Registo Nacional de Pessoas Colectivas de modo que se proceda, no próprio dia, à inscrição da entidade no ficheiro central de pessoas colectivas.

[7] Daí - como também se refere na decisão sob censura -, não se vislumbra a possibilidade de incumprirem um dever de inscrição a que não estão, por natureza, sujeitas.

[8] Antolha-se assim igualmente correcto o seguinte juízo da Mm.ª Juíza a quo: “Não se pode perder de vista que as contra-ordenações visam sancionar comportamentos axiologicamente neutros mas ilícitos, representando uma medida de protecção de legalidade, que se fundamenta dogmaticamente na subsidiariedade do Direito Penal. E se o incumprimento do dever de inscrição determinasse o desaparecimento automático da protecção da firma (o que já por si constituiria uma sanção para o relapso), ter-se-ia dificuldade em compreender qual o comportamento ilegal que a cominação da coima estabelecida no referido normativo visa sancionar”.

[9] Operando, desta forma ou por esta via, o meio preventivo de tutela do direito à firma, porquanto destinado a evitar a ilegalidade de composição da firma – cf. o art.º 10º do Código das Sociedades Comerciais e, entre outros, o acórdão da RP de 30.10.2006-processo 0651831, publicado no “site” da dgsi.

[10] De resto, no âmbito do procedimento para regularização da situação e inscrição no Ficheiro Central das Pessoas Colectivas, a entidade administrativa não deixará de verificar a manutenção dos pressupostos que possibilitaram a atribuição do certificado de admissibilidade e de adoptar os demais procedimentos legalmente previstos, tendo em vista, nomeadamente, o respeito dos princípios que caracterizam a firma, entre os quais, os princípios da verdade e da exclusividade/novidade.

   Cf., entre outros, Paulo Olavo Cunha, Direito das Sociedades Comerciais, 6ª edição, Almedina, 2016, págs. 125 e seguinte, e veja-se o expendido pela recorrida na “resposta” à alegação de recurso (fls. 176).
[11] Cf. a “resposta” à alegação de recurso (fls. 174).
[12] Naturalmente, por tudo quanto decorre deste acórdão e atenta a previsão do art.º 542º, n.º 2, alíneas a) e d), do Código de Processo Civil, não se afigura possível concluir que o recorrente tenha litigado de má fé; de resto, e independentemente de outros considerandos, a recorrida não formulou qualquer pretensão indemnizatória… (cf. fls. 172 e seguinte e 180/“resposta” à alegação de recurso; cf., ainda, “nota 2”, supra).