Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
180/11.0TBTMR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: COMPETÊNCIA TERRITORIAL
TRIBUNAL DA RELAÇÃO
INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
ADMISSÃO DO RECURSO
NOVA LEI DA ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO
Data do Acordão: 01/20/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE SANTARÉM - TOMAR
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: DECLARAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA
Legislação Nacional: LEI N.º 62/2013, DE 26/08, E DO DL Nº 49/2014, DE 27/03.
Sumário: I – O artº 43º, nº 1, da LOSJ, sob a epígrafe “Competência em razão do território”, estabelece que os tribunais da Relação, assim como os tribunais judiciais de primeira instância, têm competência na área das respetivas circunscrições.

II - Nos termos do artº 103º do ROFTJ, a competência dos atuais tribunais da Relação mantem-se para os processos neles pendentes.

III – Com a entrada em vigor das normas da LOSJ e do ROFTJ, ou seja a partir de 1 de Setembro de 2014, o Tribunal da Relação de Coimbra deixou de poder apreciar os recursos interpostos das decisões proferidas pelos Tribunais extintos e cujos autos respectivos ficaram afectos aos Tribunais criados pelo novo corpo de leis de organização judiciária, relativamente aos quais, face a esse regime, não é o Tribunal hierarquicamente superior que lhes corresponde, por se encontrarem fora da sua área de competência territorial, como sejam, por exemplo, os recursos provindos da Comarca de Santarém (rectius, da Instância Local - Secção Cível - J1, com sede em Tomar), sendo certo que a partir dessa data (01/09/2014) passou o Tribunal da Relação de Évora a ter competência territorial na área onde se integra esse Tribunal (cfr. art. 64º e mapas II e III, anexos ao referido ROFTJ).

IV - Só assim não sucede, por força do disposto no citado artº 103º do ROFTJ, relativamente aos processos que à data da entrada em vigor da lei já estivessem pendentes nesta Relação de Coimbra.

V - Tratando-se de recurso que, interposto em data anterior, não se possa considerar como pendente em 1/09/2014 em nenhum dos tribunais da Relação, a remessa para a apreciação do recurso, a fazer pelo tribunal de 1ª Instância onde o mesmo se encontre pendente, terá de ser, a partir de então, para o Tribunal de 2ª Instância a cuja área de circunscrição pertença esse Tribunal de 1ª Instância em face da lei vigente nessa ocasião, pois será esse o Tribunal da Relação territorialmente competente para apreciar tal recurso.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Nos autos de acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, que J…, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe 20.498,90€ (acrescidos de juros de mora), intentou contra I… e que corriam termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Tomar, a Ré, que viu a acção ser julgada parcialmente procedente, veio, em 06 de Junho de 2014 e dirigindo-o ao Tribunal da Relação de Coimbra, apresentar requerimento de interposição de recurso (acompanhado da alegação respectiva) relativamente ao decidido, em seu desfavor, na sentença de 30/04/2014.
Tal recurso veio a ser recebido por despacho proferido em 18/11/2014, já na Instância Local - Secção Cível - J1, com sede em Tomar - da Comarca de Santarém - a que os autos ficaram afectos na sequência da entrada em vigor, em 01/09/2014, das normas da Lei n.º 62/2013, de 26/08 e do DL nº 49/2014, de 27/03, tendo, nesse mesmo despacho, sido mandado subir o recurso, oportunamente, a este Tribunal da Relação de Coimbra.
II - Em 01/09/2014, para o que ora importa, entrou em vigor o Regime de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (doravante, ROFTJ), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de março, que procedeu à regulamentação da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário, doravante, LOSJ) e estabeleceu o regime aplicável à organização e funcionamento dos tribunais judiciais - (artº 1º e 1ª parte do artº 118º do DL 49/2014), entrando, então, também em vigor, a citada LOSJ (artº 188º, nº 1, desta Lei[1]).
A referida Lei 62/2013 revogou, entre o mais (artº 187º, alinas a) e b)), “os artigos 1.º a 159.º da Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto, na parte em que aprova a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais” e a Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro.
Por outro lado, o artº 43º, nº 1, da LOSJ, sob a epígrafe “Competência em razão do território”, estabelece que os tribunais da Relação, assim como os tribunais judiciais de primeira instância, têm competência na área das respetivas circunscrições.
De acordo com o artº 32º, nº 1, da LOSJ, “A área de competência dos tribunais da Relação, salvo nos casos previstos na presente lei, é definida nos termos do anexo I à presente lei, da qual faz parte integrante.”.
Ora, o Anexo I, reportando-se a este artº 32, nº 1, estabelece, designadamente:
«Tribunal da Relação de Coimbra
Área de competência:
Comarcas: Castelo Branco, Coimbra, Guarda, Leiria e Viseu.
Tribunais de competência territorial alargada: Tribunal de Execução das Penas de Coimbra.
Tribunal da Relação de Évora
Área de competência:
Comarcas: Beja, Évora, Faro, Portalegre, Santarém e Setúbal.
Tribunais de competência territorial alargada: Tribunal de Execução das Penas de Évora.».
De acordo com o nº 2 do artº 33º da LOSJ, “O território nacional divide-se em 23 comarcas, nos termos do anexo II à presente lei, da qual faz parte integrante.”.
Ora o Anexo II, reportando-se a este artº 33, nº 2, estabelece, designadamente:
«Comarca de Santarém
Sede: Santarém.
Circunscrição:
Municípios: Abrantes, Alcanena, Almeirim, Alpiarça, Benavente, Cartaxo, Chamusca, Constância, Coruche, Entroncamento, Ferreira do Zêzere, Golegã, Mação, Ourém, Rio Maior, Salvaterra de Magos, Santarém, Sardoal, Tomar, Torres Novas e Vila Nova da Barquinha.».
Por sua vez, o artº 64º do ROFTJ consigna, entre o mais, a criação do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém (alínea s)).
De acordo com o artº 96º do ROFTJ, o Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, integra, para além do mais, entre as suas secções de instância local, a Secção de competência genérica, desdobrada em matéria cível e criminal, com sede em Tomar (nº 2, alínea j)).
O artigo 104.º do ROFTJ regula a transição de processos pendentes à data da instalação dos novos tribunais, estabelecendo, no que respeita às criadas secções de instância central e secções de instância local, que aquela se faça de acordo com as novas regras de competência material e territorial (cfr., nºs 1 e 2 do preceito).
No artº 117º do ROFTJ declaram-se extintos os “atuais” distritos judiciais (nº 1), círculos judiciais (nº 2) e comarcas (nº3).
Entre o mais que aí se consigna, de acordo com o MAPA II anexo ao DL nº 49/2014, que aprovou o ROFTJ, a área de competência territorial do Tribunal da Relação de Coimbra abrange as comarcas de Castelo Branco, Coimbra, Guarda, Leiria e Viseu; a área de competência territorial do Tribunal da Relação de Évora abrange as comarcas de Beja, Évora, Faro, Portalegre, Santarém e Setúbal.[2]
Nos termos do artº 103º do ROFTJ, «A competência dos atuais tribunais da Relação mantem-se para os processos neles pendentes.».
Feita esta resenha dos normativos que, com maior acuidade, se devem ter em conta para a resolução da questão em causa, julga-se não poder gerar dúvida fundada que com a entrada em vigor das citadas normas da LOSJ e do ROFTJ, ou seja, a partir de 1 de Setembro de 2014, o Tribunal da Relação de Coimbra deixou de poder apreciar os recursos interpostos das decisões proferidas pelos Tribunais extintos e cujos autos respectivos ficaram afectos aos Tribunais criados pelo novo corpo de leis de organização judiciária, relativamente aos quais, face a esse regime, não é o Tribunal hierarquicamente superior que lhes corresponde, por se encontrarem fora da sua área de competência territorial, como sejam, por exemplo, os recursos provindos da Comarca de Santarém (rectius, da Instância Local - Secção Cível - J1, com sede em Tomar), sendo certo que a partir dessa data (01/09/2014) passou o Tribunal da Relação de Évora a ter competência territorial na área onde se integra esse Tribunal (cfr. art. 64º e mapas II e III, anexos ao referido ROFTJ).

Só assim não sucedeu, por força do disposto no citado artº 103º do ROFTJ, relativamente aos processos que à data da entrada em vigor da lei já estivessem pendentes nesta Relação de Coimbra.

Efectivamente, do teor do citado artº 103º retira-se - como se diz na Decisão Singular de 3/11/2014, desta Relação de Coimbra[3], proferida nos autos de Apelação nºs 3912/13.8YIPRT.C1 - «por argumento “a contrario sensu”», que «essa competência não se mantém ou existe para um recurso» que entrou neste Tribunal a partir de 01/09/2014, provindo de Tribunal de 1ª Instância que, a essa data, não pertence à área da sua competência territorial, mas antes à de uma outra Relação.

Por isso também concordamos com o entendimento expendido na aludida Decisão Singular, quando nela se diz: «…cremos que a este entendimento nem sequer obsta o disposto no art. 38º da supra citada L.O.S.J., norma na qual se encontrando consagrado o princípio da perpetuatio iurisditionis, não deixa ela própria de ressalvar o caso da atribuição de competência a um órgão (leia-se, o Tribunal da Relação do Porto) que inicialmente dela eventualmente carecia (cf. nº 2 dessa norma).

Sendo certo que o legislador que empreendeu a reforma do dito novo “Mapa Judiciário” expressamente entendeu estabelecer uma regra/disposição transitória especial através do dito art. 103º do citado R.O.F.T.J., com o objectivo muito claro e assumido de impor as novas regras de competência territorial com efeitos tão imediatos quanto possíveis, apenas ressalvando de tal os recursos já pendentes, o que não sucede no caso vertente em relação a este Tribunal da Relação de Coimbra.

O que, aliás, bem se compreende em termos dogmáticos, na medida em que estando apenas em causa uma norma relativa à competência territorial/hierárquica para o julgamento do recurso, pode e deve ser de aplicação imediata. [[4][5].

Do acima exposto resulta, por outro lado, que o Tribunal da Relação de Coimbra, apesar de não estarem pendentes nela (não o estando, também, noutra Relação) em 1/09/2014, aquando da entrada em vigor do ROFTJ, deve apreciar os recursos que a partir dessa data lhe sejam remetidos por Tribunais que, por força das normas do LOSJ e do ROFTJ, passaram a estar na área da sua competência territorial (v.g., 1.ª Secção de família e menores, com sede em Caldas da Rainha, que integra o Tribunal Judicial da Comarca de Leiria), ainda que para aqueles, na data em que foram interpostos, fosse, então, territorialmente competente uma outra Relação.

Ou seja: Tratando-se de recurso que, interposto em data anterior, não se possa considerar como pendente em 1/09/2014 em nenhum dos tribunais da Relação[6], a remessa para a apreciação do recurso, a fazer pelo tribunal de 1ª Instância onde o mesmo se encontre pendente, terá de ser, a partir de então, para o Tribunal de 2ª Instância a cuja área de circunscrição pertença esse Tribunal de 1ª Instância em face da lei vigente nessa ocasião, pois será esse o Tribunal da Relação territorialmente competente para apreciar tal recurso.

Pelo exposto, discordando-se, frontalmente, que a competência territorial das Relações, decorrente das alterações introduzidas pelas normas das normas do LOSJ e do ROFTJ, seja aferida em função da data da interposição do recurso, concretizaremos - “a latere”, embora no seguimento daquilo que mais acima se disse -, que também na Relação de Coimbra se têm julgado recursos remetidos, após 1/9/2014, por Tribunais que, à data da respectiva interposição, não faziam parte do distrito judicial cuja circunscrição delimitava a área de competência territorial desta Relação, mas que passaram a integrar aquela, nos termos definidos pela LOSJ e pelo ROFTJ.

E é em face destas razões que entendemos, salvo o devido respeito, que a competência territorial para decidir do recurso interposto nestes autos, mandados remeter a esta Relação de Coimbra por despacho de 18/11/2014, provindos do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém (rectius, da Instância Local - Secção Cível - J1, com sede em Tomar), cabe ao Tribunal da Relação de Évora e não a este Tribunal da Relação de Coimbra, cuja área da respectiva circunscrição territorial não abarca a Comarca em se integra esse Tribunal.

A infração das regras de competência fundadas na divisão judicial do território determina a incompetência relativa do tribunal (artº 102.º do NCPC)

A Relação conhece oficiosamente da incompetência relativa (artº 104 nº 1 a), “ex vi” do artº 108º, nº 2, ambos do NCPC).

III - Decisão:

De harmonia com o exposto e os preceitos acima citados, acordam os juízes desta 3ª Secção em julgar este Tribunal da Relação de Coimbra incompetente, em razão do território, para apreciar e decidir o recurso interposto nestes autos, declarando como competente para esse efeito o Tribunal da Relação de Évora.

Face à ora declarada incompetência territorial deste Tribunal, bem como ao mais que ficou exposto, após trânsito em julgado deste Acórdão, remetam-se os autos ao Tribunal da Relação de Évora (artº 105.º, nº 3, do NCPC). 

Sem custas.

Notifique Apelante, Apelado e Ministério Público.

Comunique à 1ª Instância.


Coimbra, 20/01/2015

(Luís José Falcão de Magalhães - Relator)
(Sílvia Maria Pereira Pires)
(Henrique Ataíde Rosa Antunes)


[1] “Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a presente lei entra em vigor na data de início da produção de efeitos do decreto-lei que aprove o Regime de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais.”.
[2] Cfr. tb., quanto aos tribunais de primeira instância, o MAPA III, anexo ao DL nº 49/2014, que aprovou o ROFTJ.
[3] Relatada pelo Exmo. Sr. Desembargador Luís Filipe Cravo e consultável em “http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf?OpenDatabase”.
[4] Vide neste sentido, ANTUNES VARELA/J. MIGUEL BEZERRA/ SAMPAIO E NORA, in “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, a págs. 55.
[5] A nota, no original do texto transcrito, é a nº 3.
[6] Lembramos que o recurso pode não estar, fisicamente, na Relação, embora aí se deva ter como pendente, o que ocorrerá, nomeadamente, quando se encontre na 1ª Instância em 1/09/2014, por ter sido para aí remetido depois de ter dado entrada no Tribunal de Recurso, para que, por exemplo, seja fixado o valor da causa, ou seja suprida alguma nulidade (artºs 306º, nºs 1 e 2 e 617º, nºs 1 e 5, ambos do novo Código de Processo Civil, doravante NCPC, aprovado pela Lei nº 41/2013 de 26/06), caso que entendemos, portanto, estar sob a alçada do aludido artº 103º.