Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
25/14.9T8CNT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE MANUEL LOUREIRO
Descritores: CAUSA DE PEDIR
CUMULAÇÃO
INCOMPATIBILIDADE
ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
Data do Acordão: 09/27/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – CANTANHEDE – INST. LOCAL – SEC. CÍVEL – J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 186º/2/C E 554º/2 DO NCPC.
Sumário: I – Cumulam causas de pedir incompatíveis, com a consequente ineptidão da petição inicial, os autores de uma ação de divisão de coisa comum que invocam a compropriedade sobre o imóvel dividendo e a aquisição originária por eles, por acessão industrial imobiliária, de uma parcela daquele mesmo imóvel, com o objectivo de que essa parcela lhes seja adjudicada na divisão em substância a operar na fase executiva daquela ação.

II – É ilegal a cumulação entre o pedido principal de reconhecimento de uma situação de compropriedade de um imóvel e de divisão em substância do mesmo com o pedido subsidiário de reconhecimento aos autores da aquisição por eles, por acessão industrial imobiliária, de uma parcela daquele mesmo imóvel.

Decisão Texto Integral:




Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I – Relatório

Os autores propuseram contra os réus a presente acção com a forma de processo especial de divisão de coisa comum, deduzindo os pedidos seguidamente transcritos:

Nestes termos e nos melhores de Direito, cujo douto e sábio suprimento se invoca, deve a presente acção ser julgada procedente por provada sendo decretado que:

a) O prédio identificado em 1/ do presente articulado é um prédio único inscrito matricialmente sob os artigos U-… e R-… descrito e inscrito registralmente sob os nºs … tudo da freguesia de F...

b) O prédio é propriedade de raiz, em comum e partes iguais dos AA (H… e mulher M…) e primeiros RR (…) sendo metade a cada parte e usufrutuária da casa propriamente dita (antiga) a segunda R (…).

c) As construções existentes na parte rústica (quintal) são propriedade exclusiva dos AA e que esta parte rústica se encontra na posse exclusiva destes.

c) O prédio identificado em 1/ tem uma área total de 800 m2.

d) É divisível em substância divisão essa que se requer ver decretada.

E, em consequência, ser ordenada a divisão material entre AA e primeiros RR do prédio em questão mantendo-se o usufruto da casa na posse da R C….

Para tanto,

sendo certas e fixas as quotas dos comproprietários (metade a cada) e considerando a divisibilidade do prédio, requerem a V.ª Ex.ª se digne ordenar a citação dos RR para contestarem, querendo, no prazo legal, sob pena de se proceder à conferência a que alude o artigo 929º do Código de Processo Civil, seguindo-se os demais trâmites legais.

Mais se requer que a parcela adjudicada aos AA seja aquela onde se encontram as construções por estes erguidas em 1980.

Subsidiariamente e se assim se não entender, isto é, que o prédio não seja considerado único, então, que os AA sejam declarados legítimos proprietários e possuidores do prédio rústico (quintal) a que corresponde o artigo matricial R-…, com a área de 548 m2 e registado sob a ficha nº … adjudicando-se aos AA pelo preço global de quinhentos euros actualizados ou por aquela que o Tribunal sabiamente avaliará, tomando-se em conta, aquando do pagamento, que os AA são titulares do usufruto da totalidade e da nua propriedade de metade cujo valor subtraído ao valor atribuído, será adjudicado aos AA sendo estes obrigados a pagar, apenas, a parte que os RR ali possuem.”.

Como fundamento da sua pretensão, alegaram, em resumo, o seguinte: os autores e os primeiros réus (…) são comproprietários, na proporção de metade indivisa para cada um, de um prédio único constituído por uma parte que é objecto de uma inscrição matricial urbana da freguesia de F… (U-… – descrito na Conservatória do Registo Predial de C…, freguesia de F…, sob o nº …), com uma área real de 252 mts2, e por outra parte que é objecto de uma inscrição matricial rústica da freguesia de F… (R-…– descrito na Conservatória do Registo Predial de C…, freguesia de F…, sob o nº …), com uma área real de 548 mts2; a segunda ré (C…) foi instituída usufrutuária das duas partes constitutivas do referido prédio único, tendo a mesma ré transmitido ao autor, por doação, o direito de usufruto incidindo sobre a parcela objecto da inscrição matricial rústica da freguesia de F… sob o nº R-…; os autores levaram a efeito, na parcela objecto da inscrição matricial rústica da freguesia de F… sob o nº R-…, um conjunto de obras de que resultou a aquisição por eles, em 1980 e por via de acessão industrial imobiliária, do direito de propriedade incidindo sobre essa parcela; o aludido prédio único é divisível em substância e os autores não pretendem permanecer na situação de indivisão decorrente da situação de compropriedade incidindo sobre tal imóvel, devendo ser-lhes adjudicada, na divisão do mesmo e em função da aludida acessão industrial imobiliária, a parcela objecto da inscrição matricial rústica da freguesia de F… sob o nº R-…; no caso de se entender que não se regista a situação de unicidade predial entre as duas parcelas supra referidas, os autores devem ser reconhecidos, por via da aquisição originária do correspondente direito de propriedade decorrente de acessão industrial imobiliária, do imóvel que é objecto da inscrição matricial rústica da freguesia de F… sob o nº R-...

Citados, os primeiros réus deduziram contestação, concluindo nos termos seguidamente transcritos: “Termos em que deve o pedido de acessão industrial imobiliária ser julgado improcedente, por não provado, seguindo o processo os seus termos legais apenas quanto à questão da divisão, nos termos expostos.”.

Alegaram, em resumo, que reconhecem a situação de compropriedade alegada pelos autores na petição, bem assim como a conveniência de fazer-se cessar a situação de indivisão dela decorrente, sendo, porém, falso que tenha ocorrido a acessão industrial imobiliária por cujo reconhecimento pugnam os autores.

Em 29/1/2016, foi proferido o despacho do teor seguidamente transcrito:

Os autores instauraram a presente acção especial de divisão de coisa comum formulando os seguintes pedidos:

“a) O prédio identificado em 1/ do presente articulado. É um prédio único inscrito matricialmente sob os artigos U-… e R-… descrito e inscrito registralmente sob os nºs … tudo da freguesia de F...

b) O prédio é propriedade de raiz, em comum e partes iguais dos AA (…) e primeiros RR (…) sendo metade a cada parte e usufrutuária da casa propriamente dita (antiga) a segunda R (…).

c) As construções existentes na parte rústica (quintal) são propriedade exclusiva dos AA e que esta parte rústica se encontra na posse exclusiva destes.

c) O prédio identificado em 1/ tem uma área total de 800 m2.

d) É divisível em substância divisão essa que se requer ver decretada. E, em consequência, ser ordenada a divisão material entre AA e primeiros RR do prédio em questão mantendo-se o usufruto da casa na posse da R C...

Para tanto, sendo certas e fixas as quotas dos comproprietários (metade a cada) e considerando a divisibilidade do prédio, requerem a V.ª Ex.ª se digne ordenar a citação dos RR para contestarem, querendo, no prazo legal, sob pena de se proceder à conferência a que alude o artigo 929º do Código de Processo Civil, seguindo-se os demais trâmites legais.

Mais se requer que a parcela adjudicada aos AA seja aquela onde se encontram as construções por estes erguidas em 1980.

Subsidiariamente e se assim se não entender, isto é, que o prédio não seja considerado único, então, que os AA sejam declarados legítimos proprietários e possuidores do prédio rústico (quintal) a que corresponde o artigo matricial R-…, com a área de 548 m2 e registado sob a ficha nº … adjudicando-se aos AA pelo preço global de quinhentos euros actualizados ou por aquela que o Tribunal sabiamente avaliará, tomando-se em conta, aquando do pagamento, que os AA são titulares do usufruto da totalidade e da nua propriedade de metade cujo valor subtraído ao valor atribuído, será adjudicado aos AA sendo estes obrigados a pagar, apenas, a parte que os RR ali possuem”.

A acção especial de divisão de coisa comum destina-se a colocar termo à indivisão de coisa em compropriedade. É pressuposto, e elemento essencial da causa de pedir da acção especial de divisão de coisa comum, a compropriedade sobre um bem, sendo sua finalidade, no caso de divisibilidade material da coisa, a fixação de quinhões e a sua adjudicação aos respectivos interessados, e no caso de indivisibilidade, a adjudicação da coisa a algum dos consortes e preenchimento em dinheiro das quotas dos demais, mediante acordo dos interessados, ou, na falta dessa acordo, a sua venda e a distribuição do produto na proporção das quotas dos comproprietários.

A petição é inepta e é nulo todo o processo quando se cumulem causas de pedir substancialmente incompatíveis (cfr. art. 186º, nº 1 e 2, al. c) do Código de Processo Civil - CPC).

Para fundamentar a sua pretensão os autores invocam, a par da aquisição por usucapião do imóvel a dividir, a compropriedade, na proporção de metade para cada parte, com base na presunção decorrente do registo de aquisição desse prédio que, não obstante classificarem de único, referem estar inscrito matricialmente sob os arts. U… e R… e descrito na Conservatória sob os nº ...

Sucede que o invocado registo de aquisição a favor das partes de cuja presunção pretendem os autores prevalecer-se (cfr. art. 2º da petição) refere-se a dois prédios distintos, (inscritos matricialmente sob os arts. U… e R… e descritos na Conservatória sob os nº …), e não ao prédio único identificado pelos autores.

Os demandantes, ao alegarem a compropriedade, pressuposto da acção de divisão de coisa comum, com base na aquisição originária por usucapião de um único prédio, enquanto realidade predial autónoma que aglutina dois artigos matriciais e duas descrições registrais e, simultaneamente, na presunção decorrente do registo de aquisição inscrito a favor da cada uma das partes na proporção de metade relativamente a dois prédios distintos com autonomia registral e matricial, estão a cumular causas de pedir substancialmente incompatíveis.

Por outro lado, mostra-se absolutamente inconciliável com a compropriedade, a invocação, também a título principal, da aquisição originária por acessão industrial imobiliária de específica parcela (correspondente ao art. matricial rústico) do referido prédio único com a finalidade de lhe ser adjudicada, e reconhecida a propriedade exclusiva sobre as construções nela erigidas, na divisão a operar - cfr. arts. 29º a 35 da petição.

A petição inicial é, portanto, inepta por incompatibilidade substancial das causas de pedir invocadas como fundamento da pretensão principal.

A nulidade do processo decorrente da ineptidão da petição é de conhecimento oficioso (art. 196º do CPC) e constitui uma excepção dilatória que obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa e importa a absolvição dos demandados da instância (arts. 278º, al. b), 576º, nºs 1 e 2 e 577º, al. b) do CPC).

A título subsidiário, pretendem os autores ser declarados legítimos proprietários e possuidores do prédio rústico (quintal) a que corresponde o artigo matricial R…, com a área de 548 m2 e registado na Conservatório sob o nº…. Fundam a sua pretensão na aquisição originária por acessão industrial imobiliária,

A lei processual civil permite a dedução de pedidos subsidiários no art. 554º do CPC.

Diz-se subsidiário o pedido que é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior.

Quando são deduzidos pedidos subsidiários o autor reconhece que só um deles pode ser julgado procedente, sendo que são razões de economia processual que justificam a previsão da subsidiariedade de pedidos.

Em conformidade com o disposto no art. 554º, nº 2 do CPC, a oposição entre os pedidos não impede que sejam deduzidos subsidiariamente; mas já obsta a tal cumulação as circunstâncias que impedem a coligação de autores e réus. Uma dessas circunstâncias ocorre quando aos pedidos correspondam formas de processo diferentes (cfr. art. 37º, nº 1 do CPC).

Ora, o pedido subsidiário formulado pressupõe uma tramitação sob a forma de processo comum não compatível com a forma especial da acção a que recorreram os autores.

Afigura-se aliás, evidente, que a acção especial de divisão de coisa comum, pressupondo a compropriedade não comporta qualquer pedido de reconhecimento de propriedade exclusiva. A única pretensão processualmente admissível na acção especial de divisão de coisa comum corresponde ao pedido de divisão da coisa em conformidade com os termos e proporções que o autor deverá indicar em função da (in)divisibilidade do bem e do volume das quotas dos consortes.

É certo que, havendo contestação onde os réus coloquem em causa algum dos pressupostos da divisão e não sendo possível proferir decisão incidental, os autos poderão prosseguir os termos do processo comum (cfr. art. 926º, nº 3 do CPC). Contudo, esse desvio processual à forma especial, para além de eventual, destina-se tão só a permitir a decisão sobre as questões específicas suscitadas pelo pedido de divisão, e já não outras alheias aos respectivos pressupostos.

No caso em apreço, pressupondo o pedido subsidiário forma de processo diversa da da presente acção, estava vedado ao autor a sua formulação.

A dedução de pedido subsidiário fora do condicionalismo legal configura uma excepção dilatória inominada que também conduz à absolvição dos réus da instância (arts. 278º, 554º, 576º, nº 1 e 2, 577º e 578º do CPC).

Face ao exposto, julgam-se verificadas as excepções dilatórias de nulidade de todo o processo decorrente da ineptidão da petição inicial e de dedução ilegal de pedido subsidiário e, consequentemente, absolvem-se os réus da instância.

Custas a cargo dos autores (art. 527º do CPC).

Fixa-se o valor da causa em 30.000,01 € (art. 306º, nº 2 do CPC).

Registe e notifique.”.

Não se conformando com o assim decidido, apelaram os autores, rematando as suas alegações com as conclusões seguidamente transcritas:

...

Não foram apresentadas contra-alegações.

Dispensados os vistos, cumpre decidir.

II - Principais questões a decidir

Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26/6 - NCPC), integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir:

1ª) se se verifica contradição entre as causas de pedir invocadas pelos autores;

2ª) se se verifica a excepção de cumulação ilegal de pedido subsidiário declarada pelo tribunal recorrido.

III – Fundamentação

A) De facto

Os factos provados

Os factos provados e com relevo para a presente decisão são os que emergem do antecedente relatório.

B) De direito

Primeira questão: se se verifica contradição entre as causas de pedir invocadas pelos autores.

Se bem interpretamos a petição inicial, temos que os autores alegam que são comproprietários com os primeiros réus de um prédio único integrado por uma parte que é objecto de uma inscrição matricial urbana da freguesia de F… (U… – descrito na Conservatória do Registo Predial de C…, freguesia de F…, sob o nº …), com uma área real de 252 mts2, e por outra parte que é objecto de uma inscrição matricial rústica da freguesia de F… (R… – descrito na Conservatória do Registo Predial de C…, freguesia de F…, sob o nº …), com uma área real de 548 mts2.

É o que emerge, designadamente, dos artigos da petição inicial seguidamente transcritos:

1/

Existe, ao nº 6 da Travessa … no lugar de F…, freguesia de F…, deste concelho de C… um prédio composto de casa de habitação, dependências e quintal, a confrontar do norte com …, do Sul e poente com caminho e do nascente com … e outros, inscrito matricialmente na respectiva freguesia sob os artigos nº U… e R… estando descrito na Conservatória do Registo Predial de C… (freguesia de F…) sob os nºs …, respectivamente.- Docs. 1, 2, 3 e 4.

2/

O registo do prédio confere, nos termos do disposto no artigo 7º do Código do Registo Predial, a presunção da propriedade do mesmo, que aqui expressamente e para todos os devidos e legais efeitos se invoca, mas,

3/

Por si, antepossuidores e anteproprietários, que legalmente representam são (AA e RR) legítimos possuidores e proprietários, pública, pacífica, continuamente, de boa fé, com justo título, há mais de 20, 30 ou 50 anos do prédio identificado no artigo 1/, mormente, os AA são legítimos comproprietários e legítimos possuidores de toda a parte rústica.

4/

Por si, anteproprietários e antepossuidores que, legalmente, representam, desde há mais de 20 ou 30 anos, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, com o conhecimento de todas as pessoas do lugar de F… e lugares vizinhos, ininterruptamente o habitam, o cuidam, o reparam, o cultivam, o ajardinam e dele retiram todos os frutos, produtos e vantagens que é susceptível de produzir. Fazem-no na convicção de usufruírem coisa, exclusivamente, sua.

5/

Assim, se por outro título o não fossem - e são-no-o - sempre os AA e RR seriam legítimos comproprietários do prédio identificado em 1/, por usucapião que, para todos os efeitos, invocam (artigo 1.287º e ss. do C.C.).

6/

Este prédio tem a área total de 800 m2. A parte urbana ocupa 252 m2 e a pare rústica (quintal) tem a área de 548 m2.

7/

Pela mesma ordem de razões, pela sua antiguidade, pelo uso em conjunto o prédio em causa constitui um único prédio composto de parte urbana e parte rústica (prédio misto na antiga designação).

8/

A razão da existência de parte rústica e urbana ficou a dever-se à “calcação” rústica efectuada em 1964 com a qual se atribuiu um artigo rústico aos terrenos que se encontravam junto às casas de habitação constituindo o respectivo quintal e logradouro.

(…)

19/

Pelos factos descritos são, actualmente, os AA proprietários (nua propriedade) de metade da parte rústica do prédio e possuidores da sua totalidade e são, os AA e RR comproprietários da raiz de metade do quintal e metade do edifício urbano inscritos matricialmente, respectivamente, sob os artigos R… e U…, ou seja, são comproprietários da nua propriedade em comum e partes iguais de todo o prédio identificado em 1/. …”.

Mais alegaram que não pretendem permanecer na indivisão, sendo o prédio divisível em substância (arts. 40º e 41º da petição)

Com base no assim alegado, deduziram os autores os seguintes pedidos:

Nestes termos e nos melhores de Direito, cujo douto e sábio suprimento se invoca, deve a presente Acção ser julgada procedente por provada sendo decretado que:

a) O prédio identificado em 1/ do presente articulado. É um prédio único inscrito matricialmente sob os artigos U… e R… descrito e inscrito registralmente sob os nºs … tudo da freguesia de F...

b) O prédio é propriedade de raiz, em comum e partes iguais dos AA (…) e primeiros RR (…) sendo metade a cada parte e usufrutuária da casa propriamente dita (antiga) a segunda R (C..).

(…)

c) O prédio identificado em 1/ tem uma área total de 800 m2.

d) É divisível em substância divisão essa que se requer ver decretada.

E, em consequência, ser ordenada a divisão material entre AA e primeiros RR do prédio em questão mantendo-se o usufruto da casa na posse da R C.”.

Os autores também alegam que adquiriram em 1980, por via da acessão industrial imobiliária, o direito de propriedade sobre a parte daquele prédio único correspondente ao artigo matricial rústico da freguesia de F… (R… – descrito na Conservatória do Registo Predial de C…, freguesia de F…, sob o nº …), com uma área real de 548 mts2.

É o que emerge dos seguintes artigos da petição inicial:

13/

A partir de 1980 neste prédio (único que inclui o urbano e o, respectivo, quintal) na sua parte rústica os, aqui, AA procederam, com autorização dos então proprietários, a várias construções e procederam à abertura de um poço para extracção de água para consumo e rega com a colocação de moto-bomba instalada em construção edificada para o efeito e, ainda, a feitura da respectiva e necessária canalização.

(…)

20/

Os AA agiram de boa-fé. O terreno era propriedade, exclusiva, de outrém (alheio) e o valor trazido à totalidade do terreno é maior que o valor que ele tinha antes, pelo que nos termos do artigo 1340º do CC, os AA adquiriram a propriedade pagando, na proporção, o valor que o prédio tinha antes das obras.

(…)

29/

Como se alegou, em 1980, com autorização dos então possuidores e proprietários …, o casal dos AA, suportado no Alvará de Licença nº 1207, do processo …, datado de 21 de Julho de 1980 e emitido pela Câmara Municipal de C… procedeu na parte identificada como quintal (artigo rústico) à construção de uns anexos constituídos por cozinha rural e arrumos construções essas que lhe servem de habitação quando, de férias, viajam para o nosso país.- Doc. 7.

30/

O casal de AA construiu, igualmente, um poço de extracção de água em manilhas, uma cabine de motor e, respectivo, motor eléctrico e canalização. Construiu e reconstruiu diversos muros e pavimentações.

31/

Esta construção foi erguida com a permissão, autorização e vontade expressa do casal … que, inclusivamente, acompanharam as obras. O preço dos materiais, da mão de obra e todos os gastos foram suportados, na sua totalidade, em exclusividade, pelos aqui AA.

32/

Em tais construções dispenderam os AA, à época (1980) mais de 2.000.000$00 (dois milhões de escudos) o que na moeda actual, sem qualquer actualização (por desvalorização da moeda) equivaleria a 10.000,00 € (dez mil euros).

33/

Realizaram-se as obras no quintal com pleno conhecimento e autorização dos então proprietários que assistiram e acompanharam a sua construção e com autorização da C.M. de C...- Doc. 7.

34/

Os AA fizeram as obras com total e absolta boa fé (nº 4 do artigo 1340º do CC) na plena convicção de que o terreno, por destinação do pai de família, lhes ficaria, por dação posterior, a pertencer.

Por força do nº 1 e 4 do referido artigo 1340º do CC têm os AA o direito de adquirir para si a propriedade do terreno onde foi feita a incorporação, pois,

36/

As obras realizadas no terreno não podem ser retiradas sem que tal implique a sua total destruição e, também, geraria a incapacidade produtiva agrícola para o próprio terreno.

(…)

55/

O valor que as obras feitas pelos AA trouxeram à totalidade do prédio (quintal) ou mesmo ao referido no artigo 1/ desta PI é muito superior ao valor que o mesmo tinha antes de efectuada a incorporação.

56/

Tratando-se, como se tratava, de um prédio que apenas servia de quintal o seu valor não ultrapassava, na altura da feitura das obras, os cem mil escudos (500 euros na moeda actual).

57/

As obras efectuadas pelos AA correspondiam, na altura, a um valor de mais de 2.000.000$00 (10.000,00 € na moeda actual).

58/

O que representa, hoje, um valor superior a 25.000,00 €, enquanto o terreno hoje não valerá mais de 5.000,00 €.

59/

Porque assim é, trouxeram ao prédio um valor muito superior ao valor que o prédio tinha antes de ser efectuada a incorporação.

60/

A aquisição por acessão é automática, pelo que os AA adquiriram “ipso jure” desde o momento da incorporação (1980) o direito ao referido terreno.”.

Com base no assim alegado, os autores pretendem que no âmbito da divisão em substância a operar do referido prédio lhes seja adjudicada a parte dele pelos mesmos adquirida por via da referenciada acessão, correspondente ao artigo matricial rústico da freguesia de F… (R… – descrito na Conservatória do Registo Predial de C…, freguesia de F…, sob o nº …), com uma área real de 548 mts2.

É o que se deduz das seguintes pretensões formuladas na petição em via principal:

“(…)

c) As construções existentes na parte rústica (quintal) são propriedade exclusiva dos AA e que esta parte rústica se encontra na posse exclusiva destes.

(…)

Sendo certas e fixas as quotas dos comproprietários (metade a cada) e considerando a divisibilidade do prédio, requerem a V.ª Ex.ª se digne ordenar a citação dos RR para contestarem, querendo, no prazo legal, sob pena de se proceder à conferência a que alude o artigo 929º do Código de Processo Civil, seguindo-se os demais trâmites legais.

Mais se requer que a parcela adjudicada aos AA seja aquela onde se encontram as construções por estes erguidas em 1980.”.

Em face de quanto vem de referir-se, decidiu acertadamente o tribunal recorrido ao considerar que os autores incorrem na sua petição inicial num vício gerador da correspondente ineptidão e que se consubstancia na invocação de causas de pedir substancialmente incompatíveis (art. 186º/2/c do NCPC).

Tal vício ocorre quando, em cumulação real, são invocadas como fundamento dos efeitos jurídicos peticionados causas de pedir cuja verificação simultânea é lógica e juridicamente impossível.

É o que ocorre na situação em apreço, pois: i) por um lado e como fundamento do pedido principal de divisão de coisa comum que consiste um prédio único integrado pelo objecto de duas inscrições matriciais distintas, uma rústica (…) e outra urbana (…), os autores alegam uma situação de compropriedade incidindo sobre a totalidade daquele prédio; ii) por outro lado, em cumulação real com a pretensão referida em i) e como fundamento da pretensão igualmente formulada em via principal de que na divisão da coisa comum lhes seja adjudicada a parte daquele prédio que é objecto da inscrição matricial rústica, os autores alegam que adquiriram essa parte em 1980, por acessão industrial imobiliária.
Ora, enquanto forma de aquisição originária do direito de propriedade [art. 1316º do CC; acórdão dos STJ de 20/6/2013 (Conselheiro Granja da Fonseca), de 7/4/2011 (Conselheiro Moreira Alves), de 22/6/2005 (Conselheiro Oliveira Barros), e de 12/2/2004 (Conselheiro Oliveira Barros)], a verificação dos pressupostos da acessão industrial imobiliária em relação a uma parcela de terreno de entre as duas que constituem um prédio em situação de compropriedade e a sua invocação potestativa [acórdãos do STJ de 3/12/2009 (processo 1102/03.7TBILH.C1.S1), de 30/6/2009 (processo 268/04.3TBTBU.C1.S1), de 27/5/2008 (processo 08B1276), de 8/11/2007 (processo 07B3545) e de 4/12/2007 (processo 07B4321)]  por parte do beneficiário da acessão implicam a extinção automática e retroactiva daquela situação de compropriedade sobre a parcela em relação à qual se verificam aqueles pressupostos e invocação potestativa, com a consequente cessação da situação de indivisão emergente da referenciada situação de compropriedade.
Portanto, a ser exacto o alegado pelos autores no sentido da aquisição originária por eles e decorrente de acessão industrial imobiliária, da parcela de terreno que constitui objecto da inscrição predial rústica nº …, deixou de existir, com a composição que vem descrita na petição, o prédio que os autores pretendem ver dividido, e deixou de se verificar em relação à referenciada parcela a situação de compropriedade invocada como causa de pedir de divisão de coisa comum a incidir igualmente sobre ela, a qual, por isso mesmo, já não poderia ser objecto da divisão pretendida pelos autores.
A significar que a causa de pedir invocada pelos autores como fundamento do pedido de adjudicação da dita parcela rústica (a acessão industrial imobiliária) exclui juridicamente a causa de pedir invocada como fundamento do pedido de divisão de coisa comum a incidir sobre um prédio alegadamente constituído por essa mesma parcela e por outra (a compropriedade incidindo sobre a totalidade dessas duas parcelas), com a consequente incompatibilidade substancial dessas causas de pedir e inerente ineptidão da petição inicial (art. 186º/2/c do NCPC).
Bem andou o tribunal recorrido, pois, ao declarar tal ineptidão com os efeitos legais absolutórios da instância à mesma associados, o que nessa parte implica a confirmação da decisão recorrida, mesmo sem necessidade de apreciação do outro fundamento de ineptidão invocado na decisão recorrida[1].

*

Segunda questão: se se verifica a excepção de cumulação ilegal de pedido subsidiário declarada pelo tribunal recorrido.

Nos termos do art. 554º/2 do NCPC, a dedução de pedidos subsidiários em oposição é ilícita se em relação aos mesmos se verificam as circunstâncias que impedem a coligação de autores e réus, circunstâncias essas entre as quais se conta a de aos pedidos corresponderem formas de processo diferentes (art. 37º/1 o NCPC).

No caso em apreço, dúvidas não existem de que os pedidos principais deduzidos pelos autores de reconhecimento de uma situação compropriedade em relação a todo o prédio que é objecto desta acção e de subsequente divisão em substância desse mesmo prédio, com adjudicação de uma parte específica do mesmo aos autores, está em manifesta oposição com o pedido subsidiário formulado pelos autores no sentido de que sejam reconhecidos proprietários exclusivos de uma parcela desse mesmo prédio, uma das que em via principal se consideram comproprietários e cuja aquisição peticionam em sede de divisão em substância do prédio mais vasto de que faria parte integrante.

Ao pedido de divisão de coisa comum formulado pelos autores em via principal corresponde a forma de processo especial prevista nos arts. 925º e ss do NCPC.

A acção de divisão de coisa comum corresponde a uma forma de processo complexa em que se sucedem (dentro de uma unidade processual) duas fases com natureza diversa: a primeira de natureza declarativa e destinada exclusivamente à determinação da natureza comum da coisa e das suas características materiais (confrontações, área…), dos quinhões e da divisibilidade material e jurídica da coisa dividenda; a segunda, eventual e subsequente, de natureza executiva e destinada ao preenchimento dos quinhões em espécie ou por equivalente.

Ao pedido subsidiário formulado pelos autores no sentido de que “…sejam declarados legítimos proprietários e possuidores do prédio rústico (quintal) a que corresponde o artigo matricial R…, com a área de 548 m2 e registado sob a ficha nº … adjudicando-se aos AA pelo preço global de quinhentos euros actualizados ou por aquela que o Tribunal sabiamente avaliará, tomando-se em conta, aquando do pagamento, que os AA são titulares do usufruto da totalidade e da nua propriedade de metade cujo valor subtraído ao valor atribuído, será adjudicado aos AA sendo estes obrigados a pagar, apenas, a parte que os RR ali possuem.”, corresponde a forma de processo comum (art. 546º/2/2ª parte do NCPC).

Verifica-se, pois, o obstáculo à coligação supra enunciado e que, igualmente, gera inamissibilidade legal de cumulação de pedidos em oposição.

É certo que em determinadas circunstâncias a fase declarativa da acção de divisão de coisa comum pode seguir os termos, subsequentes à contestação, do processo comum (art. 926º/3 do NCPC), sendo esta a forma de processo que, como visto, corresponde ao pedido subsidiário dos autores.

Ainda assim, tal como na situação prevista no nº 2 da mesma disposição legal para os casos em que seja possível sumária decisão pelo juiz e na ausência de quaisquer outras que de forma processualmente admissível sejam suscitadas por via de reconvenção, as únicas questões substantivas que devem ser decididas no âmbito da previsão do citado nº 3 são exclusivamente as suscitadas pelo pedido de divisão, a saber: determinação da natureza comum ou não da coisa e das suas características materiais (confrontações, área…), dos quinhões de cada um dos contitulares e da (in)divisibilidade material e jurídica da coisa dividenda.

Essa fase não pode destinar-se à apreciação e decisão de um pedido do tipo do formulado pelos autores em sede subsidiária, tanto mais quanto é certo que, por natureza, a acção de divisão de coisa comum tem por pressuposto básico o da verificação de uma situação de indivisão na titularidade do direito de propriedade que é completamente excluída pela verificação da situação de aquisição originária e exclusiva da totalidade do direito de propriedade sobre um dado bem imóvel do tipo da referenciada pelos autores para fundamentarem o seu pedido subsidiário.

Por outro lado, a prosseguir a presente acção de divisão de coisa comum, embora com observância, na sua fase declarativa, dos termos do processo comum, tal destinar-se-ia exclusivamente a apreciar e decidir se os autores adquiriram originariamente o direito de propriedade sobre o imóvel que é objecto da inscrição predial R…, deixando de estar presente qualquer pretensão de cessação, por divisão em substância, adjudicação ou venda, de uma situação de indivisão que constitui o pressuposto básico e necessário do recurso a uma acção de divisão de coisa comum e sem qualquer tipo de discussão sobre as questões a cuja discussão se destina exclusivamente essa fase: verificação ou não de uma situação de indivisão, características materiais do bem dividendo, determinação dos quinhões de cada um dos consortes, divisibilidade ou não daquele bem.

Além disso, julgada procedente a pretensão subsidiária dos autores teria de reconhecer-se-lhe a titularidade exclusiva do direito de propriedade sobre o imóvel objecto da inscrição predial R-…, não prosseguindo os autos para quaisquer outros efeitos, quando o que seria necessária e tipicamente subsequente à procedência de uma fase declarativa de uma acção de divisão de coisa comum, mesmo no caso de indivisibilidade do bem indiviso, seria o ingresso na correspondente fase executiva, com a convocação da conferência de interessados a que se alude no art. 929º do NCPC.

Por tudo quanto vem de expor-se nunca a presente acção poderia prosseguir, na sua fase declarativa, para efeitos de apreciação e decisão do pedido subsidiário formulado pelos autores.

Como assim, não restava ao tribunal recorrido outra alternativa que não fosse a declarar, como bem declarou, a excepção dilatória de cumulação ilegal de pedido subsidiário.

IV- DECISÃO

Acordam os juízes que integram esta 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelos apelantes.

Coimbra, 27/9/2016.


(Jorge Manuel Loureiro)

(Maria Domingas Simões)

(Jaime Carlos Ferreira)


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[1] Invocação da aquisição originária por usucapião de um único prédio que aglutina dois artigos matriciais e duas descrições registrais e simultânea invocação da presunção decorrente do registo de aquisição inscrito a favor da cada uma das partes na proporção de metade relativamente a dois prédios distintos com autonomia registral e matricial.