Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2180/11.0TBVIS-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
RESOLUÇÃO
FUNÇÃO LIBERATÓRIA E RESTITUTÓRIA
CUMULAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 10/29/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU – 2.º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ART.808º/1/2ª PARTE DO C. CIVIL
Sumário: 1 - Uma coisa é a declaração admonitória que leva à conversão da mora em incumprimento definitivo (nos termos do art. 808.º/1/2.ª parte do C. Civil) e outra, diversa, a declaração resolutiva; porém, nada há que impeça que tais declarações sejam feitas em simultâneo, dizendo-se, numa única missiva/comunicação, que, caso não ocorra o cumprimento no prazo suplementar concedido, se resolve o contrato (antecipando-se a opção e renunciando-se à “faculdade alternativa” conferida pelo art. 801.º/2 do C. Civil).

2 - Resolvido o contrato de financiamento, é a esta luz – duma relação contratual extinta – que o preenchimento quantitativo da livrança entregue em branco (com uma função de garantia) tem que ser feito; principalmente, se não houver estipulações especialmente previstas para a liquidação contratual em caso de resolução contratual.

3 - O que não significa, ao não se ter optado pela indemnização pelo incumprimento (quando se optou pela resolução), que não se possa cumular (e incluir no preenchimento quantitativo da livrança entregue em branco) a quantia mutuada que ainda não foi restituída (por força da função recuperatória/restitutória da resolução) com a remuneração correspondente à quantia mutuada não restituída, a título de indemnização pelo interesse positivo.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

A..., com os sinais dos autos, por apenso à execução para pagamento de quantia certa que lhe moveu "B..., SA"., também id. nos autos – para haver dele (e dos restantes executados, C..., D... e E...) a quantia de € 17.004,96 (sendo € 16.155,15 de capital e os restantes € 849,81 de juros vencidos) e juros vincendos – veio deduzir oposição à execução, alegando, em síntese e no que aqui interessa:

Para tanto, em síntese, alegou que a livrança “dada” à execução, por si subscrita e entregue em branco, tem subjacente um contrato de financiamento celebrado entre as partes, segundo o qual a livrança apenas poderia ser preenchida quando houvesse incumprimento definitivo, o que não sucedeu, pois a mesma foi preenchida em Janeiro de 2010, quando ainda não estava resolvido o contrato (o que só aconteceu, em 19/05/2010, com o trânsito da sentença que o declarou resolvido); consequentemente, a livrança foi abusivamente preenchida.

Ademais, acrescenta, foi preenchida por uma quantia superior à que estava em dívida, não tendo sido considerados todos os pagamentos efectuados pelo oponente/executado, bem como o produto da venda do veículo.

Concluiu pois pela total extinção da execução apensa.

Contestou a exequente, dizendo que preencheu devidamente a livrança, uma vez que a mesma foi preenchida quando já tinha ocorrido a resolução do contrato, na sequência de comunicações extra-judiciais enviadas para o efeito aos executados; reflectindo a quantia inscrita na livrança todos os pagamentos efectuados/recebidos, estando por isso preenchida pela quantia em dívida.

Concluiu pela total improcedência da oposição.

Proferido despacho saneador – que declarou a instância totalmente regular, estado em que se mantém – seleccionados os factos assentes e organizada a base instrutória, foi designado dia para a realização da audiência, após o que a Exma. Juíza proferiu sentença em que julgou a oposição no essencial improcedente, mais exactamente, julgou-se parcialmente procedente a oposição e determinou-se “que a quantia de € 837,98 seja deduzida à quantia exequenda no âmbito da execução comum nº 2180/11.0BVIS, à qual os presentes autos se encontram apensos, a qual, no demais, prosseguirá a sua normal tramitação

Inconformado com tal decisão, interpôs o executado/oponente recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por outra que julgue a oposição totalmente procedente; terminou a sua alegação com uma segunda e idêntica alegação que aqui não transcrevemos atenta a sua redundância e extensão.

Respondeu a exequente/recorrida, defendendo e concluindo que a sentença deve ser mantida na íntegra.

Dispensados os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.


*

II – Fundamentação de Facto

São os seguintes os factos dados como provados, organizados lógica e cronologicamente, devidamente “rectificados” (ao abrigo do art. 659.º/3 do CPC), sem contradições[1] e contendo, em extracto (e com total fidelidade), tudo o que é relevante quer do requerimento executivo quer dos documentos inquestionavelmente aceites pelas partes[2].

A) A execução comum n.º 2180/11.0TBVIS, aos quais os presentes autos se encontram apensos, foi intentada pela exequente " B..., SA" contra os executados C..., A..., D... e E..., tendo, como título executivo, uma livrança subscrita pela C... e pelo A...e avalizada, no verso, pela D... e pelo E...;

B) Livrança de que constam, como datas de emissão e de vencimento, 04/01/2010 e 25/01/2010, respectivamente; e a importância de € 16.580,23, constando ainda da menção relativa à assinatura dos subscritores " A... e outro"[3];

C) Execução em cujo requerimento executivo a exequente fez constar que “18/03/2010, após preenchimento da livrança, título executivo da presente acção, foi efectuado um pagamento no valor de € 527,02, montante este que foi abatido aos juros em débito e ao capital em dívida”; procedendo na liquidação da obrigação à seguinte demonstração:

“Valor líquido: € 16.155,15

 Valor dependente de simples cálculo aritmético: € 849,81

 Total: € 17.004,96”

D) Entre a exequente e os executados A... e C... foi celebrado um acordo denominado "contrato de crédito", com o nº 584020, o qual teve por objecto o financiamento respeitante à aquisição da viatura marca Volkswagen, modelo passat variant diesel, matrícula (...), no qual também tiveram intervenção, na qualidade de avalistas (da livrança em branco) D... e E... - cfr. fls 14 e 15;

E) Contrato de crédito, com o nº 584020, de cujas “condições particulares” consta, entre outras coisas:

“ (…)

Montante do crédito: € 12.990,00

Encargos Administrativos e Fiscais; € 77,94

Taxa nominal: 8,4993%

TAEG: 19,16%

N.º de Prestações: 72

Periodicidade e Vencimento: Mensal Postecipadas, com vencimento da 1.ª prestação em 08/01/2007

Montante das Prestações: 72 prestações fixas de € 290,45

O valor de cada prestação inclui € 1,25 a título de despesas de transferência e/ou portes, acrescido de IVA à taxa em vigor (quantia sujeita a alteração, de acordo com o previsto no preçário).

Total do Financiamento e encargos: € 21.110,32

Garantias: Livrança em branco subscrita pelo cliente, avalizada e reserva de propriedade.

 (…)

Os clientes declaram conhecer todas as condições e cláusulas do presente contrato de crédito (composto pelas presentes condições particulares e pelas condições gerais constantes do verso ou do anexo deste documento), sobre as quais foi/foram devidamente informados, tanto por lhes ter sido dado a ler, como por lhes ter sido fornecido um exemplar do mesmo no momento da sua assinatura

(…) “

F) Constando das condições gerais (fls. 15), inter alia:

“ (…)

7.ª Incumprimento, Cláusula Penal e Antecipação de Vencimento

a) Em caso de mora do cliente, a B... cobrará sobre o montante em débito, e durante o tempo da mora, juros de mora à taxa contratual em vigor acrescidos a título de cláusula penal de quatro pontos percentuais. (…)

b) O disposto na alínea anterior não prejudica o direito da B... a considerar antecipadamente vencidas todas as prestações emergentes do contrato e exigir o cumprimento imediato, caso ocorra o não cumprimento de qualquer obrigação.

c) O incumprimento temporário, ou como tal reputado, quer de obrigações pecuniárias quer de outras, tornar-se-á definitivo pela recepção, na sede/residência da cliente, de carta enviada pela B..., intimando-o ao cumprimento em prazo razoável que desde já é fixado, para todas as obrigações, em 8 dias e pela não expurgação nesse prazo da mora, isto é, pela não reposição, nesse prazo, da situação que se verificaria caso o incumprimento não houvesse tido lugar.

(…)

10.ª Convenção de Preenchimento

O cliente e, se aplicável, os respectivos avalistas autorizam a B... a preencher, caso exista, qualquer livrança ou outro documento ou garantia por si subscrito/avalizado e não integralmente preenchido, designadamente no que se refere à data de vencimento, ao local de pagamento e aos valores até ao limite das responsabilidades assumidas pelos clientes/avalistas perante a B..., por força do presente contrato e em dívida na data do vencimento, acrescido de todos e quaisquer encargos com a selagem dos títulos. A B... apenas poderá preencher o título de crédito referido na presente clausula desde que se verifique o incumprimento definitivo por parte do cliente.

(…)

12.ª Alterações

O cliente fica obrigado a informar a B... de qualquer alteração dos elementos pessoais constantes deste contrato, que venham a decorrer durante o curso do empréstimo, nomeadamente a eventual alteração de morada.

 (…) “

G) Para garantir o pagamento integral das prestações emergentes do acordo referido em C), os executados assinaram, como subscritores e avalistas, uma livrança em branco (a referida nas transcritas “condições particulares”), designadamente sem qualquer valor aí aposto ou data de emissão e vencimento, que ficou em poder da exequente;

H) Consta da certidão de fls. 16 que, mediante ap. de 16/1/2007, foi registado, em nome de A..., o direito de propriedade sobre a viatura Volkswagen, de matrícula (...), tendo ainda sido registada reserva de propriedade em benefício da exequente;

I) O executado pagou as primeiras 23 prestações do acordo;

J) O executado, por dificuldades financeiras, fazia pagamentos intermitentes;

K) Os executados não liquidaram integralmente a 24ª prestação, como não liquidaram, total ou parcialmente, as prestações nºs 25, 26, 27 e 28, razão pela qual a exequente lhes enviou, datadas de 09/05/2009, cartas registadas com aviso de recepção, para as moradas que constavam do acordo celebrado;

L) Nas quais refere conceder-lhes um prazo suplementar “de 8 dias úteis para proceder à liquidação das importâncias em atraso, acrescidas de juros de mora contratuais, no total de € 1.427,02”; acrescentado que “se, decorrido tal prazo, o pagamento ora solicitado não se encontrar efectuado, o contrato considera-se automaticamente resolvido, com as legais e convencionais consequências, nomeadamente o accionamento de todas as garantias ao nosso dispor nos termos contratualmente previstos” – cfr. documentos nºs 2, 3, 4 e 5 juntos com a contestação;

M) As cartas enviadas ao oponente e aos executados D...e E...foram efectivamente recepcionadas, a do oponente em 13/05/2009, não tendo sido recepcionada a enviada a C..., a qual também foi enviada para a morada que constava do acordo;

N) A exequente acordou com uma empresa denominada "G..., SA" que cobrou directamente ao executado, a 6/10/2008 o valor de € 700, a 12/11/08, o valor de € 500, a 16/12/2008, o valor de € 400, a 6/1/2009, o valor de € 500, a 3/2/2009, o valor de € 400,00 tudo no total de € 2.500,00;

O) Correu termos no 1º juízo cível do Tribunal Judicial de Viseu a acção sumária nº 607/10.8TBVIS, interposta em 27/02/2010, na qual figurava como autora a ora exequente e como réus os executados A... e C... e na qual, além do mais era pedida a declaração judicial de resolução do contrato de crédito nº 584020;

P) No âmbito da acção mencionada no artigo anterior foi proferida, em 16/4/2010, a sentença cuja cópia consta de fls. 58 e 59, transitada em julgado no dia 19 de Maio de 2010, que julgou a acção procedente;

Q) A exequente interpôs providência para apreensão do veículo automóvel supra identificado a qual correu termos no 2º juízo cível deste tribunal sob o nº 437/10.7TBVIS e que, posteriormente, foi apensada à acção 607/10.8TBVIS do 1º juízo deste tribunal;

R) Tal viatura foi apreendida em 19 de Fevereiro de 2010 e entregue à exequente;

S) O direito de propriedade sobre a viatura de marca Volkswagen de matrícula (...) foi registado em 19/7/2011, em benefício de F...;

T) Tal viatura tinha um valor cuja grandeza, em concreto, não foi possível apurar;

U) Tal viatura foi vendida pela requerente em 18 de Março de 2010, por € 1.365,00;

V) A imputação de € 527,02, referida em C), reportava-se e tinha a ver com o produto da venda do veículo financiado.


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III – Fundamentação de Direito

O âmbito do presente recurso, delimitado pelas conclusões da alegação do apelante (art. 684º/3 e 685º-A/1 do CPC), localiza-se, juridicamente, na vulgarmente designada “excepção de preenchimento”.

A execução tem por base uma livrança que quando foi entregue ao exequente – assinada/subscrita pelo oponente/recorrente – não tinha preenchidos os campos referente à data de emissão, data de vencimento e importância, sendo certo que, quando foi “dada” à execução, tinha inscrita como datas de emissão e de vencimento os dia 04-01-2010 e 25-01-2010 e como importância o montante de € 16.580,23; sustentando o oponente/recorrente que houve abuso/violação do pacto de preenchimento de tal livrança, entregue em “branco”, mais exactamente, como já se referiu no relatório, diz que a livrança não podia ter sido preenchida (uma vez que só o poderia ser se houvesse incumprimento definitivo, o que não sucedeu por ter sido preenchida quando ainda não estava resolvido o contrato) e que, além disso, o foi por uma quantia superior à que estava em dívida.

A mera qualificação, como excepção, da questão constitui um “indício” significativo sobre o modo como se reparte o ónus probatório; efectivamente, espelhando o título cambiário (na sua literalidade) uma obrigação[4], é a quem pretende destruir e/ou inutilizar tal força vinculativa do título que compete alegar e provar os respectivos factos (cfr. art. 342.º/2 do CC).

“Exceptio” que, dissecada, funciona do seguinte modo:

O recorrente aceita ser subscritor da livrança; logo, invocando a exceptio, compete-lhe alegar e provar que a mesmo foi assinada em branco e que o seu preenchimento não respeitou o acordado.

Quanto ao 1º aspecto, logo ficou provado pela "confissão" da exequente/recorrida.

Quanto ao 2º aspecto, embora a exequente/recorrida tenha afirmado que efectuou o preenchimento de acordo com o convencionado – o que, à primeira vista, parece remeter para o oponente/recorrente toda a prova a produzir, tendo em vista convencer sobre o invocado preenchimento abusivo – não deixou, naturalmente, de “confessar” quer a chamada convenção executiva, isto é, a função que o negócio cambiário (emissão da livrança) desempenhou, quer o negócio subjacente, quer a relação entre ambos (entre a convenção executiva e o negócio subjacente stricto sensu[5]); “confissão” que, aliás, caso não existisse, estaria retratada/demonstrada nos documentos de fls. 14 e 15 (extractados nas alíneas C), D) e E)).

Podemos pois afirmar, sem grande prejuízo para o rigor, que o desfecho dos autos/recurso passa na quase totalidade pela análise de tais documentos (assim como pelos documentos referidos em K, L e M dos factos deste acórdão).

Temos pois, resulta claramente de tais documentos, que a emissão/subscrição da livrança em branco (negócio cartular) desempenhou uma função de garantia em relação ao contrato de crédito n.º 584020 (cfr facto D)); podendo ser preenchida, “ (…) designadamente no que se refere à data de vencimento, ao local de pagamento e aos valores até ao limite das responsabilidades assumidas pelos clientes/avalistas perante a B..., por força do presente contrato e em dívida na data do vencimento, acrescido de todos e quaisquer encargos com a selagem dos títulos (…) desde que se verifique o incumprimento definitivo por parte do cliente (…)” (cfr. facto E)).

O que nos situa na 1.ª questão suscitada, na questão de saber se a livrança podia ter sido preenchida.

Questão em que, segundo o oponente/recorrente, houve “abuso”, uma vez que o preenchimento só poderia ocorrer se houvesse incumprimento definitivo, o que não chegou a ocorrer por, ainda segundo ele, ter sido preenchida quando ainda não estava resolvido o contrato.

Que dizer?

Em 1.º lugar, que o incumprimento definitivo e a resolução não são uma e a mesma coisa; ou seja, dizer, como faz o oponente/recorrente, que não há incumprimento definitivo por o contrato não estar resolvido não é sequer juridicamente congruente.

Efectuada a comunicação prevista na 2.ª parte do n.º 1 do art. 808º do CC a mora (até ali existente) “apenas” se converte em incumprimento definitivo, o que equivale a mandar aplicar à situação o art.801.º do C. Civil, passando então o “credor”, a partir de tal data, a deter a faculdade alternativa referida no art. 801º do CC, isto é, passando a poder exigir do devedor uma indemnização pelo incumprimento ou, em opção, a poder resolver o contrato.

Assim, uma coisa é a declaração admonitória (que leva à conversão da mora em incumprimento definitivo) e outra, diversa, a declaração resolutiva.

Sem prejuízo de, não raras vezes, a notificação/comunicação admonitória logo “antecipar” a opção; logo incluir a “renuncia” à referida “faculdade alternativa”. Efectivamente, nada há que impeça que tais declarações sejam feitas em simultâneo, dizendo-se, por exemplo, numa única missiva/comunicação, que, caso não ocorra o cumprimento no prazo suplementar concedido, se resolve o contrato[6].

É exactamente o nosso caso[7].

Não se divisando na “letra miudinha” das condições gerais de fls. 15, a estipulação, a favor da exequente/recorrida, duma cláusula resolutiva expressa, não podia esta resolver o contrato, “imediata e automaticamente”, com uma mera declaração, escrita ou oral à outra parte (art. 436.º/1), sem ter de recorrer e percorrer, para obter tal desiderato, o caminho do art. 808.º/1 do C. Civil.

Assim, havendo mora do oponente/recorrente, assistia à exequente/recorrida a faculdade de converter tal mora em incumprimento definitivo, tendo em vista exercer o direito potestativo extintivo em que resolução dum contrato se traduz.

Direitos/faculdades – a converter a mora em incumprimento definitivo e a logo optar pela sucessiva e imediata resolução do contrato – a que a exequente/recorrida deu início quando procedeu às comunicações referidas nos factos J), K) e L) deste acórdão; isto é, quando, em 09/05/2009, por cartas registadas com A/R, comunicou ao executado (e aos demais obrigados) o montante considerado em dívida, num total de 1,427,02 €, e, bem assim, que lhes concedia um prazo suplementar “de 8 dias úteis para proceder à liquidação das importâncias em atraso”, acrescentado que “se, decorrido tal prazo, o pagamento ora solicitado não se encontrar efectuado, o contrato considera-se automaticamente resolvido, com as legais e convencionais consequências, nomeadamente o accionamento de todas as garantias ao nosso dispor nos termos contratualmente previstos

Efectivamente, tal comunicação enquadra-se e respeita a previsão da 2.ª parte do n.º 1 do art. 808º do CC, levando à conversão da mora em incumprimento definitivo[8]; por outras palavras, tal notificação, pelo seu conteúdo, configura uma intimação ou interpelação cominatória[9], pelo que, não tendo, como foi o caso, o oponente/recorrente (ou qualquer dos outros obrigados contratualmente) cumprida a obrigação em mora dentro do prazo suplementar fixado na mesma interpelação ou intimação, ocorreu a consequência do art. 801º do CC por que antecipadamente se optou.

Assim, decorridos 8 dias sobre a data em que o oponente/recorrente recebeu a notificação/comunicação referida sem que tenha posto termo à mora, impõe-se – face à sua eficácia (224.º do CC) – atenta a irrevogabilidade (230.º do CC) da interpelação admonitória, considerar que, em tal data (8 dias após o recebimento da notificação/comunicação, isto é, 8 dias após 13/05/2009), a mora se transformou em incumprimento definitivo, por força e ao abrigo do art. 808º, nº 1, 2ª parte, do CC. e, acto contínuo, tendo-se logo (na mesma notificação/comunicação) feito a declaração resolutiva, o contrato ficou resolvido.

Em síntese, a exequente/recorrida efectuou a declaração resolutiva, o seu comportamento preencheu os pressupostos da resolução e valeu como declaração dum direito resolutivo legal[10], enfim, a resolução produziu os seus efeitos extintivos.

Concluindo – e respondendo à 1.ª questão – a exequente/recorrida não cometeu qualquer “abuso”, quando, em 04/01/2010 (mais de 6 meses após o negócio subjacente estar resolvido), procedeu ao preenchimento da livrança, uma vez que, de acordo com a convenção executiva (pacto de preenchimento), podia fazê-lo quando ocorresse o incumprimento definitivo do contrato de crédito e, no caso, não só este incumprimento definitivo já havia ocorrido como, inclusivamente, a resolução de tal contrato já havia produzidos os seus efeitos extintivos[11].

O que também significa que o argumento do oponente/recorrente – retirado da posterior propositura duma acção (em relação à data de preenchimento da livrança), em que a exequente pediu a declaração judicial de resolução do contrato de crédito nº 584020 (cfr. factos O) e P) deste acórdão) – é despido de qualquer valor e relevo jurídicos.

Embora o princípio geral do art. 436.º/1 do C. Civil institua o regime regra da declaração extrajudicial à outra parte, nada impede que o direito potestativo de resolução seja exercido judicialmente; mais, nada impede ou proíbe que após uma declaração extrajudicial/unilateral, como foi o caso, ocorra uma intervenção judicial declarativa da correcção/confirmação do exercício do direito de resolução (declarado extrajudicialmente), ou seja, em tal hipótese, tal intervenção judicial não é declarativa/constitutiva da resolução, que, em face do carácter receptício e irrevogável da anterior declaração extrajudicial, produziu de imediato todos os seus efeitos extintivos (no caso, 8 dias após 13/05/2009, data do recebimento da notificação/comunicação)[12].


*

Isto dito – reconhecido à exequente/recorrida o direito a preencher a livrança, isto é, julgada improcedente a 1.ª questão – impõe-se passar à 2.ª questão[13], ou seja, à questão de saber se podia nela ser inscrita a quantia que a exequente/recorrida lhe colocou (€ 16.580,23).

Questão esta em que, desde já se antecipa, assiste, embora com argumentos que nada têm a ver com os esgrimidos, razão parcial ao oponente/recorrente.

Vem-se de referir e decidir que a exequente/recorrida, com as notificações/comunicações enviadas (factos J), K) e L)), não se ficou por uma mera declaração admonitória (que leva à conversão da mora em incumprimento definitivo), procedendo também à imediata declaração resolutiva.

O que significa que não só a prestação do oponente/recorrente ficou definitivamente incumprida (não podendo a exequente/recorrida exigir o cumprimento)[14], como, inclusivamente, a relação contratual ficou extinta.

É pois a esta luz – duma relação contratual extinta[15] – que o preenchimento da livrança – que o cálculo da dívida – tem que ser feito.

Sem prejuízo, evidentemente, de para tal efeito poderem ser convocáveis e aplicáveis (após a apreciação da sua validade) quaisquer estipulações especialmente previstas, para o caso de resolução contratual (mais exactamente, para a liquidação contratual em caso de resolução contratual), na “letra miudinha” das condições gerais de fls. 15.

Ponto é que tais “estipulações especiais” existam, o que não é o caso.

Efectivamente, não se divisam quaisquer “estipulações especiais” ao caso (resolução) aplicáveis na “letra miudinha” das condições gerais de fls. 15[16], pelo que terá que ser à luz quer dos termos gerais dos efeitos da resolução quer do que a tal propósito a exequente/recorrida alegou que se terá de apurar da bondade da quantia inscrita pela exequente/recorrida na livrança “dada” à execução.

E, quanto aos efeitos da resolução, a lei (art. 433.º do CC) equipara a resolução à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico; equiparação[17] que se traduz numa eficácia retroactiva – devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (289.º/1 do CC) – bem como e implicitamente numa eficácia liberatória das obrigações ou prestações ainda não executadas.[18]

Daqui resulta pois – da função recuperatória/restitutória da resolução – que assiste à exequente/recorrida o direito a exigir a quantia mutuada que ainda lhe não foi restituída.

Quantia mutuada que, evidentemente, foram/são os € 12.990,00 e não os € 21.110,32 que englobam, além daquela primeira quantia, os juros remuneratórios e demais encargos e despesas; não atingindo sequer a quantia mutuada que ainda não foi restituída tais € 12.990,00, uma vez que uma parte de tal montante já foi restituído à medida que foram sendo pagas as 23 primeiras prestações (e parte da 24.ª prestação).

Isto dito – explicado o limitado “contributo” do efeito restitutório da resolução para o preenchimento quantitativo da livrança – importa ter presente, voltando ao que supra se referiu, que a resolução/extinção contratual tem na sua génese a conversão da mora do oponente/recorrente em incumprimento definitivo, passando então o “credor” (a aqui exequente), a partir de tal data, a deter a faculdade alternativa referida no art. 801º do CC, isto é, passando a poder exigir do devedor uma indemnização pelo incumprimento ou, em opção, a poder resolver o contrato; faculdade alternativa a que “renunciou”, logo optando, como se explicou, pela resolução.

Mas – é o ponto – o facto do credor/exequente não ter optado (ao optar pela resolução) pela indemnização pelo incumprimento (ou não cumprimento) e não poder exigir a chamada “grande indemnização”, não significa ou equivale a que ele não possa cumular um direito indemnizatório com a resolução[19].

Efectivamente, a resolução pese embora a sua dupla função – desvinculativa e restitutiva das prestações cumpridas – é ou pode ser insuficiente para a satisfação do interesse contratual da parte que a declara; pode haver prejuízos para a parte “inocente”, radicáveis na ruptura contratual consequente ao inadimplemento (que foi pressuposto da própria resolução).

Daí que a lei haja previsto expressamente a cumulação da resolução com a indemnização (art. 801.º/ 2 e 802.º/1, ambos do CC).

Cumulação que é relativamente polémica no que diz respeito à delimitação do seu objecto, o mesmo é dizer, no que diz respeito à questão de saber se a tal indemnização deve colocar o credor na situação em que estaria se o contrato tivesse sido cumprido (tese do ressarcimento do interesse contratual positivo ou interesse de cumprimento, visando colocar o lesado na situação em que estaria se o contrato tivesse sido cumprido) ou se apenas visa compensar o credor pelas desvantagens sofridas com a conclusão do contrato (tese do ressarcimento dos danos correspondentes ao interesse contratual negativo, isto é, uma indemnização que o coloque na situação em que estaria se não tivesse sequer celebrado o contrato).

Questão em que foi sendo largamente dominante, na doutrina e na jurisprudência nacionais, a tese que considera não ser possível, à face da nossa lei, cumular a resolução do contrato e a indemnização por incumprimento; para o que se argumentava, em síntese, com o que “significam” os efeitos rectroactivos da resolução – o dever de cumprir desapareceu juridicamente do passado, em consequência da retrocatividade da resolução – e com a incoerência/contraditoriedade da posição daquele que, depois de ter optado por extinguir o contrato por resolução, se baseia nesse mesmo contrato para obter uma indemnização correspondente ao interesse no seu cumprimento.

Tese esta há muito posta em crise no direito comparado e também na nossa doutrina[20] e jurisprudência[21] mais recentes.

Efectivamente – impõe-se admitir e reconhecer – a opção por uma ou outra tese acaba, em grande medida, por ser tributária do conceito/função que se atribui à resolução; isto é, se se concede à resolução apenas e só um desiderato destruidor da relação contratual, a tese que não permite a indemnização pelo interesse no seu cumprimento será a mais compatível; ao invés, se também se concede à resolução uma finalidade “reintegradora dos interesses em jogo”, o ressarcimento do interesse contratual positivo ou interesse de cumprimento terá toda a razão de ser.

Para o que não será despiciendo lembrar o supra referido (nota 17) sobre a equiparação legal dos efeitos da resolução à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, equiparação que, apesar do seu peso literal, não pode significar uma total identificação da “liquidação resolutiva” aos efeitos da invalidade negocial.

Como observa Paulo da Mota Pinto[22]uma irrestrita retroactividade da resolução poria evidentemente em causa, não só o fundamento de uma indemnização por não cumprimento, como, mesmo, o fundamento da resolução, isto é, a existência de um não cumprimento, já que o parâmetro contratual teria desaparecido ex tunc. É, com efeito, a própria fundamentação do direito de resolução no não cumprimento que já pressupõe uma limitação da retroactividade pelo fundamento da resolução”[23].

Dito doutro modo, a resolução e a indemnização constituem distintos “remédios” para o inadimplemento contratual: “o primeiro, com origem no sinalagma das prestações, permitindo a restituição do prestado; o segundo com fins ressarcitórios, conduzindo ao ressarcimento dos prejuízos (sendo que existe, evidentemente, interferência do primeiro no segundo por com o cumprimento das obrigações de restituição ficar reduzido o dano)[24]. Assim, a “resolução possibilita ao credor afastar as consequências, no plano qualitativo, do inadimplemento, obtendo a restituição da sua contraprestação, sem, porém, pôr o credor perante a alternativa de ter de renunciar ao lucro cessante do contrato – sendo certo, aliás, que as referidas dimensões (o lucro económico do contrato e o interesse na prestação que lhe era devida em espécie) não estavam colocadas em alternativa no programa do contrato não cumprido, antes este proporcionava às partes a satisfação simultânea de ambas (e que é apenas por causa do não cumprimento que tal satisfação é impossibilitada)[25]

Em conclusão, impõe-se reconhecer e considerar que não é possível desligar a resolução contratual do fundamento que esteve na sua origem e que é, nem mais nem menos, um incumprimento contratual; razão porque entendemos ser admissível a cumulação da resolução do contrato com o pedido de indemnização pelo interesse positivo.

Não há pois, em tese e a nosso ver, nenhum obstáculo jurídico a que no preenchimento quantitativo da livrança se inclua, a título de indemnização pelo interesse positivo, a remuneração correspondente à quantia mutuada.

Mas a isto – à restituição da quantia mutuada que ainda não foi restituída e à indemnização/remuneração respeitante à quantia que ainda não foi restituída – se tem que cingir o preenchimento quantitativo da livrança.

O que dá, concretizando o “sinuoso” percurso jurídico efectuado, a quantia total de apenas € 14.140,38; que é resultado da soma dos € 1.427,02 (referidos em L)) com os € 12.173,36 respeitantes às restantes 44 prestações em dívida[26].

Efectivamente, não divisamos (e nada foi especificamente invocado pela exequente) onde suportar, em face do negócio subjacente (aqui incluindo a convenção executiva), em termos factuais e jurídicos, a diferença entre tal montante, de € 14.140,38, e os € 16.580,23 inscritos na livrança.

A exequente/recorrida não o explica.

Aliás, como já se referiu, parece colocar-se numa lógica jurídica de cumprimento do contrato, invocando até que na cláusula 7.ª b) das condições gerais se diz que, em caso de resolução, “o disposto na alínea anterior não prejudica o direito da B... a considerar antecipadamente vencidas todas as prestações emergentes do contrato e exigir o cumprimento imediato, caso ocorra o não cumprimento de qualquer obrigação”; quando tal cláusula, ao referir-se à alínea anterior, se refere, não à resolução, mas à mora.

É que, importa não esquecê-lo, a exequente/recorrida, na comunicação (referida em K) e L)) que produziu o incumprimento definitivo e a resolução, não alude ou invoca o vencimento antecipado de todas as prestações, pelo que o incumprimento definitivo e a resolução ocorreram sem que a exequente haja considerado “antecipadamente vencidas todas as prestações emergentes do contrato”.

Seja como for, mesmo nesta hipótese – seguindo-se a lógica jurídica de cumprimento do contrato (e do vencimento de todas as prestações) – continuaríamos na mesma, sem suporte factual e jurídico para a diferença entre o montante de € 14.140,38 e os € 16.580,23 inscritos na livrança.

Uma vez que, em tal hipótese, estaríamos por certo “caídos” na situação que gerou polémica jurisprudencial e que deu azo ao Acórdão Uniformizador n.º 7/2009[27], segundo o qual “nos contratos de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao art. 781.º do C. Civil, não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios neles incorporados”; isto é, que decidiu (alicerçado nos artigos 10.º e 11.º do DL 446/85, e nos art. 236.º e ss e 781.º e 561.º do CC) que o “vencimento imediato” diz tão só respeito à parte de capital mutuado contida nas prestações e não também à parte que cada prestação incorpora de juros remuneratórios[28].

De todo o modo, é o que releva e importa sublinhar, a exequente/recorrida não fez/juntou qualquer demonstração sobre o modo como calculou a quantia inscrita na livrança.

Admitimos – em face do que é comum ver neste tipo de processos – que a diferença, entre o referido montante de € 14.140,38 e os € 16.580,23 inscritos na livrança, possa decorrer da “alcavala” dos juros moratórios, calculados a uma taxa correspondente à taxa dos juros remuneratórios incrementada de mais 4%; mas isto, verdadeiramente, até somos nós a supor/especular, uma vez que a exequente/recorrida não o explica.

E, se supomos bem, tal comportamento, na lógica jurídica de cumprimento da exequente/recorrida, estaria “proibido”, como se referiu, pela doutrina do referido Acórdão Uniformizador.

Em todo o caso, insiste-se, em face do incumprimento definitivo e da resolução declarados, o preenchimento quantitativo da livrança tinha, a nosso ver, que seguir/respeitar o percurso jurídico efectuado, tinha que se circunscrever à restituição da quantia mutuada que ainda não foi restituída e à indemnização/remuneração respeitante à quantia que ainda não foi restituída; o que dá, como se explicou, “apenas” € 14.140,38 (e não os € 16.580,23 inscritos na livrança).

Assim, estando as parte de acordo na imputação do produto da venda do veículo financiado ao montante inscrito na livrança[29] e tendo tal venda sido efectuada em 18 de Março de 2010, pelo montante de € 1.365,00, temos que a execução deve prosseguir pelo montante de € 12.863,96[30] e juros calculados à taxa legal desde 19/03/2010.


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Em conclusão, como se começou por referir, embora por fundamentos diferentes dos invocados, a apelação procede parcialmente.

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IV - Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida que se substitui por decisão a julgar parcialmente procedente a oposição e a determinar que a execução prossiga para pagamento da quantia de € 12.863,96, acrescida de juros calculados à taxa legal desde 19/03/2010 até integral pagamento.


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Custas, em ambas as instâncias, por exequente e oponente, na proporção de ¼ e 3/4, respectivamente.

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Coimbra, 29/10/2013

 (Barateiro Martins - Relator)

 (Arlindo Oliveira)

 (Emídio Santos)



[1] Como é, patentemente, o caso dos factos 5.3 e 5.13 da sentença recorrida.
[2] Como é o caso dos documentos de fls. 14 e 15.
[3] Não é relevante mas é isto que consta e não " A... e C..." (como se escreveu na sentença); o que consta dos documentos é mesmo – perdoe-se-nos a redundância – o que consta dos documentos e não o que as partes dizem que consta.

[4] Embora o art. 76.º da LULL afirme que o escrito a que falte algum dos requisitos indicados no art. 75.º não produz efeitos como livrança (como era o caso da dos autos quando foi entregue à exequente), tal não significa senão que os requisitos do art. 75º são elementos de eficácia. De facto, quer o subscritor duma livrança quer o avalista duma livrança, ao assiná-la, constituem-se numa obrigação cambiária desde o início, mas que como tal não pode ser efectivada senão depois do preenchimento.

[5] Falamos em “negócio subjacente stricto sensu” para nos referir apenas ao contrato de crédito, uma vez que a chamada convenção executiva, sendo celebrada entre os intervenientes do acto cambiário, mas não se confundindo com este, acaba por também integrar o negócio subjacente “lato sensu”.
[6] “Para o exercício extra-judicial da resolução, o art. 436.º, n.º 1, exige a declaração à outra parte. Esta declaração pode não ser autónoma do ponto de vista formal, se o vendedor, ao fixar o prazo para cumprimento, comunicar logo que o contrato será resolvido se a prestação não for cumprida nesse prazo” - Ana Maria Peralta, in “A posição jurídica do comprador na compra e venda com reserva de propriedade”, pág. 86.

[7] Não estamos perante aquela hipótese, relativamente comum, em que o credor termina a comunicação admonitória dizendo “sob pena de requerermos judicialmente a resolução do contrato por incumprimento definitivo”, situação em que pode dizer-se que se “reserva” a opção e/ou que a opção, na referida faculdade alternativa, ainda não foi claramente assumida. Embora, para sermos exactos e completos, temos que dizer que esta hipótese, relativamente comum, é acima de tudo tributária de algum desconhecimento (mais do que da reserva na opção), isto é, de se ignorar que, entre nós (436.º do CC), o sistema regra da resolução é o da declaração unilateral e não o da resolução judicial.

[8] Traduzindo-se a prestação do oponente numa soma em dinheiro, o prazo concedido, de 8 dias, deve ser considerado como um prazo razoável para o cumprimento. Tudo se passa como a exequente tivesse introduzido na relação contratual um novo prazo de cumprimento que se caracteriza pela sua peremptoriedade; prazo esse, de 8 dias, que, aliás, logo foi estipulado no momento da constituição da obrigação – cfr. cláusula 7.ª/c) das “condições gerais”.
[9] Na medida em que acaba por conter os 3 elementos típicos da interpelação admonitória: a) a intimação para o cumprimento; b) a fixação de um termo peremptório para o cumprimento; c) a admonição ou a cominação (declaração admonitória) de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida – na medida em que logo se faz/antecipa a opção permitida pelo art. 801.º do C. Civil – se não se verificar o cumprimento dentro daquele prazo.

[10] A exequente/recorrida, após a conversão da mora em incumprimento definitivo, não tinha que fazer uma segunda comunicação, uma vez que, logo na primeira, comunicou que, caso não se pusesse termo à mora, declarava resolvido/rescindido o contrato.

[11] Mais, se e quando uma livrança é preenchida com data diferente da que foi combinada, vale nos termos que foram acordados – cfr. Carolina Cunha, Letras e Livranças, pág. 633/5.

[12] Em face do pedido de resolução efectuado no processo referido nos factos O) e P) deste acórdão, a conclusão a retirar não é, conforme pretende o oponente/recorrente, a de considerar que, então, antes de tal processo, o contrato não estaria resolvido; diversamente, a conclusão que se impõe é a de considerar que no referido processo o pedido foi “mal” formulado; aliás, sendo tal pedido um mero pressuposto do que real e efectivamente se pretendia pedir (a restituição do automóvel), não tinha que ser feito ou, então, devia ficar-se por um pedido em que se solicitava uma intervenção judicial confirmativa (e não declarativa) da eficácia do exercício do direito de resolução antes efectuado extrajudicialmente.
[13] É duvidoso que sejam duas questões; provavelmente, mais exactamente, são os dois lados/argumentos da mesma e única questão.

[14] O que acontece a partir do momento em que a declaração admonitória produz efeitos e por mero efeito da mesma.
[15] E não numa perspectiva de cumprimento dum contrato, como parece ser o ponto de vista das peças processuais da exequente/recorrida.
[16] Dizemos isto porque é relativamente comum tal acontecer.

[17] Equiparação legal que, apesar do peso literal (dos art. 433.º e 434.º, n.º 1, 1.ª parte, do CC), não pode significar uma total identificação da “liquidação resolutiva” aos efeitos da invalidade negocial. “ (…) O alcance remissivo do art. 433.º do CC não pode levar o intérprete a aderir a uma rectroactividade tout court (e que é, no fundo, a do art. 289.º, n.º 1, do CC) imposta pelo legislador e que funciona como expediente técnico-jurídico (ou ficção dogmática) vocacionada a uma destruição quase-plena da eficácia do negócio. A resolução, apesar da sua carga etimológica, não é um instrumento puramente negativo, concretizado numa rectroactividade mais ou menos arbitrária, mas visa (maxime quando houve um princípio de execução contratual) uma liquidação adequada à própria finalidade normal (ou funcionalidade) do direito. (…)” Brandão Proença, in Resolução, pág. 178.
[18] Tem pois a resolução uma dupla função – liberatória e restitutória – embora a questão dos seus efeitos só ganhe significado quando assume a função restitutória, quando se entre verdadeiramente na “relação de liquidação”; efectivamente, pressupondo a resolução uma prévia situação de incumprimento definitivo, deste resulta – sem necessidade do exercício da faculdade alternativa do art. 801.º, n.º 2, do CC – a função liberatória (cfr. 795.º, n.º 1, do CC) – cfr. Baptista Machado, in a Resolução por Incumprimento, obra dispersa, pág. 200.

[19] “ (…) O direito à indemnização, mesmo nos casos em que o credor opte pela resolução, há-de reportar-se em dados termos ao interesse positivo ou de cumprimento. O que ele não pode abranger, obviamente, é o valor (total) da prestação rejeitada, uma vez que o direito do credor a esta cai por força da resolução. (…) Em contraposição ao que sucede no pedido de indemnização pelo não cumprimento, em que o credor procuraria ainda conseguir o fim do contrato, na resolução o credor aparta-se de todo do escopo e da moldura do mesmo contrato, elimina quanto possível as consequências já produzidas pela relação contratual e renuncia ao lucro contratual ou à indemnização pelo lucro cessante. (…) A resolução é incompatível com a chamada grande indemnização, ou seja, com a indemnização que abranja o valor da própria prestação do devedor que, através da resolução, é rejeitada.” Pressupostos da Resolução por Incumprimento, Baptista Machado, in Estudos em Homenagem ao Prof. Teixeira Ribeiro, pag. 393 e 400.
[20] Cfr. Paulo Mota Pinto, in “Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo”; não se devendo omitir que Vaz Serra, não obstante a orientação do seu anteprojecto – em que propunha que o credor “pudesse resolver o contrato e exigir indemnização dos danos resultantes do facto de o contrato não ter sido cumprido” – não ter passado para o C. Civil, continuou a defender a possibilidade de cumular a resolução com a exigência da indemnização pelo interesse no cumprimento – cfr., neste sentido, Ac. STJ de 05-12-1967, in RLJ, ano 101.º, pág. 264 e ss.
[21] Cfr. Ac STJ de 21/10/2010, comentado por Paulo Mota Pinto, in RLJ, ano 140, pág. 315 e ss.
[22] Ob. Cit., Vol. II, pág. 1645.
[23] Ob. Cit., Vol. II, pág. 1646
[24] Ob. Cit., Vol. II, pág. 1648
[25] Ob. Cit., Vol. II, pág. 1649.
[26] Não considerando em cada prestação as despesas de transferências ou portes, isto é, considerando apenas € 288,94 e não € 290,45.
[27] In Acórdãos Uniformizadores, CJ, pág. 98.

[28] De facto, o mais razoável e prestacionalmente equilibrado seria interpretar uma cláusula penal como a estipulada na cláusula 7.ª a) das condições gerais, em resultado da mora, em apenas 4%; isto é, em termos úteis, a cláusula penal traduzir-se-ia numa majoração em 4% dos juros remuneratórios (um pouco na linha do que sempre foi, em termos de tradição legislativa, a relação entre os juros remuneratórios e moratórios; e a “penalização”, em termos de juros, pela entrada em mora).
[29] Está já adquirido nos autos – e o oponente já não reedita sequer tal questão – que os pagamentos referidos em N) já estão/foram imputados nas prestações consideradas liquidadas.
[30] [€ 14.140,38 + (€ 14.140,38X 4% X 52/365)] -  € 1.365,00 = € 12.863,96.