Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
628/14.1T8CVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Descritores: ARRENDAMENTO RURAL
TRANSACÇÃO JUDICIAL
DECLARAÇÃO NEGOCIAL
INTERPRETAÇÃO
Data do Acordão: 06/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO - COVILHÃ - INST. LOCAL - SECÇÃO CÍVEL - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.236, 301, 1248 CC, DL Nº 294/2009 DE 13/10
Sumário: 1.Caracterizando-se a transacção judicial como um "contrato processual", não é a homologação judicial da transacção que decide a controvérsia substancial trazida a juízo pelas partes, mas tão-só fiscalizar a regularidade e a validade de tal pacto. Sendo o litígio resolvido por vontade exclusivamente das partes e não "ex vi da sentença homologatória proferida pelo Juiz, deste contexto fica excluída qualquer aproximação ao conceito de sentença referenciado no n.º 1 do art. 671.°, do C.P.Civil (619º NCPC) e dele nos teremos de arredar no enquadramento da definição de caso julgado.

2.A transacção - seja ela judicial ou extrajudicial - é um negócio jurídico (contrato) que, naturalmente, está submetido às normas substantivas que regulam essa matéria.

3. Também que estando em causa uma transacção judicial, a sentença de homologação confere ao negócio determinados efeitos processuais, atribuindo-lhe eficácia executiva e autoridade de caso julgado.

4.A autoridade do caso julgado determinaria, em princípio, que os direitos e obrigações das partes fixados na transacção (judicialmente homologada) ficassem definidos em termos definitivos, ficando as partes vinculadas às obrigações ali fixadas; mas essa autoridade do caso julgado é expressamente afastada pelo art. 301.°, n.ºs 1 e 2 do Código Civil, ao permitir que, não obstante o trânsito em julgado da sentença, possa vir a ser decretada, em nova acção, a nulidade ou anulabilidade dessa transacção.

5.Só anulada a transacção - seja por via de acção (art. 301.º, n.º 2), seja por via de oposição à execução (art. 814.º, aI. h), do CPC - 728º, 856º 345º NCPC) - a sentença que a havia homologado perde a sua eficácia, enquanto título executivo e enquanto acto que determina os direitos e obrigações das partes, já que, nesta parte, se deve considerar eliminada ou inutilizada e substituída pela decisão posterior que, em conformidade com a lei, declara nula ou anula a transacção que aquela havia julgado válida.

6. Quer a declaração negocial expressa como a tácita podem e devem ser objecto da interpretação objectivista - a chamada «teoria da impressão do declaratário» nos termos do n.º1 do art. 236º Código Civil.

7. É formalmente válido um contrato de arrendamento rural celebrado por meio de transacção judicial.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

1.1 – M (…) e marido, J (…) intentaram a presente acção declarativa de condenação contra A (…) e mulher, M (…), peticionando que seja declarada operante a resolução do contrato de arrendamento rural celebrado com os réus, com fundamento na falta pontual de pagamento de rendas e, consequentemente, sejam os réus condenados a desocupar os locados, deixando-os livres de pessoas e bens.

Para tanto, alegaram os autores que são proprietários dos prédios identificados no artigo 1º da petição inicial, sendo que os réus tomaram de arrendamento tais prédios, nos quais desenvolvem a sua actividade agro-pecuária, por contrato de arrendamento celebrado entre as partes, cujos termos constam da transacção homologada por sentença no âmbito do processo nº452/11.3TBCVL, do extinto 3º Juízo do Tribunal Judicial da Covilhã, já transitada em julgado.

O referido contrato de arrendamento foi celebrado pelo prazo de 7 anos, com início no dia 01 de Janeiro de 2010, tendo sido acordados os valores de renda descritos no artigo 7º da petição inicial.

Contudo, os réus não procederam a qualquer pagamento das rendas referentes aos aludidos prédios, desde o dia 01 de Janeiro de 2010, até à propositura da acção, motivo pelo qual os autores resolveram o referido contrato de arrendamento, através de notificação judicial avulsa, com fundamento na falta de pagamento de rendas e pretendem, pela presente acção, ver declarada operante aquela resolução e, consequentemente, serem os réus despejados dos prédios locados.

Por sua vez, no âmbito do processo nº650/14.8T8CVL, desta instância local cível, J2, J (…) e mulher, M (…) intentaram acção declarativa de condenação contra A (…)e mulher, M (…), peticionando que seja declarada operante a resolução do contrato de arrendamento rural celebrado com os réus, com fundamento na falta pontual de pagamento de rendas e, consequentemente, sejam os réus condenados a desocupar os locados, deixando-os livres de pessoas e bens.

Para tanto, alegaram os autores que são proprietários dos prédios identificados no artigo 1º da petição inicial, sendo que os réus tomaram de arrendamento tais prédios, nos quais desenvolvem a sua actividade agro-pecuária, por contrato de arrendamento celebrado entre as partes, cujos termos constam da transacção homologada por sentença no âmbito do processo nº452/11.3TBCVL, do extinto 3º Juízo do Tribunal Judicial da Covilhã, já transitada em julgado.

O referido contrato de arrendamento foi celebrado pelo prazo de 7 anos, com início no dia 01 de Janeiro de 2010, tendo sido acordados os valores de renda descritos no artigo 7º da petição inicial.

Contudo, os réus não procederam a qualquer pagamento das rendas referentes aos aludidos prédios, desde o dia 01 de Janeiro de 2010, até à propositura da acção, motivo pelo qual os autores resolveram o referido contrato de arrendamento, através de notificação judicial avulsa, com fundamento na falta de pagamento de rendas e pretendem, pela presente acção, ver declarada operante aquela resolução e, consequentemente, serem os réus despejados dos prédios locados.

1.2 – Regularmente citados, os réus apresentaram contestação em ambos os processos supra referenciados alegando, por um lado, a excepção de ilegitimidade dos autores para a acção, uma vez que nenhum dos invocados processos poderia ter sido intentado sem a intervenção dos demais senhorios, autores no processo nº452/11.3TBCVL, do extinto 3º Juízo do Tribunal Judicial da Covilhã e, por outro, a excepção de nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial, com fundamento na contradição entre o pedido e a causa de pedir.

Mais impugnaram a factualidade alegada pelos autores na petição inicial, invocando que não foi celebrado qualquer contrato de arrendamento entre os autores e os réus, sendo que, na transacção celebrada no âmbito do processo nº452/11.3TBCVL, do extinto 3º Juízo do Tribunal Judicial da Covilhã as partes apenas acordaram em celebrar um contrato de arrendamento rural (promessa de celebração) que nunca veio a ser celebrado, não constituindo a referida transacção qualquer contrato, por o mesmo ter de ser celebrado por escrito, com entrega do original no serviço de finanças e cópia do mesmo nos serviços do Ministério da Agricultura, o que não foi feito.

Mais alegaram que, não tendo os autores celebrado o contrato de arrendamento, conforme promessa de celebração acordada entre as partes, estão os autores em incumprimento contratual, pela não celebração do contrato, pelo que asiste aos réus o direito à excepção de não cumprimento.

Finalizaram peticionando que os réus sejam absolvidos do pedido e os autores condenados como litigantes de má-fé, em multa e indemnização a favor dos réus, a fixar pelo Tribunal mas nunca inferior a 5.000,00€, por invocarem como causa de pedir a existência de um contrato que não foi celebrado.

1.3 – A notificação do Tribunal, os autores apresentaram resposta às excepções de ilegitimidade e de ineptidão da petição inicial, suscitadas pelos réus na contestação, alegando que as mesmas não se verificam, pelos fundamentos que invocam no requerimento de fls. 100 e segs. Mais se pronunciaram quanto à condenação como litigantes de má-fé, requerida pelos réus (fls. 125).

Oportunamente, foi proferida a seguinte decisão:

«Após se haver julgado improcedente a excepção de ilegitimidade deduzida nestes autos pelos réus,

-

Pelo exposto, julgo a presente acção totalmente procedente e, em consequência, decido:

- Declarar validamente resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre os autores M (…), J (…), J (…) e M (…)  e os réus A (…) e M (…) o qual tem por objecto os prédios descritos nos pontos 1) a 7) da matéria de facto provada;

- Condenar os réus a desocuparem os prédios identificados nos pontos 1) a 7) da matéria de facto provada, deixando-os livres de pessoas e bens;

- Absolver os autores do pedido de condenação como litigantes de má-fé.

Fixo o valor da acção em 7.125,00€ (sete mil, cento e vinte e cinco euros)».

A (…) e M (…)RR., nos autos, notificados da sentença proferida, da mesma vieram interpor Recurso de Apelação, alegando e concluindo que:

(…)

 

*

M (…) e outros, nos autos melhor identificados em epígrafe, notificados das Alegações dos recorrentes, vieram apresentar as suas contra-alegações, que pugnaram pela improcedência do recurso interposto, por sua vez concluindo que:

(…)

*

II. Os Fundamentos:

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

Com interesse para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

1) O prédio rústico inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Inguias, concelho de Belmonte, sob o artigo 1130º, descrito na Conservatória do Registo Predial de Belmonte sob o nº1772/20140102, encontra-se inscrito a favor de M (…), casada com J (…) no regime de comunhão de adquiridos, pela Ap. 935, de 2014/01/02, tendo como causa de aquisição “partilha judicial” e como sujeitos passivos E (…) e J (…)

2) O prédio rústico inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Inguias, concelho de Belmonte, sob o artigo 1196º, descrito na Conservatória do Registo Predial de Belmonte sob o nº1773/20140102, encontra-se inscrito a favor de M (…), casada com J (…) no regime de comunhão de adquiridos, pela Ap. 935, de 2014/01/02, tendo como causa de aquisição “partilha judicial” e como sujeitos passivos E (…) e J (…).

3) O prédio rústico inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Inguias, concelho de Belmonte, sob o artigo 1053º, descrito na Conservatória do Registo Predial de Belmonte sob o nº1324/20090313, encontra-se inscrito a favor de M (…)casada com J (…) no regime de comunhão de adquiridos, pela Ap. 1457, de 2009/03/13, tendo como causa de aquisição “usucapião”.

4) O prédio rústico inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Inguias, concelho de Belmonte, sob o artigo 1100º, descrito na Conservatória do Registo Predial de Belmonte sob o nº1325/20090313, encontra-se inscrito a favor de M (…) casada com J (…)no regime de comunhão de adquiridos, pela Ap. 1457, de 2009/03/13, tendo como causa de aquisição “usucapião”.

5) O prédio rústico inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Inguias, concelho de Belmonte, sob o artigo 1198º, descrito na Conservatória do Registo Predial de Belmonte sob o nº648/19980414, encontra-se inscrito a favor de M (…), casada com J (…) no regime de comunhão de adquiridos, pela Ap. 2, de 1998/04/14, tendo como causa de aquisição “compra” e como sujeitos passivos A (…) e H (…).

6) O prédio rústico inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Inguias, concelho de Belmonte, sob o artigo 1105º, descrito na Conservatória do Registo Predial de Belmonte sob o nº160/19590305, encontra-se inscrito a favor de J (…)casado com M (…)no regime de comunhão de adquiridos, pela Ap. 1, de 1998/04/14, tendo como causa de aquisição “compra” e como sujeitos passivos A (…) e H (…).

7) O prédio rústico inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Inguias, concelho de Belmonte, sob o artigo 1122º, descrito na Conservatória do Registo Predial de Belmonte sob o nº1756/20131120, encontra-se inscrito a favor de J (…), casado com M (…), no regime de comunhão de adquiridos, pela Ap. 2484, de 2013/11/20, tendo como causa de aquisição “partilha judicial” e como sujeitos passivos E (…) e J (…)

8) No âmbito do processo nº452/11.3TBCVL, do extinto 3º Juízo do Tribunal Judicial da Covilhã, no qual eram autores J (…), M (…), M (…) e J (…) e réus A (…) e M (…)foi celebrada pelas partes, em 16 de Maio de 2013, a seguinte transacção:

a) – Os réus reconhecem que os autores são proprietários e legítimos possuidores dos imóveis descritos nas al. A) a G), inclusive, da especificação e nos artigos 38º a 40º da base instrutória.

b) – Os réus reconhecem que até à presente data foram e são arrendatários dos referidos imóveis.

c) – Os réus reconhecem que se encontram em dívida 6.180,00€ relativos às rendas vencidas até 01-01-2013 dos imóveis mencionados na cláusula a).

d) – Os réus denunciam de imediato o arrendamento relativo ao prédio identificado na al. F) da especificação e inscrito na matriz sob o artigo 1182, comprometendo-se a deixá-lo livre de pessoas e bens até ao final do corrente mês de Maio.

e) – Autores e réus acordam igualmente em celebrar um novo contrato de arrendamento relativo aos prédios identificados nas alíneas A), B), C), D) E) e G) e artigos 38º, 39º e 40º da base instrutória, nos termos seguintes:

e.1 – O arrendamento será pelo prazo de 7 (sete) anos e teve início no dia 01-01-2010.

e.2 – O arrendamento destinar-se-á à exploração agrícola dos réus.

e.3 – A renda do prédio identificado na al. A) da especificação será no valor de 150,00€ anuais.

e.4 – A renda dos prédios identificados nas al.s B) e C) da especificação será no valor de 200,00€ anuais.

e.5 - A renda do prédio identificado na al. D) da especificação será no valor de 250,00€ anuais.

e.6 - A renda do prédio identificado na al. E) da especificação será no valor de 125,00€ anuais, consignando-se todavia que tal arrendamento apenas compreenderá a parte mais baixa do imóvel em referência, correspondente à que vem sendo actualmente ocupada pelos réus.

e.7 - A renda do prédio identificado na al. G) da especificação será no valor de 1.500,00€ anuais.

e.8 - A renda dos prédios identificados nos artigos 38º a 40º da base instrutória será no valor de 425,00€ anuais.

f) – As rendas em referência serão pagas no decurso do mês de Janeiro do ano a que respeitarem.

g) – As rendas relativas aos prédios identificados na al. A), B), C), D), E) todos da especificação, e do imóvel referido nos artigos 38º a 40º da base instrutória, bem como metade do valor da renda dos identificados na alínea B) da especificação, serão pagas à autora M (…) por intermédio de transferência bancária para o NIB 001800032190053502083.

h) – As demais rendas, ou seja, metade do valor do imóvel identificado nas als. B), bem como a totalidade da renda referente ao imóvel identificado na al. G) da especificação, serão pagas ao autor J (…), por intermédio de transferência bancária para o NIB 003300004533709306505.

i) – O valor das rendas referidas nas cláusulas e.3, e.4, e.5, e.6, e.7 e e.8 é devido desde 01-01-2013.

j) – Os réus comprometem-se a pagar as rendas relativas ao ano de 2013, bem como as rendas que os réus reconhecem estar em dívida, no prazo de 30 dias a contar da presente data. O valor das rendas em atraso será pago em partes iguais a todos os autores; as respeitantes ao corrente ano de 2013 serão pagas nos termos mencionados nas cláusulas g) e h).

k) – Ambas as partes prescindem das custas de parte e procuradoria na parte disponível e suportando em partes iguais as que se encontrem em dívida.

9) A transacção referida em 8) foi homologada por sentença, proferida na mesma data, já transitada em julgado.

10) No âmbito do processo nº452/11.3TBCVL, do extinto 3º Juízo do Tribunal Judicial da Covilhã, foi considerada assente, em 01 de Julho de 2011, além do mais, a seguinte matéria:

A)O prédio rústico sito na Terra Alta da Tapada da Nogueira ou Terra dos Pinhos, encontra-se inscrito na matriz rústica da freguesia de Inguias do Município de Belmonte, como ano de inscrição de 1996, sob o artigo 1130º, em nome M (…)

B) O prédio rústico sito na Horta do Cabeço do Milho, encontra-se inscrito na matriz rústica da freguesia de Inguias do Município de Belmonte, com o ano de inscrição de 1996, sob o artigo 1122º, como composto por cultura arvense de regadio, vinha, mata de acácias, mato, cultura arvense e 24 oliveiras, em nome M (…)

C)O prédio rústico sito nas Hortas do Cabeço do Milho, encontra-se inscrito na matriz rústica da freguesia de Inguias do Município de Belmonte, com o ano de inscrição de 1996, sob o artigo 1196º, como composto de mato, pinhal, cultura arvense, cultura arvense de regadio, olival, vinha e pastagem, em nome M (…)

D) O prédio rústico sito na Tapada da Casa, inscrito na matriz rústica, com o ano de 1996, da freguesia de Inguias do Município de Belmonte, sob o artigo 1053º, como composto por cultura arvense de regadio, lameiro, cultura arvense, mato e instalações agrícolas, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Belmonte sob o nº 1324/20090313, e aí inscrito (aquisição por usucapião – ap. 1457 de 2009/03/13) nome de M (…), casada com J (…) no regime de comunhão de adquiridos.

E) O prédio rústico sito na Tapada da Nogueira, inscrito na matriz rústica da freguesia de Inguias do município de Belmonte, com o ano de 1996, sob o artigo 1100º, como composto por cultura arvense de regadio, lameiro e vinha, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Belmonte sob o nº 1325/20090313, e aí inscrito (aquisição por usucapião – ap. 1457 de 2009/03/13) nome de M (…) casada com J (…)no regime de comunhão de adquiridos.

F) O prédio rústico sito no Vale Fundo ou Boavista, inscrito na matriz rústica da freguesia de Inguias do município de Belmonte, com o ano de 1996, sob o artigo 1182º, como composto por cultura arvense, regadio e mato, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Belmonte sob o nº 649/19980414, e aí inscrito (aquisição por usucapião – ap. 1457 de 2009/03/13) nome de M (…) casada com J (…) no regime de comunhão de adquiridos.

G) O prédio rústico sito no Chão Grande, inscrito na matriz rústica da freguesia de Inguias do município de Belmonte, sob o artigo 1105º, composto por cultura arvense de regadio, lameiro, cultura arvense, mato, pastagem e 4 macieiras, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Belmonte sob o nº 160/19590305 e aí inscrito (aquisição por compra – ap. 1 de1998/04/14) nome de J (…), casado com M (…) no regime de comunhão de adquiridos.

11) No âmbito do processo nº452/11.3TBCVL, do extinto 3º Juízo do Tribunal Judicial da Covilhã, foi considerada controvertida, em 01 de Julho de 2011, além do mais, a seguinte matéria:

Artigo 38º da base instrutória

Por acordo verbal, celebrado no dia 1 de Novembro de 1994, E (...) , em nome dos 2.os autores, cedeu aos réus um terreno de cultura arvense, regadio, mato, mata mista, eucaliptal e pastagem?

Artigo 39º da base instrutória:

Que correspondente ao prédio inscrito na matriz rústica da freguesia de Inguias sob o artigo 1198º?

Artigo 40º da base instrutória:

Destinado à pastorícia do efectivo pecuário dos réus?

12) Os réus dedicam-se à actividade agro-pecuária e têm utilizado os prédios referidos em 1) a 7) no âmbito da sua actividade profissional agrícola, neles desenvolvendo parte da sua actividade.

13) Desde 01 de Janeiro de 2010 que os réus não procederam ao pagamento das rendas devidas pela utilização dos prédios referidos em 1) a 7).

14) Em 07 de Novembro de 2014 os réus foram notificados de todo o conteúdo da notificação judicial avulsa nº681/14.8TBCVL, da instância local cível da Covilhã, J1, na qual os requerentes (…) consideravam resolvido o contrato de arrendamento referido em 8.e), por falta de pagamento de rendas e pretendiam que os réus desocupassem os locados de pessoas de bens.

15) Em 07 de Novembro de 2014 os réus foram notificados de todo o conteúdo da notificação judicial avulsa nº680/14.0TBCVL, da instância local cível da Covilhã, J1, na qual os requerentes (…) consideravam resolvido o contrato de arrendamento referido em 8.e), por falta de pagamento de rendas e pretendiam que os réus desocupassem os locados de pessoas de bens.

*

2.1.2 – Matéria de facto não provada

Com interesse para a decisão da causa, não resultaram não provados quaisquer factos.

**

Nos termos do art. 635º do NCPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do nº2 do art. 608º, do mesmo Código.

Das conclusões, derivam, como elementos convergentes e noemáticos, em termos decisórios, as seguintes questões que consistem em apreciar se:

I.

16ª- Há errada interpretação do Tribunal “ a quo “ por considerar que a transacção judicial acordada no processo tipificada como contrato de transacção, previsto no nº 1 do art. 1248º C. Civil, é um contrato de arrendamento rural previsto no artº.6 do D.L. 294/2009 de 13/10, e que a vontade das partes, sem prova para tanto, foi a de celebrar contrato de arrendamento rural, sem o fazer, com o que ficam prejudicados os princípios da imparcialidade e objectividade.

17ª – Há pois, errada interpretação do disposto nos artigos 1248 do C. Civil, por interpretação extensiva do mesmo e errada interpretação quanto à vontade das partes, por ausência de prova quanto ao sentido, normal da declaração, constante da transacção, violando o disposto no artigo 236 do C. Civil.

Apreciando, diga-se estar em causa, na relação jurídica sujeita a escrutínio, essencialmente, aqui também, uma questão de interpretação, igualmente jurídica, constituída em problema judiciário, como elemento noemático, essencial, a dirimir.

Empreendendo, firme-se que o limite da interpretação é a letra, o texto. Deste modo, a apreensão literal do próprio texto, ponto de partida de toda a interpretação, é já interpretação, embora incompleta, pois será sempre necessária uma “tarefa de interligação e valoração que escapa ao domínio literal”.

Nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica.

Por outras palavras: o intérprete não deve deixar-se arrastar pelo alcance aparente do texto, mas deve restringir este em termos de o tornar compatível com o pensamento implícito, se chegar à conclusão de que o redactor adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que se pretendia dizer; o intérprete limita a redacção aparente, por entender que o texto vai além do sentido (Cf. Parecer da PGR: DR, II, de 26-11-1992, pág. 11227).

A letra do texto é, naturalmente, neste contexto, o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe, desde logo, como assinala Baptista Machado, uma função negativa: eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio ou, pelo menos, qualquer correspondência ou ressonância nas palavras utilizadas (Introdução ao Direito, 1987, págs. 187 e ss.).

Ou, como diz Oliveira Ascensão, «a letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação. Quer dizer que o texto funciona também como limite de busca do espírito» (O Direito - Introdução e Teoria Geral, 1978, pág. 350).

Como escreveu Francesco Ferrara, Interpretação e Aplicação das Leis, 3.ª ed., 1978, págs. 127 e ss. e 138 e ss., para apreender o sentido do escrito, a interpretação socorre-se de vários meios: Em primeiro lugar busca reconstituir o seu pensamento através das palavras utilizadas, na sua conexão linguística e estilística, procura o sentido literal. Mas este é o grau mais baixo, a forma inicial da actividade interpretativa. As palavras podem ser vagas, equívocas ou deficientes e não oferecerem nenhuma garantia de espelharem com fidelidade e inteireza o pensamento: o sentido literal é apenas o conteúdo possível; para se poder dizer que ele assume correspondência à mens relatio, é preciso sujeitá-lo a crítica e a controlo.

Com tal tessitura institucional, não pode, circunstancialmente, de acordo com tais pressupostos, e levando em conta a matéria de facto assente e destacada - adiante-se, desde já -, deixar de se acompanhar aquilo que vem consagrado em decisório, reconduzindo-se a um núcleo duro de factos e inferências jurídicas, como tal decorrência inevitáveis, insusceptíveis de ultrapassagem. A saber, por inevitável remissão intertextual:

«Conforme resulta da matéria de facto provada, resultou demonstrado que no âmbito do processo nº452/11.3TBCVL, do extinto 3º Juízo do Tribunal Judicial da Covilhã, no qual eram autores (…) e réus (…) foi celebrada pelas partes, em 16 de Maio de 2013, a seguinte transacção:

a) – Os réus reconhecem que os autores são proprietários e legítimos possuidores dos imóveis descritos nas al. A) a G), inclusive, da especificação e nos artigos 38º a 40º da base instrutória.

b) – Os réus reconhecem que até à presente data foram e são arrendatários dos referidos imóveis.

c) – Os réus reconhecem que se encontram em dívida 6.180,00€ relativos às rendas vencidas até 01-01-2013 dos imóveis mencionados na cláusula a).

d) – Os réus denunciam de imediato o arrendamento relativo ao prédio identificado na al. F) da especificação e inscrito na matriz sob o artigo 1182, comprometendo-se a deixá-lo livre de pessoas e bens até ao final do corrente mês de Maio.

e) – Autores e réus acordam igualmente em celebrar um novo contrato de arrendamento relativo aos prédios identificados nas alíneas A), B), C), D) E) e G) e artigos 38º, 39º e 40º da base instrutória, nos termos seguintes:

e.1 – O arrendamento será pelo prazo de 7 (sete) anos e teve início no dia 01-01-2010.

e.2 – O arrendamento destinar-se-á à exploração agrícola dos réus.

e.3 – A renda do prédio identificado na al. A) da especificação será no valor de 150,00€ anuais.

e.4 – A renda dos prédios identificados nas al.s B) e C) da especificação será no valor de 200,00€ anuais.

e.5 - A renda do prédio identificado na al. D) da especificação será no valor de 250,00€ anuais.

e.6 - A renda do prédio identificado na al. E) da especificação será no valor de 125,00€ anuais, consignando-se todavia que tal arrendamento apenas compreenderá a parte mais baixa do imóvel em referência, correspondente à que vem sendo actualmente ocupada pelos réus.

e.7 - A renda do prédio identificado na al. G) da especificação será no valor de 1.500,00€ anuais.

e.8 - A renda dos prédios identificados nos artigos 38º a 40º da base instrutória será no valor de 425,00€ anuais.

f) – As rendas em referência serão pagas no decurso do mês de Janeiro do ano a que respeitarem.

g) – As rendas relativas aos prédios identificados na al. A), B), C), D), E) todos da especificação, e do imóvel referido nos artigos 38º a 40º da base instrutória, bem como metade do valor da renda dos identificados na alínea B) da especificação, serão pagas à autora (…)por intermédio de transferência bancária para o NIB 001800032190053502083.

h) – As demais rendas, ou seja, metade do valor do imóvel identificado nas als. B), bem como a totalidade da renda referente ao imóvel identificado na al. G) da especificação, serão pagas ao autor (…), por intermédio de transferência bancária para o NIB 003300004533709306505.

i) – O valor das rendas referidas nas cláusulas e.3, e.4, e.5, e.6, e.7 e e.8 é devido desde 01-01-2013.

j) – Os réus comprometem-se a pagar as rendas relativas ao ano de 2013, bem como as rendas que os réus reconhecem estar em dívida, no prazo de 30 dias a contar da presente data. O valor das rendas em atraso será pago em partes iguais a todos os autores; as respeitantes ao corrente ano de 2013 serão pagas nos termos mencionados nas cláusulas g) e h).

k) – Ambas as partes prescindem das custas de parte e procuradoria na parte disponível e suportando em partes iguais as que se encontrem em dívida.

Tal transacção foi homologada por sentença, proferida na mesma data, e já transitada em julgado.

Nessa acção, que correu termos sob o nº452/11.3TBCVL, do extinto 3º Juízo do Tribunal Judicial da Covilhã, eram autores (…)e réus os aqui réus, (…).

Firmado o que vem de se expor, o que conta para a avaliação da existência, ou não, do requisito relativo à identidade de sujeitos é a posição das partes - destas partes - quanto à relação jurídica substancial, o serem portadoras do mesmo interesse substancial (Ac. STJ, de 2.11.2006: Proc. 0683027.dgsi.Net).

A tal respeito, já se apreciou que «caracterizando-se a transacção judicial como um "contrato processual", por isso não é a homologação judicial da transacção que decide a controvérsia substancial trazida a juízo pelas partes, mas tão-só fiscalizar a regularidade e a validade de tal pacto. Sendo o litígio resolvido por vontade exclusivamente das partes e não "ex vi da sentença homologatória proferida pelo Juiz, deste contexto fica excluída qualquer aproximação ao conceito de sentença referenciado no n.º 1 do art. 671.°, do C.P.Civil (619º NCPC) e dele nos teremos de arredar no enquadramento da definição de caso julgado. Esta matéria assim abordada não materializa a excepção do caso julgado, patenteando, isso sim, uma excepção inominada de transacção homologada por sentença transitada em julgado.

Como quer que seja, a transacção - seja ela judicial ou extrajudicial- é um negócio jurídico (contrato) que, naturalmente, está submetido às normas substantivas que regulam essa matéria. Como qualquer negócio jurídico, a nulidade da transacção pode ser invocada a todo o tempo por qualquer interessado (art. 286.° do CC) e determina a destruição dos efeitos dela emergentes e a sua anulabilidade pode ser arguida pelas pessoas a quem a lei confere essa legitimidade e dentro de determinado prazo, legalmente estabelecido. Também, estando em causa uma transacção judicial, a sentença de homologação confere ao negócio determinados efeitos processuais, atribuindo-lhe eficácia executiva e autoridade de caso julgado. A autoridade do caso julgado determinaria, em princípio, que os direitos e obrigações das partes fixados na transacção (judicialmente homologada) ficassem definidos em termos definitivos, ficando as partes vinculadas às obrigações ali fixadas; mas essa autoridade do caso julgado é expressamente afastada pelo art. 301.°, n.ºs 1 e 2 do Código Civil, ao permitir que, não obstante o trânsito em julgado da sentença, possa vir a ser decretada, em nova acção, a nulidade ou anulabilidade dessa transacção.

 Essa acção - por via da qual se pretende obter a declaração de nulidade ou a anulação da transacção - destina-se a atacar os efeitos negociais da transacção, enquanto contrato, pelo que a sentença que declare tal nulidade ou anulabilidade pode decretar os efeitos substantivos daí emergentes, destruindo os efeitos negociais dela emergentes, sendo certo que, por força de disposição legal expressa (o citado art.º 301.°, n.º 2), o caso julgado anteriormente formado com a sentença que homologou a transacção não constitui obstáculo à produção desses efeitos.

Só anulada a transacção - seja por via de acção (art. 301.º, n.º 2), seja por via de oposição à execução (art. 814.º, aI. h), do CPC - 728º, 856º 345º NCPC) - a sentença que a havia homologado perde a sua eficácia, enquanto título executivo e enquanto acto que determina os direitos e obrigações das partes, já que, nesta parte, se deve considerar eliminada ou inutilizada e substituída pela decisão posterior que, em conformidade com a lei, declara nula ou anula a transacção que aquela havia julgado válida.

A destruição dos efeitos negociais da transacção e a reposição da situação anterior ocorre por efeito da procedência da acção que declara a nulidade ou anula a transacção e independentemente da interposição de recurso de revisão da sentença que a havia homologado.

Não obstante a declaração de nulidade ou anulação da transacção e a consequente destruição dos efeitos negociais dela decorrentes, a sentença que a havia homologado conserva a sua eficácia enquanto acto processual que, determinando a extinção da instância, impede a sua reabertura e a apreciação do litígio que nela estava em discussão e é esta eficácia processual da sentença que o recurso de revisão visa eliminar, já que, por via deste recurso, o que se pretende é que seja julgada a causa e resolvido o litígio que, por força da declaração da nulidade ou anulação da transacção, acabou por ficar sem efectiva resolução (Ac. RP, de 27.5.2010: Proc. 2820/07.6TBGDM.Pl.dgsi.Net).

Como tal, circunstancialmente, não acontece, igualmente se não pode contrariar que - tal como decidido - revelar plena adequação o que, em termos emergentes, se consignou em decisório:

«(…) a transacção exarada num processo que põe termo ao litígio entre as partes constitui um contrato processual, consubstanciando um negócio jurídico efectivamente celebrado entre as partes na acção correspondente àquilo que estas quiseram e conforme o conteúdo da declaração feita.

Ou seja, tal transacção equivale à celebração, entre as partes, de um “contrato de transacção”, previsto nos artigos 1248º a 1250º, do Código Civil.

Indagando, a partir dos termos da transacção, celebrada pelas partes naquele processo, se corporiza, ou não, um contrato de arrendamento, leva-se em consideração que o n.º 1 do art. 236.° do Cód. Civil (sentido normal da declaração) representa a consagração da chamada «teoria da impressão do declaratário», teoria que entende que a declaração negocial deve ser interpretada como um declaratário medianamente sagaz, diligente e prudente, a interpretaria, colocado na posição concreta do declaratário.

O Código não se pronuncia sobre o problema de saber quais as circunstâncias atendíveis para a interpretação, ensinando Mota Pinto que «se deverá operar com a hipótese de um declaratário normal: serão atendíveis todos os coeficientes ou elementos que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, na posição do declaratário efectivo, teria tomado em conta» (Teoria Geral do Direito Civil, 1980, pág. 421).

A título exemplificativo, Manuel de Andrade refere «os termos do negócio», «os usos da prática, em matéria terminológica ou de outra natureza que possa interessar», «a finalidade prosseguida pelo declarante», «os interesses (...) em jogo no negócio» (Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, pág. 313, nota I).

A interpretação a que se refere o n.º 1 do artigo tem lugar, tratando-se de declarações receptícias de vontade, quando ambas as partes não tenham entendido do mesmo modo a declaração e é, então, de fazer no sentido que o declaratário, com base em todas as circunstâncias por ele conhecidas ou reconhecíveis por um declaratário normal colocado na sua posição, podia e devia entender, conforme o teria feito um declaratário normal, como sendo o visado pelo declarante. O declaratário não pode interpretar, sem mais, a declaração pelo seu sentido literal, devendo ter em atenção as circunstâncias por ele conhecidas ou reconhecíveis por um declaratário normal colocado na sua posição que possam esclarecê-lo sobre o que o declarante pretendeu significar. O declaratário deve procurar determinar o que o declarante quis significar com ela; nessa indagação não é obrigado a toda e qualquer diligência, mas à que teria um declaratário normal, colocado na posição concreta em que ele real declaratário se encontra, devendo ter, assim, em atenção as circunstâncias por ele conhecidas ou cognoscíveis por um declaratário normal (RLJ, 110.°-351).

A regra do n.º 2 do artigo é aplicável a todas as declarações receptícias, ainda que formais, desde que, quanto a estas, as razões determinantes da forma do negócio se não oponham (RLJ, 110.°-351). Tal regra significa que a ambiguidade ou inexactidão de uma designação não prejudica quando o declaratário a tenha entendido no sentido querido pelo declarante. Quando diversamente o declaratário tenha entendido, podendo fazê-lo, a declaração num sentido diferente do querido pelo declaratário intervém a regra do n.º 1 do artigo (RLJ, 110.°-352).

Por esta forma se revelando de perfeita pertinência e conformidade se haver apreciado:

«Só assim é que se entende que, na cláusula e) da referida transacção, supra elencada, tenha ficado a constar o seguinte: “Autores e réus acordam igualmente em celebrar um novo contrato de arrendamento relativo aos prédios identificados nas alíneas A), B), C), D) E) e G) e artigos 38º, 39º e 40º da base instrutória, nos termos seguintes:”, tendo, de seguida, sido elencados os elementos atinentes ao referido contrato, a saber: data de início do contrato; duração do mesmo; fim; valor das rendas, momento e método de pagamento.

Face aos termos da transacção celebrada entre as partes, não se encontra razão alguma para retirar de tal descrição que as partes tenham querido deferir para momento ulterior a celebração do contrato de arrendamento (autores e réus acordam igualmente em celebrar um novo contrato de arrendamento), conforme pretendem fazer crer os réus.

E isto porque, na convenção através da qual as partes se obrigam a celebrar um determinado contrato, tem de resultar, em termos inequívocos, a vontade de as partes se obrigarem à celebração de tal contrato futuro.

Ou seja, tal documento tem de conter expressa a obrigação das partes de celebrarem um negócio futuro, isto é, de emitirem, no futuro, as declarações de vontade integrantes do contrato definitivo.

Ora, compulsada a transacção proferida no processo nº452/11.3TBCVL, do extinto 3º Juízo do Tribunal Judicial da Covilhã verifica-se que as partes não manifestaram, de forma inequívoca, a vontade de se obrigarem à celebração de um contrato prometido (futuro), mas, pelo contrário, manifestaram, de forma inequívoca, a vontade de celebrarem, através daquele documento, o contrato de arrendamento referente aos prédios em causa nestes autos.

Temos de ter como certo - e presumir face às regras da experiência comum - que as partes, porque acompanhadas pelos seus distintos advogados, souberam exprimir convenientemente as suas intenções e que, não se podendo retirar da proposição que integra a expressão textual da transacção um sentido que dela está arredado, também se não poderá conceder aos réus a acepção que neste domínio aqueles procuram fazer crer».

Assim, quer a declaração negocial expressa como a tácita podem e devem ser objecto da interpretação objectivista - a chamada «teoria da impressão do declaratário» nos termos do n.º1 do art. 236º Código Civil. Tal interpretação implica juízo sobre a matéria de direito. O recurso a esse critério de interpretação - vale por insistir -, só é aplicável quando a vontade real das partes não tiver sido diversa - n.º 2 deste artigo. Para o recurso a ele não basta que não tenha sido provada tal vontade. É que a boa fé obriga o declaratário a procurar, valendo-se das circunstâncias que conhecer ou deve conhecer - as que um declaratário normal colocado na posição do real declaratário teria conhecido segundo a boa fé - determinar a vontade real do declarante. Daí que, se for de admitir que, comportando-se corno um declaratário normal, colocado na sua concreta situação, teria conhecido a vontade efectiva do declarante, a declaração deva valer com o sentido querido por este (Vaz Serra, RLJ, 111.°-307).

De onde, se concluir - inexoravelmente -, que:

«(..) com a transacção celebrada pelas partes no âmbito do processo nº452/11.3TBCVL, do extinto 3º Juízo do Tribunal Judicial da Covilhã, as partes celebraram, efectivamente, um contrato de arrendamento rural, relativamente aos prédios identificados nessa transacção e descritos nos pontos 1) a 7) da matéria de facto provada.

No mais, cumpre deixar claro que, no âmbito dos presentes autos não foi sequer requerida pelos réus a declaração de nulidade ou a anulação da transacção celebrada no âmbito daquele processo, tendo em vista a destruição dos efeitos negociais da transacção e a reposição da situação anterior, tendo os réus apenas alegado que com a celebração de tal transacção não havia sido celebrado qualquer contrato de arrendamento mas apenas firmada uma promessa de celebração do referido contrato, entendimento que, conforme já supra exposto, não é sufragado por este Tribunal».

Desta forma, reconhecendo, igualmente, uma específica

«compreensão do Direito enquanto processo de tradução é, uma hipótese explicativa das relações existentes entre uma prática discursiva especificamente jurídica e aquela a que chamamos linguagem vulgar, por todos empregue no dia-a-dia. Concretamente, quais poderíamos dizer serem as deficiências e as exuberâncias da linguagem "traduzida" do Direito? Quais as particularidades da(s) linguagem(ns) do Direito no cotejo com a linguagem vulgar? (p 24).

(…)

Na sua obra Res Publica, Paulo Ferreira da Cunha, referindo-se ao mito do distanciamento entre a linguagem jurídica e a linguagem corrente, diz-nos que "outrora as diferenças lexicais eram menores: não só os termos técnicos eram menos, como mais presos à linguagem comum ( ... ), e a complexificação do mundo jurídico era também menor. O homem comum sabia mais de Direito". Mais à frente mostra-se resignado: "o lugar da linguagem jurídica como cânone superior e inspirador terminou" (Paulo Ferreira da Cunha, Res Publica, Coimbra, Almedina, 1998, p. 126). Quererá isto dizer que se aprofundou o fosso cavado entre aquelas duas formas de discurso? A complexificação do mundo jurídico terá obrigado a um distanciamento entre a linguagem em que se verteu, mais técnica, e a linguagem comum, o que motiva o desalento do autor. Afastando-se do falar quotidiano, mais se assemelhando a um sociolecto linguisticamente separado que inclusive se pretende ininteligível para a maioria dos mortais, o discurso jurídico estiola-se enquanto inspirador critério de excelência. Aqui podemo-nos perguntar quem terá efectivamente sofrido as alterações mais profundas: se o Direito, o seu discurso, o seu vocabulário, ou antes a própria linguagem do quotidiano, a sabedoria do homem comum ...

Que a linguagem empregue no mundo do Direito tem características próprias face ao tecido linguístico utilizado correntemente pela maioria das pessoas é dado que já não se contesta. Mas que, ao adequar a linguagem comum às suas singulares necessidades, não vai poder prescindir da parte comum da língua, de um léxico e de uma gramática comuns, é algo que, como temos vindo a mostrar, também não podemos negligenciar. Estamos em crer que a bondade do Direito passa por um afinado equilíbrio entre aquilo que no seu discurso é específico e aquilo que é partilhado (pp. 28-29).

(…)

As complexidades da linguagem jurídica foram frequentemente esquecidas, tendo-se igualmente esquecido que as incertezas e indeterminações do discurso do Direito são as incertezas e indeterminações estruturais da própria linguagem (Cf. Paul Gewirtz, “”Victims and Voyeurs: Two Narrative Problems…”, in P. Brooks/P. Gewirtz, eds.,  pp. 157-158) (p.30) (Joana Aguiar e Silva, A Prática Judiciária Entre Direito e Literatura, Almedina Coimbra, 2001, pp.24;28.29 e 30).

O que, igualmente, determina, como elemento de confluência interpretativa, eleger que, sempre que estejam em causa os critérios jurídicos definidos nos arts. 236.º a 239° do Cód. Civil, a interpretação e a integração de um negócio jurídico constitui matéria de direito cognoscível pelo Supremo como tribunal de revista. No tocante à interpretação, o art. 236.°, determinado por razões de protecção ao declaratário e de segurança do tráfico, consagrou a denominada teoria da impressão do destinatário, vindo privilegiar o sentido objectivo da declaração negocial temperado por um elemento de inspiração subjectivista: aquele sentido deixa prevalecer quando não possa razoavelmente ser imputado ao declarante (n, ° 1, in fine). O mesmo sentido objectivo igualmente é inatendível quando não coincida com a vontade real do declarante e esta seja conhecida do declaratário (n.º 2). Semelhantes excepções constituem ou integram, todavia, matéria de facto - saber se o declaratário conhecia a vontade do declarante ou se este não podia contar com o sentido objectivo da declaração são acontecimentos da vida susceptíveis de ser captados pelos diferentes meios de prova. Assim, a interpretação das declarações negociais não se dirige, salvo no caso do art. 236º, n.º 2, a fixar um facto simples - o sentido que o declarante quis imprimir à sua declaração -, mas o sentido jurídico, normativo, da declaração. A integração dos negócios jurídicos postula, por seu turno, duas exigências: investigar o que as partes teriam querido se houvessem previsto o ponto omisso, e o que os ditames da boa fé impõem. Estando em causa a aplicação de critérios da lei, ainda que apoiados factualmente, trata-se, nos dois casos, de matéria de direito (Ac. STJ, 2-2-1988: BMJ, 374.º-436), dirimida como se chancelou.

Assim respondendo negativamente às questões em I.

II.

18ª – Há incumprimento contratual pelos AA ., pela não celebração do contrato de arrendamento e cumprimento das obrigações decorrentes do mesmo, prejudicadas pela não celebração, com o que foi violado o disposto nos artigos 2º e 6º do DL. 294/2009 de 13/10.

Declaradamente, não! Cuida-se, para o efeito de o sustentar, desde logo que, tendo o contrato de arrendamento em causa sido celebrado em 16 de Maio de 2013, com início reportado a 01 de Janeiro de 2010, é-lhe aplicável o Novo Regime do Arrendamento Rural, previsto pelo Decreto-Lei nº294/2009, de 13 de Outubro.

Por sua vez, se é certo que o contrato de arrendamento rural tem de ser obrigatoriamente reduzido a escrito, sob pena de nulidade (artigo 6º, nºs 1 e 2, do referido Decreto-Lei), não pode deixar de se ter como de perfeita consonância que, na circunstância, o contrato de arrendamento em causa, foi, em perfeita correspondência legal, reduzido a escrito, tendo ficado a constar da acta de audiência de discussão e julgamento elaborada no processo nº452/11.3TBCVL, do extinto 3º Juízo do Tribunal Judicial da Covilhã.

Ainda, a comunicação do contrato de arrendamento rural ao serviço de finanças diz, efectivamente, respeito a uma formalidade, a efectuar pelo proprietário dos prédios locados, sendo que, sendo que, caso tal comunicação não seja efectuada, pode o proprietário ser sujeito a coima, mas a validade do contrato de arrendamento mantém-se. Ou seja, a não participação do contrato de arrendamento nas finanças e a não entrega de cópia do mesmo junto dos serviços do Ministério da Agricultura (artigo 6º, nºs 1, 2 e 7 do referido Decreto-Lei) não interfere, de forma alguma, na validade do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, o qual continua a existir e a ser válido e eficaz. Quando muito, a falta de entrega do original do contrato nos serviços de finanças mencionados no n.º 3 pode acarretar aplicação de coima prevista no n.º 1 do artigo 117.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho).

No mais, prescreve o artigo 7º do Novo Regime do Arrendamento Rural que são elementos do contrato de arrendamento:

1 - O contrato de arrendamento rural é reduzido a escrito.

2 - São elementos obrigatórios do contrato de arrendamento rural:

a) A identificação completa das partes;

b) A identificação do bem objecto de arrendamento;

c) O fim a que se destina;

d) O valor estipulado para a renda;

e) A indicação da data de celebração.

3 - Caso existam bens móveis que façam parte integrante do contrato, deve a sua descrição detalhada constar de anexo, designadamente no que respeita ao estado de conservação e funcionalidade.

Da transacção efectuada, deriva que os elementos de tal contrato de arrendamento, contratual e imperativamente, a observar, constantes do artigo 7º do Novo Regime do Arrendamento Rural, integram tal contrato, havendo a identificação dos imóveis objecto e contexto do referido contrato de arrendamento operado per remissionem para os prédios, tipificados em matéria de facto e base instrutória, do “despacho saneador”. Daí que se não possa, senão, concluir haver sido validamente celebrado um contrato de arrendamento rural entre as partes, por meio de transacção celebrada no processo nº452/11.3TBCVL, 3º Juízo do Tribunal Judicial da Covilhã.

Se assim é, fica, desde logo, prejudicada a apreciação da excepção de não cumprimento do contrato invocada pelos réus, em sede de contestação, através da qual alegaram que, encontrando-se os autores em incumprimento contratual pela não celebração do contrato definitivo de arrendamento, sempre poderiam os réus escudar-se ao pagamento das rendas.

A invocação de tal excepção baseava-se no entendimento dos autores de a transacção em causa não constituir qualquer contrato de arrendamento, mas apenas a promessa de celebração do referido contrato. Daí alegarem os réus que tal contrato definitivo não chegou a ser celebrado e, por esse motivo, os autores se encontravam em incumprimento contratual.

Conforme já supra exposto, é entendimento deste Tribunal que a transacção em causa compreende, constituindo, efectivamente, um contrato definitivo de arrendamento rural, motivo pelo qual o incumprimento contratual dos autores, invocado pelos réus, não se verifica.

Considerando tal materialidade, a pretexto de a excepção de inadimplência ser 'um reflexo do sinalagma funcional', 'um corolário da interdependência das obrigações sinalagmáticas'. Correspondendo 'a uma concretização do princípio da boa fé', 'é um meio de compelir os contraentes ao cumprimento do contrato e de evitar resultados contraditórios com o equilíbrio ou equivalência das prestações que caracteriza o contrato bilateral'.

Apesar de a lei apenas prever a hipótese de não haver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, entende-se comummente que a excepção pode ser invocada ainda que haja vencimentos diferentes, por aquele dos contraentes cuja prestação deva ser feita depois da do outro; só não poderá opô-la o contraente que devia cumprir primeiro (Vaz Serra, na RU, 105.°-283, e 108.°-155; P. de Lima e A. Varela, C. C. Anot., vol. I, 3.ª ed., 381; A. Varela, Obrigações, vol. I, 4.ª ed., 319, nota 4).

Àquela hipótese é de assimilar a de haver prazo para uma das obrigações e não o haver para a outra? Galvão Teles (Direito das Obrigações, 4.a ed., 359) entende que sim. Mas a solução é duvidosa.

Entre as obrigações que para ambas as partes derivam dos contratos bilaterais há correspectividade, no sentido de que cada uma delas é causa da outra (nexo causal recíproco). Contudo, 'interessa ver quais são as prestações interdependentes, visto que outras podem existir ao lado delas na relação contratual e a exceptio só aproveita às primeiras' (Pires de Lima e Antunes Varela, no lug. cit.» (do Ac. STJ, 11-12-1984: BMJ, 342.°-357).

Ainda assim, precise-se que a exceptio não funciona como uma sanção, mas apenas como um processo lógico de assegurar, mediante o cumprimento simultâneo, o equilíbrio em que assenta o esquema do contrato bilateral. Por isso ela vigora, não só quando a outra parte não efectua a sua prestação porque não quer, mas também quando ela a não realiza ou a não oferece porque não pode. E vale tanto para o caso de falta integral do cumprimento, como para o de cumprimento parcial ou defeituoso, desde que a sua invocação não contrarie os princípios gerais que decorrem dos arts. 227.° e 762.°, n.º 2 (Ac. STJ, 2.3.2004: CJ/STJ,2004, 1.°.93).

Como quer que seja, o cumprimento contratual - como excepção peremptória - tem que ser provado pelo contraente devedor; assim, o contraente a quem é oposta a excepção de não cumprimento tem que provar que cumpriu a sua prestação, para obviar aos efeitos substantivos dessa excepção (Ac. STJ, 24-6-1999: CJ/STlJ 1999,2.º-163). O que, circunstancialmente, como se evidenciou, este, contrariamente, àquele, satisfez, de pleno.

Nesta conformidade, os autores consideraram resolvido o contrato de arrendamento em causa nestes autos por falta de pagamento das rendas. Exactamente, porque resultou provado que, desde 01 de Janeiro de 2010, que os réus não procederam ao pagamento das rendas devidas pela utilização dos prédios referidos em 1) a 7) da matéria de facto provada. Face a tal constatação, não se poderá contrariar, tal funcionando como elemento tabelar - o que em decisório adequadamente se consagrou -, que:

«(…) resulta do disposto no artigo 13º, nº3, do regime do Novo Arrendamento Rural que é inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora superior a seis meses no pagamento da renda.

É precisamente essa a situação que se verifica no caso em apreço.

Mais acrescenta o artigo 17º, nºs 1 e 2, alínea a), do referido diploma que qualquer das partes pode resolver o contrato com base em incumprimento pela outra parte, que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, ou alteração significativa da natureza e, ou, da capacidade produtiva do prédio, sendo que o senhorio pode pedir a resolução do contrato se o arrendatário não pagar a renda no tempo e lugar próprio, nem fizer o pagamento nos termos previstos no n.º 4 do artigo 11.º.

Donde se conclui que, a falta de pagamento de rendas superior a seis meses é motivo de resolução do contrato de arrendamento pelo senhorio.

Finalmente, resulta do artigo 26º, nº4, do referido diploma que a comunicação pelo senhorio destinada à cessação do contrato por resolução, nos termos do artigo 17.º, é efectuada mediante notificação avulsa, ou mediante contacto pessoal de advogado, solicitador ou agente de execução, sendo, neste caso, feita na pessoa do notificando, com entrega de duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, devendo o notificando assinar o original.

Foi precisamente isso que ocorreu nos presentes autos, sendo que, conforme resulta dos pontos 14) e 15) da matéria de facto provada, deram entrada em juízo duas notificações judiciais avulsas, intentadas pelos autores, tendo em vista a notificação dos réus de que os autores consideravam resolvido o contrato de arrendamento com eles celebrado, por falta de pagamento de rendas e pretendiam a desocupação dos locados e a entrega dos mesmos livres de pessoas e bens (tendo dessa forma sido dado estrito cumprimento ao disposto no artigo 29º, do regime do Novo Arrendamento Rural)».

Assim acontecido, funciona como decorrente, concluir que:

«o contrato de arrendamento celebrado entre as partes foi validamente celebrado e validamente resolvido pelos autores, nos termos supra expostos, pelo que, consequentemente, não se vislumbra outra solução que não seja julgar totalmente procedente a presente acção, declarando resolvido o contrato de arrendamento em causa nestes autos e condenando os réus a desocuparem os locados, deixando-os livres de pessoas e bens, conforme requerido pelos autores».

O que, para além de se acobertar na legislação específica referida, assenta, igualmente, na circunstância de, em conformidade ao que se consagra no art. 432º Código Civil (resolução do contrato - casos em que é admitida), nas relações contratuais duradouras ser possível a resolução do contrato por justa causa. Justa causa consiste numa superveniência perturbadora do correcto implemento do programa negocial, introduzido em regra por uma violação dos deveres contratuais por parte de um dos contraentes ou por contingências verificadas na esfera desse contrato. É relevante a justa causa em que a violação dos deveres por parte de um contraente determina a perda de interesse na continuação da relação contratual por parte do outro contraente (Ac. RL, 28-4-1987: CJ, 1987,2.°-155). Tal como no caso.

Isto porque a resolução se pode fazer: a) por acordo; b) por declaração à outra parte; c) judicialmente. Sendo certo que terá de ser feita judicialmente todas as vezes que a declaração de resolução não seja aceite pela outra parte.

«O direito de resolução (A) é um direito potestativo extintivo e dependente de um fundamento - tem de verificar-se um facto que crie esse direito, ou melhor, um facto ou situação a que lei liga corno consequência a constituição (o surgimento) desse direito potestativo. Tal facto ou fundamento é o facto do incumprimento ou situação de inadimplência» - J. Baptista Machado - Pressupostos da Resolução por Incumprimento, in Estudos de Homenagem ao Prof J. J. Teixeira Ribeiro - II Jurídica, págs. 348/349.

Portanto, o direito de resolução fundado na lei está sempre condicionado a uma situação de inadimplência.

B) O incumprimento é uma categoria mais vasta onde cabem: a) o incumprimento definitivo, propriamente dito; b) a impossibilidade de cumprimento; c) a conversão da mora em incumprimento definitivo - art. 808.°, n.º 1, do Cód. Civil; d) a declaração antecipada de não cumprimento e a recusa categórica de cumprimento, antecipada ou não; e) e, talvez ainda, o cumprimento defeituoso.

No que respeita à inadimplência por impossibilidade de cumprimento, com J. Baptista Machado (ob. cit. pág. 345), podem configurar-se as seguintes situações: a) de impossibilidade parcial e definitiva não imputável ao devedor - art. 793.°, n.º 2; b) de impossibilidade total e definitiva imputável ao devedor- art. 793,°, n.º 2; b) de impossibilidade total e definitiva imputável ao devedor - art. 801.°, n.º 2; c) de impossibilidade parcial e definitiva imputável ao devedor - art. 802.° todos do Cód. Civil.

C) O direito de resolução, como se vê, não pressupõe necessariamente a culpa do devedor, bastando o inadimplemento. A culpa releva, no entanto, para efeitos de indemnização.

Por outro lado, apenas o contraente que cumpre tem direito a resolver o contrato. Daí que se fale em legitimidade resolutiva - v. J. Brandão Proença - Do incumprimento do Contrato-Promessa Bilateral (Coimbra, 1987), pág. 24, nota 34; e Resolução do Contrato no Direito Civil (Coimbra, 1982), pág. 161.

Para além disso, o inadimplemento só possibilita - como na circunstância ocorrida nos Autos - a resolução do contrato se for suficientemente grave para pôr em crise o programa negocial. E é «o interesse do credor que deve servir corno ponto de referência para o efeito de apreciação da gravidade ou importância do inadimplemento capaz de fundamentar o direito de resolução» - J. Baptista Machado, ob. cit., 352 (Ac. RC, 29-9-1992: CJ, 1992, 4.°- 82).

O que determina resposta negativa às questões em II.

III.

19ª – O incumprimento contratual dos AA ., gerou prejuízos para os RR ., pela impossibilidade de requererem apoios, enquanto arrendatários agricultores, no Ministério da Agricultura.

A delimitação objectiva do recurso é feita pelas conclusões da alegação do recorrente e o tribunal apenas pode conhecer das questões nelas compreendidas (Parecer do Prof. Cal vão da Silva, em Col. Jur., 1995, 1.°-7). Em função do disposto no art. 684º CPC (635º NCPC), o âmbito de um recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, transitando em julgado as questões nelas não contidas (Ac. STJ, de 12.12.1995: BMJ, 452.°-385). Sendo os recursos meio de impugnação das decisões dos tribunais inferiores, o seu âmbito encontra-se, ao menos em princípio, objectivamente limitado pelas questões postas ao tribunal recorrido (Ac. STJ, de 25.2.1993: CJ, 1993, 1.°-150). Em toda o caso, os recursos visam o reestudo, por um Tribunal Superior, de questões já vistas e resolvidas pelo tribunal a quo, e não a pronúncia do Tribunal ad quem sobre questões novas (esta regra, que decorre, e designadamente, dos arts. 676.°, n.º 1, e 684.°, n.º 3, do Cód. Proc. Civil (627º e 635º NCPC), comporta duas excepções: 1: - situações em que a lei expressamente determina o contrário; 2: - situações em que em causa está matéria de conhecimento oficioso) (Ac. STJ, de 7.1.1993: BMJ, 423.°-539). Assim se catalogando a questão ora em perfil, o que remete para mera sistemática, ora irrelevante.

Em todo o caso, também como impossível categórico, pois que se   continua a configurar como inarredável que o ónus da prova (art. 342º Código Civil) se traduz, pois, para a parte a quem compete, no dever de fornecer a prova do facto visado, sob pena de sofrer as desvantajosas consequências da sua falta. Assim, exactamente, pois que todos os elementos considerados deficitários - neste específico horizonte problemático -, alegadamente inconsiderados, pelos recorrentes, foram levados em conta, na decisão proferida.

O que - como se fez notar -, decorreu, por inevitabilidade processual, de o ónus de alegação da prova, como elemento pressuponente principiológico actuante e vinculador, consistir em cada uma das partes, que quer ver vingar as suas pretensões, ter de cuidar de que os factos, de que resulta a exactidão das suas afirmações jurídicas segundo as disposições do direito material, sejam levadas ao tribunal mediante as afirmações correspondentes (A. Anselmo de Castro, Dir. Processual Civil Declaratório, cd., 1981, 1.°-70). Deste modo, se a parte a quem incumbe o "onus probandi" fizer prova por si suficiente, o adversário terá, por seu lado, de fazer prova que invalide aquela; que a naturalize, criando no espírito do juiz um estado de dúvida ou incerteza; não carece de persuadir o juiz de que o facto em causa não é verdadeiro (M. Andrade, Noções Elementares Proc. Civil, 2.a ed., 193; ed. 1979, 207). Em todo o caso, tal ónus respeita aos factos da causa, distribuindo-se entre as partes segundo certos critérios. Traduz-se para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova; ou na necessidade de, como quer que seja, sofrer tais consequências, se os autos não contiverem prova bastante desse facto - trazida, ou não, pela mesma parte (M. Andrade, Noções Elementares Proc. Civil, 1979, 196).

Assim determinando ser negativa a resposta à questão em III.

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Podendo, assim, concluir-se, sumariando, nos termos do art. 663º, nº7 do NCPC, que:

1.

O intérprete jurídico não deve deixar-se arrastar pelo alcance aparente do texto, mas deve restringir este em termos de o tornar compatível com o pensamento implícito, se chegar à conclusão de que o redactor adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que se pretendia dizer; o intérprete limita a redacção aparente, por entender que o texto vai além do sentido. A letra do texto é, naturalmente, neste contexto, o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe, desde logo, uma função negativa: eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio ou, pelo menos, qualquer correspondência ou ressonância nas palavras utilizadas.

2.

Caracterizando-se a transacção judicial como um "contrato processual", por isso não é a homologação judicial da transacção que decide a controvérsia substancial trazida a juízo pelas partes, mas tão-só fiscalizar a regularidade e a validade de tal pacto. Sendo o litígio resolvido por vontade exclusivamente das partes e não "ex vi da sentença homologatória proferida pelo Juiz, deste contexto fica excluída qualquer aproximação ao conceito de sentença referenciado no n.º 1 do art. 671.°, do C.P.Civil (619º NCPC) e dele nos teremos de arredar no enquadramento da definição de caso julgado.

3.

A transacção - seja ela judicial ou extrajudicial - é um negócio jurídico (contrato) que, naturalmente, está submetido às normas substantivas que regulam essa matéria. Como qualquer negócio jurídico, a nulidade da transacção pode ser invocada a todo o tempo por qualquer interessado (art. 286.° do CC) e determina a destruição dos efeitos dela emergentes e a sua anulabilidade pode ser arguida pelas pessoas a quem a lei confere essa legitimidade e dentro de determinado prazo, legalmente estabelecido. Também que estando em causa uma transacção judicial, a sentença de homologação confere ao negócio determinados efeitos processuais, atribuindo-lhe eficácia executiva e autoridade de caso julgado. A autoridade do caso julgado determinaria, em princípio, que os direitos e obrigações das partes fixados na transacção (judicialmente homologada) ficassem definidos em termos definitivos, ficando as partes vinculadas às obrigações ali fixadas; mas essa autoridade do caso julgado é expressamente afastada pelo art. 301.°, n.ºs 1 e 2 do Código Civil, ao permitir que, não obstante o trânsito em julgado da sentença, possa vir a ser decretada, em nova acção, a nulidade ou anulabilidade dessa transacção.

4.

Só anulada a transacção - seja por via de acção (art. 301.º, n.º 2), seja por via de oposição à execução (art. 814.º, aI. h), do CPC - 728º, 856º 345º NCPC) - a sentença que a havia homologado perde a sua eficácia, enquanto título executivo e enquanto acto que determina os direitos e obrigações das partes, já que, nesta parte, se deve considerar eliminada ou inutilizada e substituída pela decisão posterior que, em conformidade com a lei, declara nula ou anula a transacção que aquela havia julgado válida.

5.

Como tal, circunstancialmente, não acontece, igualmente se não pode contrariar que - tal como decidido - revelar plena adequação o que, em termos emergentes, se consignou em decisório:

«(…) a transacção exarada num processo que põe termo ao litígio entre as partes constitui um contrato processual, consubstanciando um negócio jurídico efectivamente celebrado entre as partes na acção correspondente àquilo que estas quiseram e conforme o conteúdo da declaração feita. Ou seja, tal transacção equivale à celebração, entre as partes, de um “contrato de transacção”, previsto nos artigos 1248º a 1250º, do Código Civil».

6.

Quer a declaração negocial expressa como a tácita podem e devem ser objecto da interpretação objectivista - a chamada «teoria da impressão do declaratário» nos termos do n.º1 do art. 236º Código Civil. Tal interpretação implica juízo sobre a matéria de direito. O recurso a esse critério de interpretação - vale por insistir -, só é aplicável quando a vontade real das partes não tiver sido diversa - n.º 2 deste artigo. Para o recurso a ele não basta que não tenha sido provada tal vontade. É que a boa fé obriga o declaratário a procurar, valendo-se das circunstâncias que conhecer ou deve conhecer - as que um declaratário normal colocado na posição do real declaratário teria conhecido segundo a boa fé - determinar a vontade real do declarante. Daí que, se for de admitir que, comportando-se corno um declaratário normal, colocado na sua concreta situação, teria conhecido a vontade efectiva do declarante, a declaração deva valer com o sentido querido por este.

7.

De onde, se concluir - inexoravelmente -, que:

«(..) com a transacção celebrada pelas partes no âmbito do processo nº452/11.3TBCVL, do extinto 3º Juízo do Tribunal Judicial da Covilhã, as partes celebraram, efectivamente, um contrato de arrendamento rural, relativamente aos prédios identificados nessa transacção e descritos nos pontos 1) a 7) da matéria de facto provada.

8.

No mais, cumpre deixar claro que, no âmbito dos presentes autos não foi sequer requerida pelos réus a declaração de nulidade ou a anulação da transacção celebrada no âmbito daquele processo, tendo em vista a destruição dos efeitos negociais da transacção e a reposição da situação anterior, tendo os réus apenas alegado que com a celebração de tal transacção não havia sido celebrado qualquer contrato de arrendamento, mas apenas firmada uma promessa de celebração do referido contrato, entendimento que, conforme já supra exposto, não é sufragado por este Tribunal.

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III A Decisão:

Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC, relevando, no entanto, o benefício do Apoio Judiciário atribuído.

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António Carvalho Martins ( Relator)

Carlos Moreira

Moreira do Carmo