Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ABÍLIO RAMALHO | ||
Descritores: | PROVA CRIME CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL ACIDENTE DE VIAÇÃO EXAME SANGUÍNEO CONSENTIMENTO | ||
Data do Acordão: | 01/30/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | 1.º JUÍZO CRIMINAL DE LEIRIA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | REJEIÇÃO DO RECURSO | ||
Legislação Nacional: | ARTIGO 156º Nº 2 E 153º Nº 8 CE | ||
Sumário: | 1.- A condutor interveniente em acidente de viação e cujo estado de saúde não permita que seja submetido a exame de pesquisa de álcool no sangue no ar expirado, a lei não exige o seu consentimento prévio para a colheita de amostra de sangue 2.- Não padecem de inconstitucionalidade as normas contidas nos artigos 153º nº 8 e 156º nº 2 do Código da Estrada | ||
Decisão Texto Integral: | 1 – Recorreu o sujeito-arguido A... da sentença documentada na peça de fls. 50/56, que, na sequência de pertinente julgamento, o condenou à pena principal de 100 (cem) dias de multa, à razão diária de € 6,00 (seis euros), bem como à acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 6 (seis) meses, a título punitivo dum crime de condução automóvel em estado de embriaguez (p. e p. pelo art.º 292.º, n.º 1, do C. Penal), pugnando pela pessoal absolvição, em nuclear razão de alegada invalidade – nulidade – da colheita sanguínea que, na sequência do pessoal transporte a unidade hospitalar para assistência clínica a ferimentos contraídos em acidente rodoviário (despiste) em que interveio, lhe terá sido desautorizadamente realizada, com vista à analítica indagação da presença de álcool – aliás confirmada (TAS de 2,14 g/l) – e da condução automóvel sob a respectiva influência, como se observa do referente quadro-conclusivo (por transcrição): «[…] 1. São elementos do tipo objectivo do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, o exercício da condução de veículo com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com taxa de álcool no sangue (TAS) igual ou superior a 1,2 g/l; 2. A Douta sentença recorrida deu como provado que o arguido, ora recorrente, no dia 18 de Agosto de 2011, pelas 22h15, conduziu o ciclomotor 22-GD-92, tendo sofrido um despiste; 3. Deu também como provado que o recorrente era portador de uma TAS de 2,14 g/l, estribando-se no relatório final elaborado pelo Instituto Nacional de Medicina Legal - Serviço de Toxicologia Forense (INML - STF) - a que corresponde relatório de exame toxicológico, que fixou aquela TAS (fls. 5); 4. Na actual redacção do Código da Estrada, relativo ao procedimento para a fiscalização da condução sob influência de álcool, dada pelo Dec. Lei n.º 44/2005, de 22/02, foi eliminada a possibilidade do condutor para a recusa do exame de pesquisa de álcool através de exame de sangue; 5. Resulta assim agravada a responsabilidade criminal dos examinandos, pois tal recusa, legítima, à colheita de sangue, nos casos admissíveis, passa a ser punida como crime de desobediência; 6. Para eliminar o direito do condutor/examinando poder livremente recusar a colheita de sangue - porque tal alteração legislativa tem um conteúdo inovatório - o Governo necessitava de autorização legislativa da Assembleia da República; 7. O Governo legislou sem prévia autorização legislativa da Assembleia da República, assim em violação do disposto no art. 165° n.° 1 al. c) da CRP, que consagra a matéria de reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República; 8. As normas do art. 152° n.º 3, 153° n.º 8 e 156° n.º 2 do CE estão feridas de inconstitucionalidade orgânica, que expressamente se suscita, com a consequente ilegalidade da prova obtida pelo relatório final do INML - STF, a fls. 5; 9. Sem conceder, não resulta do relatório do INML-STF, ou qualquer outro documento constante dos autos, que o recorrente tenha autorizado ou consentido, por alguma forma, a recolha do seu sangue; 10. Não resultou também como provado que o recorrente estava impossibilitado de prestar o seu consentimento ou manifestar a vontade de recusa à colheita de sangue, sendo certo que o consentimento apenas se presume quando opera em benefício da pessoa privada da capacidade de o declarar; 11. A recolha de sangue sem qualquer fim ou intenção médico-terapêutica, sem o respectivo consentimento da pessoa visada, constitui uma violação da sua integridade física, sendo desta forma nula ou inválida a prova obtida pela recolha e análise ao sangue, e a sua valoração processual para condenação do recorrente inconstitucional. 12. Foram violadas as normas do art. 25° e do art. 32° n°. 8, ambos da CRP, e a norma do art. 126° do CPP; 13. Sem conceder, também não consta do relatório do INML-STF ou qualquer outro documento constante dos autos, qualquer menção/informação/explicação dada ao recorrente de que a recolha do seu sangue e consequente análise destinar-se-ia para fins de obtenção de prova, tendo em vista a sua responsabilização criminal; 14. Inexiste também qualquer relatório médico que contenha informação sobre a situação clínica do recorrente, que demonstre e comprove que o seu estado de saúde ou as suas condições físicas não lhe permitiam, de forma esclarecida e informada, recusar ou consentir na recolha de sangue para tal efeito; 15. O recorrente tinha o direito a saber que a recolha de sangue era para efeitos de sua responsabilização criminal e, assim, poder, querendo, fazer valer o seu direito processual penal à não auto-incriminação; 16. Ainda que incorresse no crime de desobediência; 17. Foi assim omitido um procedimento essencial ao direito fundamental do recorrente a um processo justo; 18. A recolha de sangue ao recorrente, para efeito de sua responsabilização criminal em processo penal, sem que lhe seja explicada a faculdade de recusa é nula por violação do seu direito de defesa e do seu direito à não incriminação e, por conseguinte, este meio de prova inválido; 19. Foi violada a norma do art. 32° n.º 1 da CRP; 20. Sem conceder, no caso sub judice está dado como provado que o recorrente sofreu um despiste; 21. Consagra o art. 156° n.º 1 do CE que: 1 - Os condutores e os peões que intervenham em acidente de trânsito devem, sempre que o seu estado de saúde o permitir, ser submetidos a exame de pesquisa de álcool no ar expirado, nos termos do artigo 153° 22. O método regra para a determinação da TAS é o exame de pesquisa no ar expirado; 23. A análise de sangue surge como ultima ratio, só devendo ser realizada quando não for possível a realização da prova por pesquisa de álcool no ar expirado, por o estado de saúde do examinando o não permitir - cfr. à contrario do n.º 1 do citado art. 156° do CE; 24. Tal avaliação ou juízo sobre o estado de saúde exige-se assim de técnico do foro médico; 25. Não se encontra provado nos autos, no relatório final do INML-STF ou outro documento médico - clinico, que o estado de saúde do recorrente não permitiu a submissão ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado; 26. Também não consta dos autos que o recorrente não tenha conseguido, após três tentativas sucessivas, expelir ar em quantidade suficiente para a realização do teste em analisador quantitativo - cfr. dispõe o n.º 1 do art. 4° da Lei n.º 18/2007, de 17/5; 27. Inexiste assim qualquer razão para a sua não sujeição ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado; 28. No domínio da legalidade da prova a falta de cumprimento dos trâmites legais não é susceptível de sanação, sendo sempre necessário que o processo documente essa legalidade - a falta de documentação da legalidade não pode corresponder à legalidade do meio de prova; 29. Foram violadas as normas do art. 156° n.º 1 e 2 do CE, do art. 1° n.º 3, do art. 2° nºs, 1 e 2 e do art. 4° n.º 1 da Lei n.º 18/2007, do art. 125° do CPP; 30. Por tudo o que se vem de expor deve ter-se por ilegal, nulo e inválido o meio de prova que resulta do relatório final do Instituto Nacional de Medicina Legal-Serviço de Toxicologia Forense de fls. 5. 31. Estribando-se a prova da TAS exclusivamente neste relatório final, deve o ponto 2 da matéria dada como provada, no que respeita à TAS de 2,14 g/l, ser julgado como não provada; 32. Dos demais elementos probatórios valorados não é possível aferir a TAS - apesar da confissão do recorrente, que não tem a razão de ciência de a abranger; 33. Por consequência, não resulta da matéria dada como provada o preenchimento dos elementos objectivos do tipo de crime por que o recorrente vem condenado, pelo que se impõe a sua absolvição. […]» 2 – O Ministério Público pronunciou-se – em primeira instância e nesta Relação – pela insubsistência argumentativa e pela consequente improcedência recursória, (vide referentes peças processuais – de resposta e parecer – de fls. 79/101 e 110/111, nesta sede identicamente tidas por reproduzidas nos respectivos dizeres). 3 – Exercitando a faculdade conferida pelo n.º 2 do art.º 217.º do CPP, o id.º recorrente reiterou a tese e pretensão recursórias, (vd. 114/115). II – AVALIAÇÃO 1 – Como emerge da economia da peça recursória, máxime da vertente conclusiva da respectiva motivação (supra transcrita), funda o id.º arguido-recorrente a nuclearidade da sua tese de invalidade da valoração do relatório da análise sanguínea para pesquisa de alcoolemia – efectuada em unidade hospitalar para onde foi transportado na sequência de acidente rodoviário em que interveio – em pretensa nulidade de tal meio de obtenção probatória, alegadamente decorrente de desautorizada recolha de sangue para o efeito, supostamente inconsentida pela dimensão normativa integrada pelos preceitos ínsitos nos arts. 25.º e 32.º, n.º 8, da Constituição, e 126.º do Código de Processo Penal[1]. 2 – Com o devido respeito, só por incúria ou má-fé processual se compreende que, para além de nunca antes haver suscitado nas sucessivas/apropriadas fases processuais de primeira instância qualquer pretensa invalidade procedimental ou probatória – associada ao conjectural atropelo à disciplina legal de recolha de sangue para análise, com vista à detecção de alcoolemia, de todo processualmente irrevelado –, de modo a permitir o oportuno exercício do concernente contraditório pelo Ministério Público e a condicionar a respectiva/adequada apreciação jurídica pelo competente julgador, tal sujeito – devidamente representado por advogado, que, sendo técnico do direito, se haverá, naturalmente, que presumir bem esclarecido quer sobre ordenamento jurídico quer quanto à orientação jurisprudencial nacional – ainda temerariamente teime em tal construção defensiva, em incauto menosprezo da vasta e bem-consolidada linha jurisprudencial já de há muito a propósito produzida quer pelo Tribunal Constitucional quer pelos diversos tribunais de segunda instância nacionais, mormente pelo deste tribunal da Relação de Coimbra, no fundamental sentido de que, do confronto entre os direitos individuais à incolumidade da integridade física e a protecção da segurança da circulação rodoviária e, reflexamente, da comum segurança das pessoas face ao trânsito de veículos, como a vida e/ou a integridade física – bens jurídicos protegidos, máxime, pelo tipo-de-ilícito de condução de veículo em estado de embriaguez (p. e p. pelo art.º 292.º do C. Penal) –, se deverá conceder natural prevalência a est’último interesse geral, em conformidade com a estatuição normativa do n.º 2 do art.º 18.º da Constituição[2], e, logo, ao reconhecimento da constitucionalidade do comando legal resultante da dimensão normativa decorrente da integrada interpretação do n.º 8 do art.º 153.º e do n.º 2 do art.º 156.º (que ao caso sub judice atine, posto que, na sequência do despiste que protagonizou, o dito utente viário logo foi conduzido a unidade hospitalar), ambos do Código da Estrada (CE), e dos ns. 3 do art.º 1.º, 1 do art.º 4.º e 1 do 5.º, todos da Lei n.º 18/2007, de 17/05[3], postulante da obrigatoriedade da recolha de sangue para pesquisa de alcoolemia a condutor ou peão interveniente em acidente de viação que, por efeito de sequelas físicas em tal evento contraídas, houvesse na sequência sido conduzido a estabelecimento oficial de saúde, independentemente do respectivo consentimento, e, por consequência, à validade constitucional/legal da judicial valoração, máxime em sede de julgamento, do relatório resultante do próprio/adequado procedimento técnico-analítico, de que são exemplificativo exemplo os seguintes acórdãos: 2.1 – Do Tribunal Constitucional (em que se incluem também os reconhecedores da – questionada – constitucionalidade orgânica das normas impositivas da sujeição à recolha sanguínea para pesquisa de alcoolemia a condutor/peão que, sendo interveniente em sinistro rodoviário, haja sido conduzido a estabelecimento oficial de saúde): 2.2 – Deste Tribunal da Relação de Coimbra: 2.3 – Do Tribunal da Relação do Porto: 2.4 – Do Tribunal da Relação de Évora: Porque bastantemente de tal ilustrativo, tem-se por oportuno recordar a nuclearidade da fundamentação dos referidos acórdãos desta Relação de Coimbra de 20/12/2011 e 25/01/2012, respectivamente produzida em sede recursória dos procs. ns. 408/09.6GAMMV.C1 e 123/09.0GTVIS.C1, incidente sobre similar problemática, cuja essencial juridicidade ora se reitera (com realces do ora relator): 3 – Ora, como nos casos em referência, nunca nas diversas fases deste processo se suscitou a questão da vontade real do id.º arguido em recusar ou não permitir o acto médico que possibilitou a concretização do exame sanguíneo de pesquisa de alcoolemia, e de, consequentemente, optar pela sujeição a procedimento criminal tendente à pessoal punição por crime de desobediência. Daí que, não lhe assistindo o direito potestativo a qualquer prévio pedido de autorização à recolha hematológica para tal finalidade na unidade hospitalar para onde – a seu benefício – foi conduzido para recebimento de assistência clínica a sequelas físicas aparentemente contraídas por efeito do sinistro para que concorreu, e encontrando-se firmemente estabilizado o ajuizamento da constitucionalidade orgânica das normas que tal procedimento jurídico-processual postulam, mormente pelos supra referenciados arestos do Tribunal Constitucional, nenhuma base de sustentação juridicamente válida ora se lhe reconheça. Por conseguinte, por nenhuma nova razão plausível e juridicamente oponível a tal consolidada linha interpretativo-legal se alcançar, justificativa da concernente divergência, impor-se-á concluir pela manifesta improcedência do recurso e pela sua decorrente rejeição, [cfr. arts. 417.º, n.º 6, al. d) – aplicável por maioria de razão –, e 420.º, n.º 1, al. a) do C. P. Penal]. IV – DISPOSITIVO
Como assim – sem outras considerações, por inócuas –, decido: 1 – Rejeitar o avaliando recurso – por manifesta improcedência. 2 – Condenar o id.º recorrente A... ao pagamento da sanção pecuniária equivalente a 4 (quatro) UC, pela infundada e temerária actividade recursiva, em conformidade com a estatuição normativa do n.º 3 do art.º 420.º do C. P. Penal, a que acrescerá o montante de 3 (três) UC, a título de taxa de justiça, pelo decaimento no recurso, (cfr. ainda arts. 513.º, n.º 1, do CPP, e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, na redacção introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13/02). *** Coimbra, 30/01/2013[5].
......................................................................... (Abílio Ramalho – Juiz-desembargador-relator)
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