Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1896-03.0PBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO
VALORAÇÃO DAS DECLARAÇÕES DO ARGUIDO
Data do Acordão: 11/03/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS: 124º,125º,127º, 344º,345Ç, 355º 412º,428º DO CPP
Sumário: 1.O princípio da livre apreciação da prova, conjugado com o dever de fundamentação das decisões dos tribunais, exige uma apreciação motivada, crítica e racional, fundada nas regras da experiência mas também nas da lógica e da ciência.
2.A dúvida está sujeita a controlo, devendo revelar-se conforme à razão ou racionalmente sindicável, pelo que, não se mostrando racional, tal dúvida não legitima a aplicação do princípio in dubio pro reo
3. O relato de factos favoráveis à sua defesa pelo arguido em audiência de julgamento, não constitui confissão dos factos que lhe são imputados.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra

Após realização da audiência pública de discussão e julgamento, com exercício amplo do contraditório, foi proferida sentença, na qual o tribunal de 1ª instância, decidiu:
- Absolver o arguido A do crime de falsificação de documento p e p pelo art. 256º, n.º1, al. b) do C. Penal de que vinha acusado bem como do pedido cível com base na responsabilidade civil conexa com a criminal;
- Condenar a arguida P como autora material, em concurso real, de 3 (três) crimes de falsificação de documento p e p pelo art. 256º, n.º1, als. a) e b) do C. Penal e de 1 (um) crime de burla p e p pelo art. 217º n.º1 e 218 n.º1 do C. Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão por cada um deles. E, em cúmulo jurídico, condenar a arguida na pena unitária de 14 (catorze) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período;
- Condenar a arguida/demandada a pagar ao demandante civil, M, a quantia de € 9.500,00 (nove mil e quinhentos euros) acrescida de juros, á taxa legal de 4% ao ano vencidos e vincendos desde 11.07.2007 até integral pagamento.

Não se conformando com a sentença, dela recorre a arguida P Na motivação do recurso formula as seguintes CONCLUSÕES:
1- A arguida/recorrente não pode conformar-se com a D. sentença proferida pelo Tribunal "a quo", pois, ao decidir da forma que decidiu, o Meritíssimo Juiz "a quo' não fez uma correcta interpretação dos factos e não valorou devidamente a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento o que se veio a traduzir numa deficiente decisão sobre a matéria de facto dada como provada.
2 - Factos há que foram dados como provados, e que, atenta toda a prova produzida em audiência de julgamento, o não deveriam ter sido e outros há que não foram devidamente valorados.
3 - O depoimento da recorrente merece credibilidade. Pois esta explicou pormenorizadamente como os factos aconteceram, num depoimento sincero e escorreito, tendo explicado que, à data dos factos, namorava com o queixoso e que tudo havia sido feito com o conhecimento deste, visando-se obter financiamento.
4 - De tal modo o depoimento da arguida/recorrente é verdadeiro e transparente, que dele resulta inequivocamente que ela, conjuntamente com o co-arguido e o queixoso, lograram enganar o Banco Mais. A arguida/recorrente, nessa parte, tudo confessou, pelo que se tem de considerar o seu depoimento como verdadeiro e fulcral para a descoberta da verdade material.
5 - No tocante aos três crimes de falsificação de documento, o mesmo não se verifica, pois, como aqui se demonstra, a recorrente não praticou tais crimes.
6 - Tendo sido M que assinou o requerimento - declaração para registo de propriedade do veículo -IR.
7 - Relevantes para a descoberta da verdade material são ainda os depoimentos de S, que o Meritíssimo Juiz "a quo" não valorou devidamente.
8 - S referiu no seu depoimento frequentar a casa da irmã, na Quinta da Alçada, e ter ouvido "falar lá em casa", por várias vezes entre a recorrente e o M, em fazer um crédito do automóvel, com vista à aquisição de um terreno e a testemunha E corroborou o depoimento da S, dizendo que "o M ajudou a recorrente P vendendo o carro ao S".
9 - Ambas as testemunhas são irmãs da recorrente e frequentavam, na altura, habitualmente, a casa da mesma, convivendo com a recorrente e com o M, presenciando conversas entre os dois, pelo que tais depoimentos merecem toda a credibilidade, sendo suficientes para criar a dúvida, no espírito do julgador, quanto à veracidade do alegado pelo M
10 - E se o M poderá estar a mentir quando refere desconhecer o negócio simulado, também o estará ao dizer não ter sido ele a assinar o requerimento ­declaração para registo de propriedade, no local do vendedor.
11 - Igualmente as assinaturas constantes da declaração de venda no lugar do comprador e do contrato de mútuo n° 620608 foram feitas pelo punho do co-arguido S, que igualmente sabia de tudo e concordou ajudar a recorrente P a obter o financiamento.
12 - Também aqui são importantes os depoimentos de S e E , ambas amigas do co-arguido S, que referiram em sede de julgamento, levarem diversos recados, relativos ao tal financiamento, do S para a recorrente e desta para o S, não podendo, portanto, o co-arguido S estar alheio a todo o combinado.
13 - Tanto mais que, as prestações eram debitadas, mensalmente, na conta deste. Teria o co-arguido S ficado quieto e calado, ao ver serem debitadas prestações relativas a um crédito supostamente contraído por si. se este não tivesse concordado em fazê-lo e aposto a sua assinatura no respectivo contrato de mútuo. Parece-nos que não.
14- No tocante aos crimes de falsificação de documento, o próprio Magistrado do Ministério Público, por via do princípio "in dubio pro reo” pediu, em sede de alegações finais a absolvição da arguida relativamente a esses três crimes.
15 - Tendo em consideração a prova produzida, parece-nos que a arguida/recorrente deve ser condenada, tão só, no tocante ao crime de burla, absolvendo-se em tudo o mais, quer na matéria crime, quer relativamente ao pedido cível formulado, pasme-se. pelo queixoso.
16 - A D. sentença recorrida violou o disposto no artigo 32° n°2 da CRP.
Termos em que se requer a V.Exas que apreciem a gravação da prova, e, em consequência, a arguida venha a ser absolvida quanto à prática dos crimes de falsificação de documento, quanto ao pagamento do pedido de indemnização civil e, bem assim, nas respectivas custas.
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Respondeu o Exmo. Magistrado do MºPº junto do tribunal recorrido alegando, em síntese, que:
- a recorrente não dá cabal cumprimento ao disposto no art. 412º do CPP, devendo ser convidada a completar as conclusões;
- de qualquer forma o recurso deve improceder porquanto a decisão recorrida, além de exaustivamente fundamentada nos meios de prova produzidos, valorados em conformidade com os critérios legais de apreciação da prova.
No visto a que se reporta o art. 416º do CPP o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual sustenta que, sendo perceptível a pretensão do recorrente, não se justifica o convite à correcção. Relativamente ao mérito do recurso, manifesta a sua concordância com a resposta apresentada em 1ª instância.
Foi cumprido o disposto no art. 417º n.º2 do CPP.
No despacho liminar entendeu-se que não permitindo a correcção modificar o âmbito fixado na motivação (art. 417º, n.º3 e 4 do CPP) e sendo perceptível a matéria impugnada – autoria dos três crimes de falsificação – bem como os meios de prova que na perspectiva da recorrente devem levar a decisão diferente da recorrida, não se justifica, por inutilidade, lançar mão do despacho de aperfeiçoamento.
Corridos vistos, após conferência, mantendo-se a validade e regularidade afirmadas no processo, cumpre decidir.

1. Sustenta a recorrente, em suma, que “no que toca aos três crimes de falsificação de documento (…) a recorrente não praticou tais crimes”.
Questionando a decisão do tribunal recorrido relativamente à matéria de facto correspondente a tais crimes - que tenha sido a recorrente quem praticou esses mesmos factos.
De acordo com as conclusões, que definem o objecto do recurso, o recurso incide, pois, sobre a matéria de facto relativa à autoria, por parte da recorrente, dos três crimes de falsificação de documento pelos quais foi condenada em 1ª instância.


2. A apreciação obriga a recapitular a decisão do tribunal recorrido em matéria de facto, com a motivação que a suporta.
É a seguinte:

A) FACTOS PROVADOS: -- --------- --- -----
M comprou, em 31.07.1997, a viatura automóvel matrícula …IR a empresa Auto T…, situada em Pombal; ----------------
Ficando aquela viatura com reserva de propriedade a favor da empresa A… -, S.A.; ------
No mês de Agosto de 2001 iniciou uma relação de namoro com a arguida P; -------------
Passado um ano, nos finais do primeiro semestre do ano de 2002, M emprestou a aludida viatura a P, por esta afirmar ter a sua numa oficina a reparar; --------
Passando P a conduzir regularmente a viatura automóvel de matricula ----IR; -----------
E a ter acesso a todos os seus documentos, nestes se incluindo o requerimento para levantamento da reserva de propriedade emitido a favor da empresa A… S.A., os quais se encontravam no interior da mencionada viatura; Circulando P com a referida viatura até ao momento em que, por avaria, a colocou, em meados do ano de 2003, na oficina de J., sita na … Leiria; -----------
A arguida decidiu pedir um financiamento ao Banco Mais, SA, no qual AS figurava na qualidade de "Mutuário", e a reverter a final a favor de P, ficcionando, para o efeito, a compra da aludida viatura automóvel de matrícula -IR; ----
Agindo em execução daquele plano, P contactou, então, o denominado Banco Mais, S.A., junto do qual providenciou pelo preenchimento, nos seus diversos dizeres, de um contrato de mútuo, com o n.º 62060S, com data de 09.07.2002; ---------------
Nesse contrato P fez constar falsamente que A S residia na Urbanização Quinta … Leiria (morada esta que correspondia à da arguida); o objecto financiado era a aludida viatura matrícula …-IR; o seu fornecedor era a empresa Auto Barmi - Comércio de Automóveis Unipessoal, Lda., situada na Estrada da Estação, Leiria, sendo o preço total de tal viatura automóvel de € 8.000,00; --------------
Após o que foi aposta a assinatura de A S naquele contrato de mútuo n. ° 620608, no local destinado ao "Mutuário", para efeitos de financiamento no montante de € 6.000,00; ----
Posto o que a arguida P remeteu tal contrato de mútuo ao Banco Mais, S.A., em ordem à obtenção do aludido financiamento; - - - - -- - -- - - - ---
Simultaneamente, e para efeitos de reserva de propriedade da viatura a favor daquela instituição de crédito, num requerimento/declaração para registo de propriedade da viatura de matrícula …-IR, datado de 16.07.2002, em que figurava como comprador o Banco Mais, S.A. e vendedor M , a arguida P apôs, pelo seu próprio punho, no espaço destinado à assinatura do vendedor, uma assinatura como se fosse a de "M"; -------------
Ao mesmo tempo que, num outro requerimento/declaração para registo de propriedade da aludida viatura de matrícula …-IR, datado de 16.07.2002, em que figurava como comprador A S e vendedor o Banco Mais, S.A., a arguida P apôs, pelo seu próprio punho, no espaço destinado à assinatura do comprador, uma assinatura como se fosse a de "AS"; ---
Requerimentos/declaração estes que P. igualmente remeteu ao Banco Mais, S.A., conjuntamente com o requerimento para levantamento da reserva de propriedade emitida a favor da empresa A... Companhia de Veículos do Oeste, S.A.; ---------
Uma vez de posse do contrato de mútuo n.º 620608 e dos aludidos requerimentos/declaração o Banco Mais, S.A. providenciou pela assinatura dos mesmos: quanto ao contrato de mútuo n.º 620608, na parte reservada à aposição da assinatura do representante da Administração do Banco Mais, S.A.; quanto ao requerimento/declaração em que surge M como vendedor, na parte destinada ao comprador; quanto ao requerimento/declaração em que surge A S como comprador, na parte destinada ao vendedor; mais assinalando o Banco Mais, SA., neste último requerimento, a reserva de propriedade da viatura de matrícula 47-22-IR a seu favor; ----------
Após que, na data de 19.07.2002, o Banco Mais, S.A. providenciou pela entrega dos referidos requerimentos/­declaração na Conservatória do Registo de Automóveis de Lisboa, acompanhados do requerimento para levantamento da reserva de propriedade emitida a favor da empresa A... - Companhia de Veículos do Oeste, S.A., para efeitos de registo de propriedade da viatura automóvel de matrícula ..-IR em nome de A S, com extinção do registo de reserva de propriedade a favor da empresa A... - Companhia de Veículos do Oeste, SA e elaboração de novo registo de reserva de propriedade, este outro a favor do Banco Mais, SA.; ------------
A arguida P sabia que o teor do contrato de mútuo nº 620608 não correspondia à realidade; ---------------
P sabia, ainda, que as assinaturas de "M" e de "AS" apostas nos supra mencionados requerimentos­/declaração não tinham sido subscritas pelas pessoas que era suposto terem sido os seus autores; -----------------
P logrou, pela forma supra descrita, convencer o representante do Banco Mais, S.A. de que o financiamento solicitado através do contrato de mútuo n.º 620608 se destinava ao fim ali descrito e que os dois requerimentos­/declaração, datados de 16.07.2002, para registo de propriedade da viatura de matrícula …-IR tinham sido subscritos por M, enquanto vendedor, e por A S, enquanto comprador; ----------------
Convencimento esse que foi determinante para a apresentação pelo Banco Mais, S.A. do pedido, e ulterior elaboração pelo respectivo funcionário da Conservatória do Registo de Automóveis de Lisboa, de um registo de propriedade da viatura de matrícula …-IR a favor de AS, com reserva em nome do Banco Mais, S.A., em detrimento de M e da empresa A... - Companhia de Veículos do Oeste, SA.; ----------------
Daqui advindo para M prejuízos de montante igual ao do valor da aludida viatura automóvel de matrícula ---IR, que à data (Julho de 2002) se cifrava em € 8.000,00, na medida em que aquele último ficou legalmente impossibilitado de circular com a mesma e de a poder transaccionar; -- - - -- --- -- - - - -- --
A arguida P agiu consciente, livre e deliberadamente; ------
Aproveitando P a convicção que soube criar no representante do Banco Mais, S.A. e, através deste, no respectivo funcionário da Conservatória do Registo de Automóveis de Lisboa quanto ao declarado no contrato de mútuo nº 620608 e à suposta autenticidade das assinaturas de M e de AS apostas nos requerimentos/declaração; ----
Agiu a arguida P com o propósito de obter um enriquecimento e um benefício, que sabia ser ilegítimos, consubstanciados na obtenção de um financiamento junto do Banco Mais, S.A. no valor de € 6.000,00; -----------
Ciente P ainda que, dessa forma, causava, como efectivamente causou, prejuízos a outrem, neste caso a M; --------------
Abalando a arguida, com as suas condutas, a segurança, genuinidade e credibilidade que documentos como os ora em causa devem merecer; ---------------
28. Sabia que a sua conduta era proibida por lei; ---------------­
Apurou-se, ainda, que: ---------------
A arguida passou a ter acesso a todos os documentos do veículo acima indicado, incluindo o requerimento para levantamento da reserva de propriedade emitido a favor da A..., S.A, os quais se encontravam no interior da viatura; -------- -----------
A qual, à data, estava em bom estado de funcionamento e conservação e tinha, pelo menos, 113.221 kms; ---------------
O demandante M ficou privado da utilização da referida viatura desde meados de 2002 até à presente data; -----
Usava-a para as tarefas indiferenciadas da vida; -----------
O demandante usava uma viatura de serviço durante a semana fornecida pela sua entidade patronal e, para suprir a falta da sua viatura própria ao fim-de-semana e férias, pedia emprestado veículos a familiares; -------------
A falta da sua viatura fez diminuir a qualidade de vida do demandante, ao ficar privado das suas comodidades; ----------
O arguido é segurança num armazém de produtos alimentares, por conta dos Supermercados …, nos P.., auferindo o vencimento mensal de € 600,00; vive com os seus pais e contribui para as despesas domésticas com a quantia mensal de cerca de € 200,00; -------
A arguida trabalha no ramo da medicina do trabalho e aufere o vencimento mensal de €650,00; o seu marido é polícia e aufere o vencimento mensal de € 1.500,00; tem um filho menor de 10 anos a seu cargo; suporta uma prestação bancária mensal, pela aquisição de habitação própria, no montante de € 1.150,00; --------------------
O arguido não tem antecedentes criminais; -------------
A arguida foi anteriormente condenada: -----------
No PCS n.º 79/04.6PBLRA do 2° Juízo do TJ de Pombal, por ofensa à integridade física simples, praticado em 2004, na pena de dispensa de pena; --------------
No PCS nº 2850/03.7TALRA do 2° Juízo Criminal do TJ de Leiria, por dois crimes de falsificação de documento, praticado em 2003, na pena única de 80 dias de multa, já extinta pelo cumprimento. ---------------------


B) - FACTOS NÃO PROVADOS: -------------
- que o arguido AS tenha acordado com a arguida pedir um financiamento ao Banco Mais, SA, no qual AS figurava na qualidade de "Mutuário"; ----------
- que o arguido AS tenha agindo em execução daquele plano previamente acordado com P para contactar o Banco Mais, S.A. para realizar o dito contrato de mútuo; ----. - que o arguido Seguro tenha aposto, pelo seu punho, a sua assinatura no contrato supra referido em 11; --------------
- que o arguido AS tivesse conhecimento do facto referido supra em 18; ------- - - que o arguido AS tenha agido consciente, livre e deliberadamente e, quanto aos factos supra descritos, de forma conjunta e concertada com a arguida P; ------- - - - que o arguido AS agiu com o propósito de obter um enriquecimento e um benefício, que sabia serem ilegítimos, consubstanciados na obtenção de um financiamento junto do Banco Mais, S.A., no valor de €6.000,00, abalando com a sua conduta, a segurança, genuinidade e credibilidade que documentos como os ora em causa devem merecer e que sabia que a sua conduta era proibida por lei; ---------
- que a viatura acima indicada tivesse as mudanças de óleo e revisões feitas regularmente; ----- que o demandante pedisse emprestado veículos a amigos; -------­
- que a partir de Outubro de 2005 o demandante deixou de ter viatura para se deslocar; ------ -- que a viatura tivesse, na data referida supra no ponto 30, 130.000 kms.-----

C) - MOTIVAÇÃO: ---------------
O arguido A, quanto aos factos imputados, exerceu validam ente o seu direito ao silêncio, esclarecendo, porêm, com credíbilidade, a sua actual situação económica e de vida.- A arguida prestou declarações e esclareceu que namorou com o queixoso M e pretendiam ambos adquirir um terreno para construir uma casa em vista de um futuro casamento; como não tinha recibos de vencimento e não conseguia obter crêdito, por um lado, e, por outro, por o M ter "problemas" no banco, sem especificar quais, pediu o favor ao arguido AS, então seu amigo, para fazer um crédito em seu nome no montante de €6.000,00, comprometendo-se a arguida a pagar-lhe as mensalidades de amortização, o que foi feito e foi do conhecimento do M, tendo o arguido S assinando "os papéís" necessários para o efeito, e o crédito foi concedido pelo "Banco Mais", passando a depositar as prestações na conta do arguido S; referiu que foi feita uma venda fictícia do veiculo do M, acima indicado - um "Fiat Punto" de dois lugares - ao arguido S, pelo preço de €7.500,00.------------------
Esclareceu que o queixoso M lhe emprestou o veículo acima indicado durante uns meses jã que tinha o seu a reparar e que assinou juntamente com o M a "papelada" e foi entregar o veículo ao Stand, "pondo-se" o M a vender e o S a comprar, ambos assinando o contrato respectivo, tendo presenciado essas assinaturas (o M na sua casa e o arguido S na quinta da …, segundo precisou), não tendo a arguida qualquer intervenção; mais tarde o queixoso M instaurou uma acção civel de indemnização contra os ora arguidos, sustentando que não assinou contrato algum; referiu que efectivamente o M e o S não venderam nem compraram veículo algum, sendo que o Stand onde o veículo foi entregue fez apenas um favor de receber tal veículo; referiu que depois, com o dinheiro do financiamento bancário, chegou a adquirir o tal terreno, sito na …, o qual ficou propriedade da arguida, vendendo-o mais tarde, sem justificar que destino lhe deu; referiu que, de facto, o arguido S lhe fez um favor, sem receber qualquer vantagem de troca; assume que "enganou" o Banco Mais com o empréstimo simulado, mas que o arguido S e o M sabiam de tudo. --------
M esclareceu com credibilidade que teve um relacionamento com a arguida P entre Agosto de 2001 até inícios de 2003; a dada altura emprestou o seu Fiat Punto (de 1997 e que valia, à data dos factos, cerca de € 8.000,00 e sobre a qual incidia uma reserva de propriedade a favor da A..., financiamento que pagou na integra, sem chegar, contudo, a cancelar a reserva de propriedade, tendo a A... passado um documento para cancelar essa propriedade, o qual ficou no interior da viatura) à arguida por ela precisar de um carro para trabalhar e essa viatura nunca mais voltou à sua posse, sabendo que ficou avariada numa oficina; soube, depois, que essa viatura foi posta "em nome" de outra pessoa que entretanto soube que foi o arguido AS; negou peremptoriamente que tenha assinado qualquer contrato ou documento, nem que a arguida P lhe tenha falado em qualquer financiamento bancário; sustentou com veemência que nunca se falou de casamento com a arguida P , nem do assunto de qualquer terreno para construção de uma casa; referiu que esse Fiat Punto era o seu único veículo, dispondo embora, na altura, de um carro de serviço cedido pela sua empresa, razão por que o emprestou à arguida, não tendo conhecimento que o seu veículo alguma vez tenha estado na posse do arguido Seguro. ---------------------
F, pai do queixoso e demandante, referiu não conhecer o arguido S e conhecer a arguida P por esta ter tido um relacionamento com o seu filho, o qual lhe emprestou o Fiat Punto acima indicado; soube que o veículo do seu filho avariou e a arguida "meteu-o" na oficina e depois vendeu-o a terceira pessoa, ficando prejudicado, por não ter nem o veículo, nem o dinheiro que ele valia e que deu por ele; soube que o arguido AS nem sequer conhecia o Fiat do seu filho; referiu que nunca o seu filho lhe falou de futuro casamento com a arguida P, nem de qualquer contrato de financiamento bancário. - ---
A referiu não ter conhecimento dos factos, conhecendo poucos pormenores que o queixoso M lhe transmitiu. ---
R referiu conhecer a arguida P por esta ter trabalhado numa empresa ligada à medicina do trabalho onde o depoente também em tempos trabalhou, mas não conhece o arguido; esclareceu que conhecia a arguida P como sendo uma pessoa "complicada", por "criar situações menos correctas nos contratos que fazia"; referiu que o M chegou a falar com o depoente questionando ­o sobre o Fiat e falando-lhe de um financiamento bancário que a arguida P havia feito e que esse M desconhecia, não sabendo esclarecer outros pormenores. -------------------
J mecânico, referiu que a arguida era cliente da sua oficina e lá deixou um Fiat Punto para reparar; mais tarde, o referido M apareceu e perguntou por este veiculo, dizendo que era seu, tendo ambos procurado pelos documentos que não se encontravam no seu interior, veículo esse que ainda hoje lá se encontra depositado; referiu que o M se queixou que a arguida P tinha feito um crédito e que mudou o nome do veículo para a titularidade de outra pessoa. ---------------
MF, comerciante de automóveis, referiu que conhece o M desde miúdo e conheceu-lhe um Fiat Punto, a diesel, que usava para a sua vida e em 2002-3 esse veículo valia, pelo menos, €7. 000,00. -------
S, irmã da arguida P referiu que efectivamente a sua irmã foi namorada do M há cerca de 8 anos
atrás, ficando com a "impressão" de que ambos tinham um projecto de vida a dois; referiu, numa descrição vaga, imprecisa e inconsistente, que "sabe" que a sua irmã falou com o Mário para fazer um crédito de um carro para comprar um terreno na…, Ortigosa, por "ouvir comentar lá em casa", sendo que a sua irmã pediu um favor, nesse sentido, ao arguido AS (este fazia um financiamento de um carro, fazendo de contas que o adquiria, apenas para que a P pudesse dispor do dinheiro do financiamento); no decurso do seu depoimento referiu que soube destes assuntos pela sua irmã, a arguida Paula, e nunca ouviu falar de contratos ou de assinaturas em contratos. ----------
E irmã da arguida, referiu saber que o veículo Fiat Punto "apareceu" em nome do arguido AS por a sua irmã lhe ter pedido o favor a este em lhe "comprar" o carro, nunca o tendo visto, porém, a assinar qualquer documento; referiu que o M então namorado da arguida, se prontificou a ajudar nesse sentido, referindo que este "ajudou" na venda do carro ao arguido AS e que este "problema" só surgiu com o rompimento da relação entre a sua irmã e o M; não presenciou a elaboração de contratos ou de assinaturas; não sabe se o arguido AS ia ter algum benefício com esta situação e "pensa" que o objectivo da sua irmã e do M era que o arguido seguro pedisse um empréstimo ao banco para aqueles poderem adquirir um terreno. ---------------
F mãe da arguida, referiu que conheceu o namoro da sua filha com o M e que era "sério" e para "ir para a frente" e teve conhecimento que foi feito um financiamento e um automóvel foi vendido, apenas formalmente, ao arguido S ; sustentou que o M assinou papéis e, no decurso do seu depoimento, referiu que não o viu a assinar, nem o arguido AS; referiu ter saído de carro algumas vezes, aos fins-de-semana, com a sua filha e o M no carro deste e, quando confrontada com a circunstância de este veículo ser "comercial", de dois lugares, confirmou, sem credibilidade, que efectivamente saiu com eles.
Considerou-se, ainda, conjugadamente, o teor da queixa de fls. 2 apresentada por M; o teor do print de fls. 8, 35 e 68 quanto às características do veículo Fiat Punto Van, a gasóleo, registado em 19.07.2002 em nome do arguido A S; o teor da reserva de propriedade a favor do banco Mais, S.A. de fls. 69 com respeito ao mesmo veículo, registada na mesma data de 19.07.2002, bem como o teor dos documentos acompanhantes de tais registos junto da Conservatória de Registo Automóvel de fls. 70 a 82, 167-8, 181; o teor do contrato de mútuo subscrito pelo Banco Mais, S.A. e pelo arguido Seguro de fls. 213-4; o teor do relatório pericial de exame à letra de M e do arguido AS de fls. 221 a 241 concluindo se admite como provável que as respectivas assinaturas no requerimento-declaração para registo de propriedade quanto ao indicado veículo não sejam da autoria e do punho daqueles e de poder ser, ou não, da autoria da arguida P; o teor da perícia à letra constante dos autos de Acção Sumária n." 3227/04.2YXLSB do 1º J. Cível de Lisboa de fls. 436 a 457 onde se conclui como provável que a assinatura do local do mutuário no contrato de mútuo em apreço nos presentes autos não seja do arguido AS; o teor dos CRCs dos arguidos de fls. 478 a 480; e o teor do comprovativo de pagamento do imposto de circulação referente ao indicado veículo de fls. 513.--------
Da prova produzida e dos documentos juntos aos autos, convenceu-se o tribunal que a arguida Paula entrou na posse do indicado Fiat Punto, propriedade do queixoso M, numa altura em que eram namorados e aquela necessitava de um veículo para a as suas deslocações diárias; nesse veículo - que o M pagou em prestações, uma vez que o adquiriu com um financiamento e sobre o qual incidia uma reserva de propriedade - ficaram guardados os documentos a ele respeitantes e um documento para cancelamento daquela reserva (a qual o M nunca chegou a cancelar) que a arguida P usou para transferir a propriedade desse veículo a favor do arguido AS, então seu amigo.-----------------------
o arguido AS exerceu o seu direito ao silêncio e a arguida apenas admitiu que "enganou" o Banco Mais, S.A. com a elaboração de um contrato de mútuo que sabia não corresponder à verdade; com efeito, não resulta da prova produzida que o arguido AS tenha praticado os factos que lhe são imputados e, portanto, deva ser responsabilizado criminalmente; os exames à letra referentes ao contrato de mútuo e às assinaturas constantes dos documentos/declaração para registo automóvel não permitem concluir - afastam mesmo - que tais escritos sejam da autoria e do punho do arguido AS; por outro lado, não se vê como o mesmo tenha intervindo na outorga desse documentos, como precariamente sustenta a arguida, já que o mesmo nunca esteve na posse do veículo Fiat Punto, como foi referido pelas testemunhas, e não veria qualquer benefício para si decorrente da concretização do negócio de financiamento bancário, a não ser fazer sobre si, sem contraprestação, um encargo bancário, o qual, mesmo em nome da amizade, seria difícil admitir, como sem convicção sustentou a arguida P ------------------
Já assim não pode concluir-se em relação à arguida, cujas declarações, hesitantes e não isentas, fizeram crer ao tribunal que o queixoso M, seu antigo namorado, bem como o arguido A, seu antigo amigo, tenham tido conhecimento e colaborado consigo na concretização do negócio de financiamento bancário; com efeito, o M negou peremptoriamente, e, na percepção do tribunal, atentas as suas declarações tranquilas e isentas, com credibilidade, que alguma vez tenha assinado qualquer contrato ou dado autorização ou colaborado com qualquer financiamento; nem se perceberia porquê, já que era dono do Fiat Punto que lhe custou dinheiro (pagou-o na íntegra) e ficou dele desapossado, vindo a "dar" com ele numa oficina (onde, de resto, ainda hoje se encontra) para reparar (o que o dono da oficina relatou em audiência), apurando-se que a propriedade desse veículo foi transferida para o arguido A S; só a arguida estava na posse dos documentos do veículo Fiat Punto, bem como da declaração da anterior financeira, para proceder ao cancelamento da primitiva reserva de propriedade que sobre ele incidia quando o M adquiriu tal automóvel, não colidindo com as regras da experiência e da normalidade das coisa que, sendo a única pessoa que tinha acesso a esse veículo - note-se que a relação com o M terminou entretanto e este perdeu o "rasto" do seu próprio veículo - a arguida, pretendendo, como, aliás, admitiu, conseguir um emprêstimo bancário, e não o podendo conseguir sozinha por não cumprir os requisitos bancários para o efeito, logrou imitar as assinaturas do arguido AS e do seu ex-namorado M , simulando a compra e venda desse veículo entre aqueles dois e simulando que, para a sua suposta aquisição, era necessário obter o referido emprêstimo bancário, quando, na verdade, a arguida apenas pretendia obter o dinheiro do empréstimo para seu proveito pessoal e próprio, o que conseguiu, tanto mais que não se apurou que o arguido Seguro tenha retirado qualquer benefício económico do empréstimo concedido pelo Banco Mais, S.A.; tanto mais que a ideia vaga e inconsistente que pretendeu fazer passar em audiência de julgamento de que pretendia obter um financiamento para adquirir um terreno para construção de futura casa de habitação para si e para o M se evidenciou em audiência uma "desculpa", já que foi referido e, em particular, o M, referiram que nunca tal foi pensado, sendo certo que a arguida, como sustentou, veio efectivamente a adquirir tal terreno, sem que lhe tenha dado o destino que antes afirmara, razão por que, quer as suas declarações, quer as da sua mãe e irmão, frágeis, inconsistentes e não credíveis, não foram valoradas positivamente pelo tribunal, por se mostrarem, no cotejo com a demais prova, inconsistentes, razão por que os factos acima indicados foram dados como provados.----
Os demais factos dados como não provados, acima destacados, na sequência de total ausência de prova sobre a sua verificação, sendo certo que as testemunhas a eles não se referiram ou os souberam esclarecer, sendo insuficientes os elementos dos autos com vista a concluir-se pela sua ocorrência e porque estão em oposição com a prova produzida. -------
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3. O recurso incide, como foi equacionado supra, sobre a matéria de facto relativa à autoria, por parte da recorrente, dos três crimes de falsificação de documento pelos quais foi condenada em 1ª instância.
“Como remédios jurídicos os recursos não podem ser utilizados com o único objectivo de melhor justiça. O recorrente tem que indicar expressamente os vícios da decisão recorrida. A motivação dos recursos consiste exactamente na indicação daqueles vícios que se traduzem em erros in operando ou in judicando. A pretensa injustiça imputada a um vício de julgamento só releva quando resulta de violação de direito material.” – cfr. Cunha Rodrigues, Jornadas de Direito Processual Penal, Centro de Estudos Judiciários, p. 387.
No caso, os documentos (incorporados nos autos) a que se reporta a questionada autoria dos factos, são os seguintes: - a declaração de venda do veículo que serviu para a obtenção de determinado crédito bancário; - o requerimento/declaração para registo da aquisição do mesmo veículo; - o contrato de mútuo bancário.
A recorrente sustenta que não deve dar-se como provado que foi ela quem preencheu e assinou os ditos documentos mas sim M . Fundamentando tal pretensão nas declarações da própria recorrente e nos depoimentos das testemunhas S e E, suas irmãs.
Apesar da minuciosa regulamentação das provas efectuada pelo CPP, salvos os casos em que a lei define critérios legais de apreciação vinculada (vg. prova documental, prova pericial) vigora princípio geral de que a prova é apreciada de acordo com as regras da experiência e a livre convicção do julgador - art. 127º do Código de Processo Penal.
Liberdade de convicção não pode nem deve significar o impressionista-emocional arbítrio ou a decisão irracional “puramente assente num incondicional subjectivismo alheio à fundamentação e a comunicação” – cfr. Castanheira Neves, citado por Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 1, 43.
Pelo contrário, o princípio da livre apreciação da prova, conjugado com o dever de fundamentação das decisões dos tribunais, exige uma apreciação motivada, crítica e racional, fundada nas regras da experiência mas também nas da lógica e da ciência. Devendo ser objectivada e motivada, únicas características que lhe permitem impor-se a terceiros.
Como ensina o Prof. Figueiredo Dias (Lições de Direito Processual Penal, 135 e ss), no processo de formação da convicção há que ter em conta os seguintes aspectos:
- a recolha dos dados objectivos sobre a existência ou não dos factos com interesse para a decisão, ocorre com a produção de prova em audiência,
- é sobre estes dados objectivos que recai a livre apreciação do tribunal, como se referiu, motivada e controlável, balizada pelo princípio da busca da verdade material,
- a liberdade da convicção anda próxima da intimidade pois que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos conhecimentos não é absoluto, tendo como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, portanto, as regras da experiência humana.
Assim, a convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque para a sua formação concorrem a actividade cognitiva e ainda elementos racionalmente não explicáveis como a própria intuição.
Esta operação intelectual, não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis) e para ela concorrem as regras impostas pela lei, como sejam as da experiência, da percepção da personalidade do depoente — aqui relevando, de forma especialíssima, os princípios da oralidade e da imediação — e da dúvida inultrapassável que conduz ao princípio “in dubio pro reo” - cfr. Ac. do T. Constitucional de 24/03/2003, DR. II, nº 129, de 02/06/2004, 8544 e ss..
Por outro lado, a certeza judicial não se confunde com a certeza absoluta, física ou matemática, sendo antes uma certeza empírica, moral, histórica – crf. Climent Durán, La Prueba Penal, ed. Tirant Blanch, p. 615.

A certeza judicial não se exime do vício da humana imperfeição, que sempre pode ser suponível o contrário do que admitimos como verdadeiro. Sempre, enfim, a imaginação fecunda do céptico, lançando-se nos caminhos do possível, inventará cem motivos de dúvida. Com efeito em qualquer caso pode imaginar-se tal combinação extraordinária de circunstâncias que venha a destruir a certeza adquirida. Mas apesar desta combinação possível, não deixará de ficar satisfeito o entendimento quando motivos suficientes estabelecem a certeza, quando todas as hipóteses razoáveis tenham desaparecido e sido rechaçadas depois de um maduro exame. Pretender mais seria querer o impossível, porque não pode obter-se a verdade absoluta naqueles factos que saem do domínio da verdade histórica. Se a legislação recusasse sistematicamente admitir a certeza sempre que pudesse imaginar-se uma hipótese contrária, ficariam impunes os maiores culpados e, por conseguinte, a anarquia introduzir-se-ia fatalmente na sociedade – Mitermayer, citado por Climent Durán, La Prueba, cit., p. 615.

O princípio in dubio pro reo constitui um princípio de direito relativo à apreciação da prova/decisão da matéria de facto.
Estando umbilicalmente ligado, limitando-o, ao princípio da livre apreciação – a livre apreciação exige a convicção para lá da dúvida razoável; e o princípio in dubio pro reo impede (limita) a formação da convicção em caso de dúvida razoável.
Como acentua Jescheck (Tratado de Derecho Penal, Parte General, 4ª ed. 127) “serve para resolver dúvidas a respeito da aplicação do direito que surjam numa situação probatória incerta”.
Significa que em caso de dúvida razoável, após a produção de prova, tem de actuar em sentido favorável ao arguido – cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, ed. de 1974, p. 215.
Não é assim toda a dúvida que justifica a absolvição com base neste princípio. Mas apenas aquela em que for inultrapassável, séria e razoável a reserva intelectual à afirmação de um facto que constitui elemento de um tipo de crime ou com ele relacionado, deduzido da prova globalmente considerada (…) A própria dúvida está sujeita a controlo, devendo revelar-se conforme á razão ou racionalmente sindicável, pelo que, não se mostrando racional, tal dúvida não legitima a aplicação do citado princípio razoável – cfr. Ac. STJ de 04.11.1998, BMJ 481º, p. 265.
A dúvida razoável, que determina a impossibilidade de convicção do Tribunal sobre a realidade de um facto, distingue-se da dúvida ligeira, meramente possível, hipotética. Só a dúvida séria se impõe à íntima convicção. Esta deve ser, pois, argumentada, coerente, razoável – neste sentido, Jean-Denis Bredin, Le Doute et L’intime Conviction, REvue Française de Théorie, de Philosophie e de Culture Juridique, Vol. 23, (19966), p. 25.
De onde que o tribunal de recurso “só poderá censurar o uso feito desse princípio (in dubio) se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a esse estado escolheu a tese desfavorável ao arguido” – cfr. AC. STJ de 02.05.1996, CJ/STJ, tomo II/96, p. 177. Ou quando, após a análise crítica, motivada e exaustiva de todos os meios de prova validamente produzidos e a sua valoração em conformidade com os critérios legais, é de concluir que subsistem duas ou mais perspectivas probatórias igualmente verosímeis e razoáveis, havendo então que decidir por aquela que favorece o réu.
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No caso dos autos, os documentos em causa encontram-se juntos aos autos. Não sendo questionados os seus dizeres/teor.
A recorrente apenas “declina”, sobre o demandante civil, a sua elaboração/feitura/subscrição.
Não questiona os meios de prova nem o teor dos depoimentos valorados pela sentença recorrida.
Nem sequer qualquer “passagem” de depoimento a que o tribunal recorrido tenha atribuído, na motivação da decisão, conteúdo diferente daquele que é revelado pela respectiva gravação. Ou qualquer afirmação (positiva) a que o tribunal tenha atribuído – e valorado, assim incorrendo em erro de julgamento – conteúdo diferente daquele que é revelado pela respectiva gravação-audio.
Pretende, em suma, que às suas declarações (da arguida/recorrente) seja atribuído o valor de prova plena da sua “inocência” por se mostrarem “credíveis”. Invocando ainda os depoimentos das testemunhas S e E, irmãs da recorrente.
O depoimento da arguida, enquanto mera negação dos factos da acusação, não tem valor “probatório pleno” de confissão.
Com efeito o artigo 344º, n.º1 do CPP prevê a valoração da confissão do arguido. Fazendo-o porém (cfr. corpo do referido preceito) relativamente aos “factos que lhe são imputados”.
O CPP reporta-se, pois, à confissão do arguido quanto a “factos que lhe são imputados”. O mesmo é dizer, factos descritos na acusação, como tal constitutivos do crime ou crimes imputados na acusação. Como tais “desfavoráveis” ao arguido que deles á acusado e a quem assiste o direito à não auto-incriminação.
Em conformidade não só com elementares regras da experiência (é fácil “confessar” factos que favorecem quem os confessa). Mas ainda com o princípio geral sobre a valoração da confissão enunciado pelo artigo 353º do C. Civil: Confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária.
Ora, no caso estão em causa factos que a recorrente tinha óbvio interesse em “confessar” porque favoráveis à sua posição. E apenas tem valor de confissão o reconhecimento de factos prejudiciais ao confitente – no caso factos da acusação que lhe é dirigida – e não de factos que o beneficiem.
Por outro lado, de mera negação de trata, sem arrimo em qualquer outro elemento de prova, ou regra da experiência comum, ou elemento objectivo emergente dos autos.
Acresce que nem a recorrente identifica qualquer interesse/vantagem ou proveito do demandante na feitura dos documentos em causa. No qual apenas ela tinha interesse e dos quais só ele retirou benefício.
Por último, nem a recorrente se mostra convencida da sua pretensão, sendo a motivação apresentada, marcadamente hipotética. Quando alega que o Mário João “Poderá estar a mentir quando refere desconhecer o negócio (…) também o estará ao não dizer ter sido ele a assinar” – cfr. conclusão n.º10.
No que toca aos invocados depoimentos das testemunhas, de acordo com a própria motivação do recurso, as testemunhas cujos depoimentos são invocados (irmãs da recorrente) apenas referem, em suma, que “o Mário João ajudou a recorrente a vender o carro ao Seguro”. Ou “ter ouvido falar lá em casa entre a recorrente e o Mário em fazer um crédito do automóvel”.
Assim, nenhuma das referidas afirmações (sintetizadas na conclusão 8ª) atribui a feitura ou a assinatura dos documentos a Mário João. Muito menos com base em razão de ciência própria, sobre o facto tema de prova.
Com efeito, nenhuma das referidas irmãs da recorrente referiu que tivesse sido o Mário a preencher, assinar, ou sequer tirar qualquer proveito da elaboração de qualquer dos documentos em questão. Muito menos que tivesse “visto” preencher ou assinar os documentos. Ou sequer que tivesse interesse ou perspectiva de tirar proveito da viciação dos documentos.
Os depoimentos em questão, dentro da própria motivação do recurso não só não imputam, objectivamente, as falsificações ao ofendido, como pretende a recorrente, como não invocam efectiva razão de ciência sobre a “feitura/assinatura” dos documentos em questão pelo referido Mário João.
Nem mesmo o contrato de compra e venda do automóvel – instrumental para a obtenção do empréstimo bancário de que beneficiou a recorrente. Documento em que aparece, aliás, como outorgante um outro indivíduo – o arguido António Seguro que dele foi absolvido.
Assim, a motivação probatória aduzida pela recorrente com vista a “impor” a decisão que pretende, diferente da recorrida, além de incipiente é inadequada para levar ao efeito probatório pretendido, por não se reportar, directamente, ou por relação lógica coerente, ao “tema” de prova, o mesmo é dizer, aos factos probandos.

À inconsistência dos fundamentos do recurso, acresce, em termos de valoração da prova em conformidade com o critério do art. 127º do CPP:
- A pretensão da recorrente, além de probatoriamente infundada, equivale a querer ver “condenado” Mário João – e por esse efeito ser ela absolvida – por crimes pelos quais nem acusado foi. Constituindo a perspectiva da recorrente uma “inovação” em termos de objecto do processo. Pois que o aludido Mário Gomes não foi acusado dos ditos crimes, antes figurando nos autos como ofendido/prejudicado pelo conjunto de crimes objecto do processo.
- A mesma perspectiva é ainda contraditória com a alegação (constatação do óbvio) da própria recorrente de que ela, o queixoso (Mário João) e o co-arguido (António Seguro) “conjuntamente lograram enganar o Banco Mais” – cfr. conclusão n.º4. Pelo que do reconhecimento (ainda que em conjunto com outros) de ter enganado o banco, decorre, por efeito lógico necessário, a assunção da prática dos actos instrumentais levados a cabo para esse mesmo efeito. Além da circunstância, incontestada, de que foi a recorrente a beneficiária exclusiva dos aludidos crimes. Sendo certo que as falsificações tiveram como objectivo único e exclusivo a obtenção fraudulenta do financiamento de que ela beneficiou.
- Passando em claro, ainda, a pretensão da recorrente, sobre os resultados da prova pericial (exames à letra dos documentos falsificados) analisada e valorada na decisão recorrida.
- Nem a recorrente indica, sequer, um eventual motivo e/ou vantagem/proveito que o Mário deles pudesse ter retirado. E não só Mário João não beneficiou como, ao invés, foi o prejudicado! Pois que ficou sem o carro e sem o dinheiro do empréstimo obtido com a garantia dele.
Assim, em conclusão, nem o tribunal recorrido foi colocado entre duas perspectivas probatórias antagónicas razoáveis, em que tenha optado por aquela que prejudica a recorrente. Nem tal resulta da apreciação dos meios de prova arrolados com base nos critérios legais de apreciação da prova.
Pelo contrário a decisão do tribunal recorrido assenta numa apreciação objectiva e racional dos meios de prova legais, validamente produzidos, apreciados à luz dos critérios legais.
Impondo-se, pois, a improcedência do recurso.


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III.
Nos termos e com os fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao recurso, com a consequente manutenção integral da decisão recorrida. ----
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça