Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
544/16.2 T8CNT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BRIZIDA MARTINS
Descritores: CONTRAORDENAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA
TAXA DE JUSTIÇA DEVIDA PELA INTERPOSIÇÃO DO RECURSO PRAZO
Data do Acordão: 12/19/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (JL CRIMINAL DE CANTANHEDE)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CONTRAORDENACIONAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 8.º, N.ºS 7 E 8, DO REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS; ART.º 13.º DA PORTARIA N.º 419-A/2009
Sumário: I - O impugnante não está dispensado do pagamento de encargos ou seja, segunda vertente das custas, mesmo no caso de a decisão judicial ser no sentido da suspensão da execução da sanção acessória.

II - A referência ao prazo de dez dias a contar do recebimento da impugnação pelo tribunal deve considerar-se a contar do conhecimento do aludido recebimento pelo impugnante, ou seja, da data da notificação do despacho judicial respectivo, e a respectiva contagem deve operar nos termos previstos no Código de Processo Penal.

III - Pela impugnação das decisões das autoridades administrativas é devida taxa de justiça a auto-liquidar em dez dias após a sua recepção pelo tribunal, contado desde a data da notificação ao arguido da data da audiência ou do despacho que a dispensar, com indicação do prazo e modo de pagamento.

Decisão Texto Integral:






Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.



I – Relatório.

1.1. Desavindo com a sanção administrativa aplicada pela ANSR porquanto alegadamente incurso na prática de uma infracção ao conjugadamente disposto pelos art.ºs 24.º e 26.º, n.º 1, do DR 22-A/98, de 1 de Outubro, ambos na redacção introduzida através do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 25 de Fevereiro; 136.º; 138.º e 145.º, al. f), estes todos do Código da Estrada, o arguido A... , entretanto já melhor identificado nos autos, impugnou-a judicialmente.

Admitida a impugnação (cfr. despacho de fls. 27) e tramitados seus termos, realizada e finda a audiência de julgamento, a M.ma Juiz que a ela presidiu, ante a não oposição dos sujeitos processuais intervenientes, determinou que os autos lhe fossem feitos conclusos “a fim de ser proferida decisão” (fls. 43 e v.º).

Aberta conclusão e antecedendo a propalada decisão, proferiu então o despacho de fls. 44 que se reproduz:

“Antes de mais, notifique o recorrente para, no prazo de 10 dias vir juntar documento comprovativo do pagamento oportuno (á data da interposição do recurso) da taxa de justiça devida, por se ter constatado que tal elemento não se mostra junto aos autos.” 

Junta aos autos uma guia comprovativa do pagamento efectuado pelo arguido, seguiu-se novo despacho judicial, agora com este teor:

“Nos termos do disposto no art. 8º do RCJ:

7 - É devida taxa de justiça pela impugnação das decisões de autoridades administrativas, no âmbito de processos contra-ordenacionais, quando a coima não tenha sido previamente liquidada, no montante de 1 UC, podendo ser corrigida, a final, pelo juiz, nos termos da tabela iii, que faz parte integrante do presente Regulamento, tendo em consideração a gravidade do ilícito.

8 - A taxa de justiça referida no número anterior é autoliquidada nos 10 dias subsequentes à notificação ao arguido da data de marcação da audiência de julgamento ou do despacho que a considere desnecessária.

Constatando-se que a taxa de justiça não foi oportunamente paga pelo recorrente e sendo o pagamento ora documentado (que antecede) extemporâneo, não se pode conhecer do mérito do recurso e determina-se a rejeição do mesmo.”

1.2. Persistindo irresignado, recorre o arguido, extraindo da fundamentação com que minutou tal discordância, a seguinte síntese de conclusões:

a) As questões suscitadas na impugnação terão que ser valoradas à luz do direito, independentemente do não pagamento atempado da taxa de justiça.

b) Que o ora recorrente efectivamente não liquidou.

c) Não o fez por qualquer razão ou vontade de incumprir.

d) Tão só porque não foi notificado para o fazer ou alertado para tal.

e) Situação que apenas se deve a um único facto e que se resume ao não conhecimento oficial.

f) Aliás, o próprio documento junto, com a Ref 73863918, disso o caracteriza.

g) Nem outro qualquer documento oficial enviado ao ora recorrente refere para a liquidação da taxa de justiça.

h) Só após a audiência de julgamento é que o tribunal a quo vem notificar o recorrente para apresentar comprovativo do pagamento da taxa de justiça, oportuno.

i) E no prazo de 10 dias, situação esta que o recorrente cumpriu e justificou no processo.

j) Quando de acordo como normativo legal tal cumprimento não foi cumprido por inexistência de informação oficial sobre tal pagamento.

k) Nem o respectivo Duc fora emitido ou indicado pelo tribunal a quo.

l) Nem o ora recorrente sabia como se emitia ou extraia o Duc/guia de pagamento, para o poder consumar.

m) Pelo que e face a toda anomalia criada, não por culpa do ora recorrente, só terá uma solução ou seja o prosseguimento dos autos e a respectiva elaboração de sentença.

n) De que deverá o respeitado Tribunal da Relação proceder, revogando o despacho proferido pelo tribunal a quo substituindo por um outro que permita a prossecução dos respectivos autos.

o) Até à sua decisão final.

p) Que, fazendo como fez o tribunal a quo, resultaria ficar o ora recorrente, limitado na sua defesa.   

q) Prejudicando a sua vida familiar e profissional.

r) Atento a que desenvolvendo uma actividade industrial, se desloca permanentemente em toda a península ibérica. 

s) Visitando e contactando não só os trabalhadores vinculados, por contrato de trabalho de que dispõe como formalizando contratos comerciais.

t) Sendo a pedra base de todo o sistema comercial da sua empresa.

  

u) Direito este que lhe assiste e é consagrado, não só pelo direito constitucional como por força da lei ora posta em crise pelo tribunal a quo.

Terminou pedindo:

- A revogação do despacho sindicado, a dever ser substituído por outro que lhe faculte a possibilidade de ponderação da impugnação formulada;

- Em consequência a remessa dos autos à 1.ª instância para respectivo prosseguimento em conformidade, mormente lavrando-se a correspectiva sentença.

1.3. Admitido o recurso e notificado ao efeito, respondeu o Ministério Público sufragando do seu provimento, isto alicerçado em duas ordens de razões essenciais: ter ocorrido uma irregularidade processual à qual o recorrente é totalmente alheio; e, não permitir o mencionado art.º 8.º, n.ºs 7 e 8, do RCP, as ilações que a Sra. Juiz a quo daí extraiu.

Cumpridas as formalidades devidas, foram os autos remetidos para este Tribunal da Relação.

1.4. Aqui, com vista, nos termos do art.º 416.º do Código de Processo Penal, o Exmo. PGA emitiu parecer concordante com o do Ministério Público na 1.ª instância, isto é, de provimento do recurso ora interposto.

Observado o disciplinado no art.º 417.º, n.º 2, do citado diploma adjectivo, o arguido não apresentou qualquer resposta.

Proferido despacho confirmando da verificação dos pressupostos exigíveis, ordenou-se o prosseguimento do recurso com submissão a conferência.

Dos trabalhos desta emerge a presente decisão.


*

II – Fundamentação.

2.1. Delimitação do objeto do recurso.

De acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Penal, e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça, o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas da respectiva motivação só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – [cfr. acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR, I Série – A, de 28.12.1995].

Neste quadro, e à míngua de questão de que coubesse conhecer oficiosamente, a questão decidenda consiste em apurar se tal como considerou o despacho impugnado foi extemporâneo o pagamento realizado pelo arguido da taxa de justiça devida pela interposição da impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa.

2.2. Antecedendo a apreciação de meritis, mostra-se curial aditar, além do que já se disse, a menção ao encadeado de actos praticados, isto é, do histórico processual tramitado in casu pois, assim, melhor se enquadrará do objecto do litígio e da solução que se antolha a mais conforme.

Como sobressai de fls. 33 e segs., o arguido foi devidamente notificado da data designada para julgamento; todavia, sem simultaneamente para, nos termos do art.º 8.º, n.ºs 7 e 8, do Regulamento das Custas Processuais, proceder, em 10 dias, ao pagamento autoliquidado da taxa de justiça no montante de 1 UC.

Sem comprovativo de pagamento pelo arguido da referida taxa de justiça, ou algum requerimento que o mesmo tivesse eventualmente formulado a propósito, a M.ma Juiz titular dos autos procedeu à realização da aprazada audiência de discussão e julgamento, no dia 3 de Maio de 2017 (cfr. acta de fls. 42-43), e no subsequente dia 8 proferiu o já supra mencionado despacho de fls. 44.

Junto pelo recorrente, em 22 de Maio de 2017, comprovativo do pagamento da taxa de justiça, datado de 18 de Maio de 2017, a mesma M.ma Juiz prolatou o despacho sob censura.

Esta a globalidade da realidade que cumpre ponderar e, tal como o recorrido Ministério Público sustenta em ambas as instâncias, temos que a bondade da decisão está com a posição do recorrente.

Com efeito, e desde logo, a notificação que lhe foi endereçada no dia 1 de Fevereiro de 2017 (cfr. fls. 35), não contém a menção constante da parte final do art.º 8.º, n.º 8, do RCP: “devendo ser expressamente indicado ao arguido o prazo e os modos de pagamento da mesma”.

Ora, sendo assim o recorrente completamente alheio à irregularidade consistente na não comprovação da autoliquidação da taxa de justiça devida, não se descortina como pode por isso ser processualmente penalizado, como foi.

Mas, uma outra ordem de razões se justifica coligir, concretamente, a de apurar qual é a consequência jurídica da omissão pelo impugnante do pagamento da taxa de justiça a que se reporta o citado art.º 8.º, n.ºs 7 e 8, do RCP.

O preceito, sob a epígrafe “Taxa de justiça em processo penal e contra-ordenacional”, nada determina.

Porém, como é consabido, em matéria processual, são aplicáveis subsidiariamente ao processo contra-ordenacional os normativos do processo criminal, por força do estatuído no art.º 41.º do RGCO.

Código de Processo Penal que por seu turno também não contém qualquer norma que regule a situação, e daí que, de acordo com o seu art.º 4.º, haja de ser agora integrada mediante recurso ao disposto no processo civil, maxime, seu art.º 642.º.

Sob a epígrafe “Omissão do pagamento das taxas de justiça”, estatui-se neste normativo: “1. Quando o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício do apoio judiciário não tiver sido junto ao processo no momento definido para esse efeito, a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC.

2. Quando, no termo do prazo de 10 dias referido no número anterior, não tiver sido junto ao processo o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e da multa ou da concessão do benefício do apoio judiciário, o tribunal determina o desentranhamento da alegação, do requerimento ou da resposta apresentado pela parte em falta.

3. A parte que aguarde decisão sobre a concessão do apoio judiciário deve, em alternativa, comprovar a apresentação do respectivo requerimento”.

Como relembra o recorrido, neste sentido vai, aliás, o ensinamento de Salvador da Costa, in Regulamento das Custas Processuais – Anotado e Comentado, Editora Almedina, pág. 202-203, que a propósito escreve: “… resulta deste normativo que, em geral, na impugnação de decisões condenatórias no pagamento de coimas no âmbito dos processos de contra-ordenação não há lugar ao pagamento de taxa de justiça, ou seja, que só a ele há lugar nos casos em que as coimas não tenham sido previamente liquidadas.

Esta solução não colide com o que prescreve o artigo 93.º, n.º 2, do Decreto-Lei nº. 433/82, de 27 de Outubro, segundo o qual, as impugnações judiciais das decisões das autoridades administrativas são isentas de taxa de justiça, porque esta isenção se reporta àquilo que outrora era designado por taxa de justiça de interposição, que coexistia com a autónoma taxa de justiça devida pelo procedimento da impugnação judicial.

Decorre, pois, deste normativo, em quadro de interpretação a contrario sensu, que tendo sido liquidada previamente a coima resultante da condenação, na impugnação da decisão que haja não há lugar a prévio pagamento de taxa de justiça.

Mas o impugnante não está dispensado do pagamento de encargos ou seja, segunda vertente das custas, mesmo no caso de a decisão judicial ser no sentido da suspensão da execução da sanção acessória (…) A referência ao prazo de dez dias a contar do recebimento da impugnação pelo tribunal deve considerar-se a contar do conhecimento do aludido recebimento pelo impugnante, ou seja, da data da notificação do despacho judicial respectivo, e a respectiva contagem deve operar nos termos previstos no Código de Processo Penal.

É isso, aliás, que resulta da lei de regulamentação posterior, segundo a qual, pela impugnação das decisões das autoridades administrativas é devida taxa de justiça a auto-liquidar em dez dias após a sua recepção pelo tribunal, contado desde a data da notificação ao arguido da data da audiência ou do despacho que a dispensar, com indicação do prazo e modo de pagamento (art.º 13.º da Portaria nº. 419-A/2009) (…)

Não estabelece a lei a consequência jurídica da omissão pelo impugnante do pagamento da taxa de justiça no prazo a que este normativo se reporta. Propendemos a considerar dever aplicar-se o disposto no artigo 685.º-D do Código de Processo Civil, em conjugação com o artigo 4.º do Código de Processo Penal.

Nesta perspectiva, a secção de processos deve notificar o impugnante a fim de, em dez dias, proceder ao pagamento omitido acrescido de multa de igual montante, não inferior a uma nem superior a cinco unidades de conta. Não o fazendo, deverá ser proferido despacho de não recebimento do instrumento de impugnação”.

Tais considerações, pese embora tecidas num quadro legal ligeiramente distinto (mas, em rigor, apenas novamente renumerado), são inteiramente transponíveis para o caso em apreço e, aplicadas, redundam na já afirmada procedência do recurso.

Antes de finalizarmos, atentar também no parecer do Exmo. PGA quando, pertinentemente, faz sobressair como dito que o despacho recorrido não atentou no formalismo para autoliquidação da taxa em causa e nomeadamente na indicação expressa, exigida na parte final do elencado art.º 8.º, n.º 8, que os autos demonstram não ter sido efectuada. Ora, conexionado que está o não pagamento com a ausência da aludida indicação expressa, deverá ser considerado o ora efectuado como atempado, já que o foi na sequência de notificação, sendo que esta, em termos informativos, deveria ter sido efectuada com a notificação da data que designou dia para a audiência, como determina o preceito aludido, e não à data da interposição de recurso, como se afirma no despacho (de fls. 44) que precede o recorrido e ordena a notificação para a apresentação do comprovativo do pagamento da taxa. É que, pese embora o recorrente, no caso, ao que se deduz por exemplo de fls. 20, estivesse assistido por advogado, a exigência da lei e a entrega de procuração apenas na audiência de julgamento, levam a concluir que a notificação informativa lhe deveria ter sido efectuada, não podendo o mesmo ser responsabilizado pela deficiência da notificação.

Em conclusão, portanto, devendo ser considerada liquidada a taxa, importa determinar a prossecução dos autos na 1.ª instância com apreciação e decisão da impugnação.


*

III – Decisão.

Nos termos expostos, julgando-se procedente o recurso, revoga-se o despacho recorrido, o qual deve ser substituído na 1.ª instância por outro que ordene o prosseguimento dos autos com apreciação e decisão sobre a impugnação apresentada pelo arguido, ora recorrente.

Sem custas.


*

Coimbra, 19 de Dezembro de 2017

Brizida Martins  (relator)

Orlando Gonçalves  (adjunto)