Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1678/15.6T8GRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: ALIMENTOS
ALIMENTOS EDUCACIONAIS
IRRAZOABILIDADE
ÓNUS DA PROVA
NULIDADE DA SENTENÇA
Data do Acordão: 12/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA - GUARDA - JL CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS. 342 Nº2, 1889, 1905 CC, 615 CPC
Sumário: 1 - A nulidade da sentença, por contradição entre a decisão e os seus fundamentos, é vício formal, que exige a antinomia lógica entre estes dois conspetos, e não se confundindo com os factos que o recorrente quer ver dados como provados e a interpretação que deles opera, o que coloca a dilucidação em sede de ilegalidade da daquela.

3 - A «irrazoabilidade» fundamentadora da inexigência de alimentos pós menoridade – artº 1905º nº2 do CC – é quid exceptivo, integrado por vários elementos - rendimentos, despesas, aproveitamento escolar, relacionamento - a provar pelo pai – artº 342 nº2 do CC.; e se atinente a este relacionamento, vg., conduta desrespeitosa do filho, deve aquele não apenas provar a sua objectividade, como, outrossim, a necessidade de imputação ao descendente de um, único ou essencial/determinante, juízo ético jurídico de censura.

3 – Provando-se que: pai e filhos não falam uns com os outros e que o filho chegou uma vez a enfrentou o pai fisicamente, tal, só por si, não é bastante e suficiente para se concluir pela irrazoabilidade do pedido no sentido de um total indeferimento do quantum impetrado; podendo, porém, influir no quantum do mesmo.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO  DE COIMBRA

1.

A (…) e A (…)  instauraram contra o seu pai P (…), na Conservatória do Registo Civil da (...) , ação de alimentos devidos a filho maior.

Peticionou cada um dos autores a condenação do progenitor a pagar-lhe a quantia mensal de 500 euros.

Ambos alegaram:

São estudantes do ensino superior, com aproveitamento, tendo despesas inerentes, que discriminam, e que são suportadas apenas pela mãe, sendo certo que o pai, porque ganha  cerca de 36.000,00 euros anuais, também pode e deve para elas contribuir.

O R. deduziu oposição.

Disse que os AA. não são dignos de beneficiar de alimentos, sendo, na sua ótica, irrazoável a sua pretensão, pois que desde meados de 2013 que deixaram praticamente de falar com aquele, não o olhando sequer na cara, manifestando desprezo por ele, mudando de passeio quando se cruzam e injuriando-o.

Que os valores peticionados são manifestamente exagerados e sem fundamento dado que muitas das despesas invocadas revestem natureza esporádica e não regular, não sendo outras aceitáveis pois se tratam de despesas voluntárias de quem pretende viver à larga.

Tem encargos mensais de cerca de € 550,00.

A mãe dos AA. auferia vencimento bruto de € 117.751,00 à data da apresentação do IRS conjuntamente consigo, auferindo rendimentos da sua atividade privada de medicina.

Pugna pelo indeferimento do pedido formulado pelos AA. por indignidade e irrazoabilidade e, subsidiariamente, caso assim não se entenda, serem os alimentos fixados em € 200,00.

Após seguida, na Conservatória do Registo Civil da (...) , toda a tramitação prevista no DL n.º272/2001, de 13.10, e mercê de ter havido oposição do R., foram os autos remetidos ao tribunal de 1ª instância.

2.

Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:

«…julgar parcialmente procedente a presente ação e, consequentemente, fixar a prestação alimentícia mensal para cada um dos AA. para efeitos do disposto no art.º1880.º do Código Civil em € 200,00 e até perfazerem a idade de 25 anos.»

3.

Inconformado recorreu o réu.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

Contra alegaram os recorridos pugnando pela manutenção do decidido com os seguintes argumentos finais:

(…)

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

1ª – Nulidade da sentença nos termos dos artºs 615º nº 1. al. c) do CPC.

2ª -  Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

3ª - Improcedência da acção.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

Estatui, no que para o caso interessa, o artº 615º do CPC:

1 - É nula a sentença quando:

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

A oposição dos fundamentos com a decisão reconduz-se a um vicio lógico no raciocínio do julgador, em que as premissas de facto e de direito apontam num sentido e a decisão segue caminho oposto, ou, pelo menos, direção diferente.

Distinguindo-se das situações em que tal disparidade advém de mero erro material, pois, neste caso, a oposição não é substancial mas apenas aparente, dando apenas direito à retificação, enquanto que no caso invocado e que ora nos ocupa a invocada contradição, a existir, é autentica e real - pois que o juiz escreveu o que queria escrever -, a qual, verificando-se, acarreta um vício de conteúdo da sentença que implica a sua nulidade  – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 1981, 5º, 141, Castro Mendes, Direito Processual Civil, ed. AAFDL, 1978, 3º, 302 e Abílio Neto, Breves Notas ao CPC, 2005, 195.

No caso vertente a nulidade da al. c) inexiste.

Já que entre os fundamento da decisão e o cerne da decisão decisória, qual seja, o apuramento, ou não, de uma pensão alimentícia, não se antolha qualquer vício ou contradição lógica: perante os fundamentos factuais e a interpretação que fez das normas jurídicas atinentes, o julgador decidiu decretá-la.

Designadamente entendeu que, não obstante se provar que existe um «afastamento» entre filhos e pai, o réu não logrou provar que a  causa do mesmo seja imputável aos filhos, pelo que «se impõe concluir que não nos pareça irrazoável aos jovens AA. exigir do pai, aqui R., a continuidade no pagamento da prestação alimentícia até perfazerem 25 anos.»

Este discurso não encerra qualquer contradição, antes pelo contrário, se alcança coerente e lógico com as premissas factuais e o entendimento jurídico perfilhado.

Se tais premissas não são as verdadeiras, e se a postura hermenêutica postulada pelo julgador não é a mais curial é questão infra  a dilucidar  neste recurso.

Mas tal não constitui matéria de nulidade, vício formal da sentença, mas antes de ilegalidade, afectação substancial da mesma.

5.2.

Segunda questão.

5.2.1.

No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5  do CPC.

Perante o estatuído neste artigo, exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente;  mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed.  III, p.245.

Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.

Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005  e de 23-04-2009  dgsi.pt., p.09P0114.

Nesta conformidade  constitui jurisprudência sedimentada, que:

«Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. – Ac. do STJ de.20.05.2010, dgsi.pt p. 73/2002.S1.

5.2.2.

Por outro lado, como dimana do já supra referido, e como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genericamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos.

 A lei exige que os meios probatórios invocados imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida.

Ora tal imposição não pode advir, em termos mais ou menos apriorísticos, da sua, subjetiva, convicção sobre a prova.

Porque, afinal, quem  tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz.

Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve ele efetivar uma análise concreta, discriminada, objetiva, crítica, logica e racional, de todo o acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.

 A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório  com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas, e para além da margem de álea em direito probatório permitida e que lhe é concedida.

E só quando se concluir que  a  natureza e a força da  prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção,  se podem censurar as respostas dadas.– cfr. neste sentido, os Acs. da RC de 29-02-2012, p. nº1324/09.7TBMGR.C1, de 10-02-2015, p. 2466/11.4TBFIG.C1, de 03-03-2015, p. 1381/12.9TBGRD.C1 e de 17.05.2016, p. 339/13.1TBSRT.C1; e do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1., todos  in dgsi.pt;

5.2.3.

No caso vertente.

 (…)

Destarte, confere-se a tal alínea a seguinte redacção:

À data da propositura da acção a casa de morada do réu encontrava-se ainda por mobilar em algumas das suas  divisões.

5.2.4.

Decorrentemente, e no deferimento parcial desta pretensão, os factos a considerar são os seguintes, indo a negrito os ora aditados

1. A (…) nasceu em (...) .12.1996;

2. A (…) nasceu em (...) .01.1996;

3. Ambos se encontram registados como filhos de M (…) e P (…)

4. Nos autos de ação especial de divórcio sem consentimento do outro cônjuge que correram temos pelo extinto 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda com  o n.º369/13.7TBGRD, acordaram os pais dos AA. em fixar o regime de exercício das responsabilidades parentais em 11.07.2013, de onde consta, além do demais teor, que aqui se dá por reproduzido, o seguinte: «(…)

9.º

A título de pensão de alimentos, o pai contribuirá, mensalmente, para o sustento dos menores com a importância de € 100,00 (cem euros) para cada um dos menores, a qual será paga até ao dia 8 de cada mês, através de depósito bancário na conta da mãe dos menores por esta a indicar.

§ Primeiro – A referida pensão será atualizada, anualmente e com efeitos a partir de 1 de Janeiro de cada ano, de acordo com o índice de inflação referente ao ano anterior que vier a ser publicado pelo INE.

§ Segundo – Todas as despesas com a educação e saúde (na parte em que não sejam comparticipadas) dos menores serão suportadas por ambos os progenitores em partes iguais, mediante entrega dos respetivos comprovativos.»

5. A A. é estudante do ensino superior e frequentou no ano letivo de 2014/2015 o 1.º ano da Faculdade de Ciências Médicas, Universidade (...) de Lisboa;

6. O A. é estudante do ensino superior e frequentou no ano letivo de 2013/2014 o 2.º ano do Instituto (...) de Lisboa o Curso de Engenharia Mecânica;

7. Os AA. frequentam o ensino superior com bom aproveitamento a todas as disciplinas;

8. Os AA. não auferem (por referência à data de entrada da p.i.) quaisquer rendimentos sendo que as despesas por si efetuadas têm sido pagas pela mãe;

9. Os AA. têm a sua residência oficial na Av.(…), x (...) , onde residem com a mãe, contudo, durante o ano letivo, em Lisboa, reside em apartamento pertencente aos seus avós maternos, sendo os consumos de água, luz, gás e Meo de € 100,00;

10. Em regra, de 15 em 15 dias, os AA. deslocam-se de Lisboa para a x (...) e desta para Lisboa, para passar o fim-de-semana e em Lisboa deslocam-se de e  para o estabelecimentos de ensino, no que despendem, em média, por mês, nas viagens, quantia não concretamente apurada;

11. Os AA. têm gastos de saúde mensais em quantias não concretamente apuradas;

12. Os AA. gastam em telemóvel, por mês, quantia não concretamente apurada;

13. Para fazerem face a despesas tais como cabeleireiro/barbeiro, cinema ou cafés, os AA. têm necessidade de gastar, por mês, quantia não concretamente apurada;

14. As propinas correspondentes à frequência pela A. do seu curso universitário no ano letivo em curso à data da propositura da ação foram de € 1.116,85, o que corresponde ao valor médio mensal de € 93,07;

15. Na frequência de um curso de formação em língua inglesa pela A. em 2014 foi gasto o valor de € 2.570,00;

16. A A. obteve aproveitamento no curso aludido em 15);

17. As propinas correspondentes à frequência pelo A. do seu curso universitário no ano letivo em curso à data da propositura da ação, bem como outras despesas de educação, tais como livros, material escolar, candeeiro de leitura e material informático, foram de € 3.530,77 (tendo dependido de propinas o valor de € 1.065,72 no ano de 2013), o que gera um valor médio mensal de € 294,23;

18. Em vestuário, calçado, carta de condução, exame de código, testes de exame e livro de código, o A. teve de despender no ano letivo em curso à data da propositura da ação a quantia de € 1.144,74, o que gera um valor médio de € 95,40;

19. Os AA. gozam, todos os anos, férias com a mãe, onde é gasto valor não concretamente apurado;

20. O R. é funcionário bancário, exercendo funções na Caixa (...) de (...) ;

21. O R., no exercício das suas funções, auferiu no ano de 2011 o rendimento bruto de € 36.043,16 e em 2015 o de € 38.070,94;

22. O R. auferia em setembro de 2015, o vencimento mensal líquido de € 1.086,73, o que incluía o duodécimo referente ao subsídio de Natal, em julho de 2016 o de € 987,15, em agosto de 2016 € 1.073,95 e em setembro de 2016 € 987,16, já excluído o duodécimo referente ao subsídio de Natal, ;

23. O R. não dispõe de outros rendimentos para além dos do seu vencimento;

24. O R. apenas paga a prestação mensal do empréstimo n.(…)

25. O empréstimo aludido em 24) é apenas um dos empréstimos contraídos solidariamente pelo casal na vigência do casamento;

26. A mãe dos AA. realiza depósitos na conta dos AA., sendo que também lhes estregou e entrega em mão regulares quantias em numerário e paga contas daqueles, designadamente, as de supermercado, viagens, saúde, empregada de limpeza;

27. Os AA. sempre foram excelentes alunos, dedicados, estudiosos, obtendo resultados escolares acima da média;

28. Desde meados de 2013 que as partes não falam uns com os outros;

29. Os AA. não têm relações com, praticamente, toda a família do pai;

29-A. o A. A (...) enfrentou o pai fisicamente, em casa deste aquando do jantar de 26 de dezembro de 2013.

30. O R. gasta em gasolina, porquanto trabalha diariamente em y (...) , a quantia de € 150,00 mensais;

31. O R. tem despesas de manutenção do veículo anual e lavagens e conservação geral em montantes não concretamente apurados, € 162,00 de seguro obrigatório e € 30,00 de IUC;

32. Tem um encargo mensal de € 234,00 (€ 209,00 e € 25,00) relativo a amortização de empréstimos para consumo;

33. Por força de exercer funções em y (...) , tem de ali almoçar todos os dias úteis da semana, gastando, em média, por cada refeição, a quantia de € 11,00, o que perfaz uma despesa mensal de € 242,00;

34. O R. tem despesas com alimentação, higiene, vestuário e calçado em montantes mensais não concretamente apurados;

35. O R. tem encargos mensais de cerca de € 550,00 (€ 75,48, € 257,94 e € 288,66) de amortizações, além de despesas com seguros que, no montante, já estão descontadas diretamente no vencimento;

36. O R. gasta mensalmente e em média € 25,00 de água, € 55,00 de eletricidade, € 50,00 de gás, e € 38,00 de telefone e internet, num total de € 168,00;

37. O R. gasta cerca de € 67,00 mensais de despesas de condomínio e de IMI no valor de € 465,10 por ano, o que dá uma média mensal de € 38,77;

37-A. À data da propositura da acção a casa de morada do réu encontrava-se ainda por mobilar em algumas das suas  divisões.

38. O R. não faz despesas com a limpeza da casa;

39. O R. não fuma nem consome bebidas alcoólicas, a não ser às refeições;

40. O R. estava, á data da propositura da ação, obrigado a pagar alimentos retroativos aos AA. no montante de € 100,00 mensais a cada um;

41. No ano de 2011, a mãe dos AA. auferiu um rendimento bruto de € 117.707,13 e o R. auferiu um rendimento bruto de € 36.088,97;

42. Auferiu ainda rendimentos da sua atividade privada de medicina, como sócia da M (…), no montante de € 7.272,57;

43. Em julho de 2016, a mãe dos AA. auferiu, enquanto trabalhadora da ULS da x (...) , a quantia líquida de € 3.510,22;

44. O resultado líquido da sociedade aludida em 45) – quereria dizer-se 42 - no ano de 2015 foi de € 31.905,45, sendo o lucro tributável de € 40.530,00 em 2016 foram respetivamente de € 58.991,66 e € 71.517,64;

45. Datada de 11.03.2013, foi a carta constante de fls.522 enviada pelo R. a Advogado de onde consta, além do demais teor que aqui se dá por reproduzido, o seguinte:

«(…) Tendo em conta a situação económica da mãe entendo que não será da minha obrigação dar qualquer pensão de alimentos aos nossos filhos (…)

5.3.

Terceira questão.

5.3.1.

Está nesta sede recursiva colocada em dilucidação pelo recorrente a inexigibilidade, por irrazoabilidade, da prestação alimentícia, ou, ao menos, a redução do seu quantum.

O julgador apreciou e decidiu, de jure, nos seguintes termos:

«…impõe-se agora aferir da verificação das exceções previstas no art.º1905.º, n.º2, in fine, do Código Civil e, desde já, se adianta, que o legislador introduziu ali uma inversão do ónus da prova, cabendo ao pai, in casu, ao R., provar a verificação de tais circunstancialismos.

 “que deve entender-se, o que releva, para efeitos de tal cláusula de “razoabilidade”?

Relevarão/militarão, para tal juízo de razoabilidade, as possibilidades económicas do jovem …e a dimensão dos recursos dos progenitores; …aproveitamento escolar que modelam e estão na génese do prolongamento desta obrigação… o financiamento dos estudos, por parte dos progenitores, não pode ser perspectivado como um direito absoluto do filho; …Significa isto – sublinha-se, ainda – que se pode/deve ponderar a inobservância dos deveres dos filhos para com os pais, em particular, o desrespeito dos deveres de auxílio, assistência e respeito do filho maior para com o progenitor obrigado…”

…sendo a ênfase da análise sido colocada pelo R. no desrespeito daqueles para consigo, designadamente, dos deveres de respeito.

…ainda que seja patente um grave afastamento entre os filhos e o pai, não só das peças escritas mas, sobretudo, da postura de todos em Tribunal, não lograram as partes – nenhuma delas! – produzir prova de quem é a fonte do dito afastamento.

Ainda que tal seja inócuo quanto aos AA., já não o é quanto ao R…

…pelo que se impõe concluir que não nos pareça irrazoável aos jovens AA. exigir do pai, aqui R., a continuidade no pagamento da prestação alimentícia até perfazerem 25 anos.

Mas tal não significa que a sua pretensão tenha ganho integral pois importa proceder ao necessário cruzamento de critérios do n.º1 do art.º2004.º do Código Civil, ou seja, entre a necessidade de quem recebe os alimentos (os AA.) e a possibilidade de quem os paga…

Certo é que os AA. são estudantes e, como tal, têm as suas despesas e encargos suportados pela retaguarda familiar que, neste caso, se assume ser a mãe.

Certo é também que, em regra, ambos os progenitores devem, em abstrato, contribuir idealmente em igual medida [art.º36.º, n.º3, da Constituição da República Portuguesa, art.º18.º, n.º1, da Convenção sobre os Direitos da Criança, art.ºs1874.º, n.º 2, e 1878.º, n.º 1, do CC e Princípio 8 da Recomendação n.ºR (84) 4 sobre Responsabilidades Parentais], no entanto, tal não poderá ser o caso nesta ação, atenta a discrepância abissal de rendimentos de um e outro.

Enquanto estudantes, os AA. têm as despesas inerentes aos cursos que frequentam, a que acresce a vivência numa cidade e zona do país que não é a sua, no entanto, residem em casa pela qual não pagam renda, a sua alimentação é gerida e enviada da x (...) (onde o custo de vida é mais reduzido, quando em comparação com Lisboa), tendo os gastos normais ditos sociais que qualquer jovem das suas idades teriam.

De frisar, ainda, que não podem os AA. perder de vista o âmbito do mecanismo do art.º1880.º do Código Civil. É que se trata de alimentos com vista a permitir a conclusão do seu percurso académico, logo, inerentes e/ou conexos com tal atividade, o que deixa de fora, desde logo, o custo das férias alegado por aqueles bem como as de saúde.

As únicas despesas e gastos a ter em conta são apenas aqueles conexos ou derivados da atividade académica dos AA. e nada mais, na medida em que a obrigação alimentícia per se findou com a maioridade, concedendo a lei uma extensão da mesma apenas com vista à conclusão da formação académica e/ou profissional e só até aos 25 anos.

Por outro lado, temos o R., cujo único rendimento advém do seu vencimento, que pouco ultrapassa os € 1.000,00 mensais e as despesas correntes comuns a qualquer cidadão, agravadas, contudo, pela circunstância de trabalhar a 20km de distância de onde reside, o que implica viagens diárias de cerca de 40km e gastos, quer no veículo (que já não em portagens, mercê da existência de estrada alternativa), quer na alimentação…»

Apreciemos.

5.3.2.

Estatui o nº 2 do artº 1905º do CC:

 «Para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.»

Quanto ao primeiro ponto – irrazoabilidade do pedido - acompanha-se e corrobora-se a argumentação aduzida e a análise operada.

Certo é que os autos demonstram à saciedade um acentuado corte relacional entre autores e réu.

No entanto, e como bem se diz na sentença, não se apuraram cabalmente as razões do mesmo e, acima de tudo, e na economia da pretensão do réu, se tal corte deve ser total, ou, ao menos, essencial e determinantemente, imputado aos filhos.

Ora este ónus sobre si impendia.

Na verdade, o quid «irrazoabilidade», e como dimana das expressões sublinhadas no supra citado segmento normativo, mostra-se - máxime se preenchidos todos os elementos objectivos, atinentes às necessidades e possibilidades das partes que, em principio, permitiriam a procedência do pedido -, como um factor exceptivo do direito invocado.

E, assim, competindo aquele a quem o invoca, a prova de todos os seus elementos constitutivos – artº 342º nº2 do CC.

Caso contrário, a simples e única prova de um ato ou até  de uma atuação objectivamente  desrespeitadora do filho para com os pais, sem a exigência de  se apurar que sobre  ele é de imputar um juízo ético-jurídico de censura, ou seja, e na linguagem comum: que é o único ou principal culpado, seria inadmissível ou intoleravelmente arriscada para impor ao filho o decesso da sua pretensão.

 Até porque a mesma respeita e se atém à defesa de direitos – de sustento e de e educação – de elevada magnitude.

Ora os factos apurados com interesse neste particular – pontos 28, 29 e 29-A –  apenas na sua singeleza e objectividade, não são os bastantes para se poder concluir pelo indeferimento, por irroazibilidade, do pedido dos autores.

Estes são pessoas ainda jovens,  do que decorre, ao menos parcialmente,  eivarem os seus atos com alguma impulsividade e emotividade.

Ademais urge não esquecer que eles estão envolvidos numa separação/divórcio dos pais, a qual, naturalmente, lhe acarretou algumas afectações negativas ao nível da sua vida pessoal, quer a nível material, quer no âmbito da sua estabilidade emocional, vg. por decorrência de conflitos de lealdade relativamente aos progenitores.

Daqui decorre que a própria evolução da situação vivencial dos pais contribuiu para estas desavenças dos autores para com o pai.

Por conseguinte, e desde logo por este motivo, já se pode concluir que o réu, também  foi causa, direta ou indirecta, imediata ou mediata, das atitudes dos filhos.

Depois temos que relevar a própria personalidade e psique do progenitor.

Certo é que esta não foi escalpelizada nos autos.

Mas ninguém é apenas «santo» nem apenas «demónio». Todos temos um pouco de bom e de mau.

São os estudos científicos e própria experiência da vida que no-lo indicam.

Nesta conformidade, não será demasiado arriscado concluir que o pai, com este ou aquele ato, palavra, atitude ou conduta, também contribuiu para o afastamento afectivo dos filhos.

Não obstante, os autos indiciam que a rutura pode não ser definitiva.

A filha manifestou, adrede, a vontade/possibilidade de poder  tentar a reaproximação ao pai.

E sendo que, relativamente ao filho, não está demonstrado no processo que tal não possa acontecer.

Uma decisão no sentido propugnado pelo réu acentuaria ainda mais as divisões entre os entes familiares e, quiçá, torná-las-ía irreversíveis.

O caso não assume, em função do provado, os foros de gravidade daquele outro mencionado no Ac. desta Relação de 19.12.2017, p. 1156/15.3T8CTB.C2, in dgsi.pt., no qual se provou que  a filha se dirigiu ao pai dizendo-lhe: «és uma “merda”; és um ordinário; não prestas como pai; não tens caráter.»; e que «não tem obtido bom rendimento escolar, tendo sempre chumbando sistematicamente durante a escolaridade e tendo aos 20 anos de idade, apenas o 9º ano.»

O total indeferimento da pretensão dos autores, para além de não se coadunar com os factos apurados e a postura hermenêutica sobre os mesmos que temos por mais adequada, outrossim contribuiria para um maior afastamento dos filhos do pai.

E isto ele também tem de se dar conta  e interiorizar.

5.3.3.

Quanto ao valor da pensão.

As despesas dos autores apresentam-se, salvo as atinentes à educação, rectius, propinas universitárias, algo difusas e sem exata concretização.

Fica-se, assim, sem saber ao certo, a que montante ascendem.

Mas há uma, relevante, que os autores não suportam: a habitação em Lisboa, que é facultada pelos avós.

Já os  rendimentos do pai se apresentam mais definidos.

Ele aufere um salário acima da média: cerca de 1600 euros.

Mas a este valor são-lhe deduzidos encargos mensais de cerca de € 550,00 – apesar de não se apurar cabalmente qual a origem e a necessidade dos mesmos.

Certo é que, decorrentemente, ele recebe líquidos cerca de mil euros.

Há que perspectivar despesas fixas,  relevantes e imprescindíveis,  como sejam: perto de 200 euros com o carro - de gasolina, conservação e impostos -; cerca de 240 euros em refeições fora de casa; e cerca de 200 euros com a casa – consumíveis, impostos e condomínio.

E, ainda, uma despesa de  234,00 euros de um empréstimo para consumo.

Por outro lado, é manifesto que a mãe dos autores aufere rendimentos muito superiores aos do pai.

E rendimentos que se situam num estrato financeiro médio alto, pois cumulando os obtidos por via individual, como médica, e por intermédio da sociedade, ascendem a cerca de 170 mil euros anuais, antes de impostos.

Vale isto por dizer que a mãe terá de suportar as despesas dos filhos numa proporção muito superior ao pai que não será exagerado fixar em cerca de 80%.

Finalmente, e não obstante os factos provados não terem dignidade e relevância bastantes para implicarem a «irrazoabilidade» da pretensão dos autores, eles devem ser ponderados e algo relevar para a fixação do valor da pensão.

Assim…

Certo é que os tempos modernos não são já, e bem, tempos de subserviência e de permanente temor reverencial dos filhos em relação aos pais.

Mas certo é  também certo que estes, quanto mais não seja por consideração dos filhos ao esforço que anteriormente fizeram para deles cuidarem ao longo da vida, têm direito - em  termos de normalidade e salvo casos de exceção em que, pelas suas atitudes extremas e nocivas para com os descendentes não mereçam essa sua qualidade,  o que não se provou ser o caso – a serem respeitados, compreendidos, até tolerados e, na medida do possível, alvo de algum afeto, por banda dos descendentes, máxime se são pessoas despertas e já com conhecimentos e vivências, como parece ser o caso.

Na espécie, o corte relacional existe e, ao que parece, por condutas e decisões de ambas as partes.

No entanto os filhos exigem que o pai cumpra a sua obrigação alimentícia.

Esta atitude é algo incongruente, pois que, dado o corte relacional, o mais normal e coerente com uma postura intransigente, também por parte dos filhos, seria que estes outrossim nada quisessem do progenitor em termos materiais.

Até porque a mãe usufrui de um trem de vida económico financeiro bastante mais desafogado do que o réu, podendo, ao que parece, só por si ou com a ajuda do avô materno, prover ao sustento dos filhos.

O que acrescidamente emerge do facto de, aquando da regulação do exercício das responsabilidades parentais no  pós divórcio, a progenitora ter aceitado uma pensão de apenas cem euros para cada filho, posto que complementada com metade das despesas de saúde e educação. E sendo certo que não está provado que as despesas de antanho fossem sensivelmente inferiores às atuais.

Do que se indicia que esta exigência dos autores passa mais pela pretensão de quererem que o pai comparticipe nas suas despesas, apenas porque em tal qualidade ele, por princípio, está obrigado, do que por verdadeira e estrita necessidade.

Tudo visto e ponderado julga-se mais adequada a quantia de 150 euros para cada um dos filhos.

Na esperança de que este valor, que este tribunal superior, perante os elementos do processo, entende ser o mais justo face às possibilidades de ambos os progenitores, seja assim interiorizada por todos, e, satisfeito pelo pai, e, destarte, se assumindo representativa do seu esforço para o auxílio dos filhos, contribua para uma melhoria, e, desejavelmente, o restabelecimento, das normais relações de filiação/paternidade.

Procede, parcialmente, o recurso.

6.

Sumariando – artº 663º nº7 do CPC.

I - A nulidade da sentença, por contradição entre a decisão e os seus fundamentos, é vício formal, que  exige a antinomia lógica entre estes dois conspetos, e não se confundindo com os factos que o recorrente quer ver dados como provados e a interpretação que deles opera, o que coloca a dilucidação em sede de ilegalidade da daquela.

II - A «irrazoabilidade» fundamentadora da inexigência de alimentos pós menoridade – artº 1905º nº2 do CC – é quid exceptivo, integrado por vários elementos -  rendimentos,  despesas, aproveitamento escolar, relacionamento -  a provar pelo pai – artº 342 nº2 do CC.; e se atinente a este relacionamento, vg., conduta  desrespeitosa do filho, deve aquele não apenas provar a sua objectividade, como, outrossim, a necessidade de  imputação ao descendente de um, único ou essencial/determinante, juízo ético jurídico de censura.

III – Provando-se que: pai e filhos não falam uns com os outros e que o filho chegou uma vez a enfrentou o pai fisicamente, tal, só por si, não é bastante e suficiente para se concluir pela irrazoabilidade do pedido no sentido de um total indeferimento do quantum impetrado; podendo, porém, influir no quantum do mesmo.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda julgar o recurso parcialmente procedente e,  assim, fixar a responsabilidade alimentícia do pai para cada um dos filhos no montante de cento e cinquenta euros mensais.

Custas na proporção da presente sucumbência.

Coimbra, 2018.12.19.

Carlos Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo

Fonte Ramos