Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
707/20.6T8CNT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOÃO MOREIRA DO CARMO
Descritores: REGISTO
NULIDADE
Data do Acordão: 05/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE CANTANHEDE DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 16.º, ALÍNEA A) DO CÓDIGO DE REGISTO PREDIAL
Sumário: Não é de considerar lavrado com base em título falso, o registo da alteração da área de um prédio efectuado com base numa planta de implantação que corresponde a um acordo de cedência de uma faixa de terreno, alcançado em transacção judicial entre o requerente e o proprietário confinante, ainda que aquele tenha justificado a actualização da área do seu prédio com um erro de medição.
Decisão Texto Integral:

I - Relatório

 

1.  AA e marido BB, residentes na ..., instauraram acção declarativa contra CC e mulher DD, residentes em ..., pedindo que seja decretada a nulidade de um determinado registo.

Alegaram, em síntese, que: autores e réus colocaram termo a um litígio judicial, respeitante aos prédios inscritos sob os arts. ...41... e ...87º, da freguesia dos ..., de que são, respectivamente, proprietários, acordando os primeiros ceder aos segundos uma faixa de terreno integrada no seu prédio, e obrigando-se estes a construir, a expensas suas, um muro novo, cuja construção só se iniciaria com a presença do autor, bem como uma vala de escoamento junto ao mesmo; porém, decorridos dois anos sobre o dito acordo, os réus não cumpriram a referida obrigação, não tendo construído o muro, pelo que consideraram a obrigação definitivamente incumprida; após, os réus remeteram apenas uma carta, juntamente com a planta de implantação do muro e o respectivo projecto de estabilidade, que se mostram conformes ao decidido, e posteriormente fizeram registar uma alteração da área do seu prédio, acrescentando-lhe uma área que pertence ao terreno dos autores, instruindo tal pedido com a referida planta de implantação; a referida planta inclui a faixa de terreno dos autores que os mesmos cederiam contra a construção do muro; como o muro não foi construído a parcela de terreno não foi cedida aos réus; os réus prestaram falsas declarações para alterarem a área do seu prédio, pois que na requisição de registo declararam que a rectificação da área se devia a erro de medição, bem sabendo que estavam a incluir no seu prédio parte do prédio dos autores; o registo assim efectuado é nulo (art. 16º, a) e b) do C. R. Predial).

Contestaram os réus, invocando, a título de excepção, falta de interesse em agir por parte dos autores e que é inepta a petição inicial. Impugnaram a matéria alegada pelos autores quanto ao incumprimento do acordo, alegando que tendo remetido àqueles a planta de implantação do muro se disponibilizaram a iniciar os trabalhos, nomeadamente a presença do autor, sem que este se dispusesse a tal. Que não tinha carácter condicional a obrigação de cedência da faixa de terreno da construção do muro, que operou os seus efeitos com a prolação da sentença homologatória do acordo entre as partes, podendo os autores executar a sentença. Por fim, pediram a condenação dos autores como litigantes de má-fé, em multa e indemnização de 2.500 €.

Os autores responderam, mantendo a sua posição, contrapondo que os réus litigam de má-fé, e pedindo a sua condenação em multa e indemnização.

*

Foi proferida sentença que julgou improcedente a acção e, em consequência, absolveu os RR do pedido contra si formulado, bem como julgou improcedente os pedidos mútos de condenação de ambas as partes como litigantes de má fé.

*

2. Os AA recorreram, tendo formulado as seguintes conclusões:

1 - Os RR prestaram falsas declarações para alterarem a área do seu prédio, á custa de parte do prédio dos AA, pois que, na requisição do registo, os RR declararam que a retificação da área se devia a erro de medição, bem sabendo que estavam a incluir no seu prédio, parte do prédio dos AA.

2 - Com base nos factos provados no ponto 8 e 9, essencialmente, o tribunal a quo considerou que as declarações dos RR para efeito de registo, constituem um título válido pelo qual os RR fizeram registar a seu favor uma parcela da propriedade dos AA/apelantes. Isto é, segundo a douta sentença, bastaram tais declarações singulares, sem o consentimento dos AA, nem contrato ou acordo validamente celebrados, para se operar a transferência da propriedade.

3 - Como se pode ver, na parte inferior da planta de implantação que serviu de base ao registo e encontra-se junta aos autos, aquela é limitada por uma linha reta tracejada e uma linha curva continua, interrompida a meio, sendo que, a linha continua interrompida corresponde ao atual muro que ruiu a meio; a linha tracejada corresponde ao local onde deveria ser construído o muro novo.

4 - Conforme acordo celebrado, homologado por sentença, a parcela que fica delimitada pelas duas linhas (tracejada e continua) constitui a área que os AA/apelantes cediam aos apelados para construção do muro novo e duas valas.

5 - Portanto, como o registo predial teve por base as declarações do apelante e a planta referida, é evidente que houve alteração na configuração do seu prédio cuja área foi retificada, visto que, passou a abranger uma parcela (pertença dos apelantes) que antes não existia naquele. Assim, são falsas as declarações de que

não houve alteração na dita configuração do prédio em contravenção com o disposto no art. 28ºdo CRP.

6 - No caso em apreço, por efeito do registo predial deu-se a transmissão duma parcela de terreno, sem contrato válido e sem liquidação e pagamento do respetivo imposto, que era devido, conforme art. 1º, nº3, d) CIS e TGIS, 1.1.

7 - Apesar da existência dum acordo, que se presumia válido e assim foi entendido pelo tribunal a quo, os apelados não o usaram para efeito do registo predial, evitando assim o pagamento dos impostos devidos, facto que fere de nulidade o registo efetuado, pois, neste transferiu-se a propriedade de uma parcela de um imóvel, sem contrato e sem liquidação nem pagamento de imposto.

8 - Além disso, requerido o registo nas circunstâncias em que foi, baseado em falsas declarações e sem contrato válido, os apelados evitaram a controlo por parte do conservador do registo, visto que, os instrumentos pelos quais se transmitem direitos sobre prédios, não podem ser lavrados sem que se faça

referência à inscrição desses direitos em nome de quem os aliena, art. 54º, nº 2 Código do Notariado. Por esta razão também é inválido o registo efetuado pelos RR/ apelados.

9 - Apesar de tudo, a cedência da parcela de terreno a favor dos apelados não pode constituir uma doação, como aparenta ser, pois, a lei não o permite, conforme o disposto no art. 1376º CC, visto que, a parcela a ceder, tem a área total de 1.620 m2 e compõe-se de terra de semeadura e pastagem, Doc.1

10 Conforme o disposto na Portaria n.º 219/2016, de 9 de agosto, alterada pela Portaria n.º 19/2019 de 15 de janeiro, artigo 3º, a unidade cultura está definida como segue:

- A unidade de cultura a que se refere o artigo 1376.º e para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 1379.º do Código Civil, na redação atual, para Portugal continental e por NUT III nos termos do Regulamento (UE) n.º 868/2014 da Comissão, de 8 de agosto de 2014, é a constante do anexo II da presente portaria e que dela faz parte integrante.

11 - No citado Anexo II, consta que:

No Centro, Região de ..., a unidade de cultura foi fixada em hectares como segue:

- Terreno de regadio, 2,5; Terreno de sequeiro, 4 e Terreno de floresta, 4.

12 - Tendo em conta que, o terreno a fracionar tem a área de 1.620 m2, que é inferior a 4 hectares, está abrangido pela disposição do art. 1376.º CC, logo, não pode ser fracionado.

13 - Além disso, dispõe o art. 1379º, CC - São nulos os atos de fracionamento ou troca contrários ao disposto nos art.1376 e 1378 CC.

14 - Nos termos expostos, salvo melhor opinião, é nosso entender que o acordo celebrado pelas partes em litígio, deve ser entendido como um contrato de comodato, tal como previsto no art. 1129º do CC, só assim seria válido.

15 - Resulta do acordo celebrado que, a parcela de terreno a ceder, tinha por fim a construção de um novo muro e duas valas, por parte do comodatário, portanto, não poderia ser aplicá-la a fim diferente do estipulado, art. 1131º CC.

16 - Após decorrido o prazo concedido pelo comodante, o comodatário entrou em mora e de seguida em incumprimento definitivo, pelo que, o comodante perdeu o seu interesse na construção do muro e valas e considerou que fora resolvido contrato por incumprimento definitivo imputado ao comodatário.

17 - Aliás, o comodante para resolver o contrato, nem necessitava de recorrer á figura da notificação judicial avulso, como fez, para fixar um prazo para que o comodatário cumprisse, pois, bastava-lhe interpelar extrajudicialmente este, visto que, dispunha de justa causa (incumprimento do dever de construir o muro e as valas), deixando a parcela cedida tal como a recebeu, durante dois anos, conforme art. 1140º do CC.

18 - Verifica-se que, por mero erro, a redação do ponto 9 dos factos provados, está incorreta, visto que, no acordo celebrado consta que, os autores cederiam uma parcela de terreno e não o contrário.

19 - Quanto à litigância de má fé, tendo em conta as declarações que os apelados fizeram na requisição do registo predial e as suas alegações produzidas na contestação, forçosamente se conclui que, ficaram preenchidos os requisitos previstos no art. 542º do CPC, visto que, com intenção de se apropriarem de uma parcela de terrenos dos apelantes, prestaram falsas declarações quando disseram que a retificação da área do seu prédio se baseava em erro de medida, bem sabendo que, conforme planta que juntaram, era sua intenção a inclusão de uma parcela de terreno dos apelantes no seu prédio.

Nestes termos e nos demais de direito deverá dar-se provimento ao recurso, consequentemente, deverá ser

substituída a sentença proferida no tribunal a quo por outra que, interpretando e aplicando convenientemente o direito, decrete a nulidade do registo predial em cauda, condene os apelados por litigarem de má fé, reconheça a resolução do acordo celebrado entre os apelantes e apelados, pois, só assim se fará a costumada JUSTIÇA.

3. Os RR contra-alegaram, concluindo que:

1. A douta sentença recorrida fixou a matéria constante dos autos com um criterioso rigor de análise, procedendo depois, ao consequente enquadramento legal, segundo os melhores parâmetros lógico-discursivos.

2. Assim, a Meritíssima Juiz "a quo" decidiu na posse de todos os elementos materiais necessários e bastantes para uma decisão de direito, não cometendo qualquer irregularidade ou infracção à lei

3. Pelo que a referida douta sentença não violou qualquer disposição legal.

4. O recurso interposto pelos Autores ora Apelantes deve ser indeferido e rejeitado, por inobservância do disposto nos artigos 639.º, 640.º e 641.º, todos do C.P.C.

5. Quando assim não seja entendido, deverá ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida na plenitude da sua formulação e respectivas consequências.

6. Devendo, outrossim, Autores ora Apelantes ser condenados, como litigantes de má-fé, a pagar ao Autor ora Apelado uma indemnização não inferior a €1.500,00 (mil e quinhentos euros).

Nestes termos e nos mais que os Excelentíssimos(as) Senhores(as) Desembargadores( as) suprirão, se pede e espera IDSTIÇA

 

II – Factos Provados

1. Os autores são titulares do direito de propriedade sobre o prédio sito na freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...41, descrito sob o nº ...25 na Conservatória Registo Civil, Predial, Comercial e Automóveis ....

2. Os réus são titulares do direito de propriedade sobre o prédio sito na freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...87, descrito sob o nº ...16 na Conservatória Registo Civil, Predial, Comercial e Automóveis ....

3. Correu termos no Julgado de Paz de ..., ... e ..., uma acção sob o processo nº 50/..., na qual foram partes os aqui autores e réus, tendo por objecto um diferendo relativo à responsabilidade da derrocada de um muro sito nos prédios supra identificados.

4. Na dita acção foi proferida sentença, com data de 28 de Maio de 2015, através da qual foi homologado o seguinte acordo:

1º Os mediados AA e BB acordaram ceder aos mediados CC e DD, a titulo gratuito e inserido neste acordo, uma faixa de terreno, em linha recta, descrita pelo interior da parte do terreno que é sua propriedade, que fica contida entre o pilar confinante entre os dois terrenos e a via pública, conforme fotografia que anexa como doc.1 e onde se encontra esse ponto devidamente assinalado com um A, e que termina no pilar existente junto ao barracão sito nas traseiras da casa do casal EE, conforme fotografia que também se junta como doc. 2, onde o ponto limite traseiro que também se encontra devidamente assinalado com um B.

2º Acordam ainda que o casal EE, a expensas suas e mediante elaboração de projecto de estabilidade do qual darão conhecimento ao casal FF, assume a construção de um muro novo, o seu enchimento e nivelamento à quota com terras de empréstimo não oriundas do terreno do casal FF, abrindo uma vala de escoamento junto ao mesmo, com uma distância dele de medida igual à profundidade das suas fundações, bem como construção de outra vala, na parte do terreno confinante com a via pública, comunicante com esta já descrita, com ligação à caixa de saneamento aí existente e terminando juntando-se no outro extremo numa outra vala aí existente (e que liga à vala real). Mais acordam que a limpeza anual destas duas valas, preferencialmente em época de sequeiro, fica ao encargo do casal FF, com a renúncia expressa do casal EE a pedir quaisquer compensações, reclamações ou queixas que tenham como origem o muro, as águas ou terras ao longo do mesmo.

3º Os mediados acordaram em não iniciar a construção do muro sem a presença do mediado, aqui A. BB, pelo que, o notificarão do referido começo com 15 dias de antecedência através de carta registada com AR para a morada constante nos autos.

4º Acordam que o casal EE deixe de estacionar os seus veículos automóveis na frente dos portões de acesso à propriedade do casal FF.

5. Por meio de notificação judicial avulsa dirigida aos réus e por eles recebida a 13.02.2017, os autores notificaram-nos para, no prazo de 150 dias, cumprirem integralmente os compromissos assumidos no supra referido acordo, homologado por sentença, sob pena de entrarem em mora, que, caso ultrapasse 30 dias, terá como efeito a perda de interesse em tal cumprimento, considerando-se existir incumprimento definitivo de tais obrigações.

6. Por carta datada de 11.12.2017, os réus enviaram a planta de implantação do muro e o projecto de estabilidade, elaborados em conformidade com o acordado no âmbito do supra referido processo (construção de muro sobre uma faixa de terreno, em linha recta, descrita pelo interior da parte do terreno que é propriedade dos autores).

7. Apesar disso, o dito muro nunca foi construído.

8. Entretanto, os réus requereram uma alteração, no respectivo registo predial, da área do prédio descrito no ponto 2, instruindo o respectivo pedido com os seguintes documentos: declaração de IMI para actualização da matriz; cópia da caderneta predial antes da actualização e planta de implantação, declarando no respectivo formulário do requisição de registo que: o prédio tem a área correcta de: área de implantação de 120 m2 e área descoberta de 2087 m2, o que perfaz a área total de 2207 m2, e não a que consta da descrição predial, devendo-se esta divergência a mero erro de medição, não tendo havido qualquer alteração na sua configuração nos termos do artigo 28.º do Código do Registo Predial.

9. A planta de implantação que serviu de base ao registo de alteração da área do prédio em causa é de idêntico teor à que os réus remeteram aos autores com vista à construção, no terreno daqueles, do muro supra referido, incluindo a faixa de terreno que os autores (por lapso, no original, escreveu-se réus) declararam ceder aos réus (por lapso, no original, escreveu-se autores) no dito acordo.

 

III - Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Questão prévia.

- Se o acto de registo da alteração da área do prédio propriedade dos RR se encontra ferido de nulidade.

- Litigância de má fé dos RR.

- Litigância de má fé dos AA.

2. Os RR entendem que o recurso interposto pelos AA deve ser indeferido/rejeitado, por inobservância do disposto nos arts. 639º e 640º, ambos do NCPC (conclusão 4. das suas contra-alegações). Mas sem razão.

Se não existiu por parte do Relator despacho de sintetização das conclusões de recurso dos AA, nem observação/sugestão dos adjuntos nesse sentido, então é porque o tribunal ad quem entendeu não desrespeitado o art. 639º, nº 1, do NCPC.

E também se entende não estar desrespeitado o nº 2, do mesmo código porque os AA foram referindo ao longo das suas alegações quais as normas jurídicas que consideravam violadas e/ou mal aplicadas e interpretadas.   

Se não existe impugnação de pontos da decisão da matéria de facto, como não existe por parte dos AA, então não se pode dizer, obviamente, que o dito art. 640º não foi observado.

Improcede, pois, esta questão prévia.

3. Na sentença recorrida escreveu-se que:

Segundo o disposto no artigo 16.º do Código do Registo Predial, o registo é nulo: a) Quando for falso ou tiver sido lavrado com base em títulos falsos; b) Quando tiver sido lavrado com base em títulos insuficientes para a prova legal do facto registado; (…)

A falsidade geradora da nulidade do registo deve ser aferida com base nas normas de direito substantivo, previstas no Código Civil, dispondo a respeito o artigo 372.º n.º2 deste diploma que o documento (autêntico) é falso, quando nele se atesta como tendo sido objecto da percepção da autoridade ou oficial público qualquer facto que na realidade se não verificou, ou como tendo sido praticado pela entidade responsável qualquer acto que na realidade o não foi.

Os documentos particulares são, por sua vez, considerados falsos quando a respectiva letra ou assinatura não tenham sido apostas pelo autor a quem são atribuídas, incumbindo à parte contra quem é invocada a falsidade provar a sua genuinidade (cf. artigo 374.º do Código Civil).

No caso concreto, os réus solicitaram uma alteração à área constante do registo do prédio descrito no ponto 2, cujo direito de propriedade é por si titulado, instruindo aquele pedido com uma planta elaborada na sequência de um acordo celebrado com os autores, através do qual estes cederam aos réus uma faixa de terreno integrada no prédio descrito em 1, declarando no respectivo formulário do requisição de registo que: o prédio tem a área correcta de: área de implantação de 120 m2 e área descoberta de 2087 m2, o que perfaz a área total de 2207 m2, e não a que consta da descrição predial, devendo-se esta divergência a mero erro de medição, não tendo havido qualquer alteração na sua configuração nos termos do artigo 28.º do Código do Registo Predial.

Com base nesta realidade, pretendem os autores ver declarado nulo aquele acto de registo, por considerarem que as declarações que lhe serviram de base são falsas, sendo essa questão que nos compete agora decidir.

Ora, sendo pacífico que a planta de implantação que serviu de base ao registo de alteração da área do prédio em causa corresponde ao acordado entre as partes quanto à cedência da faixa de terreno cuja área foi incluída no prédio dos réus (cf. ponto 9), os réus assentam aquela sua posição em duas premissas essenciais, defendendo, por um lado, embora apenas implicitamente o digam, que aquela cedência de área não chegou a produzir efeitos por força do incumprimento da contraprestação a que os réus se vincularam (construção do muro) e, por outro, que a declaração feita pelos réus relativas à existência de um “erro de medição” é falsa.

Quanto à primeira questão, decorre de forma manifesta do teor do acordo celebrado entre autores e réus (cf. ponto 4) que a declaração de cedência da faixa de terreno integrada no seu prédio não ficou dependente da verificação de qualquer condição, nomeadamente do cumprimento da obrigação de os réus construírem o muro, sendo esta, aliás, uma necessária consequência daqueloutra obrigação, que lhe serve de pressuposto. Pelo que não tem qualquer cabimento a interpretação feita pelos autores a este respeito, nem as consequências que pretendem extrair da falta de construção do muro por parte dos réus, como se fosse revogável ou condicionada a obrigação a que se vincularam.

Com efeito, o acordo produziu os seus efeitos com as declarações das partes, validamente efectuadas e judicialmente homologadas, restando unicamente aos autores exigir o cumprimento coercivo da obrigação dos réus e jamais fazer reverter os efeitos do acordo celebrado.

Pelo que a alteração registada assenta num título válido e eficaz.

Por sua vez, no que concerne à falsidade da declaração feita na indicação do fundamento para a alteração do registo, importa, antes de mais, atentar nas regras previstas no Código do Registo Predial a respeito da “conjugação do registo, das matrizes prediais e dos títulos”, dispondo o artigo 28.º daquele diploma, que, sem prejuízo do disposto no número 2, deve haver harmonização quanto à localização, à área e ao artigo da matriz, entre a descrição e a inscrição matricial ou o pedido de retificação ou alteração desta, sendo que nos títulos respeitantes a factos sujeitos a registo deve haver harmonização com a matriz, nos termos dos n.ºs 1 e 2, e com a respetiva descrição, salvo se quanto a esta os interessados esclarecerem que a divergência resulta de alteração superveniente ou de simples erro de medição.

Por outro lado, estatui o artigo 28.º-C do mesmo Código que quando exista divergência de área, entre a descrição e o título, no limite das percentagens previstas no artigo 28.º-A, e não tenha havido recurso à faculdade prevista no artigo anterior, a atualização da descrição pode ser efetuada se o proprietário inscrito esclarecer que a divergência provém de simples erro de medição, esclarecendo o n.º2 que quando exista divergência de área, entre a descrição e o título, em percentagens superiores às previstas no artigo 28.º-A, a atualização da descrição é feita nos seguintes termos: a) Na matriz cadastral, o erro de medição é comprovado com base na informação da inscrição matricial donde conste a retificação da área e em declaração que confirme que a configuração geométrica do prédio não sofreu alteração; b) Na matriz não cadastral, o erro a que se refere a alínea anterior é comprovado pela apresentação dos seguintes documentos: i) Planta do prédio elaborada por técnico habilitado e declaração do titular de que não ocorreu alteração na configuração do prédio; ou ii) Planta do prédio e declaração dos confinantes de que não ocorreu alteração na configuração do prédio.

Ora, no caso sub judice, o registo da alteração da área do prédio dos réus foi efectuado em respeito pela planta de implantação elaborada nos termos acordados entre autores e réus, proprietários dos dois prédios susceptíveis de ser afectados com aquele acto, visando reflectir no registo predial a situação real do prédio, nomeadamente quanto à sua área, não resultando de qualquer ponto da matéria de facto que, para o efeito, aqueles se tenham servido de algum elemento divergente da realidade.

Por sua vez, a declaração relativa ao “erro de medição” não é mais do que a indicação necessária para integrar a situação em causa na previsão legal aplicável à alteração pretendida, sendo tal circunstância comprovada mediante a apresentação dos documentos aludidos na alínea b) do n.º2 do artigo 28.º-C do Código do Registo Predial, conforme supra referido, o que foi in casu efectuado pelos réus, correspondendo o teor das plantas à realidade.

Pelo que, também nesta parte, não assiste razão aos autores ao imputarem aos réus a prestação de falsas declarações no acto de registo aqui em causa, convindo ainda recordar que o acordo através do qual aqueles declararam ceder aos réus uma faixa de terreno do seu prédio, definindo assim de forma definitiva e segura os limites, a área e a configuração de cada um dos imóveis, resultou de um litígio em torno destas questões que não exclui a razão de uns, nem de outros na posição que defendiam quanto à área correspondente ao seu prédio, o que significa que, independentemente do que já se expôs, a invocação da existência de erro de medição nunca poderia ser vista, neste contexto, como uma declaração falsa ou enganadora.

Face a todo o exposto, julga-se improcedente a acção, em todos os seus fundamentos.”.

Esta fundamentação jurídica não merece censura, importando ser chancelada.

Os apelantes discordam (conclusões de recurso 1 – a 17- ), mas a sua argumentação encontra-se algo desfasada em relação ao cerne da questão, em relação ao pedido e causa de pedir. Que era, respectivamente a declaração de nulidade do registo, por o mesmo ter sido lavrado com base em título falso ou tiver sido lavrado com base em títulos insuficientes para a prova legal do facto registado (art. 16º, a) e b), do C.R. Predial). E esta realidade não se comprovou, como a sentença recorrida justificou.

AA e RR fizeram um contrato de transacção (art. 1248º, nº 1, e 2, do CC). Através dele os AA cederam aos RR, a titulo gratuito, uma faixa de terreno sua propriedade.  E os RR, a expensas suas e mediante elaboração de projecto de estabilidade do qual darão conhecimento aos AA, assumiram a construção de um muro novo, e o seu enchimento e nivelamento à quota com terras de empréstimo não oriundas do terreno dos AA, abrindo uma vala de escoamento junto ao mesmo, bem como construção de outra vala, na parte do terreno confinante com a via pública.

Assim, ao contrário do que os recorrentes afirmam, houve um contrato, não condicionado - nomeadamente do cumprimento da obrigação de os réus construírem o muro, sendo esta, pelo contrário, uma necessária consequência daquele contrato, que lhe serve de pressuposto. Pelo que a falta de construção do muro por parte dos RR não importa a revogação do dito contrato ou a possibilidade da sua resolução.

Com efeito, a cedência da dita faixa de terreno, a título gratuito, equivale a uma doação, nesta situação, uma doação modal (art. 963º, nº 1, do CC), porque onerada com encargos, no caso a construção do muro e adjuvantes (vide A. Varela, CC Anotado, Vol. II, 2ª Ed., nota 2. ao referido artigo, pág. 258). Restando unicamente aos AA exigir o cumprimento coercivo da obrigação dos RR (art. 965º do CC) e não resolver a doação, por esse direito não lhes ter sido conferido pelo contrato (art. 966º do CC).

Cedida a faixa de terreno e apresentada, no requerimento de registo de alteração da área do prédio, a planta de implantação correspondente ao acordado entre as partes quanto à cedência dessa faixa de terreno cuja área foi incluída no prédio dos RR, não se pode falar em registo nulo, por o mesmo ter sido lavrado com base em título falso ou ter sido lavrado com base em títulos insuficientes para a prova legal do facto registado.     

Do exposto resulta, que ao contrário do afirmados pelos recorrentes, deu-se a transmissão duma parcela de terreno, com contrato válido e não por mero efeito do registo predial.

Se não houve liquidação e pagamento do respetivo imposto, que era devido, conforme art. 1º, nº 3, d), CIS e TGIS, 1.1., como alegam os apelantes, isso não retira validade ao contrato, apenas tendo implicações fiscais (os AA podem participar às Finanças a ocorrência ou ao Mº Pº se entrevirem alguma infração criminal).

Dizem, ainda, os recorrentes, que os apelados evitaram a controlo por parte do conservador do registo, visto que os instrumentos pelos quais se transmitem direitos sobre prédios, não podem ser lavrados sem que se faça referência à inscrição desses direitos em nome de quem os aliena, nos termos do art. 54º, nº 2, do C. Notariado, pelo que, por esta razão, também é inválido o registo efetuado pelos RR. Parecem, porém, os AA esquecer que a cedência ocorreu no âmbito de uma transacção judicial, homologada por juiz, e não numa escritura notarial. O que retira apoio a tal argumento (sem esquecer que a peticionada nulidade do registo, teve por alegada causa as duas apontadas nulidades das mencionadas a) e b) do referido art. 16º do C. R. Predial).

Por outro lado, dizem os recorrentes que a cedência da parcela de terreno a favor dos apelados não pode constituir uma doação, como aparenta ser, pois, a lei não o permite, conforme o disposto no art. 1376º CC, visto que, a parcela a ceder, tem a área total de 1.620 m2 e compõe-se de terra de semeadura e pastagem, e face ao disposto na Portaria nº 219/2016, de 9 de Agosto, alterada pela Portaria nº 19/2019 de 15 de janeiro, art. 3º, a unidade cultura a que se refere o art. 1376º e para efeitos do disposto no nº 1 do art. 1379º do CC, na redacção actual, é a constante do anexo II, que no Centro, Região de ..., a fixou em hectares, sendo para o terreno de regadio 2,5 e para o terreno de sequeiro 4, tendo, portanto, o terreno a fracionar uma área - 1.620 m2 - inferior a tais 4 hectares. Daí que, estando abrangido pela disposição do indicado art. 1376º CC, não pode ser fracionado. Além disso, face ao que dispõe o art. 1379º do CC, são nulos os actos de fracionamento ou troca contrários ao disposto nos arts.1376º e 1378º CC.

O negócio realizado pelas partes não aparenta ser uma doação, como defendem os recorrentes, é uma doação, como atrás se concluiu.

Bom, principia-se por dizer que não está comprovada matéria de facto que corresponda à alegação dos AA só agora feita, em recurso.

Depois, dir-se-á que não se alcança a referência a troca de terrenos do art. 1378º do CC, pois nenhuma troca existiu !

A seguir, dir-se-á que o regime do fracionamento (proibição, possibilidade ou nulidade) podem gerar nulidades, sim, mas do próprio negócio jurídico, e que só depois deste declarado pode ter repercussão no registo predial (art. 13º do C.R. Predial). Ora a acção dos AA contra os RR não é uma acção para verificar e declarar uma nulidade do negócio jurídico celebrado entre as partes, mas tão-somente aferir se o registo efectuado pelos RR é nulo face às normas do indicado diploma registral.

E a finalizar, e decisivamente, importa salientar que esta questão só é colocada pela 1ª vez agora em recurso. Ora, como é Jurisprudência pacífica e Doutrina corrente, os recursos são entre nós, recursos de reponderação e não de reexame, visto que o tribunal superior não é chamado a apreciar de novo a acção e a julgá-la, como se fosse pela primeira vez, indo antes controlar a correcção da decisão proferida pelo tribunal recorrido, face aos elementos averiguados por este último. Aos tribunais de recurso não cabe conhecer de questões novas (o chamado ius novorum), mas apenas reapreciar a decisão do tribunal a quo, com vista a confirmá-la, modificá-la ou confirmá-la, salvo, como é óbvio questões de conhecimento oficioso. É que os recursos não se destinam a provocar decisões sobre questões que não foram antes submetidas ao contraditório, questões que não foram discutidas entre as partes nos momentos próprios e decididas pelo tribunal recorrido (vide Prof. Lebre de Freitas, CPC Anotado, Vol. 3º, T. 1, 2ª Ed., pág. 7/8, A. Abrantes Geraldes, Recursos em Proc.Civil, 2ª Ed., págs. 25/26 e 94/95, e por ex. Acds. do STJ de 29.4.98, BMJ 476, pág.401, de 26.10.99, BMJ 490, pág. 250, de 10.5.00, BMJ 497, pág. 343 e de 1.10.02, C.J., T. 3, pág. 65).

Por esta razão, torna-se inútil conhecer desta específica argumentação, pois ela não foi colocada na 1ª instância para ser eventualmente contraditada pela parte contrária, para ser discutida com o tribunal e decida pelo juiz a quo.  

Para terminar, afirmam os apelantes que se trata de um contrato de comodado, tal como previsto no art. 1129º do CC, o que rejeitamos, não só porque já concluímos que se trata de um contrato de doação modal, mas também, porque não se divisa, em lado algum, na transacção efectuada entre AA e RR a obrigação de os RR restituírem àqueles a coisa imóvel, a dita faixa de terreno, como o exige o indicado art. 1129º que dá a noção de comodato. O que faz desabar a restante argumentação dos recorrentes ligada a esta figura do comodato.

Não procedem, pois, as apontadas conclusões de recurso 1- a 17-, nem a apelação nesta parte.  

4. Quanto à litigância de má-fé dos RR, os AA pugnaram pela sua condenação, invocando que aqueles assumiram uma posição censurável na sua contestação, ao invocarem como motivo da alteração do registo factos falsos (conclusão de recurso 19 -).

Segundo dispõe o art. 542º, nº 2, do NCPC, diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

Por isso, a litigância de má fé pode existir independentemente do resultado da causa e, mesmo nos casos de manifesta improcedência da pretensão ou da oposição deduzida, é ainda necessário que tal implique uma atitude culposa de desrespeito pelo tribunal, pelo processo e pela justiça. Não basta, assim, para que se conclua pela litigância de má fé por alguma das partes no processo, a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta ou a omissão de factos relevantes: tal pode ter ocorrido por a parte se encontrar, embora incorrectamente, convencida da sua razão ou de que os factos se verificaram da forma que os descreve, hipótese em que inexistirá má fé. Impõe-se, pois, para que haja litigância de má fé, que a parte, ao deduzir a sua pretensão ou oposição infundamentada ou ao afirmar factos não ocorridos, tenha atuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, ou encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento.

No caso concreto é de concluir que não tendo sido reconhecida razão aos AA no pedido formulado, antes se tendo dado acolhimento à defesa dos RR, carece de fundamento a condenação destes por litigância de má-fé.

Não procede, por isso, tal pedido dos AA.  

5. Pedem os RR que os AA sejam condenados, como litigantes de má-fé, a pagar aos RR uma indemnização não inferior a 1.500 € (conclusão 6. das contra-alegações de recurso), embora no corpo das alegações mencionem 2.500 €. Condenação e quantia esta que já tinham peticionado na sua contestação.

O que não lhes foi concedido, pois os AA foram absolvidos de tal pedido. Se os RR entendem que tal condenação deveria ter ocorrido deviam ter recorrido, o que não fizeram, tendo essa parte da decisão transitado em julgado.

Não podem, pois, os RR reabrir neste momento, nas suas contra-alegações, tal pretensão.

Não procede, por isso, tal pedido.

(…) 

IV – Decisão

 

Pelo exposto, julga-se o recurso dos AA improcedente assim se confirmando a decisão recorrida.

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Custas a cargo dos AA.

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                                                                  Coimbra, 24.5.2022

                                                                  

                                                                  Moreira do Carmo

                                                                  Fonte Ramos

                                                                  Alberto Ruço