Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
978/13.4TBCVL-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
MEIO
OPOSIÇÃO
PARCERIA AGRÍCOLA
Data do Acordão: 07/01/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COVILHÃ – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 388º, Nº 1, DO CPC; 1067º DO C.CIVIL; DEC.LEI Nº 201/75, DE 15/04; DEC.LEI Nº 385/88, DE 25/10.
Sumário: I – É entendimento unânime da jurisprudência e doutrina que a oposição não é o meio adequado de reacção a uma providência decretada quando os factos provados não permitiriam o seu decretamento, sendo neste caso apenas passível de utilização a via recursória.

II - No entanto, há que ponderar a hipótese, como a que ocorre nos autos, do requerido ter fundamento para usar os dois meios, ou seja entender que pode provar factos novos ou produzir novos meios de prova que tenham a virtualidade de modificar a decisão proferida e, simultaneamente, entender que os factos provados na fase inicial eram insuficientes para o decretamento da providência.

III - Na vigência do C. Civil o contrato de parceria pecuária enquanto contrato nominado deixou de existir, passando o mesmo a integrar-se nos contratos de arrendamento rurais, estando sujeitos ao regime deste, nomeadamente no que respeitava à renda que podia ser fixada totalmente em dinheiro ou em géneros – art.º 1067º.

IV - Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 201/75, de 15.4, que visou regular o arrendamento rural, determinou que a renda teria que ser obrigatoriamente fixada em dinheiro, embora admitisse que o rendeiro cultivador directo pudesse efectuar o pagamento da renda em géneros produzidos no prédio arrendado, em termos a regulamentar – art.º 6º –, tendo proibido expressamente a parceria agrícola e determinado a conversão dos contratos existentes em contratos de arrendamento, nos termos do disposto no seu artigo 44º.

V - O Decreto-Lei n.º 385/88, de 25.10, que instituiu um novo regime de arrendamento rural, revogando a Lei n.º 76/77, de 29.9, continuou a referir-se aos contratos de parceria agrícola determinando que a parceria agrícola se manterá até que o Governo, por Decreto-Lei, estabeleça as normas transitórias adequadas à sua efectiva extinção – art.º 34º – passando a aplicar-se-lhes, no entanto, nos termos do art.º 33º, tudo quanto respeita aos arrendamentos rurais, com as adaptações necessárias.

VI - Esta manutenção só pode ser entendida relativamente aos contratos ainda existentes, pois não fazia sentido e violaria até o imperativo constitucional da abolição desta figura contratual, que tal significasse uma inversão de marcha, voltando a permitir-se a celebração de contratos de parceria agrícola, contrariando a obrigatoriedade da fixação da renda em dinheiro, imposta no artigo 7º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 385/88, de 25.10.

VII - Essa mesma proibição voltou a ser expressa pelo novo regime do arrendamento rural, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13 de Outubro, que revogou o Decreto-Lei n.º 358/88, de 25 de Outubro, no art.º 36º, n.º 1, determinando mais uma vez no n.º 2 do mesmo artigo que os contratos ainda existentes deviam ser convertidos, agora no prazo de 30 dias que antecedem a sua renovação, em contratos de arrendamento rural.

VIII - A fixação da renda somente em géneros num contrato em que se acorda a cedência do gozo de um prédio, celebrado na vigência do Decreto-Lei n.º 385/88, de 25.9, determina a sua nulidade, nos termos do art.º 280º do C. Civil, por violação de norma imperativa.

Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra


Como dependência da acção principal os Requerentes intentaram procedimento cautelar, pedindo a restituição provisória da posse que tinham sobre o prédio, arrecadações/anexos e demais bens identificados nesta peça e a condenação dos Requeridos a facultar-lhes as chaves do portão de entrada do prédio e das portas das arrecadações/anexos e a totalidade desses demais bens, assim como a abster-se de, por qualquer meio, voltarem a impedir os requerentes de os utilizar como sempre o haviam feito e vinham fazendo ou de lhes dificultar de qualquer maneira essa utilização. Pediram ainda a fixação de uma sanção pecuniária compulsória no montante de € 50,00 por cada dia de atraso no seu cumprimento ou mesmo pelo seu incumprimento, de acordo com o preceituado no artigo 365º, nº 2, do NCPC .

Para fundamentar a sua pretensão alegaram, em síntese:

Produzida a prova sem audição dos Requeridos veio a ser proferida decisão com o seguinte teor:

Atento o exposto, julgo procedente a pretensão dos requerentes, pelo que, e em consequência:

- Ordeno a restituição provisória da posse aos requerentes do prédio rústico sito …, respetivas arrecadações/anexos e demais bens identificados nos autos, para o que deverão os requeridos facultar a estes as chaves do portão de entrada do prédio e das portas das arrecadações/anexos e a totalidade desses demais bens.

- Condeno os requeridos no pagamento de uma indemnização aos requerentes, à razão diária de 30,00€ (trinta euros), a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso na restituição da posse supra determinada.

Os Requeridos deduziram oposição à providência decretada, alegando, em síntese:

Concluíram pela revogação da decisão.

Produzida a prova oferecida pelos Requeridos veio a ser proferida decisão que revogou a anteriormente proferida.

Os Requerentes inconformados interpuseram recurso, formulando as  seguintes conclusões:

Não foi apresentada resposta.

1. Do objecto do recurso

Encontrando-se o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das ale­ga­ções dos recorrentes cumpre apreciar as seguintes questões:

a) Não tendo sido infirmados os factos que fundamentaram o decretamento da providência cautelar, nem provados outros relevantes, não podia o tribunal modificar a decisão proferida?

b) O contrato celebrado entre os Requerentes e os anteriores proprietários do prédio é válido?

c) Os Requerentes gozam de direito de retenção sobre o prédio cuja restituição provisória da posse pretendem? 

2. Dos factos

3. Da admissibilidade da modificação da decisão proferida sem contraditório

Os Requerentes colocam como primeira questão neste recurso a inadmissibilidade da modificação pelo tribunal, no incidente de oposição, da decisão que inicialmente decretou a providência requerida, por não se terem provado factos novos que infirmem os anteriormente produzidos e inviabilizem o decretamento da providência.

No caso dos autos a providência de restituição provisória de posse foi decretada sem audiência dos Requeridos, tendo estes, na sequência da notificação que lhes foi efectuada, nos termos do art.º 385º, n.º 6, do C. P. Civil, deduzido oposição em que alegaram factos novos que, em seu entender, a provarem-se, seriam fundamento para a revogação da providência decretada, e invocaram fundamentos de direito que, mesmo sem a prova daqueles factos, também produziriam o mesmo efeito.

O tribunal, após a produção das provas oferecidas pelos Requeridos julgou provados factos por eles alegados, vindo a proferir decisão que revogou a providência decretada.

No entanto e, conforme resulta da leitura desta decisão, a mesma não teve por fundamento os factos que se provaram, resultando antes de uma abordagem da questão de direito que não tinha sido perspectivada na decisão inicial.

Conforme decorre do art.º 388º, n.º 2, do C. P. Civil, ao requerido, no exercício do contraditório subsequente ao decretamento da providência, são concedidas, em alternativa, duas faculdades.

Assim, dispõe o art.º 388º, n.º 1, do C. P. Civil:

Quando o requerido não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência, é-lhe lícito, em alternativa, na sequência da notificação prevista no n.º 6 do artigo 385º:

a) Recorrer, nos termos gerais, do despacho que a decretou, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida;

b) Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução, aplicando-se, com as adaptações necessárias, o disposto nos artigos 386º e 387º.

Como decorre do vocábulo empregue – em alternativa – o uso destes meios de reacção não pode ser simultâneo, ainda que invocando em cada um deles, fundamentos diversos, nem constituem uma escolha livre, pois a utilização de um ou outro depende dos fundamentos que se invoquem. [1]

É entendimento unânime da jurisprudência e doutrina, o que sufragamos, que a oposição não é o meio adequado de reacção a uma providência decretada quando os factos provados não permitiriam o seu decretamento, sendo neste caso apenas passível de utilização a via recursória.

No entanto, há que ponderar a hipótese, como a que ocorre nos autos, do requerido ter fundamento para usar os dois meios, ou seja entender que pode provar factos novos ou produzir novos meios de prova que tenham a virtualidade de modificar a decisão proferida e, simultaneamente, entender que os factos provados na fase inicial eram insuficientes para o decretamento da providência.

Neste caso entendemos, em consonância com a posição defendida no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo 832/12.7TVPRT-B.P1[2], que:

A hipótese de o requerido querer alegar novos factos ou novos meios de prova mas, ainda assim, estar convicto de que, mesmo sem eles, a providência nunca devia ter sido deferida é, na nossa opinião, coberta pelo incidente da oposição. Neste bem pode acontecer que logo se reconheça que aquele deferimento, à margem mesmo dos novos factos e meios de prova, não devia ter acontecido; e nesse caso nada impede o juiz de assim decidir, desta outra decisão cabendo depois o recurso a que alude o nº 2 do artigo 388º.

A complementaridade da decisão proferida justifica em sede de oposição, que se detectável for desadequada decisão ordenatória inicial, à luz dos factos ou do direito, à margem mesmo dos novos factos ou meios de prova, seja permitido revogar (ou reduzir) a providência decretada, adequando factos ou direito a uma nova decisão, que seja a tida por acertada (e dela cabendo, naturalmente, recurso).[3]

Assim, entendendo-se que tendo o afectado pela decisão fundamentos para usar os dois meios de reacção previstos – recurso e oposição – pode, optando pela oposição, invocar nesta, acessoriamente, fundamento que a não haver oposição constituiria motivo de recurso, nomeadamente impugnar a aplicação do direito aos factos dados como provados.[4]

Face ao exposto, não estando vedado ao requerido, na oposição, deduzir acessoriamente este fundamento de defesa, consequencialmente não está vedado ao tribunal modificar a primeira decisão sem recurso a qualquer facto novo, apenas como resultado de uma abordagem da questão de direito que não tinha sido perspectivada na decisão inicial.

4. Da validade do contrato

Com vista à procedência do recurso os Recorrentes defendem a validade do contrato celebrado com os anteriores proprietários do prédio, alegando que, contrariamente ao defendido na decisão recorrida, os contratos de parceria agrícola celebrados no domínio da vigência do Decreto-Lei n.º 385/88, de 25.10, são válidos.

A decisão recorrida julgou, face aos factos provados, que o contrato em causa configura um contrato nulo, por não ser admissível, no domínio do Decreto-Lei n.º 385/88, de 25.10, a celebração de um contrato que preveja o pagamento da renda só em géneros.

Para sustentar a validade do contrato em causa os Recorrentes alegam que a Lei n.º 76/77, de 29.9, no seu art.º 50º, manteve os contratos de parceria existentes, sendo pelo art.º 54º, n.º 1, da Lei n.º 77/77, de 29.9, proibidos novos contratos de parceria agrícola, vindo estes diplomas a ser revogados pelos art.º 40º do Decreto-Lei n.º 385/88, de 25.10, e 51º da Lei n.º 109/88, de 25.9. Alegam ainda que o regime do arrendamento rural do Decreto-Lei n.º 385/88, de 25.10, não contem qualquer proibição da celebração de novos contratos de parceria agrícola, continuando a regulá-lo nos seus art.º 31º e 33º. Acrescentam que também o novo regime do arrendamento rural, constante do Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13.10, voltou a consagrar a proibição de contratos de parceria, determinando que os existentes à data da sua entrada em vigor devem ser convertidos em contratos de arrendamento rural nos 30 dias que antecedem a sua renovação, concluindo que os celebrados no domínio do Decreto-Lei n.º 385/88, de 25.10 são válidos.

Vejamos:

A parceria agrícola – contrato mediante o qual uma pessoa dá a outra algum prédio rústico, para ser cultivado por quem o recebe, mediante o pagamento de uma quota de frutos do modo que entre si acordarem – era um contrato legalmente tipificado no Código de Seabra (artigos 1299.º e seg.), constituindo uma subespécie do contrato de parceria rural, praticado entre nós desde as origens da nacionalidade, com elementos e aparências, tanto do contrato de sociedade, como do contrato de locação.

Com a revogação do Código de Seabra pelo Decreto n.º 47344 que aprovou o Código Civil de 1966, o contrato de parceria deixou de ser um contrato tipificado, passando para o futuro a ser regulado pelas regras previstas para o contrato de arrendamento rural, em que a prestação do rendeiro era fixada em géneros, conforme admitia o artigo 1067. do C. Civil, conforme determinou o artigo 11º do Decreto n.º 47.344 [5].

Assim, na vigência do C. Civil o contrato de parceria pecuária enquanto contrato nominado deixou de existir, passando o mesmo a integrar-se nos contratos de arrendamento rurais, estando sujeitos ao regime deste, nomeadamente no que respeitava à renda que podia ser fixada totalmente em dinheiro ou em géneros – art.º 1067º.

Os contratos de parceria agrícola continuaram, pois, a ser uma realidade social, sendo juridicamente qualificados e sujeitos às regras do arrendamento rural que admitia que a renda pudesse ser fixada em géneros.

Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 201/75, de 15.4, que visou regular o arrendamento rural, determinou que a renda teria que ser obrigatoriamente fixada em dinheiro, embora admitisse que o rendeiro cultivador directo pudesse efectuar o pagamento da renda em géneros produzidos no prédio arrendado, em termos a regulamentar – art.º 6º –, tendo proibido expressamente a parceria agrícola e determinado a conversão dos contratos existentes em contratos de arrendamento, nos termos do disposto no seu artigo 44º:

1. Ficam proibidas todas e quaisquer formas de utilização da terra que tenham por base contrato segundo o qual uma pessoa dê ou entregue a outrem um ou mais prédios rústicos para serem cultivados ou explorados por quem os recebe, em troca de pagamento de uma quota-parte da respectiva produção ou da prestação de qualquer forma de trabalho.

2. Todos os actos referidos no número anterior serão obrigatoriamente convertidos em contratos de arrendamento, no prazo de noventa dias a contar da data da publicação deste diploma.

3. No caso de não cumprimento do disposto no número anterior, o senhorio não poderá exigir o pagamento da quota-parte da respectiva produção ou de qualquer outra prestação.

A razão de ser da rejeição desta figura contratual reside no facto de ela favorecer injustificadamente o proprietário no caso de incremento da produtividade conseguida exclusivamente pelo parceiro cultivador.

Assim, deixou de ser possível a celebração de novos contratos de parceria agrícola, enquanto os já existentes que não fossem entretanto convertidos em arrendamentos rurais, com renda fixada em dinheiro, mantinham-se em vigor, deixando, contudo, de ser exigível a prestação do rendeiro, de modo a proteger a posição destes.

Nesta lógica, a Constituição aprovada em 1976 veio dispor no seu artigo 101º, n.º 2, em preceito que ainda hoje se mantém no artigo 96º, n.º 2, que deveriam ser criadas as condições para a efectiva abolição do regime de parceria agrícola.

Com esta disposição constitucional exigiu-se do legislador ordinário que pusesse fim aos contratos de parceria agrícola, devendo, contudo, ser acautelada a posição dos parceiros cultivadores [6]

Entretanto foram aprovadas as Leis n.º 76/77, de 29.9, que regulou o arrendamento rural, tendo revogado o Decreto-Lei n.º 201/75, de 15.4 – art.º 53º –, e n.º 77/77, de 29.9, que aprovou as bases gerais da Reforma Agrária.

Esta última, no seu artigo 54º, manteve a proibição de celebração de novos contratos de parceria agrícola, tendo determinado que fossem criadas condições aos cultivadores para a efectiva abolição deste regime, referindo-se aos contratos ainda existentes.

Quanto a estes, a Lei n.º 76/77, de 29.9, manteve os contratos existentes – art.º 30º –, regulando-os nos artigos 31º e seg., tendo determinado que esses preceitos vigorariam enquanto o Governo, por Decreto-Lei, não estabelecesse normas transitórias que viabilizassem a sua efectiva extinção, nomeadamente através de uma política de créditos bonificados, de seguros de colheita e de extensão rural – art.º 50º.

Como se escreveu, foi o reconhecimento de que houve situações que escaparam às malhas da lei, a resistirem em nome de hábitos enraizados ou de prepotências que jamais renunciaram às imposições do direito e a denunciarem uma maneira retrógrada de estar no mundo no tempo presente. [7]

O Decreto-Lei n.º 385/88, de 25.10, que instituiu um novo regime de arrendamento rural, revogando a Lei n.º 76/77, de 29.9, continuou a referir-se aos contratos de parceria agrícola determinando que a parceria agrícola se manterá até que o Governo, por Decreto-Lei, estabeleça as normas transitórias adequadas à sua efectiva extinção – art.º 34º – passando a aplicar-se-lhes, no entanto, nos termos do art.º 33º, tudo quanto respeita aos arrendamentos rurais, com as adaptações necessárias.

Esta manutenção só pode ser entendida relativamente aos contratos ainda existentes, pois não fazia sentido e violaria até o imperativo constitucional da abolição desta figura contratual, que tal significasse uma inversão de marcha, voltando a permitir-se a celebração de contratos de parceria agrícola, contrariando a obrigatoriedade da fixação da renda em dinheiro, imposta no artigo 7º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 385/88, de 25.10.

Assim, as regras constantes do art.º 31º deste diploma são apenas destinadas aos contratos de parceria celebrados anteriormente ao Decreto-Lei n.º 201/75, ainda existentes, uma vez que continuava proibida a celebração de novos contratos de parceria, agora por força do disposto no referido art.º 7º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 385/88, de 25.10.[8]

Essa mesma proibição voltou a ser expressa pelo novo regime do arrendamento rural, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13 de Outubro, que revogou o Decreto-Lei n.º 358/88, de 25 de Outubro, no art.º 36º, n.º 1, determinando mais uma vez no n.º 2 do mesmo artigo que os contratos ainda existentes deviam ser convertidos, agora no prazo de 30 dias que antecedem a sua renovação, em contratos de arrendamento rural.

Assim, no domínio do Decreto-Lei n.º 385/88, de 25.10, os contratos em que estipulasse a cedência do gozo de um prédio rústico para ser cultivado pelo rendeiro, era obrigatório que a renda a pagar como contrapartida desse gozo fosse fixada em dinheiro, sendo apenas admitida a estipulação de uma renda simultaneamente em géneros e dinheiro.

E foi no domínio deste regime que os Requerentes e anteriores proprietários do prédio rústico cuja posse pretendem aqueles que lhes seja restituída que celebraram um acordo com os seguintes contornos:

Por acordo meramente verbal, que data de meados de Julho de 1990, os referidos M… e irmão, A…, cederam ao requerente marido a utilização do prédio rústico supra identificado para, conjuntamente com sua mulher, a requerente M…, o passarem a cultivar e tratar, o que, na realidade, sempre se verificou ininterruptamente desde essa altura, apenas com a ajuda de um filho.

Tendo-lhes ainda cedido os anexos existentes naquele para recolha e guarda de alfaias e produtos agrícolas, os quais eles também sempre utilizaram ininterruptamente desde então.

Acordaram ainda que, como contrapartida dessa cedência, os requerentes pagar-lhes-iam anualmente, como sempre pagaram, uma retribuição consistente numa parte dos produtos por eles semeados, plantados e colhidos nesse prédio.”

O acordo celebrado, atenta a fixação da renda unicamente em géneros remete-nos para o proscrito contrato de parceria agrícola, não podendo o mesmo ser considerado como um contrato válido de arrendamento rural, porque a tal se opõe a imperatividade da renda ter de ser estipulada em dinheiro ou dinheiro e géneros – art.º 7º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 385/88, de 25.9.

A fixação da renda somente em géneros num contrato em que se acorda a cedência do gozo de um prédio, celebrado na vigência do Decreto-Lei n.º 385/88, de 25.9, determina a sua nulidade, nos termos do art.º 280º do C. Civil, por violação de norma imperativa.

Na verdade, a nulidade da cláusula da estipulação da renda, por constituir um elemento essencial do contrato, determina a nulidade do mesmo, não restando qualquer hipótese de viabilizar o negócio, através da redução prevista no artigo 292º do C. Civil. [9]

Assim, sendo nulo o contrato celebrado, não assiste aos Requerentes a qualidade de arrendatários que estes invocavam como um dos alicerces para o decretamento da providência de restituição, improcedendo este fundamento do recurso.

5. Do direito de retenção dos Requerentes pela realização de benfeitorias

Os Requerentes, com vista ao decretamento da providência requerida invocaram, além do fundamento consistente na existência de um contrato válido, o direito de retenção de que gozam em virtude de terem feito no prédio benfeitorias.

A nulidade de um contrato, nos termos do disposto no art.º 289.º, n.º 1, do C. Civil, tem efeitos retroactivos, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente. A esta previsão é aplicável, nos termos do n.º 3, directamente ou por analogia, o disposto no art.º 1269º do C. Civil e segs, aplicando-se assim às benfeitorias realizadas na coisa que deva ser restituída.

Provou-se a este respeito:

Desde que lhes foi cedida a sua utilização, os Requerentes, para além do mais, plantaram lá inúmeras árvores de fruto, por si adquiridas e custeadas, não podendo já precisar-se por que quantias, com conhecimento e autorização dos vendedores.

Plantaram videiras, figueiras, cerejeiras, pereiras, macieiras, kiwis, ameixoeiras, marmeleiros, oliveiras, pessegueiros, nespereiras.

O prédio teve uma grande valorização devido aos descritos melhoramentos/plantações, encontrando-se as mencionadas árvores de fruto devidamente tratadas e em plena produção.

Tais melhoramentos integraram-se completamente nesse prédio, não podendo ser retirados sem lhe causarem prejuízos, particularmente no que concerne à sua produtividade, danificando-o e desvalorizando-o.”

Destes factos e atenta a definição de benfeitorias e sua classificação que nos é dada pelo art.º 216º do C. Civil, conclui-se que as plantações levadas a efeito pelos Requerentes constituem benfeitorias úteis, pois não sendo indispensáveis para a sua conservação, aumentam-lhe o valor. 

Nos termos do art.º 1273º do C. Civil, tanto o possuidor de boa como o de má-fé têm direito ao levantamento das benfeitorias úteis, desde que esse levantamento não implique detrimento para a coisa. Caso essas benfeitorias não possam ser levantadas – por provocarem detrimento na coisa benfeitorizada – tanto o possuidor de boa fé como o possuidor de má fé tem direito ao valor das benfeitorias calculado de acordo com as regras do enriquecimento sem causa.

No caso em análise, e como já se disse, as plantações de árvores levadas a efeito pelos Requerentes constituem benfeitorias úteis, as quais, de acordo com o facto provado sob o n.º 19, não podem ser levantadas, pois integraram-se completamente no prédio em causa, não podendo ser retirados sem lhe causarem prejuízos, particularmente no que concerne à sua produtividade, danificando-o e desvalorizando-o.

Assente que está que os Requerentes realizaram benfeitorias úteis no prédio dos Requeridos e que têm direito a ser indemnizado pelo valor das mesmas calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa, cumpre averiguar se este crédito lhes confere direito de retenção sobre o prédio, direito esse que justifique o decretamento da providência requerida.

O direito de retenção é uma das formas que a lei civil prevê de garantia especial de cumprimento das obrigações e que existe, nos termos previstos no art.º 754º do C. Civil que dispõe:

O devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados.

Constituindo o direito de retenção um direito real de garantia de obrigações e, sendo incidente sobre uma coisa em concreto, os requisitos da sua existência e invocação válida são:

- licitude da detenção da  coisa – art.º 756º, a) do C. Civil;

- reciprocidade de créditos entre o detentor da coisa e aquele a quem está obrigado a entregá-la;

- existência de conexão substancial entre a coisa retida e o crédito de quem exerce o direito  – art.º 754º do C. Civil.

Atenta a natureza do direito de crédito dos Requerentes sobre os Requeridos relativo às benfeitorias e a obrigação daqueles entregarem a estes o prédio em causa, conclui-se que gozam de direito de retenção sobre o prédio enquanto o seu crédito não for satisfeito.

Nos termos das disposições conjugadas dos art.º 670º, a), ex vi do art.º 759º, n.º 3, ambos do C. Civil, aos Requerentes é facultado o uso, em relação à coisa, objecto do direito de retenção, das acções destinadas à defesa da posse, ainda que seja contra o próprio dono, entre as quais se encontra a restituição provisória da posse – art.º 1278º do C. Civil.

Assim, provado que está o direito dos Requerentes bem como o esbulho levado a efeito pelos Requeridos, deve ser decretada a providência requerida.

6. Da sanção pecuniária compulsória

Conjuntamente com o decretamento da providência foi requerida a fixação de sanção pecuniária compulsória no montante diário de € 50,00.

A decisão inicialmente proferida fixou esta sanção no montante diário de € 30,00, a qual foi revogada pela procedência da oposição ao procedimento cautelar.

Embora os Recorrentes não tenham colocado expressamente esta questão no recurso interposto consideramos a sua invocação implícita ao pretender a revogação da decisão proferida na sequência da oposição, motivo que justifica a sua apreciação neste momento.

A sanção pecuniária compulsória prevista no art.º 829º-A do C. Civil é uma medida coercitiva, de natureza pecuniária, consubstanciando uma condenação acessória da condenação principal. A sua finalidade não é a de indemnizar o credor pelos danos sofridos com a mora, mas o de incitar o devedor ao cumprimento do decidido, sob a intimação do pagamento duma determinada quantia por cada período de atraso no cumprimento da prestação ou por cada infracção.

Como se refere no próprio relatório do DL n.º 262/83, de 16 de Junho, esta sanção pecuniária visa uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis.

Assim, a sanção pecuniária compulsória visa contrariar a recusa do deve­dor do cumprimento da obrigação em que foi condenado, através do agravamento da sua responsabilidade, constituindo um mecanismo eficaz para alcançar a execução efectiva da prestação em dívida.

Este regime sancionatório previsto no art.º 829º-A do C. Civil assume duas vertentes: uma de natureza judicial – a estabelecida no n.º 1 do preceito, reservada às obrigações de prestação de facto infungível – e outra, de natureza legal – prevista no n.º 4 –, estabelecida para forçar o devedor ao cumprimento de obriga­ções pecuniárias, com a criação do adicional de juros à taxa de 5% ao ano, devidos desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado.

A efectivação da providência de restituição provisória, particularmente de um imóvel, não está dependente de qualquer acto dos devedores, porquanto, como resulta do art.º 378º do Novo C. P. Civil, a intervenção do tribunal não se limita a uma actividade cognitiva de apreciação dos requisitos da providência cautelar, envolvendo ainda a intromissão na esfera de actuação do requerido, por forma a retira-lhe a posse da coisa ilicitamente esbulhada e entregá-la ao requerente.[10]

Sendo esta providência composta por uma fase de cariz executivo, em que o tribunal impõe coercivamente ao requerido a decisão, procedendo à entrega ao requerente da coisa esbulhada, não faz sentido a fixação de qualquer sanção pecuniária compulsória ao requerido pelo atraso no seu cumprimento, não estando este, como se disse, dependente dele.

Assim, não se pode manter a sanção pecuniária compulsória requerida.

                Decisão:

Nos termos expostos, na procedência parcial do recurso, julga-se improcedente a oposição deduzida, mantendo a decisão proferida em 6.12.2013, excepto na parte em que condena os Requerentes no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória.

Custas do recurso pelos Requeridos.

Coimbra, 1 de Julho de 2014.

Relatora: Sílvia Pires

Adjuntos: Henrique Antunes

  Regina Rosa

[1] Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, pág. 42, ed. 2001, Coimbra Editora.

[2] De 27.5.2013, relatado por Luís Lameiras, acessível em www.dgsi.pt.

[3] Acórdão citado na nota anterior.

[4] Neste sentido Lebre de Freitas, ob. cit., pág. 42.

[5] Gama Prazeres em Novo regime de arrendamento e emparcelamento rural, pág. 64, ed. 1989, Porto Editora, defendeu que o contrato de parceria como contrato típio autónomo já tinha desaparecido com a aprovação da Lei n.º 2114, de 15.6.1962, que aprovou as Bases Gerais do Arrendamento Rural, o que não parece defensável, dado que este diploma não revogou, nem expressa, nem tacitamente, o que então o Código de Seabra dispunha relativamente ao contrato de parceria agrícola, sendo que este contrato não se identificava com o contrato de locação, como explicava Cunha Gonçalves, em Tratado de direito civil, em comentário ao Código Civil Português, vol. VII, pág. 358, ed. 1933, Coimbra Editora.

[6] Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa anotada, vol. I, pág. 1064, 4.ª ed., Coimbra Editora, e Rui Medeiros, in Constituição Portuguesa anotada, tomo II, pág. 176, ed.  2006, Coimbra Editora.

[7] Goucha Soares, Sá Pereira e Nunes Melro, in Arrendamento Rural, pág. 95, ed. 1977, Livraria Petrony.

[8] Gomes Canotilho e Vital Moreira, na ob. e loc. cit. e os seguintes acórdãos:

- do S. T. J. de 13.5.2003, relatado por Alves Velho, acessível em www.dgsi.pt,

- do T. R. C., de 6.3.2012, relatado por Artur Dias, na C.J., Ano XXXVII, tomo II, pág. 10.

[9] Neste sentido os Ac. do T. R. P.:

de 26.4.2004, relatado por Fonseca Ramos, e

de 28.6.2013, relatado por Araújo de Barros, acessíveis em www.dgsi.pt.

[10] Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, IV volume, ed. 2001, pág. 55, Almedina.