Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
897/09.9TAMGR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: NOTIFICAÇÃO POR VIA POSTAL
CARTA REGISTADA
VIOLAÇÃO DE SEGREDO PROFISSIONAL
DOCUMENTO
ADVOGADO
PROIBIÇÃO DE PROVA
INCINDIBILIDADE DA PROVA PROIBIDA
NOVO JULGAMENTO
Data do Acordão: 05/22/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 3.º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA MARINHA GRANDE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 113.º, N.º 2, 355.º E 356.º, DO CPP; ARTIGO 87.º, N.ºS 1, 3, 4 E 5, DO ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS
Sumário: I - No confronto do regime decorrente da lei processual civil [artigo 254.º, n.º 2, do CPC] com o estabelecido na lei processual penal [artigo 113.º, n.º 2, do CPP], o terceiro dia referido na última das duas referidas normas corresponde ao terceiro dia dos três dias úteis posteriores ao registo.

II - Existe violação do segredo profissional no caso, como o dos autos, em que documentos juntos ao processo por advogado (da assistente) consubstanciam missivas que lhe iam sendo dirigidas, assinadas, pela sua constituinte, reportando-se, em concreto, às condutas que esta foi atribuindo ao arguido, assim reveladores de factos cujo conhecimento o causídico só obteve por força do exercício das suas funções, sem que hajam sido observados os requisitos - cumulativos - contemplados no n.º 4 do artigo 87.º do EOA.

III - Efectivamente, nenhuma diferença se alcança entre a situação de o advogado, no exercício do seu mandato, verter em participação os factos oralmente transmitidos pelo cliente, daquela outra em que os mesmos lhe são levados ao conhecimento através do meio acima descrito.

IV - Subsiste ainda outra razão determinante da impossibilidade de valoração daqueles documentos. Com efeito, eles traduzem “relatos”, feitas na primeira pessoa, que, em substância, encerram verdadeiras “declarações”, da assistente, sobre factos que constituem o objecto do processo, insusceptíveis de serem valoradas, desde logo por terem sido “proferidas” à margem da audiência de discussão e julgamento, fora do quadro delineado no artigo 356.º do CPP.

V - Desconhecendo-se em que medida ou com que força tais documentos, por si e em conjugação com outros elementos probatórios, relevaram no juízo valorativo do julgador do tribunal de 1.ª instância, não é possível “autonomizar” e “expurgar” a prova proibida - que o é por força das disposições dos artigos 87.º, n.º 5, do EAO, e 355.º e 356.º, do CPP -, tornando-se, assim, inevitável a realização de nova audiência de julgamento, que deverá ser integralmente repetida, a que se seguirá a prolação de nova sentença.

Decisão Texto Integral: Acordam em conferência os Juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

A.

1. No âmbito do processo comum singular n.º 897/09.9TAMGR do 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Marinha Grande, mediante acusação do Ministério Público, acompanhada pela assistente B..., foi o arguido A..., melhor identificado nos autos, submetido a julgamento, sendo-lhe, então, imputada a prática, em autoria material, na forma consumada, e em concurso de:

- um crime de violência doméstica, na pessoa de B..., p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do Código Penal;

- um crime de maus tratos, na pessoa de C..., p. e p. pelo artigo 152.º - A, n.º 1, al. a) do Código Penal – [cf. fls. 889 a 920 e 1034 a 1036].

2. Realizado o julgamento, por sentença de 06.07.2012, foi proferida decisão do seguinte teor:

«Face ao exposto, e ao disposto nos arts. 13, 14/1, 26, 41/1, 50 e 70 e 71 do Código Penal de 1995 e arts. 375 e segs. do Código de Processo Penal, julgo no seu essencial, procedente, por provada a acusação e, consequentemente condeno o arguido como autor da prática em autoria material, na forma consumada e em concurso real e efectivo:

A) de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152/1/a) e 2 do Código Penal, na forma continuada, nos termos do art. 30/2 e 3 do Código Penal, na pessoa da ofendida B..., na pena de 3 anos de prisão;

B) de um crime de maus tratos, na pessoa do ofendido C..., p. e p. pelo art. 152 – A/1, al. a), do CP pelo qual o condeno em pena de prisão de 2 anos e 6 meses de prisão, ambas suspensas na sua execução;

C) e em cúmulo jurídico de penas acima enunciadas, em pena de 3 anos e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período (art. 50 do Código Penal) com o dever de se sujeitar a programa de tratamento ao seu problema, ao abrigo do disposto no art. 50/2 e 52/1/b do Código Penal.

…»

3. Inconformado, com o assim decidido, recorreu o arguido.

4. Recurso a que respondeu, quer o Ministério Público quer a assistente.

5. Ainda na 1.ª instância, após prolação do despacho de admissão do recurso, em requerimento dirigido ao tribunal a quo, invocou o arguido a extemporaneidade da resposta [ao recurso] apresentada pela assistente – [cf. fls. 2381, 2386/2387].

6. Cumprido o contraditório, por despacho de 05.11.2012, veio o Tribunal a quo a decidir no sentido da extemporaneidade da resposta da assistente, determinando, em consequência, o respectivo desentranhamento, condenando, ainda, a mesma em multa – [cf. fls. 2399/2402].

7. Não se conformando com a decisão recorreu a assistente.

8. Recurso a que respondeu Ministério Público e arguido.

9. Admitidos os recursos, fixado o respectivo regime de subida e efeito, sustentada, ainda, a decisão que deu origem ao segundo recurso [interposto pela assistente], foram os autos remetidos a este tribunal.

10. Na Relação, pronunciou-se o Exmo. Procurador – Geral Adjunto nos termos do parecer de fls. 2472/2475.

11. Cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2 do CPP, reagiram arguido e assistente – [cf. fls. 2480 e 2482/2487].

12. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.

        Pelas consequências que é susceptível de provocar no recurso da decisão final [sentença], afigura-se-nos ter o conhecimento do recurso do despacho de 05.11.2012 de preceder o interposto da sentença, não obstante, o mesmo, haver surgido em momento posterior, pois que a respectiva procedência ou improcedência irá determinar a «consideração», ou não, da resposta apresentada ao recurso da sentença.

B.

a.

Recurso [da assistente] do despacho de 05.11.2012

1. Da respectiva motivação, extraiu a assistente as seguintes conclusões:

1.ª Proferida que foi a sentença e tendo sido interposto subsequente recurso da mesma, a competência do Tribunal a quo fica limitada à prolação do respectivo despacho de admissão (ou não admissão), fixação do seu efeito e regime de subida, nos termos do nºs 1 e 2 do artigo 414º do CPP.

1.1ª Não lhe cabendo, à luz deste preceito, pronunciar-se sobre a admissão (ou não admissão) da resposta deduzida a esse recurso, sendo esta uma atribuição do Tribunal ad quem, no momento processual do exame preliminar – cfr. artigo 417º do CPP.

1.2ª O Tribunal a quo interpretou e aplicou os citados normativos no sentido de que lhe incumbiria pronunciar-se sobre tal específica questão processual.

1.3ª Deveria, porém, tê-los interpretado em sentido contrário. Justamente no sentido que ficou vertido nas conclusões 1ª e 1.1ª.

1.4ª Consequentemente, ao decidir-se pela extemporaneidade da resposta apresentada pela assistente, ordenando o seu desentranhamento e ao condenando-a em multa, a Mma. Juíza a quo violou as regras de competência do tribunal, o que constitui nulidade insanável, ferindo o despacho recorrido de invalidade determinativa da sua anulação, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 119º - e) e 122º, nº 1 do CPP, devendo, por isso, a problemática da tempestividade ou extemporaneidade dessa resposta ser apreciada pelo Tribunal ad quem.

2ª Simultaneamente, o Tribunal a quo violou o regime previsto nas disposições conjugadas dos artigos 113º, n.º 1 – b) e nº 2, 107º, n.º 5 e 107º - A – c), todos do CPP e dos artigos 145º, nº 5 e 254º, nº 6 (este, ex vi artigo 4º do CPP) do CPC. E, ainda, secundariamente, os regimes dos artigos 104º, n.º 2 e 103º, nº 2 do CPP e do artigo 28º da Lei n.º 112/2009, de 16-09.

2.1ª Esta violação decorreu da circunstância:

a) De ter interpretado e aplicado tais normativos no sentido de que os três dias de dilação a que se reporta o n.º 2 do citado artigo 113º do CPP não terão de ser, todos eles, dias úteis, e não apenas o último;

b) De ter atendido, unívoca e restritivamente, apenas às regras relativas ao “tempo dos atos e da aceleração do processo”, integradas no Título III do Livro II do CPP, e, mais concretamente, às regras relativas à contagem dos prazos para a prática dos atos processuais;

c) De não ter efetuado uma acertada compatibilização entre as regras mencionadas na precedente alínea b) e as que se encontram consagradas no Título IV do mesmo Livro, particularmente as relativas à data em que devem considerar-se feitas as notificações enviadas sob via postal registada (supra citado artigo 113º, n.º 1 – b) e n.º 2 do CPP);

d) De, nesta elencada incorrecta lógica interpretativa, ter transformado em dias úteis o sábado e o domingo;

e) De, culminarmente, ter declarado que a resposta da assistente foi apresentada extemporaneamente, ordenando o seu desentranhamento e condenando-a em multa.

2.2ª Com a interposição do presente recurso, e como seu primacial objetivo – independentemente da procedência do vício invocado nas conclusões 1ª a 1.4ª -, pugna-se pela prevalência de tese contrária à exposta na anterior conclusão 2.1ª, sustentada nas premissas interpretativas – unanimemente reconhecidas por todos os nossos tribunais superiores -, de que:

a) Os três dias de dilação a que se reporta o n.º 2 do artigo 113º do CPP, terão de ser, todos eles, dias úteis, e não apenas o último (considerando a que o substantivo dia é precedido do numeral ordinal terceiro, que significa o último de uma série de três e, consequentemente, o útil que é essencial do dia e sendo este dia útil o último de uma série de três, necessária é a existência de dois dias úteis que lhe antecedem);

b) A presunção consagrada neste artigo só pode ser ilidida a pedido e no interesse do notificado, e não por iniciativa do tribunal e/ou da secretaria;

c) Tendo sido junta à resposta o documento comprovativo do pagamento da multa exigida pelo artigo 107 – A – c) do CPP, deverá ter-se aquela por atempadamente apresentada em 26-09-2012.

3ª Nesta conformidade, e no provimento do recurso, pugna-se pela revogação do despacho recorrido e pela sua substituição por acórdão desta Relação que, no domínio das suas específicas competências, declare aquela tempestividade, determine a manutenção da resposta da assistente nos autos e que a mesma seja apreciada no âmbito do recurso interposto da sentença, com a inerente anulação da condenação em multa – [cf. fls. 2406/2417].

2. Ao recurso respondeu o Ministério Público, concluindo nos seguintes termos:

«Afigura-se-nos que os argumentos da recorrente, dada a complexidade das questões em análise, merecem a Douta Apreciação do Tribunal Superior.» - [cf. fls. 2425]

3. Também o arguido apresentou resposta ao recurso, concluindo:

1. Reporta a presente resposta ao recurso interposto pela Assistente B... do Despacho judicial proferido nos autos em epígrafe, em 5 de Novembro de 2012, pelo Tribunal da Comarca da Marinha Grande, que considerou extemporânea a apresentação das suas contra – alegações de recurso, determinando, em consequência o seu desentranhamento e devolução do montante da multa àquela.

2. Considerando que o art. 28º da Lei n.º 112/2009, de 16.09, estabelece que os processos por crime de violência doméstica têm natureza urgente, ainda que não haja arguidos presos (n.º1), aplicável será o regime previsto no n.º 2 do art. 103º do Código de Processo Penal que dispõe que: “2. Correm em férias os prazos referidos a processos nos quais devam praticar-se os actos referidos nas alíneas a) a e) do n.º 2 do artigo anterior.”

3. Daqui decorre, inquestionavelmente, que o processo em curso tem natureza urgente em todas as fases, designadamente na de recurso, o que implica que a prática de actos processuais nos termos da lei civil, para a qual remete o art. 104º, nº 1 do CPP, corre em férias, o que também resulta do n.º 2 do mesmo preceito.

4. Com vista a assegurar o exercício do direito ao contraditório, a secção do Tribunal notificou a Assistente, na pessoa do seu mandatário, da Motivação apresentada pelo Arguido, em 17 de Agosto de 2012 via postal registada.

5. À Recorrente assistia o direito de responder à motivação do Arguido até ao dia 19 de Setembro (sem multa) ou até ao dia 24 de Setembro (com multa, nos termos do n.º 5 do art. 145º do CPC), sendo certo que aquela apenas apresentou as suas contra-alegações a juízo no dia 26 de Setembro de 2012, ou seja, dois dias depois do terminus do prazo.

6. Não tem razão a Recorrente ao alegar que, face à interposição de recurso da sentença proferida pelo Tribunal da Comarca da Marinha Grande, a competência deste Tribunal está limitada à prolação do despacho de admissão (ou não admissão), fixação do seu efeito e regime de subida (art. 414º, n.ºs 1 e 2 do CPP), não lhe cabendo pronunciar-se sobre a admissão (ou não admissão) da resposta deduzida a esse recurso, porquanto esta é uma competência do Tribunal ad quem (art. 417º do CPP).

7. Se o Tribunal da 1.ª instância é competente para admitir o recurso interposto por quem tem legitimidade para o apresentar (art. 401º, n.º 1 do CPP), por maioria de razão também é ele quem tem competência para admitir (ou não) a resposta que àquele for oferecida, pois que o disposto no art. 414º, n.º 1 do CPP estabelece que apenas deverá ser proferido despacho quanto a esta matéria depois de junta a Resposta ao Recurso!

8. Nenhum sentido teria atribuir competência ao Tribunal da 1ª instância para admitir o recurso apresentado e já não à sua resposta, porquanto esta só será apreciada pelo Tribunal ad quem se o recurso for admitido pela 1.ª instância, ainda que a decisão que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou o regime de subida não vincule o tribunal superior (nº 3 do art. 414º do CPP).

9. Ao alegar que ao Tribunal a quo está vedado o poder de admitir (ou não) a resposta ao recurso interposto, pelo facto de tal poder não ter previsão no art. 414º, n.º 1 e 2 – regime legal que, na sua perspectiva, não faz qualquer referência à pronúncia do Tribunal sobre a admissão da resposta -, sendo que essa é uma atribuição do Tribunal ad quem no momento do exame preliminar, é totalmente descabido e denota uma incorrecta interpretação do aludido preceito legal.

10. Ao Tribunal recorrido está cometido não só o poder de admitir o recurso apresentado, como também de admitir resposta a este oferecida, pelo que deve improceder a alegação da Recorrente quanto à invocada nulidade por violação das regras de competência do Tribunal, por total ausência de fundamento legal.

11. Entende, ainda, a Recorrente que mal andou o Tribunal a quo ao ter considerado extemporânea a sua Resposta à Motivação apresentada pelo Arguido, porquanto é entendimento unanimemente reconhecido por todos os nossos Tribunais superiores, que os três dias de dilação a que reporta o n.º 2 do art. 113º do CPP, terão de ser, todos eles, úteis e não apenas o último.

12. A referência feita pelo art. 113.º, n.º 2, do CPP ao “3.º dia útil posterior ao do envio” não comporta uma interpretação no sentido de todos os três dias serem úteis, mas, sim, que o último dia dos três tem de ser útil, ou seja tem de ser dia em que normalmente haja distribuição de correio, por outras palavras, que não seja sábado, domingo ou feriado.

13. Ao ter apresentado a sua resposta apenas em 26.09.2012, e não obstante a liquidação da multa referente ao 3º dia útil de multa (art. 107º - A – al. c) do CPP), sempre a mesma se terá de considerar como extemporânea e ser, consequentemente, desentranhada, como de facto foi,

14. Pelo que bem andou o Tribunal a quo ao ter julgado improcedente a nulidade invocada pela Assistente e, por via disso, a considerar extemporânea a apresentação das suas contra – alegações de recurso do dia 26.09.2012.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve ser negado provimento ao Recurso Interposto, confirmando-se integralmente a decisão recorrida, tudo com as devidas e Legais Consequências,

Por essa forma fazendo VV. Exas. COSTUMADA JUSTIÇA! - [cf. fls. 2433/2443]

4. No que a tal recurso concerne pronunciou-se o Exmo. Procurador – Geral Adjunto, o que fez nos termos do parecer de fls. 2472/2475, contrariando a argumentação da assistente/recorrente, quer enquanto invoca a nulidade por violação das regras de competência do tribunal [artigo 119º, alínea e), do CPP], quer quando defende a tempestividade da contra - motivação apresentada, concluindo no sentido de não merecer o mesmo provimento.

5. Na sequência do que apenas a assistente/recorrente reagiu, reproduzindo, no essencial, a posição explanada na petição recursiva.

b.

É o seguinte o teor do despacho recorrido [transcrição parcial]:

Fls. 2355 e segs.: visto que a todos os Intervenientes foi assegurado o direito de se pronunciar, na observância do postulado do contraditório, impõe-se decidir.

A Sr.ª Funcionária juntamente com a conclusão do dia 17-10-2012 e na sequência de requerimento de desentranhamento apresentado pelo Arguido arguindo a extemporaneidade das contra-alegações de recurso da assistente.

Argúi a Assistente a irregularidade processual de tal informação e requer a anulação dos actos praticados posteriormente com fundamento no disposto no art. 118 do Código de Processo Penal:

Ora, dada a natureza do acto praticado, mera informação e posto que ordenada foi a notificação dos demais intervenientes processuais, conclui-se que importa sobretudo elucidar a questão sobre a tempestividade das contra-alegações apresentadas.

Ora, em processo crime no que tange a notificação para a prática de prazos como o que está em apreço rege o art. 113/1/b) e 2 do Código de Processo Penal, pelo que a notificação das alegações, por via postal registada e tem-se por efectuada no 3.º dia útil posterior ao do envio.

Tal como feito constar na notificação cuja cópia faz fls. 2300 de que o Ilustre Mandatário foi notificado, e cuja regularidade não colocou em causa.

O prazo para a prática deste acto é considerado urgente nos moldes previstos pelo art. 103/2 do Código de Processo Penal por via do consignado no art. 28 da Lei 112/2009.

Ou seja, a natureza urgente que a nova lei atribuiu aos processos por violência doméstica, implica a aplicação do regime previsto no n.º 2 do art. 103 do CPP, o que equivale a dizer que os actos a eles respeitantes correm em férias.

Resulta do n.º 1 do art. 103 do Código de Processo Penal, a regra geral quanto à prática dos actos processuais é a de que os mesmos são praticados nos dias úteis às horas de expediente dos serviços de justiça e fora do período de férias judiciais.

Porém, logo no n.º 2 do artigo se prevê um conjunto de excepções à enunciada regra que, por razões de celeridade e de eficiência do sistema criminal, o legislador penal entendeu considerar urgentes, impondo, por  isso a respectiva prática de forma contínua e sem suspensões temporais susceptíveis de retardar a decisão final.

Ora, sobre a forma de contagem dos prazos processuais, dispõe o art. 104 do Código de Processo Penal que a mesma obedece às disposições da lei de processo civil, isto é, à regra da continuidade dos prazos (art. 144/1 do Código de Processo Civil), correndo porém em férias os prazos relativos a processos nos quais devam praticar-se os actos processuais referidos nas alíneas a) a e) do artigo anterior, neles se incluindo agora (por força da remissão do art. 28 da Lei 112/2009) os processos por crime de violência doméstica, independentemente da medida de coacção aplicada ao/à arguido/a.

O n.º 2 do art. 104 coloca a tónica não nos actos relativos aos arguidos (detidos ou presos) ou a quaisquer outros sujeitos processuais, mas nos «processos» nos quais devam praticar-se os actos referidos no n.º 2 do art. anterior.

Daqui decorre que em tais processos a urgência imposta à tramitação do processo torna-se genérica, contagiando não apenas os actos praticados ou a praticar por arguidos presos ou os actos que a eles respeitem, mas de igual modo os restantes actos a praticar no processo por arguidos não presos, como também os actos a praticar pelos restantes sujeitos processuais [MP, assistentes, defensor, juiz] e os próprios actos da secretaria, mantendo-se a natureza urgente em qualquer momento processual, incluindo a fase de recurso, onde também os prazos correm seguidamente, mesmo durante o período de férias judiciais.

Ou seja, todos os prazos relativos aos processos supra referidos correm durante os fins-de-semana, férias e feriados, para todos os sujeitos e intervenientes processuais e para a secretaria, dada a natureza pública dos referidos prazos, em que está em causa a defesa de valores constitucionalmente relevantes tais como os da celeridade e eficácia da justiça criminal, entre outros, não podendo por isso o arguido – ainda que preso – renunciar ao benefício de ver correr em férias o prazo de interposição do recurso.

É certo que a primitiva redacção do art. 104/2 do Código de Processo Penal veio a sofrer a alteração introduzida pelo DL 317/95 de 28.11, passando a ter a seguinte redacção: “Correm em férias os prazos relativos a processos nos quais devam praticar-se os actos referidos no nº 2 do artigo anterior, excepto quando tal possa redundar em prejuízo da defesa”.

Contudo, esta redacção veio de novo a ser alterada através da Lei 59/98 de 25-8, operando-se a eliminação da excepção prevista na parte final do nº 2 do art. 104, pelo que os actos processuais relativos a processos urgentes continuam a correr em férias, independentemente do prejuízo que a celeridade processual possa vir a provocar à defesa.

Considerando que as férias judiciais decorrem de 22 de Dezembro a 3 de Janeiro, do Domingo de Ramos à segunda-feira de Páscoa e de 1 a 31 de Agosto (art. 12 da LOTJ consagrada na Lei 3/99 de 13.1, na redacção da Lei n.º 42/2005 de 29.08, antes da alteração introduzida pela Lei 43/2010 de 03.09), os actos processuais relativos aos processos a que alude o art. 104/2 do Código de Processo Penal, praticam-se em qualquer dos dias incluídos nas referidas férias judiciais, não se suspendendo no seu decurso os prazos que estiverem a decorrer ou que, então, se devam iniciar.

Trata-se de prazo peremptório conforme já se decidiu superiormente, citando-se a título de exemplo o Ac. da Relação de Guimarães de 22-10-2012, havendo que recorrer ao disposto no art. 296 e por via dele ao art. 279 do CC.

Ora, contando da forma prescrita pelo art. 104/1 do Código de Processo Penal e por via dele do art. 254/3 do Código de Processo Civil, não tendo a Assistente suscitado sequer a questão perante a notificação que lhe foi dirigida em 17-8-2012 para a prática do acto, é patente que o 3.º dia útil posterior não resta dúvida ser o dia 20-8-2012. Termos em que o prazo para a contra-alegação a que alude o art. 413 com referência ao art. 441/1/a) do Código de Processo Penal terminou a 19-9-2012, sendo possível à Assistente ainda praticar o acto mas sob a condição de efectuar o pagamento da multa até dia 24-9-2012 inclusive, por força do disposto no art. 107/5 do Código de Processo Penal e 145 do Código de Processo Civil.

Em face do exposto, julga-se improcedente a nulidade arguida e considera-se extemporânea a apresentação das contra alegações de recurso em 26-9-2012, a fls. 235 e segs., determinando-se o seu oportuno desentranhamento e devolução do montante da multa à Assistente.

Condena-se a Assistente em 0,5 Uc de multa nos termos do art. 27.º/1 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela Anexa II) pelo desentranhamento nos termos do art. 543/1 do Código de Processo Civil aplicável ex vi do art. 4.º do Código de Processo Penal – [cf. fls. 2399/2402].

                        c.

Conforme resulta das conclusões de recurso, as quais delimitam o respectivo objecto, as questões suscitadas pela recorrente/assistente traduzem-se em saber se, ao pronunciar-se sobre a admissão da resposta por si apresentada ao recurso da sentença, interposto pelo arguido – no caso, rejeitando-a por extemporânea - violou o tribunal a quo as regras da competência, dando causa à nulidade insanável prevista na al. e) do artigo 119º do CPP e, bem assim, se o despacho recorrido violou as disposições conjugadas dos artigos 113.º, n.º 1 – b) e nº 2, 107º, nº 5 e 107º - A – c), todos do CPP, e dos artigos 145º, nº 5 e 254º, nº 6 do CPC e, ainda, os artigos 104º, n.º 2 e 103º, nº 2 do CPP e artigo 28º da Lei nº 112/2009, de 16.09.

d.

Apreciando.

No que ao primeiro aspecto concerne, parece-nos claro não haver o tribunal a quo, ao decidir sobre a questão da tempestividade da resposta ao recurso, apresentada pela assistente, ora recorrente, violado as regras de competência do tribunal, já porque, em lugar algum – ao invés do que pretende fazer crer a recorrente – decorre da lei, designadamente do artigo 417º do CPP, mostrar-se tal poder «reservado» ao tribunal ad quem, já porque, à luz do artigo 414º do citado diploma, não resulta que não deva e não tenha a questão de ser dirimida no tribunal a quo – afinal, a instância perante a qual a dita peça processual é apresentada -, já, finalmente, porque, no caso, foi a extemporaneidade da resposta directamente suscitada pelo arguido perante aquele tribunal – antes, portanto, de os autos subirem em recurso -, não sendo demais relembrar caber a este tribunal conhecer em recurso, e não ex novo, sobre as questões que os sujeitos processuais decidem submeter à sua reapreciação.

Afigura-se-nos, pois, óbvio não ocorrer a invocada nulidade insanável [artigo 119º, al. e) do CPP].

Já no que respeita à segunda questão, dissentimos do tribunal recorrido, na medida em que os elementos constantes dos autos e a interpretação que temos vindo a defender com base no artigo 113º, nº 1, al. b) e nº 2, do CPP, conduzem a que se tenha por tempestiva a resposta ao recurso [do arguido] apresentada pela assistente.

Com efeito, sem pôr em causa – o que nem a ora recorrente faz – a natureza urgente do processo, com as consequências daí decorrentes, quer no que respeita ao regime referente ao momento da prática dos actos, quer no que tange à contagem dos respectivos prazos, não se perfilha o entendimento vertido no despacho recorrido, concretamente quanto ao n.º 2 do citado artigo 113º do CPP.

Reconhecendo, embora, tratar-se de questão controversa, incluímo-nos na corrente que defende que no confronto do regime decorrente da lei processual civil [artigo 254º, nº 2 do CPC] com o estabelecido na lei processual penal – artigo 113º, nº 2, na redacção introduzida pelo D.L. n.º 320-C/2000, de 15.12 – o terceiro dia útil a considerar corresponde ao terceiro dos três dias úteis posteriores ao registo.

No mesmo sentido decidiram, entre outros, os acórdãos do TRC de 09.04.2008 [proc. n.º 206/06.9TACDN – A.C1], do TRG de 04.04.05 [proc. n.º 532/05 – 2] a decisão de 14.05.2010 [Reclamação do TRL nº 9/09.GCTVD – A. L1 -3], disponíveis em www.dgsi.pt., dos quais, por elucidativas, se respigam, respectivamente, as seguintes passagens:

- «No que concerne ao processo penal, o Código de 1987, na sua versão originária, não contemplava a notificação por via postal registada ou por via postal simples.

A Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, alterou o artigo 113º do Código de Processo Penal, que passou a contemplar a via postal registada e a via postal simples, estabelecendo no n.º 2:

«Quando efectuadas por via postal, as notificações presumem-se feitas no terceiro ou quarto dia útil posterior ao do envio, consoante haja ou não registo, devendo a cominação aplicável constar do acto de notificação».

O artigo 113.º voltou a ser alterado pelo Decreto – Lei n.º 320 – C/2000, de 15 de Dezembro.

O n.º 2 passou a ter a seguinte redacção:

«Quando efectuadas por via postal registada, as notificações presumem-se feitas no 3.º dia útil posterior ao do envio, devendo a cominação aplicável constar do acto de notificação».

Confrontando este preceito com o n.º 3 do artigo 254º do Código de Processo Civil, identifica-se, desde logo, uma diferença relevante: no C.P.C., a notificação presume-se feita no 3.º dia posterior ao do registo (contam-se dias seguidos, úteis ou não) ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o 3.º dia não seja útil; no processo penal, a expressão “3.º dia útil posterior ao do envio” aponta no sentido de se tratar do terceiro dos três dias úteis subsequentes ao do envio.

Assim, nas notificações por via postal registada, o legislador estabeleceu uma presunção ilidível da data da notificação: presumem-se efectuadas no 3.º dia útil posterior ao do envio, ou seja, no terceiro dos três dias úteis posteriores ao registo.

(…)

O Código de Processo Penal nada diz quanto às circunstâncias em que pode ser ilidida a presunção a que alude o artigo 113º, n.º 2.

Não vislumbramos, no entanto, qualquer razão para que não se entenda que, tal como ocorre no processo civil, só a pedido do notificado e no seu interesse poderá ser afastada a data presumida.

Mesmo para quem entenda que o artigo 1º, n.º 4, do Decreto – Lei n.º 121/76, se encontra revogado, sempre cabe aplicar o sistema do C.P.C. por via do artigo 4.º do Código de Processo Penal.»;

- «No caso presente só está em causa o sentido da norma do art. 113.º, n.º 2, do C.P.P. que dispõe que «quando efectuadas por via postal registada as notificações presumem-se feitas no 3º dia útil posterior ao do envio, devendo a cominação aplicável constar do acto de notificação»; aliás, melhor dizendo, só está em causa o sentido da expressão «terceiro dia útil posterior ao envio» que é o único segmento controvertido da norma.

Ora, como bem refere o Ex.mo Procurador Adjunto na sua resposta «(…) como «ensinam alguns eméritos linguistas – Prf. Evanildo Bechara in Moderna Gramática Portuguesa, 37ª edição e Prfs. Celso Cunha e Lindley Cintra in Nova Gramática do Português Contemporâneo – os adjectivos pospostos sem o sinal ortográfico vírgula, têm, no dizer daqueles Mestres, um significado restritivo, ou seja, que precisa a significação do substantivo dele não se separando.

«Ora, no caso em apreço, o substantivo dia é precedido do numeral ordinal terceiro, o que significa o último de uma série de três.

«E assim sendo, o útil que é essencial do dia e sendo este dia útil o último de uma série de três, necessária é a existência de dois dias úteis que lhe antecedem (…)».

Não há, pois, na expressão da lei, qualquer margem para o entendimento de que se quis dizer «terceiro dia, sendo este útil ou que tem de ser útil».

Se o legislador tivesse querido optar por esta solução, sem dúvida teria optado por uma formulação que expressasse adequadamente tal ideia. E não se diga que o legislador pode ter optado pela expressão que consagrou de forma inadvertida. O problema das notificações postais é antigo houve tempo de afinar os conceitos e a forma de os traduzir em palavras. Assim, v.g., do art.º 254.º, n.º 2, do C.P.C. consta que «a notificação postal presume-se feita no terceiro dia posterior ao de registo ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja». Como se vê, o legislador soube encontrar uma forma inequívoca para um prazo corrido de três dias, com postergação do termo para o primeiro dia útil seguinte ao terceiro que o não seja.»;

- «Em causa no âmbito da presente reclamação está assim a questão de saber como interpretar o n.º 2 do art.º 113º do Código de Processo Penal – se a presunção da notificação feita no 3.º dia útil posterior ao do envio da carta registada implica a existência de 3 dias úteis, ou se apenas terá o dia útil que recair no último deles (no 3.º).

Consideramos que a interpretação que melhor leitura faz do preceito é a que vai no sentido do normativo impor que os três dias da dilação tenham que ser, todos eles, dias úteis.

(…)

A interpretação literal da expressão “3.º dia útil posterior ao do envio”, aponta claramente no sentido de “último dos três primeiros dias úteis. Se não houver 3 dias úteis, não pode falar-se de 3º dia útil.

Não apenas a letra da lei sugere aquela leitura.

Com efeito, a redacção actual do n.º 2 daquele artº foi introduzida pelo DL n.º 320 – C/2000, de 15DEZ.

Relativamente ao texto anterior, introduzido pela Lei n.º 59/98, de 25AGO, não se notam, no aspecto que ora importa considerar, alterações de fundo.

Estatui o artº 254º, n.º 2 do CPC – correspondente ao n.º 2 do artº 113º do CPP – que “a notificação postal [por carta registada – cfr. n.º 1 do mesmo artº] presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja”.

A redacção deste artº foi introduzida pelo DL n.º 329 – A/95, de 12DEZ.

Não podia, pois, o legislador penal ignorar o texto do art.º 254º, correspondente, como se referiu, ao artº 113º, n.º 2 do CPP.

Ora, se o legislador penal quisesse consagrar o regime estabelecido naquele artº 254º, nº 2, tê-lo-ia dito ou bastar-lhe-ia remeter-se ao silêncio, pois que, sendo o CPP omisso, aplicam-se as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal (artº 4º do CPP). Assim, na ausência de regulamentação sobre a matéria, haveria que recorrer à norma do n.º 2 do cit. artº 254º.

O regime (especial) de notificações estabelecido no artº 113º, concretamente o consagrado no seu n.º 2, significa, pois, que o legislador penal quis afastar a aplicação da norma do n.º 2 do art.º 254º ao processo penal.»

Ora, sendo este o entendimento que, em nosso juízo, melhor interpretação faz da norma em apreço, retomando o caso concreto, considerando a data da expedição da notificação postal registada ao Exmo mandatário da assistente - 17.08.2012 [fls. 2300] – há-de a mesma ter-se por efectuada no dia 22.08.2012 [presunção estabelecida em benefício do notificado, pelo que só a seu pedido e no seu interesse poderá a data presumida ser afastada], o que significa, atenta a natureza urgente do processo [com as inerentes consequências quanto à prática dos actos e respectivos prazos], que tendo a assistente, procedido à auto – liquidação da multa devida pela prática do acto no 3º dia útil seguinte ao termo do respectivo prazo, a resposta apresentada no dia 26.09.2012, ao recurso [interposto pelo arguido], se mostra tempestiva – [cf. artigos 413º, nº 2, 113.º, nº 1, al. b) e n.º 2, 107º - A, c), 103º, nº 2, do CPP, artigo 28º da Lei n.º 112/2009, de 16.09, artigo 145º do CPC].

Termos em que, revelando-se tempestiva a «resposta» apresentada pela assistente, se impõe a revogação do despacho recorrido, circunstância que conduz à respectiva consideração aquando da apreciação do recurso interposto pelo arguido.

C.

a.

Recurso [ do arguido] da sentença

1. Da respectiva motivação, extraiu o recorrente as seguintes conclusões:

                              

1. Reporta-se a presente motivação ao Recurso interposto pelo ora Recorrente da decisão proferida pelo 3º Juízo do Tribunal Judicial da Marinha Grande, que condenou o Recorrente pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real e efectivo, de um crime de violência doméstica p.p. pelo art. 125/1, al) a e 2 do CP e de um crime de maus tratos, na pessoa do ofendido C..., p. e p. pelo art. 152 – A/1 al. a) do CP, em pena única de 3 anos e 10 meses, suspensa na sua execução por igual período (art. 50º do Código Penal) com o dever de se sujeitar a programa de tratamento ao seu problema, ao abrigo do disposto no art. 50/2 e 52/1/b do CP.

2. O Acórdão posto em crise elege factos dados como provados, actos que o Recorrente não cometeu e comportamentos que lhe não são imputáveis, designadamente os que tipificam as condutas puníveis nos termos das normas incriminadoras pelas quais veio a ser condenado pelo que padece o acórdão recorrido de inequívoco erro ou incorrecto julgamento da matéria de facto.

3. Existe, da leitura da sentença recorrida, uma manifesta omissão do exame crítico de provas em face do disposto nos artigos 374º nº 2 do Código de Processo Penal, que importa nesta sede seja reconhecido sendo que o elenco da matéria assente foi, na sua generalidade, suportada pelas declarações da Assistente, na qualidade de alegada vítima dos crimes, contraditórias e inconcisas, não suportadas em qualquer outro elemento probatório legalmente admissível nos termos do CPP.

4. O Tribunal recorrido, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, exorbita em muito a prova que lhe foi apresentada e perante si produzida, para chegar a uma decisão sobre matéria de facto que ultrapassa largamente o que lhe seria permitido concluir, devendo em sede de reapreciação da prova efectuada por esse douto Tribunal efectuar-se um juízo crítico sobre os factos que se consideram incorrectamente julgados, apreciando nomeadamente o contexto vivencial de ruptura do casal.

5. Na apreciação dos factos subsumíveis à qualificação de crime de violência doméstica (art. 152º CP), a acção praticada pelo agente deve consistir em factos subsumíveis à noção de maus tratos físicos ou psíquicos à(s) vítima(s), mas analisados no contexto específico em que são produzidas e face ao tipo de relacionamento concreto estabelecido entre as partes, não podendo fazer-se uma análise simplista e crua de cada um dos factos imputados ao agente do crime. Para além disso, o crime apenas se pode considerar preenchido quando as situações comportamentos perigosos para o bem – estar físico e psíquico da vítima, revelando uma conduta maltratante especialmente intensa e uma relação de domínio em relação à vítima, o que não foi considerado pelo Tribunal Recorrido.

6. O Crime de maus tratos (art. 152º - A CP) protege a pessoa individual e a sua dignidade humana, penalizando comportamentos que coloquem em crise o bem protegido, que in casu é a saúde (física, psíquica e/ou mental) do agredido, considerando-se que o mesmo apenas se encontra preenchido em caso de não existir coabitação entre as partes envolvidas.

7. A sentença recorrida assenta a prova da matéria de facto com base nas declarações da Assistente, sem contudo efectuar um juízo crítico das suas declarações, nomeadamente tendo em conta os eventos históricos relatados documentalmente nos autos, a prova testemunhal que foi produzida, (que, na generalidade, nada contribui para a decisão condenatória, pois da mesma não resulta o conhecimento concreto dos factos imputados ao Arguido), e o teor dos relatórios elaborados e juntos aos autos (que não reproduzem qualquer análise bilateral das versões levadas aos autos, mas apenas a versão da alegada “vítima”).

8. Ignorou o Tribunal que Recorrente e Assistente viviam num clima de iminente rutura da vida conjugal, admitindo a Assistente que lhe não era submissa, dele tinha raiva, com ele discutia e agia de forma a vingar-se do então marido, responder-lhe na mesma “moeda” (cfr facto 169 e 170 da matéria de facto provada), sendo evidente o ódio daquela e o ressentimento que sente do Arguido.

9. O Tribunal recorrido valorou o depoimento da Assistente (art. 145º do CPP) em detrimento do Arguido, sem justificar adequadamente a sua motivação, sendo que atendendo aos crimes de que se vem tratando deveria o Tribunal ter considerado que nos encontramos patamar único dos direitos humanos, de perfeita igualdade de tratamento, que não permitem presunções que possam ser interpretadas pelo benefício de uma parte em relação a outra pela mera questão do sexo.

10. A acusação reporta a três períodos temporais distintos: um primeiro de Setembro a Dezembro de 2006; um segundo que atravessa o ano de 2007 e parte de 2008, e um terceiro referente a 2008 e 2009, sendo que no segundo nada é relatado, nada se passa, nada ocorre e nada é transportado aos autos.

11. O alegado agressor e vítima são um casal com idades semelhantes, idênticos estatutos culturais e remuneratórios, idênticas aptidões profissionais e capacidade de autonomia e vontade, em que o Recorrente tem menos saúde, em que há um evidente afastamento entre eles, e em que nasce a desconfiança do Recorrente de que a Assistente terá uma relação extra – conjugal.

12. Ao longo da peça acusatória e mesmo do depoimento da Assistente não resulta um único acto de agressão, que não seja um puxão de cabelos na sequência de uma provocação da Assistente, um único acto de castigo corporal; um único acto de privação de liberdade; um único acto de violência sexual; um único acto de limitação da autodeterminação da queixosa, um único acto de “achincalhamento” público, um único acto de desautorização perante terceiros;

13. A descredibilização das declarações do Arguido merece censura, quando confrontadas com as declarações da Assistente, que acaba por confirmar o conteúdo de algumas deles, no que respeita ao anúncio da relação conjugal (referindo-lhe, logo após a situação de internamento que ia levar a vida para a frente, mas não era com ele), dos ciúmes e suspeita de infidelidade (concluindo que o Arguido tinha ciúmes notórias da Assistente), da violência física e psíquica da Assistente para com o Arguido (rasgou-lhe roupa e respondia-lhe, simetricamente, aos seus comentários).

14. A assistente conclui que, o Recorrente é bom um mau pai, que não bate ou inflige quaisquer maus tratos físicos aos filhos, apenas o censurado por este instigar e manipular o filho C..., sem que concretize qualquer acto de instigação ou manipulação perpetrado pelo Recorrente.

15. O Recorrente, aquando das agressões relatadas pela Assistente em 9 de Dezembro e 12 de Dezembro de 2009, se não encontravam no local onde os mesmos ocorreram, nunca se demonstrando qualquer acto destinado a levar o menor a bater na mãe. (o que contraria o facto 32º, 79º, 109, 111º, 112, 122, 123, 124, 126, 132, 135, 137, 139, 140, 142, 143 da matéria de facto dada como provada).

16. A Assistente no que reporta aos factos ocorridos em 2006 (factos constantes da matéria provada sobre os arts. 5º a 21º) não os descreve com exactidão, pois desvaloriza-os, não lhes dando sequer importância suficiente ou mesmo relevância para considerar que o Arguido a violentou psicologicamente, pelo que os mesmos não poderiam ter sido considerados provados.

17. A Assistente atesta que pretendia que o Arguido lhe batesse (“bate-me se tens tomates”), efectua relatos que dirige ao seu advogado com o conhecimento do Recorrente e sem que este se opunha (sabendo qual era o seu conteúdo), que passou a responder na mesma medida (“passei a gozar com a situação”), que não lhe era submissa (“Ele gostaria de ter alguém submisso … Eu não tenho essa capacidade … peço desculpa não tenho, nunca a tive, nunca fui habituada a ser tratada …” “Não havia paciência”), comprovando que não se sentia minimamente subjugada a ele, com receio, humilhada, envergonhada ou angustiada como refere a acusação.

18. Os factos relatados, em súmula, nos arts. 29º a 143º da matéria de facto, quando deles se retira qualquer actuação do Recorrente com vista a mal tratar  física e psicologicamente a Assistente, de a humilhar, envergonhar e lhe causar mau estar, não poderiam ser dados como provados, pois tal não resulta, à evidência – da prova produzida em julgamento.

19. D... (amiga próxima da Assistente), E...(amiga próxima da Assistente); F...(pai da Assistente) e G...(mãe da Assistente), nunca assistiram a qualquer acto de agressão, quer física quer psíquica, por parte do Arguido à Assistente, que possa sustentar a valoração do seu depoimento, pois relatam os episódios que a Assistente lhes transmite, na visão deturpada que esta faz dos acontecimentos que os leva a transportar os factos para uma dimensão de gravidade que, na verdade, não se lhes retira.

20. D... não teve conhecimento de qualquer facto constante da acusação por via directa, de conhecimento próprio e por ter assistido aos factos. É certo que relata, no seu depoimento, alguns episódios de relevo probatório duvidoso com conteúdo inconsistente, sendo que os mesmos tiveram por base uma ideia pré-concebida daquela – transmitida pela Assistente – de que o Arguido era o “demónio” que a violentava e aos filhos, fazendo a defesa da vítima.

21. H..., sabe, em súmula, o que a sua amiga lhe contou, referindo que dias houve em que o Arguido lhe telefonava várias vezes, para saber onde se encontrava, associando esse comportamento a factores negativos, sem justificar porquê. Nada de relevo viu que possa esclarecer os autos.

22. Com base nas referidas testemunhas o Tribunal não poderia formar a sua convicção relativamente aos factos do art. 5 a 111 da matéria de facto dada como provada.

23. G...e F..., pais da Assistente, em concreto nada assistiram de relevo, transportando para os autos a versão da filha em que confiam e em quem acreditam, apesar de A... não ter evidenciado, presencialmente e perante aqueles, quaisquer dos factos relatados pela Assistente.

24. G... caracterizando o casamento da filha como “muito fixe”, sendo que apenas ouviu uma versão da história, e pese embora acredite na filha não sabe se o que ela lhe contou corresponde exactamente à verdade. Conta alguns episódios de telefonemas que lhe foram efectuados pelos netos, sem qualquer contexto e sem se entender qual a sua relevância face aos factos descritos na acusação, no que respeita aos tipos de crime em apreço, mas considera o Arguido um bom pai, que ama profundamente os filhos.

25. O pai da Assistente – F... -, prestou declarações entorpecido pelo mau estar que entre aquele e o Recorrente existe, que o faz ter uma leitura parcial dos factos, apelidando-o (de forma incomum) de Arguido ao longo das suas declarações. Refere que a filha nunca se queixou de quaisquer agressões físicas, e que nunca viu ou ouviu nenhum dos factos descritos na acusação e que reportam a injúrias do Recorrente sobre a Assistente. Mais diz que perante a sociedade o casal sempre manteve um comportamento adequado e normal.

26. Com base nas testemunhas supra referidas, não poderia o Tribunal dar como provado qualquer facto constante da acusação que integre o crime de violência doméstica, por os mesmos não terem presenciado ou relatado com conhecimento directo, qualquer dos factos ali constantes.

27. D... descreve os factos vertidos nos pontos 111 a 146 da matéria de facto provada, confirmando a versão da Assistente, afirmando que o menor C..., manipulado pelo seu progenitor, agrediu a Assistente, sem contudo ter presenciado qualquer acto de instigação ou manipulação, ou como aqueles eram alegadamente efectuados.

28. Pai, a Mãe e as amigas da Assistente não concluem, nos respectivos depoimentos, pela existência de um acto, uma actuação, um gesto do Arguido que demonstre que aquele manipulava o filho. Antes, é bem demonstrativo o amor que o Pai sente pelo menor, facto que foi expressamente reconhecido por F....

29. Não se provou qualquer acção de pressão do Arguido sobre os menores, sendo que após estes abandonam a casa com a mãe, o menor mantinha alguma revolta para com a mãe, mesmo não estando o pai com ele, não o podendo, por isso, manipular, como erroneamente o Tribunal recorrido deu como provado no art. 148º da sentença recorrida.

30. Igualmente não foi feita qualquer prova dos factos 149 a 154 da matéria de facto dada como provado, que designam o “Episodio de Avelar”, para onde o Recorrente se desloca, em Dezembro de 2009, apenas com o intuito de ver os filhos.

31. Das testemunhas presentes no local, M... e aos agentes da GNR (que depuseram de forma clara e convicta e cujas declarações são suportadas pelo auto de ocorrência elaborada), estranhas à trama e por isso mais isentas resulta uma descrição dos acontecimentos não compatíveis com os factos em causa, pelo que mal andou o Tribunal recorrido ao dá-los como provados.

32. Em nenhum momento dos seus depoimentos se retira qualquer atitude do Arguido no sentido de levar os filhos à força, que tenha proferido as expressões vertidas no Ponto 153. da matéria de facto e que os menores tenham começado a chorar por se terem assustado.

33. O Tribunal deu como provado, entre outra, a matéria de facto nos pontos 157 a 160 do elenco respectivo da sentença recorrida, sendo certo que os relatórios em causa deveriam ter ser apreciados, criticamente e sempre tendo por base que a opinião neles versada respeita exclusivamente à versão dos factos que cada uma das personagens analisadas transporta para as técnicas respectivas.

34. O Relatório de perícia sobre a personalidade da ofendida efectuado em 19/07/2010, é descrito tendo por base, unicamente, a narrativa da ofendida, sendo que a Sr.ª Perita efectuou uma prognose sobre os factos, ou seja, um mero juízo de probabilidade que carece, como se impõe na lei criminal, de grau de certeza, reforçando a ideia de que seria essencial a avaliação do Arguido, pois a mesma poderia INFIRMAR a leitura de que a Assistente é/foi vítima de violência doméstica.

35. Da Perícia sobre a personalidade C... (26/04/2010), não se retira da perícia que o menor tenha sofrido quaisquer maltratos pelo progenitor; que ele se encontre traumatizado com qualquer actuação do progenitor; que o menor não sinta vontade de estar e conviver com o pai; que o menor tenha qualquer comportamento revelador de que foi vítima de MAUS TRATOS pelo Recorrente; antes, que o menor tem com o progenitor uma forte relação de proximidade; tem um afecto positivo relevante dirigido ao progenitor, considerando-o como figura central da sua vivência; e que deve retomar os contactos com o progenitor;

36. Os exames sociais do Recorrente (fevereiro de 2010 e Outubro de 2010) reforçam a ideia inequívoca da firme e estreita ligação que o Recorrente tem com os menores, que não se coaduna com a prática de quaisquer maus tratos sobre os menores, que este tem excelentes aptidões profissionais e de solidariedade (pelas deslocações e contactos que efectuaram), tendo desenvolvido a parentalidade de forma responsável e com grande empenho, retratando alguma obsessão na forma como gosta dos filhos e os trata. O exame psiquiátrico e psicológico que foi elaborado ao Arguido, refere que este tem traços de ansiedade e obsessividade (sendo esta uma característica de personalidade!), que não obstam a que este tenha consigo os seus filhos, por possuir todas as capacidades de deles cuidar e tratar.

37. A testemunha Drª J..., psicóloga, elabora um relatório após uma consulta realizada no dia em que a Assistente sai definitivamente do lar conjugal (que resulta à evidência tratar-se de uma estratégia da Assistente para ver sustentado um estado psicológico em sede de Tribunal) e das declarações prestadas, extrai-se uma única conclusão: que a Assistente estava stressada, perturbada, preocupada com o futuro como é comum em qualquer caso de divórcio (e não por ser vítima de violência doméstica).

38. A Dra. L... , psicóloga que acompanhou o menor C..., refere que não conseguiu ver como é que a criança via os pais; que nunca avaliou a relação com o pai pois tudo o que sabe é através da mãe, que a família não estava funcionar, que existia uma identificação do menor C... ao Pai, sendo este a figura de referência, que não sabe avaliar qual dos cônjuges era o mais fraco pois não fez avaliação ao pai, em nenhum concluir por existirem sinais de INSTRUMENTALIZAÇÃO ADULTA!!!!

39. O Tribunal não valorou, erroneamente, o depoimento de X..., confidente (e apenas uma!), uma amiga, uma irmã a quem desabafa nos momentos de maior tristeza, a quem se queixava da indiferença da mulher, das discussões entre eles, das saídas repetidas, do silêncio daquela, por considerar que existia animosidade em relação à Assistente. Contudo das restantes testemunhas arroladas pela acusação também se retira a mesma animosidade, com um corte de toda e qualquer relação com o Arguido.

40. A irmã do Arguido, espontaneamente e de forma clara, refere os factos que presenciou, os telefonemas que recebeu do irmão, a tristeza e o sofrimento por ele vivenciado na sequência da deterioração do casamento. Confirma ter verificado a existência de camisas/camisolas rasgadas, resultantes de uma agressão ao Arguido, por parte da Assistente (que aquela confirma em sede de audiência de discussão e julgamento, razão pela qual o depoimento da testemunha mais credível se torna) e um arranhão na cara do irmão, que aquele refere ter sido provocado pela sua cônjuge.

41. Não se provou, que, em consequência das suas condutas o Recorrente tenha causado ou pretendido causar à ofendida B... sofrimento físico, nomeadamente lesões no corpo (Facto 163 e 165 da Matéria de Facto Provada); Que o Recorrente tenha inibido a Assistente nos sues movimentos, que a tenha limitado na sua liberdade, que a tenha feito sentir infeliz, envergonhada, enxovalhada e humilhada (Facto 163, 165 e 166 da Matéria de Facto Provada); Que o Arguido tenha molestado a auto-estima da Assistente, a sua honra, consideração e dignidade como pessoa, rebaixando-a enquanto Ser Humano, como mulher e como mãe (Facto 163 e 165 da Matéria de Facto Provada); Que o Arguido tenha causado ao ofendido C... sofrimento psicológico (Facto e 164 e 166 da Matéria de Facto Provada); Que o arguido tenha contribuído para gerar no filho um sentimento de desvalorização e menosprezo pela figura materna (Facto 164 e 166 da Matéria de Facto Provada); Que o Arguido tenha instrumentalizado e instigado o menor a bater, insultar e cuspir na mãe (Facto 164 e 166 da Matéria de Facto Provada); Que o Arguido tenha agido de forma a causar sofrimento psicológico e físico à Assistente na frente dos filhos menores, (Facto 164 da Matéria de Facto Provada); Que o Recorrente tenha actuado livre, deliberada e conscientemente bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei (Facto 167 da matéria de Facto dada como provada).

42. O Tribunal não considerou como prova documental relevante, o histórico dos factos, que levam à conclusão inequívoca que a Assistente delineou um plano que traçou para ver o Arguido afastado da residência, afastado dos filhos e que sustentassem um pedido de divórcio e uma providência cautelar relativa aos filhos menores.

43. É apresentada uma queixa por em 30/11/2009 junto do Ministério Público, pela Assistente, que é sujeita a quatro aditamentos, onde ela anuncia se encontrar a projectar a saída de casa, pedindo protecção, pelo que a saída em 15 de Dezembro não surge por o menor a ter agredido, mas na sequência de uma decisão já tomada. O menor C..., como a própria refere – não aceitaria a saída e abandono do pai, o que é compatível com as actuações alegadamente agressivas de que foi alvo.

44. Na sequência do episódio ocorrido em 9 de Dezembro de 2009 pelas 22H30, a queixosa contactou telefonicamente a PSP participando uma agressão muito violenta de seu filho C... (pontapés, murros e chapadas na cara, puxões de cabelo e despejo de água), que refere ter actuou sob a determinante influencia e instigação do pai, que se não provou. O relatório elaborado pelo Serviço de saúde, esclarece que nenhuma lesão foi identificada (sequer vermelhidão ou pequena escoriação).

45. A Assistente afirma que no dia 12 de Dezembro de 2009, no período da manhã e da tarde, o C... voltou a agredir a denunciante puxando-lhe os cabelos e desferindo estalos na cara, arremessado objectos (tesoura e concha de sopa) nas pernas e no tronco, sem contudo serem imputados ou concretizados por aquela quaisquer actos concretos de instigação.

46. Resulta à exaustão que da prova testemunhas, das declarações da Assistente, do Arguido, dos relatórios perícias (e esclarecimentos prestados) e da prova documental dos autos, que não resulta, com grau de certeza exigível, que o Recorrente tenha praticado: Os Factos indicados sobre os n.ºs 5 a 21 da Sentença Recorrida, que reportam a Setembro e Dezembro de 2006; Factos indicados nos pontos 22. a 36. da matéria de facto provada, ocorridos no ano de 2008 (a partir de Setembro); Factos vertidos nos pontos 37. a 146. da matéria de facto provada, ocorridos desde Janeiro a 15 de Dezembro de 2009, data da separação de facto do casal; Factos constantes dos nºs 147 a 154 da matéria de facto provada, ocorridos após a separação do casal; Factos relativos aos elementos subjectivos dos ilícitos penais, indicados sob os nºs 161. a 167. da matéria de facto provada.

47. Importa por isso, de forma criteriosa e objectiva, avaliar e reconsiderar a prova produzida em sede de audiência, com um cunho de objetividade e seguindo as regras de experiência comum, considerando não provados, por ausência de prova certa e credível dos factos que são imputados ao Recorrente.

48. Quando da elaboração e publicação da Lei nº 59/2007, sentiu o legislador necessidade de separar os diversos bens jurídicos tutelados pelo art. 152º do CP, na redacção anterior à entrada em vigor daquela lei.,

49. Procedendo assim, a uma divisão daquele normativo legal, dando origem a três novos preceitos legais.

50. O crime de maus tratos é, após Reforma Penal de 2007, um crime com tipificação própria distinta, por isso, da tipificação penal que se faz para o crime de violência doméstica.

51. A natureza jurídica do actual artigo 152º - A do Código Penal corresponde àquela que era inscrita no anterior art. 152º nº 1 do Código Penal,

52. A “Exposição de Motivos” do Anteprojecto da Revisão de 2007 do CP vangloriou a separação/distribuição do anterior crime de “maus tratos e infracção das regras de segurança”, por três artigos distintos como uma homenagem às variações do bem jurídico protegido”, pelo art. 152º do CP (antes de 2007).

53. Os artigos 152º e 152º - A do CP, apesar do esforço do legislador comportam uma coincidência global entre as condutas descritas em ambos.

54. As condutas mencionadas e num e noutro, caracterizam-se, assim, por condutas que se subsumem pelo conceito “aberto” de maus tratos físicos ou psíquicos referidos no art. 152º do CP.

55. O art. 152º - A distingue-se, então, do art. 152º do CP, somente quanto ao diferente tipo de relações existentes entre o agente que pratica o crime e a vítima que dele sofre.

56.No que ao artigo 152º - A do CP diz respeito, a tipificação de condutas (já previstas no anterior art. 152º do CP) terá que ser considerada e enquadrada numa relação de supra-ordenação do agente face à vítima, tais como uma relação/dever de cuidado, de guarda, de direcção ou educação, ou relação de empregador.

57. Importante é também que tal relação se desenvolva no cumprimento de uma tarefa assistencial, educacional ou laboral ou seja, de carácter institucional.

58. Não menos importante é que a conduta de maus tratos exercida pelo agente afecte a tutela dos bens jurídicos da dignidade pessoal e da saúde nas suas dimensões física, psíquica e/ou mental da vítima.

59. A vítima, para que o possa ser nos termos e para os efeitos da prática de um crime de maus tratos, tem que se encontrar numa relação de subordinação existencial face ao agente, que a mesma seja menor ou particularmente indefesa e que não exista entre si e o agente uma relação de coabitação.

60. Ao nível do preenchimento do tipo subjectivo do crime de maus tratos, consagrado no art. 152º - A do Código Penal, impreterível é, também, que o facto ou os factos sejam praticados com dolo em qualquer das suas espécies.

61. Todos os pressupostos supra explanados e considerados, cuja verificação é essencial, são fortemente defendidos e arrolados no seio da Doutrina Maioritária que se debruça sobre a matéria do crime de maus tratos, p. e p. no art. 152º - A do C. P.

62. No caso sub judice, mal andou o Tribunal a quo ao qualificar juridicamente a conduta do arguido como consubstanciadora de um crime de maus tratos na pessoa do ofendido C....

63. O Tribunal a quo, não teve em consideração qualquer um destes critérios, bastando-se apenas com o facto de o ofendido ser menor.

64. Apesar do ofendido C..., menor e filho do aqui Recorrente, encaixar na aludida relação de subordinação existencial entre vítima e agente, certo é que, a mesma não assenta em qualquer actividade de assistência, de educação ou laboral, ou seja, num prisma profissional tal como resulta da ratio do artigo.

65. Interpretação diferente torna tal norma inútil perante o instituído no art. 152º do CP.

66. O ofendido que sendo menor não foi vítima de quaisquer maus tratos físicos, psíquicos ou mentais, pois nada nos presentes autos, sobretudo ao nível da matéria de facto dada como provada, permite ao Tribunal concluir de forma clara e objectiva, afastada de qualquer sombra de dúvida, que o Recorrente, lhe infligiu de modo reiterado ou não esses maus tratos.

67. Não há um único facto dado como assente, em que se retire de forma coerente e isenta de qualquer interpretação parcial, que o menor tinha comportamentos censuráveis perante a assistente pelo facto de o arguido infligir sobre ele tortura ou domínio psicológico ou físico.

68. O Tribunal a quo, sequer se preocupou justificar de que forma o Recorrente infligia maus tratos sobre o menor, não fazendo a mínima demonstração ou indicação de comportamentos que o arguido possa ter tido e que, no seu entendimento, enquadram a conduta de maus tratos perante o menor.

69. O pressuposto relativo ao exercício de maus tratos físicos, psíquicos ou mentais do arguido para com o menor se não encontra preenchido, pois nada nos autos permite ao Tribunal concluir com a bastante certeza e segurança jurídica – pilares-base de uma qualquer sentença -, nesse sentido.

70. Ao considerar-se que tal requisito/pressuposto do crime de maus tratos se encontra preenchido – ao que se não concede! -, sempre falharia a verificação do pressuposto negativo implícito neste tipo de crime e que também ele é necessário observar, ou seja, a não existência de uma relação de coabitação entre a vítima e o agente.

71. Existindo tal relação, “relação doméstica” ou, de certo modo, “familiar”, a verificação de maus tratos no seio do seu desenvolvimento encontra punibilidade nos termos da alínea d) do n.º 1 do art. 152º do CP, pelo que qualquer conduta integradora de maus tratos (enquanto conceito “aberto”) ocorrida no seio de uma relação familiar e de coabitação constitui a prática de um crime de violência doméstica e já não um crime de maus tratos nos termos do art. 152º - A do CP, pelo que,

72. Mal andou o Tribunal a quo ao qualificar os factos dados por assentes como um crime de maus tratos praticado pelo Recorrente na pessoa do ofendido C....

73. Quanto ao tipo subjectivo de crime, ou seja, o dolo, também ele não resulta de qualquer elemento ou meio de prova, produzido em julgamento.

74. Tal como argumentado em sede de impugnação da matéria de facto, a própria assistente, declara que ela em conjunto com o arguido procuravam sempre demonstrar aos seus filhos menores, no seio e decurso das suas discussões que a mãe e o pai estariam a brincar um com o outro.

75. O que demonstra, só por si, a falta de malvadez ou egoísmo na actuação do arguido/recorrente.

76. A matéria de facto não permite extrair com clareza e suficiência que o arguido dolosamente instigava o menor e aqui ofendido C... com maus tratos psíquicos ou físicos.

77. O que resulta, dessa factualidade, é antes um conjunto de condutas censuráveis do menor perante a sua progenitora, mas que em momento algum em sede de discussão e julgamento do mérito da causa, se demonstrou que as mesmas eram resultado ou condição de qualquer mau trato exercido pelo Pai e aqui Recorrente sobre o menor.

78. Também por esta via, cai a condenação imposta pelo Tribunal Recorrido, pois que, quer os pressupostos do tipo objectivo como do tipo subjectivo, não permitem, perante a factualidade assente, associar a conduta do Recorrente à prática de um crime de maus tratos p. e p. no art. 152º - A nº 1 al. a) do Código Penal.

79. Por tudo o quanto o se deixou dito, deve o arguido ser absolvido da prática de um crime de maus tratos previsto no art. 152º - A nº 1 al. a) do CP na pessoa do ofendido C..., pois que a factualidade dada como provada se não demonstra compatível com o preenchimento dos pressupostos do tipo objectivo e subjectivo deste tipo criminal, tendo, por isso, o Tribunal a quo, procedido a uma errónea qualificação jurídica dos factos adjacentes ao caso sub judice!

80. Tendo em consideração o art. 30º nº 2 do CP, fundamento legal essencial na condenação do arguido/recorrente, tem-se que, e a considerar-se que a factualidade dada como assente preenche a prática do crime de violência doméstica e do crime de maus tratos – ao que se não concede, reitera-se! -, são dois crimes que incidem fundamentalmente sobre o mesmo bem jurídico – dignidade humana e saúde, nos planos físico, psíquico e mental.

81. Havendo várias condutas que incidem na prática de vários crimes sobre o mesmo bem jurídico, estabeleceu o legislador que, tal configuração constitui a prática de um só crime!

82. É com estranheza que o Recorrente recebe a sua condenação por um crime de maus tratos, na pessoa de C..., seu filho menor, pois quanto muito, a factualidade assente no caso em apreço e as disposições legais que lhe são aplicadas (aliás, como reconhece o Tribunal a quo, dado que de outra forma, jamais as trazia à colação!) poderiam configurar a condenação por um crime de violência doméstica mas nunca um crime de maus tratos.

83. O Tribunal Recorrido, não teve em linha de conta o que os art. 152º nº 1 e nº 2 e o art. 152º - A nº 1, estabelecem quanto à moldura penal dos respectivos crimes e bem assim ao regime de subsidiariedade ai implícito.

84. Tanto o nº 1 do art. 152º como o nº 1 do art. 152º - A, preveem que a pena aí inscrita só é aplicável se outra mais grave não resultar de (outra) disposição legal.

85. Essa moldura penal, e consequente pena, mais grave, resulta precisamente do nº 2 do art. 152º do C. P., que de resto, fundamentou a condenação que nesta sede se recorre.

86. As disposições legais invocadas pelo Tribunal da Marinha Grande aliadas à factualidade que este deu como provada, levam obrigatoriamente a uma qualificação jurídica dos factos diversa daquela que por si foi operada.

87. Também por esta via jurídico – racional, cai por terra o percurso de fundamentação procedido por aquele Tribunal, que apesar de invocar o art. 30º do CP não lhe deu qualquer utilização prática, esbarrando, desta forma, numa má e perigosa qualificação jurídica dos factos.

88. O crime de violência doméstica pressupõe a existência, entre o agente e a vítima, de uma relação (presente ou passada) conjugal ou análoga, ainda que sem coabitação, ou uma relação de co-parentalidade sem que entre agente e vítima haja ou tenha havido uma relação análoga à dos cônjuges, ou uma relação de coabitação e de dependência da vítima face ao infractor”.

89. Exige, ainda, dolo, em qualquer das suas espécies.

90. Tal como alerta a Doutrina que se debruça sobre a temática, é imperioso um conhecimento da relação subjacente à incriminação da violência doméstica, assim como o conhecimento e vontade da conduta e bem assim o conhecimento do resultado.

91. No caso em apreço, após análise de toda a matéria de facto dada como provada, assim como toda a prova que no julgamento de mérito da causa foi produzida, salta, desde logo, à vista que todos os comentários que supostamente o arguido/recorrente proferiu tiveram sempre por trás uma conjuntura de ciúmes, perfeitamente enquadrável numa relação amorosa e conjugal, como aquela que existia entre o Recorrente e a assistente B....

92. A provar-se que o Recorrente efectivamente proclamou todas aquelas expressões – ao que se não concede -, sempre será de considerar que a mola impulsionadora na produção das mesmas não é uma intenção querida e propositada de forma a humilhar ou vexar a vítima, de tal forma que a mesma se sinta particularmente atingida na sua dignidade e saúde, sobretudo psíquica, mas antes uma “cena de ciúmes” que começou a fazer-se sentir na pessoa do Recorrente.

93. O cenário de ciúmes é enquadrável no caso sub judice, pois que a própria assistente reconhece que desde que foi diagnosticada uma doença psíquica ao arguido o envolvimento amoroso entre ambos praticamente desapareceu.

94. É de concluir que o Recorrente apesar de poder tido proferido expressões com o conteúdo injurioso (ao que se não concede!) o mesmo não conhecia nem assim o previa como o exercício de maus tratos na sua vertente psíquica, de tal forma que o seu comportamento consubstanciava um crime de violência doméstica.

95. A exigência do dolo no âmbito da prática de um crime de violência doméstica não se circunscreve à verificação do elemento intelectual ou cognoscitivo enquanto representação ou previsão pelo agente do facto ilícito e consciência da sua censurabilidade, abrangendo, ainda, o facto de a conduta praticada pelo agente ter uma certa e determinada finalidade direcionada para o fim que aquele anteriormente previu e quis, ou seja, é necessário haver um resultado que, no final de contas se traduz numa degradação da dignidade da vítima e bem assim num deterioramento da sua saúde física ou psíquica, de tal forma que a mesma sente-se reprimida na sua autodeterminação pessoal.

96. In casu, e tendo em consideração os argumentos explanados em sede de impugnação da matéria de facto, tem-se que não houve a produção de qualquer resultado, na medida em que as alegadas condutas do aqui recorrente não contribuíram para qualquer degradação da dignidade da ofendida e muito menos para um deterioramento da saúde psíquica.

97. Em momento algum sentiu a ofendida B... que viveria num clima de medo, angústia, intranquilidade, insegurança, infelicidade, fragilidade, humilhação, como consequência directa e imediata das eventuais condutas censuráveis que o arguido possa ter tido sobre si, pelo que o dolo tal como o Tribunal a quo considerou existir na conduta do Recorrente sequer se verifica.

98. Nestes termos, e por todo o exposto acerca do preenchimento dos pressupostos do tipo objectivo e subjectivo do crime de violência doméstica, que como se viu supra se não encontram satisfeitos in casu, deve o Tribunal ad quem, revogar a sentença recorrida na parte em que condena o arguido pela prática do crime p. e p. pelo art. 152º do Código Penal na pessoa da ofendida B... e, em consequência, dele absolver o arguido.

99. No entendimento, que de resto se espera, que o Tribunal ad quem reconheça que mal andou o Tribunal a quo ao qualificar a factualidade assente no presente caso como integradora da prática de um crime de maus tratos p. e p. pelo art. 152º - A do CP, é notório e manifesto que a referida factualidade não permite, também, lograr uma condenação pelo crime de violência doméstica na pessoa do ofendido C..., pois que aquela não sustenta o preenchimento dos pressupostos do ilícito, imperiosos para uma qualificação jurídica nesse sentido, e consequente condenação, tal como se apurou em sede de motivação.

100. Nos termos e com os fundamentos alegados, deverá este Venerando Tribunal considerar verificada a violação do segredo profissional, com as consequências que dai advenham, e, como tal, estipular a invalidade dos docs. de fls. 101 a 184, docs. fls. 289 a 292, docs. de fls. 385 a 400 e docs. de fls. 596 e ss., ordenando o seu desentranhamento, ou, em alternativa, a sua falta de capacidade para serem considerados como meio de prova de qualquer conduta que o Recorrente possa ter exercido.

101. Mal andou o Tribunal a quo ao interpretar os preceitos jurídicos instituídos no artigo 127º do Código de Processo Penal e no artigo 87º nº 1, 3, 4 e 5 do Estatuto da Ordem dos Advogados, no sentido de qualificar e valorar como prova os relatos escritos pelo punho da assistente e concretamente dirigidos ao seu ilustre mandatário, como forma de dar a conhecer em exclusivo a este, as hipotéticas condutas que o arguido terá praticado e assim formar a sua convicção reflectida na condenação do Recorrente quando os mesmos assentam em transmissão do conhecimento de factos ao abrigo da relação advogado/cliente e, por isso, sujeitos ao sigilo profissional, pelo que não poderão oferecer qualquer grau de certeza ou firmeza em relação ao thema decidendum.

102. Tal interpretação é inconstitucional por VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 1º, 2º, 12º, 25º, 26º/1, 32º/1, 202º/1 e 2, todos da CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, assim como dos princípios do Estado Direito Democrático, Princípio da Legalidade, Princípio da Universalidade, Princípio da Boa Fé, Princípio da Proporcionalidade, Princípio da Igualdade e ainda o Princípio do in dubio pro reo, pelo que, urge decretar a inconstitucionalidade na referida interpretação.

103. A sentença recorrida padece do vício de falta de fundamentação pois que não se retira da mesma qualquer realização de exame critico da prova que foi produzida em julgamento e que lhe permitiu dar como assente toda a factualidade assente e bem assim o preenchimento dos pressupostos do tipo objectivo e subjectivo dos crimes que serviram à condenação do arguido, tal como expressamente impõem os artigos 379º nº 1 al. a) e 374º nº 2, ambos do CPP.

104. A decisão recorrida é, ainda, nula por verificação do vício de falta de fundamentação, nos termos legais e factuais expostos na motivação sobre a matéria de direito e que se prendem com a ausência de um exame crítico quanto à prova do elemento subjectivo do crime por que o arguido foi condenado, deve declarar-se a sua nulidade com vista ao suprimento dessa omissão pela instância recorrida.

105. O depoimento prestado pelas testemunhas D..., colega e amiga da assistente, E..., colega da assistente, de F...e G... , pais da assistente, e ainda de J..., de L... e de T..., psicólogas, não podem ser valorados como o foram pelo Tribunal a quo, pois que todos eles foram prestados apenas e só com base naquilo que ouviram dizer da pessoa da assistente, que como se demonstrou em sede de motivação de direito, é inadmissível à luz das regras do processo penal enquanto instrumento de realização do direito fundamental consagrado na Constituição da República Portuguesa.

106. Deverá este Venerando Tribunal considerar os depoimentos prestados por aquelas testemunhas não admissíveis e, em consequência, não os valorar enquanto meio de prova legalmente admissível como o fez crer a sentença recorrida.

107. Mal andou o Tribunal a quo ao interpretar o preceito jurídico instituído no artigo 129º nº 1 do Código de Processo Penal, no sentido de qualificar e valorar como prova os depoimentos indirectos das testemunhas supra identificadas para formar a sua convicção reflectida na condenação do Recorrente quando os mesmos assentam em relatos de factos que ouviram dizer da assistente enquanto sujeito processual não abrangido pelo carácter excepcional daquele preceito legal e assim não oferecem qualquer grau de certeza ou firmeza em relação ao thema decidendum.

108. Tal interpretação é inconstitucional por VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 1º, 2º, 12º, 25º, 26º/1, 32º/1, 202º/1 e 2, todos da CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, assim como dos princípios do Estado Direito Democrático, Princípio da Legalidade, Princípio da Universalidade, Princípio da Boa Fé, Princípio da Proporcionalidade, Princípio da Igualdade e ainda Princípio do in dubio pro reo, pelo que, urge decretar a sua inconstitucionalidade, na referida interpretação.

109. Por tudo o que já antes se deixou dito quer em sede de conclusões como em sede motivação da matéria de facto e de direito, deverá este Venerando Tribunal revogar a sentença recorrida substituída por outra que absolva o Arguido, sem mais, da prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º nºs 1 al. a) e 2, na pessoa da ofendida B..., e um crime de maus tratos, p. e p. pelo art. 152 – Aº, nº 1, alínea a), todos do Código Penal.

Em obediência ao estatuído no art. 412º do Código de Processo Penal, passam a indicar-se,

 As normas jurídicas violadas:

- Arts. 1º, 2º, 12º, 18º, 25º, 26º/1, 32º/1, 202º/1, 213º, da Constituição da República Portuguesa;

- Art. 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem;

- Arts. 127º, 129º nº 1, 343º, 355º, 374º nº 2 e 379º nº 1 a), do Código de Processo Penal;

- Arts. 30º nºs 2 e 3, 70º, 71º e 73º, 152º nº 1 al. a) e nº 2 e 152º - A nº 1 al. a) do Código Penal,

- Art. 87º nºs 1, 3, 4 e 5 do Estatuto da Ordem dos Advogados.

Os princípios Jurídicos violados:

- Princípio da legalidade,

- Princípio do Estado de Direito Democrático e Social,

- Princípio da igualdade,

- Princípio da necessidade da pena,

- Princípio da proporcionalidade e adequação da medida da pena,

- Princípio da dignidade da pessoa humana,

- Princípio da livre apreciação da prova,

- Princípio da imediação da prova,

- Princípio da presunção de inocência,

- Princípio do in dubio pro reo.

No contexto enunciado, deve ser concedido provimento ao Recurso revogando-se a decisão de primeira instância nos termos e com os fundamentos alegados, produzindo-se outra em substituição, na qual se decida pela absolvição do Arguido de quanto veio Acusado;

Tudo com as legais consequências

Assim julgando, Ex.os. Senhores Juízes Desembargadores,

Farão VV. Exas. a costumada JUSTIÇA!

2. Ao recurso respondeu o Ministério Público, concluindo:

1. A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º, n.ºs 3, 4 e 6, do mesmo diploma;

2. Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não pode visar a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, com base na audição das gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelos recorrentes;

3. O tribunal recorrido indicou as provas em que baseou o julgamento da matéria de facto e identificou justificadamente quais os meios de prova que valorou, bem como a razão subjacente, procedendo assim ao seu exame crítico, não ocorrendo a nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Penal;

4. Os documentos de fls. 101 a 184, 289 a 292, 385 a 400 e 596 e ss., por assentarem em transmissão do conhecimento de factos ao abrigo da relação advogado/cliente, e dada a ausência de autorização da Ordem dos Advogados para a dispensa do sigilo, não podiam fazer prova em Juízo, assumindo, não infirmando, no entanto, a sua desconsideração, o valor dos demais elementos de prova carreados para os autos, porquanto fortemente sustentados;

5. Os depoimentos prestados pelas testemunhas D..., E..., F..., G... , J..., L... e T..., foram-no ao abrigo da percepção directa dos factos por parte dessas mesmas testemunhas, inexistindo violação das regras sobre o valor da prova vinculada;

6. A imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova, confere ao julgador em 1.ª instância, meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal de recurso não poderá dispor;

7. A prova necessária para que se possa formular um juízo de convicção não depende nem da quantidade dos meios de prova, nem da sua natureza, isto é, de saber se essa prova é alegadamente directa ou indiciária;

8. O que importa para a formação da convicção do julgador é a qualidade e veracidade da prova, podendo acontecer que a convicção tenha suporte numa análise conjunta dos meios de probatórios, de que resulta uma prova indiciária, cuja densidade probatória vai para além da simples soma do valor probatório dos diversos meios de prova isolados;

9. Sendo os elementos fornecidos pela imediação e a oralidade os determinantes para a avaliação da prova, e mostrando-se a decisão tomada pelo tribunal a quo fundada na sua livre convicção e sendo uma das soluções possíveis face às regras da experiência comum, tal decisão não merece qualquer censura, devendo manter-se nos exactos termos em que foi proferida;

10. A Mma. Juiz a quo não teve quaisquer dúvidas da valoração da prova e ficou segura do juízo de censura do arguido, razão pela qual validamente não se socorreu do princípio in dubio pro reo;

11. Da matéria de facto provada resulta o preenchimento cabal dos elementos objectivos e subjectivos dos tipos legais de crime pelos quais o arguido foi condenado, sendo correcto o enquadramento jurídico dos factos efectuado pelo Tribunal a quo e bem assim o cúmulo jurídico efectuado, por nos encontrarmos perante crimes contra bens eminentemente pessoais e vítimas diferentes, nos termos do artigo 30.º, n.º 3 do Código Penal.

Termos em que se conclui que deve ser dado provimento ao recurso nos termos e com os fundamentos acima expostos e no restante manter-se na íntegra, como é de toda a inteira e acostumada JUSTIÇA.- [fls. 2312/2350].

3. Também a assistente respondeu ao recurso - sem que, contudo, haja formulado conclusões -, o que fez nos termos constantes de fls. 2351 a 2378, defendendo, em síntese, não ter ocorrido erro de julgamento, já que o tribunal teria avaliado a prova, segundo a sua livre convicção, sem que resultem violadas as regras da experiência; não ser caso de aplicação do princípio in dubio pro reo; não se verificar valoração de depoimentos indirectos; não ter ocorrido violação do segredo profissional; mostrar-se a decisão suportada por prova testemunhal, pericial e documental, sendo correcta a subsunção dos factos às normas.

Conclui, assim, por nenhuma censura merecer a sentença recorrida, a qual, defende, deve ser integralmente mantida com a consequente improcedência do recurso.

4. No que a este recurso respeita pronunciou-se o Exmo. Procurador – Geral Adjunto no sentido de merecer o mesmo parcial provimento “quanto à admissão de prova proibida, por dependente de prévia autorização da Ordem dos Advogados, que deverá ser expurgada da douta sentença, além de dever ser obtido o consentimento do arguido para que seja determinada a sujeição a tratamento médico psiquiátrico como condição de suspensão da execução da execução da pena”.

5. Na sequência do que reagiu o arguido, dando por reproduzidos “os argumentos e conclusões enunciadas nas Alegações”, pugnando, assim, pela procedência do recurso.

6. Também a assistente se manifestou, conferindo particular destaque à questão da violação do segredo profissional, refutando que tal tenha ocorrido, suscitando a inconstitucionalidade, por violação dos artigos 13.º, nº 1 e 208.º da CRP, da interpretação dos artigos 125.º do CPP e 87.º, n.º 1, al. a) e n.º 3 do E.O.A., no sentido de serem “classificados como prova proibida os documentos utilizados sem autorização da Ordem dos Advogados que contemplem relatos escritos, entregues pelo cliente ao advogado, dos quais constam a denúncia dos factos, com relevância criminal, de que aquela estava a ser vítima, e, por isso, consubstanciadores da matéria fundamentadora do exercício do próprio mandato imprescindíveis à adequada prossecução do mesmo(sic).

b.

Ficou a constar da sentença [transcrição parcial]:

2. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

2.1. Factos Provados

Efectuado o julgamento e discutida a causa, encontram-se provados os seguintes factos:

Da acusação pública e particular:

1. O arguido A... e a ofendida B... viveram juntos como marido e mulher desde 1996, durante cerca de 13 anos, em comunhão de cama, mesa e habitação.

2.O arguido e a ofendida B... casaram em 11 de Agosto de 2000 na (...).

3.O arguido e a ofendida B... têm dois filhos: C... e I..., nascidos, respectivamente, em 16 de Janeiro de 200 I e em 5 de Novembro de 2003.

4.A casa de morada de família do arguido e da ofendida B... situou­-se na Rua (...), na (...), onde habitavam com os seus filhos.

5.A partir de Setembro de 2006, o arguido, sem qualquer motivo ou justificação, começou a tratar a ofendida B... com desprezo e frieza.

6.Com efeito, a partir de Setembro de 2006, sempre que a ofendida B... procurava dialogar com o arguido, este ignorava-a e desprezava-a, furtando-se a conversar com ela e a responder-lhe.

7.Na verdade, o arguido deixou de ter para com a ofendida B... qualquer gesto de carinho ou de afecto.

8.Acresce que, a partir de Dezembro de 2006 o desprezo manifestado pelo arguido passou a ser acompanhado por um conjunto de insinuações e de imputações dirigidas à ofendida B..., nomeadamente que esta se relacionava sexualmente com outras pessoas e que não era boa mãe.

9.De facto, por diversas vezes, muitas das quais na residência do casal acima indicada e por vezes também na presença dos filhos de ambos, o arguido afirmou que ofendida B... mantinha uma relação amorosa extraconjugal, o que não correspondia à verdade.

10.Concomitantemente, o arguido começou, de forma obsessiva, a controlar e a vigiar a ofendida B....

11.Assim, o arguido começou a analisar de forma detalhada e sistemática todas as despesas efectuadas pela ofendida B....

12.O arguido passou a analisar também as facturas do telemóvel utilizado pela ofendida B..., questionando-a acerca das chamadas realizadas e recebidas, e da identidade dos titulares dos respectivos números.

13.O arguido, sem o consentimento, nem autorização da ofendida B..., passou igualmente a consultar os registos das chamadas e das mensagens memorizadas no telemóvel desta, questionando-a acerca da identidade dos destinatários e remetentes.

14. O arguido começou a controlar as deslocações que a ofendida B... fazia de automóvel, contabilizando os kms. percorridos e o tempo gasto nos percursos, e questionando-a, depois, sobre os locais onde estivera, com quem estivera e sobre o que fizera.

15.O arguido, no seu veículo, chegou mesmo a seguir a ofendida B... até à escola, onde a mesma lecciona, para confirmar que era esse o destino, e, posteriormente, aí se deslocava-se novamente para se certificar se o automóvel dela ainda ali se encontrava.

16.Em diversas ocasiões, o arguido telefonava insistentemente à ofendida B..., pedindo-lhe que confirmasse onde estava e com quem estava e compelindo-a a regressar imediatamente para casa.

17. Mesmo quando a ofendida B... se encontrava na habitação acima indicada, o arguido exercia um controlo e uma vigilância permanente.

18.Quanto a ofendida B... trazia trabalho para casa, o arguido afirmava que a mesma não tinha estado na escola, mas sim com o amante, daí que tivesse necessidade de realizar esse trabalho em casa.

19. Sendo a ofendida B... professora e tendo que realizar parte do seu trabalho no computador, o arguido afirmava que a mesma estava a comunicar na internet com o amante.

20.Não obstante o arguido ser também professor e, por conseguinte, ter conhecimento das funções inerentes a essa profissão, sempre que a ofendida B... tinha, designadamente, reuniões com os membros e órgãos da escola e mesmo com os encarregados de educação, logo aquele afirmava que era tudo mentira, e que e isso apenas servia de pretexto para ela se encontrar com o amante.

21. Os factos acima descritos ocorreram, de forma contínua, em dias e horas não concretamente apurados da semana, no período compreendido entre Setembro a Dezembro de 2006, em muitas ocasiões no interior da casa de morada de família e na presença dos filhos do arguido e da ofendida B....

22.A partir de Setembro de 2008 e no mês de Outubro de 2008, o comportamento referido retro do arguido para com a ofendida B... veio a agravar-se.

23. O arguido começou a afirmar, de forma obstinada, que a ofendida B... andava metida com o vizinho, querendo com isso dizer que esta mantinha uma relação amoroso com essa pessoa, o que sabia não corresponder à verdade.

24.O arguido começou a dirigir à ofendida B... diversas insinuações, nomeadamente questionando-a sobre se os bancos do veículo desse vizinho eram confortáveis, levantando, assim, a suspeição de que a aquela mantinha relações sexuais com essa pessoa no automóvel.

25.Mesmo sabendo que essas insinuações eram falsas e sem fundamento, o arguido afirmava, repetidamente, que tinha fotografias da ofendida B... com o amante.

26.E, nessas ocasiões, apodava-a de vaca e cabra, afirmando que a ofendida B... não pensava com a cabeça, mas com a vagina, apontando ostensivamente para os seus órgãos genitais.

27. O arguido chegou mesmo a questionar a ofendida B... sobre se esta fazia a depilação completa, pois precisava de estar preparada porque o movimento era grande, pretendendo com isso afirmar que a ofendida mantinha uma intensa actividade sexual com outros homens, tratando-a como se fosse uma depravada e como uma prostituta.

28.Os factos descritos, ocorridos no período compreendido entre Setembro de 2008 e Outubro de 2008, muitas das vezes no interior da residência comum do casal, em dias e horas não concretamente apuradas da semana, desenvolvem-se num contexto de grande agressividade, adoptando o arguido um tom de voz sarcástico e sério, fazendo a ofendida B... temer, em certas ocasiões, pela sua integridade física.

29.Em 7 de Novembro de 2008, na casa de morada de família, a ofendida B... tentou telefonar para a polícia, com o objectivo de expor o sucedido e de obter auxílio, encontrando-se os filhos a dormir.

30. Apercebendo-se do propósito da ofendida B..., o arguido começou a chamar pelos filhos, gritando: "acordem, acordem! Venham ver o que a vossa mãe está a fazer!"

31. O filho e ofendido C... e a filha I... acordaram assustados e em sobressalto, e por este motivo, a ofendida B... acabou por não efectuar o telefonema para a polícia.

32.Por outro lado, o arguido procurar. instrumentalizar e utilizar os filhos, mormente o ofendido C..., com o propósito de os colocar contra a ofendida B... e, assim, fazê-la sofrer.

33. Em diversas ocasiões, o arguido contrariou as ordens, sugestões e as orientações que a ofendida B... deu aos seus filhos, dando opiniões e fazendo afirmações contrários, na presença dos menores, com o objectivo de menorizar, enxovalhar, humilhar e desautorizar a ofendida diante dos filhos.

34.Foi o que sucedeu, designadamente, quando, à noite, a ofendida B... determinava que os filhos se fossem deitar e o arguido, independentemente da hora, contrariava essa indicação, dizendo-lhes que ainda não estava na hora e que podiam ver televisão durante mais algum tempo.

35.No dia 8 de Novembro de 2008, a ofendida B... participou numa manifestação de professores que teve lugar em Lisboa, tendo regressado a casa cerca das 23.00 horas.

36.No dia seguinte, na residência comum do casal, na presença dos filhos, o arguido, dirigindo-se ao ofendido C..., perguntou-lhe, em jeito irónico, se a mãe já lhe tinha explicado porque é que havia chegado a casa àquelas horas da noite, querendo insinuar que a ofendida havia estado com outro homem.

37.No dia 3 de Fevereiro de 2009, após a tentativa de conciliação e de conversão do divórcio para mútuo consentimento, no âmbito do Proc. n.º 2298/08.7TBMGR, que correu termos neste Tribunal, o arguido, à noite, quando se encontravam em casa, dirigiu-se aos filhos exibindo a petição inicial dessa acção de divórcio e afirmou, em voz alta, repetidamente: agora é que vocês vão ver a mãe que têm! Será interessante vocês saberem o que a vossa mãe pensa e faz! Hoje ela tratou-me como um criminoso, vejam bem!

38.Seguidamente, dirigindo-se para a ofendida B..., sempre na presença dos filhos, disse-lhe, em tom de voz alto e de forma séria: tu e o teu amante andaram a planear tudo, durante 3 anos. A planear tudo, os dois, aproveitando-se do meu estado de doença! És uma falsa, só vives de fachada, mas as pessoas hão de conhecer aquilo que tu na verdade és! Agora já podes saltar a cerca quantas vezes quiseres, não é? Não tens vergonha!? És uma galdéria! Quanto mais tempo passares fora de casa, melhor! Agora é que os teus filhos vão saber quem tu és e o que andaste a fazer durante estes 3 anos!

39.A ofendida B... pediu então ao arguido que, pelos menos por respeito aos filhos, se calasse e os deixasse em paz, orientando as crianças para os seus quartos, a fim de se deitarem.

40.O arguido interpôs-se entre eles e disse-lhe que não permitiria que ela os fosse deitar, pois conspurcaria o quarto.

41.Nos dias que se seguiram, particularmente nos períodos de manhã, antes de saírem para o trabalho, a partir da tarde e da noite, após o regresso do trabalho, e aos fins-de-semana, o descrito comportamento do arguido manteve-se inalterado.

42.Durante o dia, a ofendida B... passou a receber constantemente telefonemas efectuados pelo arguido para o seu telemóvel, interpelando-a acerca do local onde estava, com quem estava e a fazer o quê, e questionando-a sobre os motivos porque não estava em casa.

43.De imediato, o arguido dizia à ofendida B... que esta ia ter com o seu amante, que não tinha vergonha do que andava a fazer e que as pessoas iam saber que era uma galdéria.

44.E quando se encontrava na presença dos filhos, o arguido dizia que a ofendida B... o andava a enganar há 3 anos com o vizinho.

45.O arguido continuou a seguir a ofendida B... até à escola, para confirmar que era este o seu itinerário e destino final.

46. O comportamento do arguido supra descrito manteve-se, ininterruptamente, até ao final de Fevereiro de 2009 e início de Março de 2009.

47.No dia 16 de Fevereiro de 2009, a ofendida B... deslocou-se de casa para a escola no carro que habitualmente utiliza, estacionando-o junto daquela instituição.

48.Nesse dia, no período da manhã, o arguido, não obstante utilizar habitualmente um outro veículo, foi buscar o carro da ofendida B... ao local onde o mesmo estava estacionado, utilizando a outra chave que possui e sem dar disso conhecimento a esta.

49. Em consequência, quando a ofendida B... saiu da escola cerca das 15.30 horas e se preparava para, com o referido veículo, ir buscar os filhos e regressar a casa, não o pôde fazer.

50.Como tal, a ofendida B... telefonou ao arguido a fim de confirmar se era ele que estava com o veículo e para o informar de que necessitava do mesmo para ir buscar os filhos e regressar a casa, ao que este lhe respondeu, num tom de voz irónico, que já tinha ido buscar os filhos, uma vez que sabia que eles não podiam contar com a mãe; que, se ela quisesse, fosse ter com eles, a pé.

51. Ainda no dia 16 de Fevereiro de 2009, à noite, quando já se encontravam em casa, o arguido, dirigindo-se à ofendida B..., ordenou-lhe que colocasse a etiqueta da camisola para dentro e disse-lhe: a clientela é muita não é? Tiveste que te vestir à pressa, não foi?, com isso querendo afirmar que aquela tinha estado a ter relações de sexo com outros homens, prostituindo-se.

52. Entre o final do mês de Fevereiro de 2009 e o início do mês de Março de 2009, o arguido insistiu junto da ofendida B... para que esta desistisse do pedido de divórcio na acção instaurada, o que a mesma recusou.

53.Perante a recusa da ofendida B..., o arguido advertiu-a de que, a partir daquele momento, deveria preparar-se porque, agora, é que iria ver do que ele seria capaz e, depois, não haveria retorno possível, nem que lhe suplicasse, pois não teria qualquer piedade dela.

54.Assim, a partir do início de Março de 2009, ininterruptamente, num quadro de rotina diária, prosseguida durante o período da manhã, antes de saírem de casa, à tarde e à noite, quando à mesma regressavam e nela permaneciam, bem como aos fins-de-semana, o arguido adoptou um comportamento de violência psicológica permanente para com a ofendida B..., em ordem a molestar a sua honra, consideração e dignidade, rebaixando-a enquanto pessoa, mulher e mãe.

55.Para o efeito, o arguido recorria a linguagem irónica, sarcástica, imprópria e vulgar, utilizada, a maioria das vezes, na residência do casal e na presença dos filhos, dizendo à ofendida B..., num tom de voz alto, nomeadamente:

·Estás desesperada! Não vês mais nada!

·És uma ninfomaníaca. Aconselho-te a leres sobre o assunto!

·És uma tarada! Uma tarada, manipuladora e mentirosa compulsiva!

·Cabra! Traidora!

·Tu traíste! Tu traíste! Tu és uma malvada!

·Vens com essa cara de sonsa I á da parvónia!

·Vê lá se te comportas como uma mulher casada e com filhos!

·Traíste-me, traíste-me! E não tem sido só com um!

·Ao menos as que andam nessa vida trazem dinheiro para casa!

·Afasta-te de mim e dos meus filhos! Que nojo, tocares-lhes com essas mãos porcas!

·Realmente, estás balofa! É do que andas a fazer fora de casa!

·As pessoas já perceberam quem tu és, realmente! Com essa cara de sonsinha, já não enganas ninguém!

·És uma ladra! És uma ladra! Andas a desviar dinheiro!

·Não penses que vais continuar a chular-me! Vais ter que pagar tudo!

·Tu tens que sofrer! Tu tens que sofrer, e é por antecipação. A vingança é um prato que se serve frio. Isto tem que ser feito com elegância!

·Sai de casa, vai-te embora! Porque é que não te vais embora? É por causa dos filhos? - Eles só te atrapalham, não é! Assim, ficarias livre. E eles também! Pensa lá bem se tu és mesmo uma boa mãe.

·Ainda hás de suplicar para ver os teus filhos! Hás de suplicar!

·Vai mas é para a mata! Vai para a mata!

·O que tu queres é galderice! És uma galdéria! Gostas é de andar a "pular a cerca"! Volta para a mata, que é aí que tu pertences, como as outras que andam na má vida!

·Vai tratar da tua vida! Vai ter com os outros, com quem andas!

·És uma porca!

·Na minha terra, sabes o que fazem às mulheres da tua laia? São apedrejadas até à morte! Vai ser este o teu destino!

·Os teus filhos até têm vergonha de trazer os amigos cá a casa ­diz lá C..., não é verdade?

·Eu hei de estar para sempre presente na tua vida! Se não estiveres comigo, com ninguém mais estarás! Querias voltar a ser feliz] A ter família? - Não, não, não o permitirei! Nunca!

·Já hoje estiveste com ele?

·Chega-te para lá, que cheiras mal!

·És uma puta!

·Olha, já reparaste, tens a boca maior! É verdade, tens a boca maior! É de chupares tanto!, apontando o arguido e gesticulando na direcção dos seus próprios órgão genitais.

·Chega-te para lá! Que cheiro, ainda se sente!

·Andas a conspurcar as camas dos teus filhos!

·Já há 4 anos que eu deveria ter-te posto fora de casa!

·Vê se tens vergonha! Olha para ti, andas desesperada!

·Só ficas calada quando tens a boca cheia, com ele! Já deve ter chegado a todos os buracos, que nojo!, apontando o arguido e gesticulando, uma vez mais, na direcção dos seus próprios órgãos genitais.

·Onde é que andaste com a boca? Tens um cheiro estranho!

·Até as tuas mamas estão maiores!

·Ao que tu chegaste! Agora, até no carro. O vidro e o porta-luvas até têm a marca das solas dos teus sapatos! Vá, diz lá como ficaste com as pernas!?, simulando o arguido, simultaneamente, com o seu corpo gestos de cariz sexual.

·Sabes o que faziam, antigamente, às mulheres que cometiam adultério? - Prendiam-nas junto de formigas carnívoras! Tu também vais ficar com um sinal, e quando passares na (...) também vão saber que cometeste adultério! Ao que tu chegaste! Mas as pessoas já perceberam!

·Agora, andas de saia!? Pois, assim, é mais fácil, é só levantar a perna! Sua badalhoca, simulando o arguido, simultaneamente, com o seu corpo gestos de conteúdo sexual.

·Nem andando com ele entalado tu ficas bem!

·O que te regula é aí, apontando o denunciado para os órgãos genitais da ofendida.

· B... badalhoca! B... badalhoca! B... badalhoca!

·Essas fuças vão ficar lindas! teu focinho vai ficar marcado! - É o que acontece às mulheres que cometem adultério!

·Ao menos as que andam na rua são mais honestas, porque assumem o que fazem! Tu és uma galdéria! Àquelas pagam-lhes, tu és uma ladra, roubas-me! Vejam lá o descaramento. Planeaste tudo e julgavas que' eu sairia daqui como se fosse culpado! ­Estás muito enganada! Julgavas que era só decidires acabar com o casamento. Mas não é assim. Estás enganada!

·Há muito tempo que as andas a pedir!

·És uma insonsa! Não sabes nada, de nada! Imbecil! Saco de batatas mal amanhada!

·Viveste às minhas custas! É uma ladra e uma preguiçosa!

·És uma pobre saloia! És uma bacoca!

·És asquerosa, reles e nojenta!

·A propósito do Canal Panda, de entretenimento infantil, quando a ofendida advertia os filhos de que tinham de desligar a televisão, o arguido afirmava-lhe: Tu gostas de outros pandas ... !

·Quando a ofendida estava a trabalhar no computador, o arguido dizia-lhe: estás na Net? Net mete, Net, mete!

·És uma malvada! Quem faz o que tu fazes, só pode mesmo ser muito má!

Usando o mesmo tipo de linguagem acima descrito, o arguido construiu junto dos filhos, sobretudo do ofendido C..., uma imagem negativa da ofendida B..., tudo fazendo para que este menor ficasse com a percepção de que a progenitora era má mãe e má esposa e que ele era um bom pai e um bom marido.

57.As regras e instruções que a ofendida B... dirigia aos filhos, no quadro da educação e orientação destes, eram, constante e infundadamente, contrariadas, diante das próprias crianças, pelo arguido, que a desautorizava e troçava daquilo que a mesma lhes transmitia, criando as condições para que, também elas, acabassem por troçar da mãe.

58.Quando a ofendida B... pretendia despender algum tempo sozinha com os filhos e/ou levá-los consigo a fim de usufruírem de alguns períodos de lazer, participarem cm actividades lúdicas, o arguido opunha-se, tudo fazendo para desmotivar as crianças a ir com a mãe ou seguindo-os, fosse a pé ou de automóvel.

59.O arguido continuou a exercer vigilância apertada ao telemóvel da ofendida B..., apoderando-se do mesmo contra a vontade e sem o consentimento desta, com o objectivo de, segundo afirmava aquele, comprovar os contactos estabelecidos com os amantes.

59.A mala pessoal da ofendida B... também era frequentemente vasculhada pelo arguido, com o objectivo de, segundo este, encontrar provas do adultério.

60.O arguido também inspeccionava a roupa interior da ofendida B... e exibia-a, afirmando que estava suja com fluidos, e que isso era a prova de que a mesma mantinha relações sexuais com outros homens, separando essas peças das restantes para, segundo aquele, não conspurcar a sua roupa e a dos filhos.

61.Quando a ofendida B... e os filhos se encontravam a dormir, era frequente o arguido passar parte da noite e da madrugada a ligar e a desligar a luz do corredor de acesso aos respectivos quartos, acordando-­os e perturbando-lhes o sono e o descanso.

62.No contexto e encadeamento cronológico dos factos anteriormente descritos, e com o mesmo e reiterado propósito de molestar a integridade moral, psicológica e emocional da ofendida B..., o arguido gravou no seu computador pessoal e reproduzia, diariamente e alternadamente, em certas ocasiões mais do que uma vez, de forma audível, as seguintes canções populares:

·"Maldita tu, B...", do grupo Trio Odemira, que versa sobre traição conjugal;

·"A garagem da vizinha", c.e Quim Barreiros, cujo conteúdo tem uma componente de natureza eminentemente sexual, com recurso à metáfora e à ironia.

64.Na verdade, enquanto essas músicas eram debitas no computador, o arguido ia cantarolando as respectivas letras e, simultaneamente, em jeito de gozo e de escárnio, sorrindo, dirigia-se para junto da ofendida B..., seguindo-a pela casa.

65.Noutras ocasiões, adoptando o comportamento descrito anteriormente, o arguido cantava: "Josezinho já tenho dito que não é bonito andar a enganar".

66.Na decorrência de toda a enunciada factualidade, o arguido utilizava com frequência os seus telemóveis, captando som e imagem daquilo que a ofendida B... dizia ou fazia, tirando-lhe directamente fotografias e gravando vídeos, o que sucedida contra a vontade e perante a oposição expressa daquela.

67.No dia 22-5-2009, na residência do casal, por a ofendida B... lhe ter transmitido a sua vontade de não se sentar ao seu lado num jantar que iria realizar-se nesse dia no âmbito da associação de pais da escola frequentada pelo ofendido C..., o arguido, em reacção imediata, encostou-a contra um armário e chamou-lhe cabra e ladra.

68.No dia 15 de Julho de 2009, na residência do casal, a ofendida B... planeara ficar com a filha I... na escola onde lecciona, uma vez que o tipo de trabalho que iria desenvolver era compatível com a presença da menina.

69.O arguido opôs-se, questionando a ofendida B... acerca dos motivos pelos quais queria levar a filha nesse dia.

70.Como a ofendida B... insistiu em levar a filha, em acto contínuo, o arguido perseguiu-a até ao quarto de banho, e colocou-lhe a mão na boca, tapando-a, com o objectivo de a calar.

71. Seguidamente, saiu daí, fechando a ofendida B... no seu interior, mantendo-lhe a porta fechada e desligando-lhe a luz, ainda que por segundos, contra a vontade daquela.

72.Depois, voltou a abrir a porta e, desprezando o estado de choro em que a ofendida B... se encontrava, gritou-lhe, dizendo-lhe que era urna ninfomaníaca, que estava louca e que deveria ter vergonha do que fazia .

73.Transtornada, a ofendida B.. saiu de casa, sozinha, sem a filha I..., enquanto o arguido aliciava a criança, no seu quarto, com a brincadeira de "faz de cavalinho", como se nada tivesse acontecido.

74.No dia 3 de Setembro de 2009, na residência do casal, o arguido dirigiu-se à ofendida B... e disse-lhe: onde é que andaste com a boca? Tem um cheiro estranho! Até as nas mamas estão maiores!

75.Nessa ocasião, o arguido aproximou-se muito perto da ofendida B... e tentou introduzir-lhe um dedo, colocado em forma fálica, na boca desta, só não o tendo conseguido porque a mesma se desviou-se e o afastou.

76.No dia 5 de Setembro de 2009, 0;1 residência do casal, na sequência de nova discussão gerada em torno da circunstância de a ofendida B... tencionar levar os filhos à piscina e do arguido a isso se ter oposto, este, uma vez mais, voltou a persegui-la até à casa de banho e, segurando com força o puxador da porta, obrigou-a a permanecer no seu interior, durante cerca de 3 minutos, contra a sua vontade.

77.Simultaneamente, o arguido ordenou à filha I... que fosse buscar o telemóvel da ofendida B..., e que telefonasse à avó materna para lhe dizer que a mãe tinha batido no pai.

78.Impelida pelo arguido, a filha I... acabou por fazer esse telefonema, dizendo à avó que a mãe estava a fazer mal ao pai.

79.Essa mesma avó recebeu, depois, um telefonema do ofendido C..., através do telemóvel do arguido. no qual a criança, instruído pelo pai, questionava a avó, perguntando-lhe se sabia que havia mães que matavam os filhos.

80.No dia 12 de Setembro de 2009, à hora do almoço, na residência do casal, o arguido, de modo absolutamente descabido e desadequado, relatou-lhes a mórbida história relativa ao falecimento de uma recém-­nascida irmã da ofendida B..., comentando o seguinte: tal como os avós, a mãe não sabe tratar dos filhos! Os avós deixaram a filha no quarto sozinha e ela morreu!

81.No dia 27 de Setembro de 2009, à tarde, por volta das 15.30 horas, na  residência do casal, a ofendida B... levou os filhos à festa de anos de uma amiga da filha, onde permaneceram até cerca das 20.30 horas.

82.Durante todo esse período, o arguido telefonou-lhe, pelo menos, 10 vezes e enviou-lhe, através do telemóvel, 3 mensagens escritas, insistindo para que lhe dissesse onde estavam, apesar de, previamente, ter sido disso informado,

83.Nesse mesmo dia, à noite, quando regressaram a casa, o arguido, na presença dos filhos, dirigindo-se à ofendida B..., disse: cheiras mal da boca! O que andaste a fazer? Será que lá na festa também fizeste!?, insinuando, dessa forma, que, na festa das crianças, aquela teria praticado sexo oral.

84.Seguidamente, a ofendida B... conduziu os filhos de imediato para a casa de banho, sentando o ofendido C... na sanita e colocando a filha I... na banheira.

85. O arguido seguiu-os e manteve-se junto à porta.

86.Quando a ofendida abriu a água e esta correu para o interior da banheira, a filha I... esboçou um gemido, reagindo à temperatura da água, que ainda não estava completamente quente.

87.Aproveitando esta reacção, o arguido disse que a ofendida B... estava a escaldar a filha.

88.Em resposta, a ofendida B... virou o chuveiro na sua direcção e gritou "está morna, não está a escaldar!".

89. Acto contínuo, o arguido agarrou-lhe o cabelo, pela zona frontal, puxando-o de seguida, com violência, e empurrou-a, determinando que a ofendida B... caísse em cima do bidé, causando-lhe, como consequência directa e necessária, dores nas zonas do corpo atingidas.

90.A filha I... começou a chorar e o arguido dizia, gritando, que a ofendida lhe tinha batido, tentando, transferir para esta a responsabilidade pelo sucedido.

91. Na semana de 5 a 11 de Outubro de 2009, como medida correctiva e educativa, a ofendida B... determinou que o ofendido C... ficasse impedido de aceder à Play Station Portable.

92.Tendo-se apercebido disso, na noite em que tal medida foi tomada, o arguido dirigiu-se à ofendida B... e exigiu-lhe que entregasse o referido objecto, dizendo-lhe:

·Nem que tenha que estar aqui a noite toda ... vai para o caralho que foda! Também lha vais dar?, aludindo ao ficcionado amante da ofendida.

·Estragaste a vida de dois inocentes.

·Andou-te a papar. Não comeu nada que os outros não tenham comido!

93.De seguida, o arguido apoderou-se da mala pessoal da ofendida B... e começou a remexer nos objectos existentes no seu interior, exclamando: Que grande remessa tens tu de pensos! Tu dantes até tinhas o período curto! Ó B... o que foi que te fizeram?  

94.A ofendida B... pediu-lhe que se calasse e que a deixasse, ao que o arguido lhe disse: chupa o caralho, apontando-lhe a mão e formando com os dedos um gesto fálico, és uma cabra! Vai-te foder! B...!

94.No dia 8 de Outubro de 2009, ao fim da tarde, na residência do casal, apercebendo-se de que a ofendida B... estava ao computador, o arguido dirigiu-se a ela nos seguintes termos: na Net outra vez?! Apanhada com a boca na botija! Eu quero é apanhar-te com a boa na pila, fazendo, novamente, um gesto fálico.

95.Nestas circunstâncias, o arguido chamou à ofendida B... porca e ladra e disse-lhe, numa clara alusão a actos de sexo oral: onde metes a boca, não largas ... e até magoas! Esse teu dente aí chega a fazer doer!

96.No dia 9 de Outubro de 2009, ao final da tarde, na residência do casal, enquanto a ofendida B... arrumava o quarto dos filhos, o arguido disse-lhe:

·És uma porca!

·Nem uma mula fazia o que tu fazes!

·Vagabunda!

·Levanto-me durante a noite, porque tu não tapas os teus filhos, nem a I..., nem dorme com ela. E ainda andas a dormir na cama deles, a conspurcá-la!

98.No dia 10 de Outubro de 2009, na residência do casal, durante a manhã, o arguido, na presença dos filhos, questionou a ofendida B... nos seguintes termos, transmitindo, uma vez mais, a ideia de que ela estivera a praticar sexo oral: onde estiveste? Vá, diz aos teus filhos! Devias ter as mãos e a boca ocupadas, para não atenderes o telemóvel. Ah, aquilo é que devia ser!

99.Nesse mesmo dia, durante o período do almoço e após comunicar ao arguido que pretendia sair com os filhos à tarde, este disse à ofendida B...: lava tu louça, e eu desconto no que me roubaste! É uma boa ideia, eu vou descontando no que tu me roubaste! És uma cabra, vai foder para onde quiseres! Não chegou o que fizeste durante a manhã! Não te calas. Nem estando com ele na boa"! Porque não compras um vibrador e o entalas!

100. Seguidamente, o arguido disse que ia telefonar para o ficcionado amante da ofendida B..., simulando, com o telemóvel, o dito telefonema. 

101. No dia 11 de Outubro de 2009, na residência do casal, quando a ofendida B... se preparava para ir andar de bicicleta, cerca da 08.15 horas, o arguido voltou a interpelá-la como ela fosse consumar encontro sexual com terceiros: corno é que fazes quando lá chegas?! Puxas a roupa toda para trás?! Gostam de estar de rabo ao leu, à fresca?!

102. No dia 12 de Outubro de 2009, ''na residência do casal, logo pela manhã, o arguido, dirigindo-se à ofendida B..., disse-lhe: já estás preparada para te encontrares com ele? Tomaste banho! Ontem também tomaste banho. Tu não costumas tomar banho. Olá B... larocas, B... ranhosa.

103. No dia 16 de Outubro de 2009, após o jantar, na residência do casal, o arguido, ao aperceber-se de que a ofendida B... pretendia ir passear com os filhos, interpôs-se imediatamente, afirmando que também iria sair com eles e, dirigindo-se a ela, disse-lhe, a rir, ironizando, vamos os dois de braço dado, muito românticos, acrescentando: o que tu querias era que eu fosse para cima de ti, e me roçasse em ti, como tu fazes na mata, nos pinheiros!

104. A ofendida B... acabou por sair de casa com os filhos, no veículo automóvel que normalmente utiliza, sendo que o arguido, utilizando o outro veículo do casal, segui-os persistentemente, fazendo sinais de luzes para as crianças e acenando para elas, o que levou a ofendida a regressar a casa, adop1ando ele o mesmo procedimento, para, depois, já no interior da mesma, a advertir de que iria sempre segui-los.

105. No dia 17 de Outubro de 2009, à tarde, quando a ofendida B... se encontrava junto da porta da despensa, na residência do casal, o arguido passou por trás dela e disse-lhe: Puxa, deixa passar. Peida murcha de batata velha!

106. No dia 18 de Novembro de 2009, à noite, na residência do casal, a ofendida B... sentiu-se doente e teve de permanecer no serviço de urgência, das 20.00 às 23.30 horas.

107. Quando regressou a casa, o arguido confrontou-a com esse período de espera e disse-lhe: desde as 20.00 às 24.00 horas! Isso é que foi, 4 horas?! Ficaste satisfeita?! Mamaste-o?' Chupaste-o?!.

108. No dia 23 de Novembro de 2009, cerca da 9.00 horas, na residência do casal, quando a ofendida B... se encontrava a preparar o ofendido C... para ir a uma consulta médica com ele, o arguido dirige-se-lhe e pergunta-lhe se já se sentia melhor e se já estava consolada, apontando na direcção dos seus órgãos genitais.

109. Na semana de 23 a 25 de Novembro de 2009, a ofendida B... conseguiu estabelecer uma relação mais próxima com o ofendido C.... 110. Ao percepcionar esse relacionamento e ao constatar que o ofendido C... dava sinais de uma maior aproximação à mãe, o arguido, a partir desse dia 25 de Novembro de 2009, passou a manipular e a instrumentalizar o filho contra a o rendida B....

111. Por isso, nos dias 28 e 29 de Novembro de 2009, o ofendido C..., de um modo absolutamente irreconhecível e transfigurado, passou a dirigir à ofendida B... as mesmas expressões utilizadas pelo arguido, como ladra e porca, a impor-lhe que saísse de casa, a dar-lhe pontapés, a morder-lhe, a cuspir-lhe e a lançar-lhe diversos objectos.

112. Enquanto isso, o arguido incentivava o ofendido C..., rindo-se e ironizando, dizendo que a ofendida B... é que lhes tinha feito muito mal.

113. Diante do descontrolo do ofendido C..., a ofendida B... pediu ao arguido que pusesse fim ao que estava a acontecer e pediu-lhe ajuda para controlar a criança.

114. Ao invés, o arguido gritou com a ofendida B... e impôs-lhe que saísse de casa, repetindo que a sua presença fazia mal aos filhos.

115. Concomitantemente, o arguido, contra a vontade da ofendida B... e não obstante a oposição física desta, retirou-lhe, à força, o telemóvel, apossando-se do mesmo, a fim de evitar que ela pudesse, através dele, pedir ajuda a terceiros ou contactar as autoridades policiais.

116. Na sequência destes factos, a ofendida B... saiu momentaneamente de casa, procurando refúgio junto de uma colega de profissão e amiga, D....

117. A ofendida B... regressou a casa nesse dia, cerca das 23.30 horas, e tentou falar com o arguido e também pediu que lhe fosse entregue o telemóvel.

118. O arguido agarrou numa tenaz, envergou-a na direcção da ofendida B... e disse-lhe: o que é que queres daqui? O que é que estás aqui a fazer? Sua ladra! É agora é que vais ficar sem dentes! O que tu queres é isto na cona! Toma, Toma! apertando a tenaz em direcção aos órgãos genitais daquela.

119. E continuou o arguido a afirmar, aos gritos: és uma brochista! brochista! Eu tenho tudo planeado, vais ter que fazer um broche com ele, à minha frente. Eu já tenho tudo planeado.

120. No dia 30 de Novembro de 2009? cerca das 08.30 horas, na residência do casal, a ofendida B... aproximou-se dos filhos, com o objectivo de os preparar para a escola.

121. O arguido interveio, impedindo-a, chamando-lhe, na presença dos filhos, porca, ladra, cabra e dizendo-lhe, insistentemente: dá-me o dinheiro que roubaste, sua ladra.

122. A partir do dia 30 de Novembro de 2009, o ofendido C..., manipulado e instrumentalizado pelo arguido, começou a bater na ofendida B... com pontapés, socos nos braços e puxões de cabelos; cuspindo-lhe para cima a e atirando-lhe objectos, ao mesmo tempo que dizia ao arguido: vamos matá-la; vamos dar cabo dela.

123. Em dia não concretamente apurado do mês de Novembro de 2009, o arguido telefonou a D..., amiga da ofendida, e passou o telefone ao ofendido C..., que repetiu a esta as palavras que o arguido lhe dizia: és amiga da minha mãe, mas eu já não sou teu amigo; ainda te vais arrepender.

124. Em dia não concretamente apurado ocorrido no início do mês de Dezembro de 2009, na residência do casal, o ofendido C... voltou a bater na mãe com murros na cabeça, nos braços e pontapés nas pernas.

125. Perante esta atitude, a ofendida B... agarrou-se ao filho e pediu­-lhe para parar, disse-lhe que o amava e que era a sua mãe.

126. O arguido estava presente e ria-se à gargalhada, dizendo que a ofendida B... não prestava para nada.

127. Com o objectivo de tentar obter ajuda, e porque o ofendido C..., instigado e influenciado pelo arguido, persistia nas agressões e nos insultos já descritos, no dia 4 de Dezembro de 2009, a ofendida procurou assistência psicológica, para si e para o filho, junto das psicólogas clínicas L... e J....

128.tendo conhecimento desse facto, o arguido, nesse dia, ao fim da tarde, quando a ofendida B... chegou a casa, advertiu-a, apontando-lhe o dedo, de que estava proibida de ir ao médico com o ofendido C... e, muito menos, à psicóloga, dizendo-lhe que quem estava realmente doente era ela e toda a sua família.

129. Na semana de 1 a 6 de Dezembro de 2009, em dia não concretamente apurado, à noite, na residência do casal, quando a ofendida B... se preparava para dar banho à filha I..., o arguido opôs-se, empurrando a criança para dentro do quarto, à força, permanecendo, depois, aí fechado com ambos os filhos.

130. A ofendida B... insistiu em entrar no quarto, mas foi, novamente, confrontada com a oposição do arguido, afirmando que ela era a culpada de os filhos adormecerem tão tarde.

131. Em acto contínuo, o arguido lançou as suas mãos sobre os braços e sobre a zona genital da ofendida B... e empurrou-a para o corredor.

132. No dia 9 de Dezembro de 2009, cerca das 08.00 horas, na residência do casal, quando a ofendida B... acordava os filhos a fim de os preparar para escola, o arguido logo interveio, afirmando: vai-te embora, ainda não percebes que fazes mal aos teus filhos? Não te chega chupá-lo?, numa alusão à prática de sexo oral pela ofendida com terceiros.

133. Nesse dia, quando a ofendida a B... chegou a casa, cerca das 19.00 horas, foi confrontada com a circunstância do ofendido C... ter recebido, como presente, um telemóvel do arguido.

134. Nessa ocasião, o arguido advertiu, novamente, a ofendida de que estava proibida de levar o filho ao médico, especialmente à psicóloga.

135. De seguida, disse ao ofendido C... que se a mãe o fosse buscar, deveria recusar acompanhá-la e que, se fosse necessário, deveria fugir, pedindo a alguém para telefonar ao pai.

136. Ainda nesse dia, na altura do jantar, tomando como pretexto os bicos do fogão, o arguido, numa linguagem de índole sexual, disse à ofendida B... que esta gostava muito de mexer nos bicos e se também mexia nos bicos da amiga D..., aludindo à testemunha D....

137. Os comportamentos de instigação e de pressão psicológica exercidos pelo arguido sobre o ofendido C..., para que este agredisse a mãe, persistiram, tendo essas agressões sido concretizadas, diariamente, através de pontapés nas pernas, puxões de cabelos, beliscões, murros em todas as partes do corpo e arremesso de diversos objectos.

138.Ainda no dia 9 de Dezembro de 2009, entre as 22:30, e quando a ofendida B... se dirigiu ao quarto dos filhos, o ofendido C..., actuando sob a influência exercida pelo arguido, desferiu na mãe, repentinamente, um murro na face e um pontapé no peito.

139. A ofendida B... recebeu assistência médica no Centro de Saúde/SAP da (...), no dia 9 de Dezembro de 2009, pelas 23h26, onde se deslocou em virtude dessa agressão.

140. No dia 12 de Dezembro de 2009, durante o período da manhã e da tarde, o ofendido C..., uma vez mais instigado e influenciado pelo arguido, voltou a bater na ofendida B..., puxando-lhe os cabelos, desferindo-lhe estalos na cara e arremessando-lhe diversos objectos, atingindo-a com uma tesoura e com uma concha de sopa nas pernas e no tronco.

141. Arremessou-lhe igualmente um objecto metálico, de características não concretamente apuradas, que a atingiu na zona do olho esquerdo.

142. Enquanto estes factos ocorriam, o arguido ria-se e dizia, gozando com a ofendida, ai, ui, ai, ui.

143. Simultaneamente, de forma absolutamente despropositada, o arguido incitava o ofendido C... a pedir à ofendida B... os recibos de retribuição desta, enquanto mostrava à criança os seus, exclamando, repetidamente, a mãe ganha mais do que o pai, mas quem te dá prendas é o pai!

144. Como consequência directa e necessária dos factos supra descritos, a ofendida B... sofreu dores e as lesões descritas no auto de exame médico-legal de fls. 337 e 338, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, designadamente: equimose arroxeada com 3 por 0,5 cm infrapalpebral esquerda; equimose na região frontal direita com 2 cm de diâmetro esverdeada; equimose esverdeada com 3 cm de diâmetro na nádega esquerda; duas escoriações punctiformes na região submaxiliar direita.

145. Estas lesões sofridas pela ofendida B... determinaram, para a sua cura, 5 dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho geral e profissional.

146. Perante os factos descritos, a ofendida B... ficou muito perturbada emocionalmente, procurando, ao final da tarde, ajuda junto de D..., cm casa de quem acabaria por pernoitar nesse dia.

147. No dia 15 de Dezembro de 2009, ~ ofendida B... saru definitivamente da casa de morada de família, levando consigo os filhos.

148. Mercê do acompanhamento daquelas psicólogas, e depois de a ofendida B... ter conversado com o ofendido C..., logo naquele dia 15 de Dezembro de 2009, o menor recuperou o seu carinho e afecto, abraçando-se à mãe a chorar, mimando-a e beijando-a.

149. Depois de sair da casa de morada de família com os filhos, a ofendida B... ficou acolhida em casa dos seus pais, situada em Avelar.

            150.Ainda assim, nos dias 19 e 20de Dezembro de 2009, o arguido dirigiu-se a esse local, com a intenção de levar consigo os filhos.

151. A ofendida B... não teve forma de evitar o confronto dela própria e das crianças com o arguido, uma vez que foram surpreendidos quando saíam de casa.

152. Nessa ocasião, o arguido, de imediato, agarrou e abraçou os filhos, impondo-lhes que deveriam ir com ele para casa, tentando levá-los para o carro à força.

153. E afirmou o arguido em plena rua, mais uma vez na presença dos filhos, que a ofendida B... não sabia cuidar deles, não sabia confeccionar-lhes as refeições, não lhes dava banho, não lhes dispensava atenção, nem carinho, e tinha roubado pai, apelidando-a de ladra; que há  4 anos que o andava a enganar com outro homem; que ela estava louca e necessitava de tratamento.

154.Com a conduta descrita, o ofendido C... e a menor I... ficaram assustados, tendo esta começado a chorar.

155.Por decisão de 22 de Julho de 2010, transitada em julgado no dia 10 Setembro de 2010, proferida no Processo de Divórcio Sem Consentimento do Outro Cônjuge n" 2298/08.7TBMGR, que correu termos neste Tribunal, foi decretado o divórcio entre o arguido e a ofendida B..., decisão esta que assentou, além do mais, nos seguintes factos provados:

· 3- Pelo menos desde o ano de 2007, o réu (aqui arguido) em conversas tidas com a autora (a ofendida B...) insinuava que esta mantinha uma relação extraconjugal.

· 4- Pelo menos desde a data referida em 3, o réu passou a questionar a autora acerca das chamadas realizadas e recebidas e da identidade dos titulares dos respectivos números.

· 5- No automóvel, contabilizava os km percorridos pela autora e questionava-a depois sobre os locais onde estivera, com quem estivera e o que fizera.

· 8- O réu, por vezes, no seu veículo, segue-a (à autora) até à escola para confirmar que é esse o seu destino e, posteriormente, mais tarde, desloca-se aí novamente para se certificar se o automóvel da autora ainda ali se encontra.

· 9- Telefona-lhe insistentemente, pedindo-lhe que confirme onde está e com quem está e impelindo-a a regressar imediatamente para casa, interpela-a sobre o trabalho que traz para casa e quando está no computador.

·10- Pelo menos desde a data referida em 3 até à data em que a autora saiu de casa de morada de família, as condutas do réu mencionadas em 3, 4, 5, 8 e 9 mantiveram-se ininterruptamente, de modo continuado.

· 11- A partir de então c réu afirma, insistentemente, que ela anda metida com o vizinho.

· 12- O réu apelida a autora de vaca e cabra, vociferando que o problema da autora reside no facto de não pensar com a cabeça, mas com a outra palie do corpo, apontando para os seus órgãos genitais.

· 15- Quando, à noite, a (lutara determina que os seus filhos se vão deitar, o réu, seja qual for a hora, contraria essa indicação, dizendo-lhes que ainda r ão está na hora e que podem ver mais televisão.

· 22- No dia 12-12-2009, uma colega de trabalho da autora prestou-lhe auxílio em virtude de esta ter sido agredida pelo filho C..., instrumentalizado pelo pai.

· 23- No dia 15-12-2009, em virtude do facto referido em 22, a autora saiu de casa corr os filhos, indo residir para casa dos pais.

156.De acordo com os exames periciais psiquiátricos realizados, cujos relatórios constam de f1s. 876 a 884 e o respectivo teor se dá por integralmente reproduzido, o arguido sofre de Perturbação Depressiva com Sintomas Psicóticos, de características recorrentes, doença que lhe foi diagnosticada em Janeiro de 2006.

157. Tem uma personalidade pautada, entre o mais, por uma preocupação excessiva sobre si, auto-centrada e imatura, com acentuadas exigências de atenção e manipulação das relações interpessoais e com acentuados traços de ansiedade e obsessividade, instabilidade emocional e ambivalência.

158. Em conformidade com o exame pericial realizado à personalidade da ofendida B..., cujo relatório consta de f1s. 786 a 797 e o respectivo teor se dá por integralmente reproduzido, o relato desta é compatível com padrão de violência conjugal, com detalhes típicos de dinâmicas maltratantes.

159. A ofendida B... revelou ter um funcionamento com características tendenciais de submissão, sobrepondo a consideração dos outros e pelos outros à sua liberdade de acção e decisão, mostrando-se pouco orientada para a posição de liderança e valorizado as relações interpessoais.

160. Em conformidade com o exame pericial realizado à personalidade do ofendido C..., cujo relatório consta de fls. 869 a 874 e o respectivo teor se dá por integralmente reproduzido, este parece duvidar do afecto da progenitora, sendo que, o facto de efectuar verbalizações negativas acerca da mãe e dirigidas a esta, leva a que se coloque como possibilidade a ocorrência de um processo que estaria a conduzir a um síndrome de alienação parental, em que o pai, neste caso, estabelece uma ligação com o filho com o objectivo deste desqualificar a mãe.

161. A dificuldade do ofendido C... aceitar a separação do arguido e da ofendida B... leva-o facilmente a percepcionar esta como a culpada da separação.

162. O ofendido C..., sendo filho do arguido e vivendo com este na mesma habitação, encontrava-se à sua guarda e cuidado, tendo por conseguinte o arguido responsabilidade na sua direcção e educação, no âmbito do exercício do poder paternal que lhe incumbe perante este seu filho, menor de idade.

163. Como consequência directa e necessária das condutas supra descritas, o arguido causou à ofendida B... sofrimento físico, nomeadamente dores e as lesões no corpo já referidas, e sofrimento psicológico, inibiu-a nos seus movimentos e limitou-a na sua liberdade individual, fê-la sentir­-se triste, infeliz e angustiada, envergonhou-a, enxovalhou-a e humilhou-­a, molestando assim a sua auto-estima, a sua honra, consideração e dignidade como pessoa, rebaixando-a enquanto Ser Humano, como mulher e como mãe.

164. Como consequência directa e necessária das condutas supra descritas, o arguido causou ao ofendido C... sofrimento psicológico, pois gerou no filho um sentimento de desvalorização e menosprezo pela figura materna, contrariando o natural afecto e carinho que este sempre sentiu por aquela, instrumentalizando-o e instigando-o a bater, a insultar e a cuspir na mãe, fazendo também com este duvidasse do amor que a progenitora sente pelo filho e desencadeando um potencial síndrome de alienação parental.

165. O arguido sabia que em virtude do tempo de vida conjunta com a ofendida B..., sua mulher, companheira e mãe dos seus filhos, lhe devia respeito e consideração. Não obstante, o arguido actuou sempre com o propósito concretizado de lhe causar sofrimento psicológico e físico, mesmo na residência comum do casal e na presença dos filhos menores, que se traduziu em provocar-lhe humilhação, vergonha e angústia e de a molestar fisicamente, infligindo-lhe, directamente ou através do ofendido C..., dores e as lesões acima descritas no corpo, atentando contra a honra, consideração e dignidade desta, enquanto pessoa, mulher e mãe, para com quem tinha especiais deveres de assistência e cuidado, atentando assim contra a sua saúde física e psíquica.

166. O arguido sabia que o ofendido C..., seu filho, menor de idade, se encontrava à sua guarda e cuidado, sob a responsabilidade da sua direcção e educação. Não obstante, pretendendo causar directamente à ofendida B... sofrimento físico e psicológico, o arguido quis utilizar e instrumentalizou o ofendido C... para alcançar, como alcançou, aquele propósito, bem sabendo que, ao actuar da forma descrita, instigando-o a bater e a insultar a mãe e colocando-o contra a progenitora, causaria necessariamente neste seu filho, como causou, sofrimento psicológico, resultado com o qual se conformou.

167. Em todas as suas condutas o arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, bem as sabendo proibidas e punidas por lei.

Da contestação:

168.È bem considerado no meio social onde se insere. Tem forte apego aos filhos menores. È professor, desde Junho de 1998 do quadro e profissionalizado na Escola Profissional e Artística da (...) e exerce funções de coordenador do curso técnico de transformação de polímeros (equivalente ao 12.º ano); é membro do Conselho Pedadógico do referido estabelecimento de ensino, orientador educativo coordenador da área de formação técnica e responsável pelo núcleo de empreendedorismo na (...), sendo ainda responsável pela organização de visitas de estudo, estágios e actividades extracurriculares. Colabora com a agência nacional para a qualificação na restruturação dos cursos profissionais; esteve envolvido na concepção do kit de avaliação de Técnico de polímeros solicitado pela Anespo e do kit de avaliação de Técnico de decoração do vidro solicitado pela mesma Associação. Tem vida modesta e pacata vivendo de seu salário. Cumpriu a medida de coação que nos autos lhe foi imposta. È tido pelos seus familiares, amigos e pares, na parte não prejudicada pelos factos anteriormente descrita, como pessoa respeitada e cumpridora das suas obrigações, que também o vêm como cidadão exemplar, respeitado por quem com ele se relaciona e considerado nos grupos sociais em que se integra.

Da discussão da causa:

169.A partir dos finais de 2008, a Assistente, saturada do comportamento atrás descrito do Arguido começou a ripostar quando ele se lhe dirigia dizendo-lhe se ia sair com amante aquela respondia que sim e se ele queria acompanhá-los.

170. Deixando assim de sentir-se subjugada ao arguido, mormente quando decidiu, para o que foi encorajada e  apoiada pelas amigas, deixar a casa da família.

171. O arguido não tem antecedentes criminais.

172. Vive sozinho na casa onde a família morava desfrutando recentemente de visitas aos filhos decorrentes de regime provisório judicialmente imposto.

2.2. Factos Não Provados

Da acusação pública:

Que aquando a ocasião mencionada no Ponto 70 retro o arguido desferiu na assistente um empurrão.

Que no momento referido sob o Ponto 108 supra o arguido na presença da criança, de forma a que esta pudesse vê-lo, apontou na direcção dos genitais.

Que no momento aludido sob o ponto 154 supra, os menores ficaram ambos com receio do que o arguido pudesse fazer.

*

Da contestação: que é cidadão exemplar, fora do prisma dos familiares, amigos e pares, e nomeadamente na sua relação que teve com assistente nos últimos anos do casamento.

2.3. Motivação:

No nosso ordenamento jurídico processual penal vigora o principio da livre apreciação da prova, salvo quando a lei o disponha de forma diversa, o que implica a apreciação da prova, legalmente produzida, de acordo com as regras de experiência e livre convicção da entidade julgadora (art. 127 do Código de Processo Penal), sujeita tal produção ao principio da imediação e contraditório (art. 355 do Código de Processo Penal), e que tanto pode assentar em prova directamente colhida como em prova indiciária (a este propósito atente-se no Ac. TRC, de 11-5-2005, Processo 1056/05 (UNANIMIDADE); Ac. TRC 1937/04, de 18-08-2004 (UNANIMIDADE) e Ac. TRE, de 29-11-2005, proferido no âmbito do P. 621/05.1 (UNANIMIDADE).

Só podendo servir para a formação da convicção do Tribunal, com as excepções contempladas na lei processual penal, as provas produzidas ou analisadas em audiência de julgamento- art. 355 do CPP.

Destarte, a convicção do tribunal relativamente aos factos que deu como provados fundou-se na análise conjugada, à luz das regras de experiência e senso comum, das seguintes provas cuja exame crítico segue, sem qualquer carácter tautológico ou meramente decalcante do teor das conteúdos emanados das fontes, não sendo esse o escopo da li no que tange à motivação, como é consabido:

-assim, o arguido nas suas declarações, no essencial, e ab initio negou toda a factualidade e fê-lo pontualmente a propósito de todos os factos cronologicamente relatados na peça processual em análise.

Dos pontos 1 a 4 relata-se elementos genéricos alusivos á vida do casal balizando a sua união matrimonial, a descendência e a localização da casa de morada de família.

Subsequentemente faz-se a narrativa de factos que a final subsume á norma jurídica apontada, não sem que antes, na própria descrição, análise algumas situações formulando conclusões fundada em meios de prova que enuncia.

Finda com a abordagem ao elemento psicológico do ilícito.

Refuta então o arguido os Pontos atinentes à mudança de atitude registada no casal a nível de obrigações decorrentes do casamento, como assistência, atribuindo á assistente a apontada atitude e reacção, antes afirmando que o amor nutrido pela mulher sempre o levou a tratá-la bem.

Assim, e segundo o seu relato, era ela que o desprezava, tratando-o com frieza, deixando de haver qualquer carinho entre eles. Quanto ao Ponto 8 nega, afirmando que sempre teve razões pelo menos até aos factos que descreve terem ocorrido em 2009 que a  assistente era boa mãe, relatando episódios ocorridos nessa data que traduzem realidade diversa como menos zelo nos trabalhos de casa.

Nega a imputação de factos de cariz sexual à ex mulher.

Na segunda sessão vem a desenvolver tal ponto, a esclarecimentos do mandatário da assistente  relatando episódios do relacionamento entabulado por parte da assistente com o vizinho, amigo de longa data do arguido com quem ela descrevia tomar o pequeno almoço, conversas na garagem, e uma certa vez em que o sobredito vizinho tem   iniciativa de ligar para o telemóvel do arguido e lhe pede para passar á B....

Explica o controle das despesas com o papel de gestor das contas do lar que dizia assumir. Questionado sobre a natureza perdulária da mulher, infirma mas não sem antes relatar a necessidade que houve de alertar a assistente para as elevadas despesas com comunicações telefónicas sobretudo na altura em que esteve doente.

Que nunca viu o telemóvel da mulher no sentido de obter informação privada mas que chegou a utilizá-lo quando precisava e não tinha carga tal como ela usava o dele. Tão pouco a questionou sobre quem a contactava.

Nega o controle sobre as deslocações da mulher fosse para onde fosse.

Respeitando o seu trabalho, quer quanto à necessidade de usar o computador quer quanto às permanências noite dentro em reuniões, e até em deslocações para fora em formação, sendo primeiro a apoiá-la.

No que tange aos Pontos 21 e 22 nega , que nunca lhe imputou factos negativos, nem a injuriou como se refere na acusação. Aliás que nunca a desrespeitou.

Nega o ponto 28, retorquindo que foi ele o alvo das agressões dela, de que apresentou queixa vindo a ser objecto de arquivamento (vide despacho anterior à acusação).

E o ponto 29 igualmente é pelo arguido negado. Bem como o ponto 35. e 37 e segs..Relativamente ao alegado no Ponto 47 refere que foi combinado com a mulher ser ele a levar o carro para as crianças poderem regressar a casa.

Nega os pontos 51, 52, 54 , 67, 68, 74, 76, 91, 98, 101, 102 e 103, 105, 106, 108, 109, 111, 118, 120, 122, 123, 124, 127, 128, 129, 132, 138, 140, 147, 150,155. No que tange ao ponto 80 defende-se com a realidade do episódio relatado aos filhos mas que o contou num contexto de aviso e segurança sem qualquer intenção negativa.

Já quanto ao Ponto 81, que efectivamente ligou porque fazia se tarde e o C... tinha de corrigir os trabalhos de casa.

No que tange á sentença de divórcio diz que não teve devida assistência jurídica e assim ficou prejudicado acabando condenando sem culpa segundo refere;

- ouvida a Assistente B..., em declarações, cujo teor- relativo à própria e ao filho do casal C..., também ofendido nos autos, não tem o Tribunal razões para colocar em crise, já pela aparente espontaneidade, logo pela clareza e coerência com que as prestou, e porque suportadas nos demais elementos de prova de carácter testemunhal, documental e pericial, efectuou o relato na primeira pessoa, pressuposto, porque delas vitima e na pessoa do filho C... (não obstante terem dois filhos apenas o mais velho estava em condições de desenvolvimento pela idade de poder compreender o alcance de algumas condutas e expressões, já não a I...), e como tal trespassado de alguma emoção e reacção, á medida que desfiava os factos, sem todavia, quiçá pela distância física já lograda ou pelo tempo entretanto volvido, transparecer laivos de revenge . Dos relatórios juntos aos autos infra identificados decorrem âncoras que permitem ao Tribunal firmar a credibilidade no que às ditas declarações se refere que dão conta expressa de tempos conturbados mormente entre Setembro e Dezembro de 2006, que se agravaram a partir de Setembro de 2008, e com pico de intensidade a partir de 3-2-2009, data da tentativa de conciliação na acção de divórcio intentada pela aqui Assistente até à sua saída de casa em 15-12-2009: a apontada contraditoriedade dos sentimentos de raiva e comiseração sentidos no que tange ao apontado agressor, a imagem negativa da progenitora construída pelo filho mais velho, e seu reverso sofrimento atitudes detectadas de rebeldia, que se acentuaram ao logo da vivência retro descrita; mais referiu que à frente dos filhos poderia o arguido não apontar para os genitais, mas não se coibia, pelo contrário, de formular comentários de cariz sexual;

- duas pessoas do círculo mais estreito e próximo da Assistente puderam confirmar em audiência os factos relatados pela Assistente: a) D..., colega e amiga da Assistente há vários anos, quem três dias antes da saída em definitivo da Assistente da casa da família, a ajudou e que a acolheu nessa noite podendo constatar os hematomas resultado das agressões do filho C... instigado pelo arguido, lesões confirmadas em exame médico legal junto aos auto, tendo recebido telefonema do C... também manipulado pelo pai; b) E..., daquela colega que relata a forma acossada como a Assistente passou a reagir, denotando imensa pressão nas horas a que tinha de estar ou sair de casa por causa do arguido, em caso em que tinham tarefas profissionais a cumprir fora do horário de leccionamento, e presenciou insistentes telefonemas do arguido, ouvindo as respostas da Assistente que visavam dar satisfações de onde, com quem e porquê estava fora de casa, tendo chegar a ver de uma vez no lapso temporal reportado na acusação, o arguido a rondar a escola, recordando-se de a B... ter de voltar casa a pé por o marido lhe ter retirado o carro sem aviso do local onde o havia estacionado.

 Os pais da assistente, F..., e G..., que acompanharam mormente por conversas telefónicas entabuladas diariamente e por vezes mais que uma vez, mormente a mãe da assistente, sua confidente, pode ouvir do outro lado da linha a voz do arguido e o descontrole do C..., cuja revolta contra a progenitora, a quem claramente destratava, ao invés de antes quando o casal se dava bem, vieram a constatar quando se mudou com os filhos para Avelar, para a sua casa, não reconhecendo no neto como o conheciam tais atitudes.

Puderam constatar que o casal começou a ficar desavindo entre outros pormenores pela dormida em camas separadas na casa deles.

Descreveram o estado psicológico da Assistente e a mudança nele sentida, após os factos descritos na acusação.

M..., deles vizinha, relatou o episódio descrito sob os pontos 150 e segs. da acusação, que não chegou a ser posto definitiva nem irreversivelmente em causa pelo depoimento da testemunha de defesa N..., nem por O... , militares da GNR de (...) cujo cunho do depoimento se pautou pelo olvidar dos factos.

P... e Q...., que foram vizinhos do casal, descreveram a alteração de comportamentos do arguido e da assistente dando conta que o arguido a determinada altura imputou um relacionamento extraconjugal com o segundo, marido da primeira, o que determinou o afastamento e corte de relações entre eles, até ai amigos.

R... , e S... , professoras do C..., filho do casal deram conta das condutas do C..., e a mudança registada, com necessidade de chamar á escola o encarregado de educação.

Não teve o Tribunal qualquer motivo que abalasse a aparente isenção nem credibilidade lograda pelos depoentes supra identificados.

No que tange aos depoimentos de J..., e L... bem coo de T...., respectivamente psicólogas clínicas que elaborou a primeira o relatório de fls. 287 e segs. Dos autos, e técnica superior da DGRS que elaboro os relatórios de fls. 786 e segs.. foram esclarecedores, sendo válido o seu respectivo teor conforme decorre do teor dos despachos vertidos em acta de fls. 1834 e segs., maxime a fls. 1837, já que invocaram apenas parcialmente sigilo profissional e só depuseram na parte que consideram não abrangida conforme decorre da mesma acta e ainda de fls. 1918 e segs. cujo teor em ambos os casos damos por reproduzidas para todos os legais efeitos.

U... , Psiquiatra, não chegou a ser ouvidos pelas razões emergentes do teor da acta de fls. 1834 e segs. e 1918 e segs. cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

Já quanto à avaliação psicológica do arguido, vertida no relatório de fls. 876 e segs., o respectivo teor, como aliás diga-se de todos os documentos juntos aos autos desse cariz, pericial, não foi posto em causa pela Defesa, resultando do mesmo os traços de personalidade do arguido.

Os esclarecimentos pautaram-se pela objectividade, decifrando as atitudes do C... –que nunca falou do sucedido em consulta - e acentuando a circunstância de pelos seus conhecimentos o que analisaram inculcava não se tratar de uma consequência – para os ofendidos destes autos – de ma dissolução de união normal. Havia traços de enorme violência,  sofrimento do filho menor, suscitando nas próprias perplexidade pelo estado emocional destas vítimas. Foi descrito o sentimento ambivalente da assistente, sua fraca auto estima quando aparece na consulta e descritos como possíveis clinicamente a conduta de reacção do menor, com sinais de instrumentalização adulta, contra a mãe por esta não reagir, não fazer cessar o sofrimento, dando conta que as crianças nestes casos se aliam sempre ao elo mais fraco e não ao agressor.

  Revolta essa que terá perdurado mesmo após mudança de residência como relatam assistente e pais dela, daquele mãe e avós respectivamente.

Por consequência saem abalados quanto aos traços de personalidade do arguido relatados pelos depoimentos das testemunhas de defesa, de cariz essencialmente abonatório, V.... (que revela aliás animosidade no que tange à pessoa da assistente) e X.... (irmã do arguido, que deixou trespassar idêntica postura de desconforto para com a assistente), sendo que o depoimento de Z... , K... W... e Y... focou-se essencialmente na vertente profissional e social do arguido.

Louvou-se ainda o tribunal da prova pericial, designadamente do exame médico-legal de fls. 337 e ss; exame pericial sobre personalidade de fls. 786 e ss; exame pericial sobre personalidade de fls. 863 a 874; exames médico-legais psiquiátricos de fls. 875 a 884.

E documental certidões de fls. 60 a 66; docs, de fls. 101 a 184; elementos clínicos de fls. 237 e ss; docs. de fls. 289 a 292; docs. fls. 385 a 400; elementos clínicos de fls. 401 e ss; auto de apreensão de fls. 442; relatório social de fls. 574 e ss; docs. de fls. 596 e ss; certidão de fls. 844 e ss; CRC do arguido.

À guisa de conclusão, em face do peso e amplitude da prova produzida pela acusação, no que tange aos factos por ela carreados, e para além de toda a dúvida razoável, cedem os alicerces da presunção de inocência de que o arguido beneficiava.

     c.

     É agora a vez de, perante as conclusões, definir o objecto do recurso.

     Vem, assim, invocado:

     - Erro de julgamento; violação dos princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo;

     - Valoração de prova proibida: depoimentos indirectos; violação do segredo profissional;

     - Omissão do dever de fundamentação/análise crítica da prova;

     - Errada qualificação jurídica dos factos, quer no que concerne ao crime de violência doméstica quer no que respeita ao crime de maus tratos;

     - Violação do artigo 30.º do Código Penal;

     - Errada «determinação» da pena,

   sendo, pois, em princípio, estas as questões que cumpre apreciar.

    d.

    Apreciando

    Pese embora a ordem acima exposta – sendo certo que as conclusões apresentadas dificultam, pela ausência de sistematização, a identificação das prioridades definidas pelo recorrente – detectam-se dois aspectos, cujo tratamento, pela relação de prejudicialidade quanto aos demais, deve logicamente precedê-los, a saber: a questão dos depoimentos indirectos e da violação do segredo profissional, matérias tributárias do denominado direito das proibições de prova, nas suas vertentes de proibição de produção e proibição de valoração, pois que até a «impugnação da matéria de facto» tem por base, como pressuposto - como não pode deixar de ser - que a prova em que se alicerça é legal.

     1.

      Seguindo uma linha argumentativa transversal, aliás – por razões que se afiguram óbvias - à generalidade dos casos em que em que se cuida de apurar sobre os factos subjacentes à imputação do crime de violência doméstica, dedica o recorrente os pontos 19., 20., 21., 22., 23., 24., 25., 26., 27., 28., 105., 106. e 107. das conclusões ao que apelida de «depoimentos indirectos», para concluir que o tribunal a quo, ao ter valorado os depoimentos de D... …, E... …, F..., G... …, J..., L... e de T..., violou o disposto no artigo 129º, n.º 1 do CPP, pois que, aduz, “os mesmos assentam em relatos de factos que ouviram dizer à assistente enquanto sujeito processual não abrangido pelo carácter excepcional daquele preceito legal e assim não oferecem qualquer grau de certeza ou firmeza em relação ao thema decidendum”, o que redundaria numa interpretação inconstitucional da citada norma por violação dos artigos 1.º, 2.º, 12.º, 25.º, 26.º/1, 32.º e 202.º, nºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa.

          Contudo, no excurso prosseguido, tendente à demonstração de valoração de prova proibida [depoimento indirecto], sempre vai afirmando:

        - « D... ... não teve conhecimento de qualquer facto constante da acusação por via directa, de conhecimento próprio e por ter assistido aos factos. É certo que relata, no seu depoimento, alguns episódios de relevo probatório duvidoso com conteúdo inconsistente, sendo que os mesmos tiveram por base uma ideia pré-concebida daquela – transmitida pela Assistente – de que o Arguido era o “demónio” que a violentava e aos filhos, fazendo a defesa da vítima» - [cf. ponto 20. das conclusões];

        - « E... …, sabe, em súmula, o que a arguida lhe contou, referindo que dias houve em que o Arguido lhe telefonava várias vezes, para saber onde se encontrava, associando esses comportamentos a factores negativos, sem justificar porquê ….» - [cf. ponto 21. das conclusões];

         - « G...… conta alguns episódios de telefonemas que lhe foram efectuados pelos netos, sem qualquer contexto e sem se entender qual a sua relevância face aos factos descritos na acusação, no que respeita aos tipos de crime em apreço …» - [cf. ponto 24. das conclusões], e

               - «O depoimento prestado pelas testemunhas D... …, colega e amiga da assistente, E... …, colega da assistente, de F...e G... …, pais da assistente, e ainda de J..., de L... e de T..., psicólogas, não podem ser valorados como o foram pelo tribunal a quo, pois que todos eles foram prestados apenas e só com base naquilo que ouviram dizer da pessoa da assistente …» - [cf. ponto 105. das conclusões].

               É, pois, por demais evidente, não descartar o recorrente o facto de as testemunhas se terem pronunciado sobre factos, por si percepcionados, alguns dos quais circunstanciais, que neste, como noutros casos, são susceptíveis de contribuir, designadamente para o juízo de consistência das declarações da vítima, e como tal, porque ainda objecto da prova, não podem deixar de ser valorados, na leitura conjugada/relacionada com os demais elementos de prova, que não se mostra confinada à prova directa, podendo, ainda, relevar a prova indirecta e indiciária.

               Ora, atendo-nos à motivação da decisão de facto vertida na sentença – supra transcrita -, facilmente se identifica o juízo valorativo que incidiu sobre os depoimentos em causa, concretamente em que medida foram valorados, sem que se extraia reconduzirem-se, os mesmos, a depoimentos indirectos.

               Por elucidativas, respigam-se as seguintes passagens:

               - «duas pessoas do círculo mais estreito e próximo da Assistente puderam confirmar em audiência os factos relatados pela Assistente: a) D... …, colega e amiga da Assistente há vários anos, quem três dias antes da saída em definitivo da Assistente da casa da família, a ajudou e que a acolheu nessa noite podendo constatar os hematomas resultado das agressões do filho C... …, lesões confirmadas em exame médico legal junto aos autos, tendo recebido telefonema do C... também manipulado pelo pai; b) E... …, daquela colega que relata a forma acossada como a Assistente passou a reagir, denotando imensa pressão nas horas a que tinha de estar ou sair de casa por causa do arguido, em caso em que tinham tarefas profissionais a cumprir fora do horário de leccionamento, e presenciou insistentes telefonemas do arguido, ouvindo as respostas da Assistente que visavam dar satisfações de onde, com quem e porquê estava fora de casa, tendo chegar a ver de uma vez no lapso temporal reportado na acusação, o arguido a rondar a escola, recordando-se de a B... ter de voltar para casa a pé por o marido lhe ter retirado o carro sem aviso do local onde o havia estacionado»;

               - «Os pais da assistente, F...e G... … que acompanharam mormente por conversas telefónicas entabuladas diariamente e por vezes mais que uma vez, mormente a mãe da assistente, sua confidente, pode ouvir do outro lado da linha a voz do arguido e o descontrole do C..., cuja revolta contra a progenitora, a quem claramente destratava, ao invés de antes quando o casal se dava bem, vieram a constatar quando se mudou com os filhos para Avelar, para a sua casa, não reconhecendo no neto como o conheciam tais atitudes.

               Puderam constatar que o casal começou a ficar desavindo entre outros pormenores pela dormida em camas separadas na casa deles.

               Descreveram o estado psicológico da Assistente e a mudança nele sentida, após os factos descritos na acusação»;

               - «No que tange aos depoimentos de J..., L..., bem como de T..., respectivamente psicólogas clínicas, que elaboraram as primeiras o relatório de fls. 287 e segs. dos autos, e técnica superior da DGRS que elaborou o relatório de fls. 786 e segs. foram esclarecedores, sendo válido o seu respectivo teor conforme decorre do teor dos despachos vertidos em acta de fls. … já que invocaram apenas parcialmente sigilo profissional e só depuseram na parte que consideram não abrangida …».

               Se as observações dirigidas aos esclarecimentos prestados por J..., L... e T... [as duas primeiras subscritoras da «informação clínica» de fls. 287/288 respeitante à assistente e a última técnica de reinserção social, autora do relatório sobre a personalidade, também, referente à assistente] não têm fundamento na medida em que parece inevitável terem, os mesmos, de assentar [ter na base] nos respectivos relatórios [sobre os quais prestaram os esclarecimentos], não sendo menos certo que a metodologia, própria da função – pela natureza das coisas -  não pode dispensar a participação/contributo dos sujeitos objecto de análise, sem que daí se possa concluir pela respectiva irrelevância por alegadamente, apenas, veicularem o que lhes foi transmitido pelo próprio, também as objeções quanto às demais testemunhas surgem falhas de acerto pois que, como vimos, não consubstanciam depoimentos indirectos, muito menos resultando do juízo valorativo levado a efeito na sentença que hajam sido valorados nessa dimensão.

               Circunstância de que, aliás, estará o recorrente ciente quando, paradoxalmente, nos pontos 39. e 40. das conclusões se insurge contra o facto de não haver sido objecto de valoração o depoimento de X..., aduzindo para tanto:

               - “O Tribunal não valorou, erroneamente, o depoimento de X..., confidente (e apenas uma!), uma amiga, uma irmã a quem desabafa nos momentos de maior tristeza, a quem se queixava da indiferença da mulher, das discussões entre eles, das saídas repetidas, do silêncio daquela …”;

               - “A irmã do Arguido, espontaneamente e de forma clara, refere os factos que presenciou, os telefonemas que recebeu do irmão, a tristeza e o sofrimento por ele vivenciado na sequência da deterioração do casamento …”, o que, em coerência, não deixa de ser demonstrativo de que, também ele, perfilha o entendimento de que há um conjunto de factos sobre os quais as testemunhas se pronunciam, que podendo ser circunstanciais, contribuem para a compreensão do todo, sem que se possa falar de depoimento indirecto.

              

               É, pois, manifesto não assistir razão ao recorrente.

 

      2.

      Nos pontos 100., 101. e 102. das conclusões invoca o recorrente ocorrer violação do segredo profissional, convocando para tanto o artigo 87.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, circunstância que, por estar em causa prova proibida, impedia, ao invés do que veio a verificar-se na decisão recorrida, a valoração da prova, assim, obtida.

     Em causa estariam os documentos juntos aos autos pelo mandatário da assistente e que constituem fls. 101 a 184, fls. 289 a 292, fls. 385 a 400 e fls. 596 e ss.

     Todos eles, excepção feita ao conjunto de documentos que integram fls. 385 a 400, constituem escritos assinados e datados [de 13.02.2009; 17.02.2009; 02.04.2009; 25.05.2009; 22.06.2009; 07.07.2009; 16.07.2007; 04.08.2009; 12.09.2009; 28.09.2009; 30.09.2009; 02.10.2009; 19.10.2009; 23.11.2009; 10.12.2009; 31.01.2010] pela assistente, dirigidos ao seu advogado e mandatário nos autos, descrevendo, na sua substância, as condutas que imputa ao arguido, ora recorrente, com referência às circunstâncias de tempo, modo e lugar em que teriam sido praticadas, comportamentos, esses, que, no essencial, vieram a ser vertidos na sentença, concretamente em sede de matéria de facto provada, surgindo os ditos documentos, por si e na análise conjugada com as demais provas produzidas, a sustentar a convicção do tribunal, contribuindo, designadamente, para sedimentar a credibilidade atribuída às declarações da assistente, conforme resulta da «Motivação».

    Vejamos, então.

    A propósito do segredo profissional, dispõe o artigo 87.º do Estatuto da Ordem dos Advogados:

    «1. O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:

      a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste;

      (…)

       3. O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo.

       4. O advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do conselho distrital respectivo, com recurso para o Bastonário, nos termos previstos no respectivo regulamento.

      5. Os actos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo.

       (…)».

        Como é consabido, sobre a natureza jurídica do segredo profissional do advogado tem sido defendido tratar-se de segredo imposto por razões de ordem pública.

        Neste sentido, se pronunciou o Acórdão do Conselho Geral de 3 de Junho de 1965, in R.O.A., 25, 274:

        “O segredo profissional tem carácter social ou de ordem pública e não natureza contratual: para a sua desvinculação não basta a vontade ou autorização do cliente”.

         Ideia renovada no ponto 2.3.1. do C.D.A.E. ao consignar:

         “A obrigação do advogado guardar segredo profissional visa garantir razões de interesse público, nomeadamente a administração da justiça e a defesa dos interesses dos interesses dos clientes. Consequentemente, esta obrigação deve beneficiar de uma protecção especial por parte do Estado” – [cf. Fernando Sousa Magalhães, “Estatuto da Ordem dos Advogados”, 8.ª Edição, Almedina, pág. 123].

         Também assim o Acórdão do TRC, de 18.02.2009, proferido no processo n.º 436/08.9YRCBR:

         “O dever de sigilo dos advogados tem subjacentes razões de natureza pública, porquanto a rigorosa tutela a que se acha submetido tem por base um interesse social e não o interesse dos profissionais que recebem confidências, nem o interesse daqueles que revelam as suas confidências, correspondendo a sua preservação ainda a uma exigência de protecção da privacidade do defensor, dos seus demais clientes, e por via disso, da própria liberdade do exercício da profissão.”

         Na mesma linha, o Parecer n.º 110/566 do Conselho Consultivo da Procuradoria – Geral da República, citado no Acórdão do STJ, de 15.02.2000, in CJ/STJ, T. I, pág. 85:

        “O exercício de certas profissões, como o funcionamento de determinados serviços, exige ou pressupõe, pela própria natureza das necessidades que tais profissões ou serviços visam satisfazer, que os indivíduos que a eles tenham de recorrer revelem factos que interessam à esfera íntima da sua personalidade, quer física, quer jurídica. Quando esses serviços ou profissões são de fundamental importância colectiva, porque virtualmente todos os cidadãos carecem de os utilizar, é intuitivo que a inviolabilidade dos segredos conhecidos através do seu funcionamento ou exercício constitui, como condição indispensável de confiança nessas imprescindíveis actividades, um alto interesse público”.

     Retomando o caso concreto, afigura-se-nos ocorrer, efectivamente, violação do segredo profissional, na medida em que os documentos juntos aos autos pelo Ex.mo advogado, consubstanciam missivas que lhe iam sendo dirigidas, assinadas, pela sua constituinte, reportando-se, concretamente, às condutas que foi atribuindo ao arguido, ora recorrente, portanto reveladores de factos, cujo conhecimento lhe adveio por força do exercício das suas funções, do mandato forense, sem que do processo resulte hajam sido observados os requisitos – cumulativos, aliás – contemplados no nº 4 do artigo 87º do EOA, a saber que: a revelação de factos abrangidos pelo segredo profissional se revele absolutamente necessária para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes; haja prévia autorização do presidente do conselho distrital respectivo.

      Como tal, parece-nos dificilmente sustentável defender, como o faz a assistente, não se encontrarem os ditos «documentos» abrangidos pelo segredo profissional, na medida em que, por se reportarem exactamente às condutas «participadas», constituiriam prova das mesmas, pois que nenhuma diferença encontraria entre a situação de o advogado, no exercício do seu mandato, verter na participação os factos, oralmente, transmitidos pelo cliente, daquela outra em que, sendo-lhe os mesmos levados ao conhecimento, através de documento escrito, assinado pelo constituinte, directamente endereçado à sua pessoa, os junta ao processo.

       Talvez deficiência nossa, mas não descortinamos semelhança entre as duas situações, já que na primeira os factos, eventualmente, vertidos na «participação», com base no que foi transmitido pelo cliente ao seu mandatário forense, caso a mesma se faça acompanhar de meios de prova, não incluirá, certamente, as «cartas», as «missivas», assinadas pelo constituinte, que foram sendo directamente dirigidas ao advogado, colocando-o ao corrente dos factos que queria ver participados.

         Por outro lado, não estando em causa a liberdade de escolha do mandatário pelo mandante, a limitação dos actos próprios da advocacia, a defesa, sem prejuízo do cumprimento das normas legais, dos interesses do constituinte, a liberdade do exercício do mandado forense, tão pouco, o direito à apresentação de provas, não se alcança a invocação dos artigos 62º, nº 2, 64.º, 85º, n.º 1, 92º, n.º 2 do E.O.A., do artigo 208º da CRP, 244.º e 246.º do CPP, 16º e 18º da Lei n.º 119/2009, de 16.09, 36.º e 38.º do Código Penal – evidenciando-se quanto a estas duas últimas disposições quer as razões de ordem pública que justificam o segredo profissional, que não cede, como tal, perante o consentimento do cliente, quer a existência de norma própria sobre a matéria, precisamente o artigo 87.º do E.O.A.

         E, ao contrário de que pretende fazer crer o recorrente, não colide com o artigo 13º, n.º 1 ou 208.º da CRP a interpretação do artigo 87º, nºs 1, al. a), 3, 4 e 5 do E.O.A., ou do artigo 125.º do CPP, no sentido de considerar proibida, insusceptível de ser valorada, a «prova» obtida em violação do segredo profissional do advogado, devendo aí incluir-se os escritos, cartas, missivas, directamente, dirigidos à pessoa do advogado, subscritas pelo seu constituinte, reportando-lhe – na primeira pessoa - em substância, os factos que pretende ver submetidos a juízo, situação insusceptível de ser confundida com aquela outra em que o advogado, colhendo, oralmente, do seu constituinte os factos, dando-lhe, por certo, o tratamento técnico adequado os verte numa peça «processual», não a fazendo acompanhar do «registo» dos referidos «relatos» orais [ou será que faz?], para, que no âmbito do processo, valham como prova.

        Mas, se porventura estivéssemos equivocados, ainda assim, ocorre fundamento para que tais «documentos» não possam ser considerados.

        Com efeito, traduzem-se em «relatos», feitos na primeira pessoa, que, em substância, encerram verdadeiras «declarações» sobre factos que constituem o objecto do processo - por parte da ora assistente -, insusceptíveis de ser valoradas, desde logo por terem sido «proferidas» à margem da audiência de discussão e julgamento, fora do quadro delineado no artigo 356.º do CPP, o que as converte em prova proibida, na modalidade «de proibição de valoração de prova», com a consequência de não poderem ser convocadas para o efeito de formação da convicção do julgador – [cf. artigo 355.º, n.º 1 do CPP].

        Defender o contrário, seria consentir em que entrasse pela janela o que não pode entrar pela porta.

        Como assim, quer se considere ter ocorrido violação do segredo profissional – como é nosso entendimento – quer vejamos a questão do ângulo de valoração, não consentida, por lei das «declarações», vertidas nos ditos «documentos» – como, igualmente, a configuramos – a consequência, ao nível da proibição de valoração, não difere, conforme resulta do n.º 5, do artigo 87.º do E.O.A. e das disposições conjugadas dos artigos 355.º e 356.º do CPP.

                       Outro juízo nos merece o conjunto de documentos que constituem fls. 385 a 400 dos autos – também, estes, objecto de valoração - relativamente aos quais não se vê ocorrer violação de segredo profissional.

                       Trata-se de documentos que acompanharam a participação de fls. 377 a 383, em que como participante figura o Exmo. advogado, mandatário da assistente, dando conhecimento de mensagens sms, provenientes de número associado ao telemóvel do arguido, enviadas para/e recepcionadas no seu próprio telemóvel, a primeira visando o próprio participante, as demais a assistente nos autos, mensagens, essas, reproduzidas nas cópias que constituem os ditos documentos [fls. 385 a 400], nos quais se mostra retratado o próprio aparelho, em cujo ecrã consta a mensagem.

                       Que dizer?

                        Afigurar-se-nos não poderem os mesmos ser objecto de valoração, sob pena de violação do princípio do contraditório, posto que sempre resultaria, o mesmo, mitigado.

                         Com efeito, parece-nos isento de dúvida não poder o advogado, enquanto mandatário nos autos, revestir, simultaneamente, a posição de «testemunha» no âmbito desse mesmo processo, não sendo, assim, possível inquiri-lo sobre as concretas circunstâncias em que – na situação em apreço – teriam sido, tais mensagens, recepcionadas, sendo certo que o «requerimento» em que figura como «participante» [fls. 377/383], por si, não é idóneo a fazer prova do que quer que seja.

                          Na verdade, os documentos juntos apenas poderiam servir para suportar a imputação ao «participado» de factos dos quais «vítima» teria sido o «participante» -eventualmente, a investigar no âmbito de outro processo - mas não já de factos em que visada seja a assistente, ora recorrida.

                          O contrário levaria a admitir que o Ex.mo advogado, mandatário de uma das partes, poderia, em simultâneo, assumir, no âmbito do mesmo processo, dois «estatutos», incompatíveis entre si, o que não se afigura sustentável.

                          Ora, não podendo, por força das funções que exerce nos autos, o «participante» ser inquirido como testemunha, impossível será o pleno exercício do contraditório, na medida em que lhe está vedado depor sobre os factos, tal como se mostra constitucionalmente consagrado [artigo 32.º, n.º 5 da CRP].

                          Em suma, por tal representar uma compressão do princípio do contraditório, não podiam os «documentos» que constituem fls. 385 a 400 dos autos ser objecto de valoração, designadamente para o efeito da formação da convicção do tribunal.

                               Que consequências no processo?

                        

               Como, a propósito de outro tipo de prova proibida, refere o Acórdão do STJ de 10.04.2013 [proc. n.º 224/06.7GAVZL.C1.S1]:

         O facto de existir no processo prova que se encontra contaminada pela violação das regras de proibição … só tem consequências directas caso a mesma prova seja invocada como fundamento da convicção do juiz sobre os factos que determinaram a sua decisão, quer esta seja a decisão final, quer se reconduza a uma decisão interlocutória. Caso a violação se verifique sem que desse facto sejam extraídas quaisquer consequências a nível de fundamentação decisória a constatação da existência de uma violação de regras de proibição de prova não tem efeitos processuais relevantes.

          Retomando o caso concreto, resulta, à saciedade da sentença recorrida [motivação da matéria de facto], ter o tribunal a quo formado a sua convicção, também, com base, no conjunto de documentos que constituem fls. 101 a 184, 289 a 292, 596 a 598 [os quais consubstanciam verdadeiras «declarações», feitas, na primeira pessoa, pela assistente e dirigidas ao seu advogado e mandatário nos autos] e fls. 385 a 400 [conjunto de documentos juntos aos autos, na qualidade de «participante», pelo Ex.mo advogado/mandatário da assistente].

          Sobre as consequências da indevida valoração de prova proibida refere Costa Andrade: Resumidamente, não estarão de todo em todo, excluídas as constelações típicas em que a conexão normativa entre o vício e a sentença seja tão óbvia como decisiva. É o que sucederá nos casos em que a valoração proibida do meio de prova constitua o único suporte probatório sobre que assenta a sentença condenatória. Hipótese em que tanto a pertinência do recurso como o sentido da sua decisão – sc. a absolvição do arguido – se afiguram inescapáveis. As coisas serão igualmente lineares nas constelações que se situam no extremo oposto, em que a irrelevância causal da valoração da prova proibida aparece claramente exposta. Então a invocação da proibição de prova, a não determinar a Rejeição do recurso (art. 420.º do CPP) não será em qualquer caso e só por si bastante para pôr em causa a decisão recorrida. O mesmo deverá ser o tratamento dos casos em que a nulidade devida à proibição de prova haja de considerar-se sanada por exclusão do nexo normativo entre o vício e a sentença …

               As expressões concretas, segregadas pelos caprichos da vida, e que constituem a fenomenologia das proibições de prova oferecida ao aplicador do direito, raramente se ajustarão aos modelos canónicos referenciados, extremados quanto à relevância ou irrelevância causal do erro sobre a sentença. O normal será que a prova proibida concorra com uma bateria de meios admissíveis, numa teia dificilmente extrincável de influência e codeterminação recíprocas. Muitas vezes nada, por isso, mais aleatório e inseguro do que a tentativa de identificar e isolar o peso que o meio de prova terá tido na convicção do julgador … Nestas hipóteses só pela via da revogação da decisão se poderão assegurar a reafirmação contrafáctica das normas violadas e a actualização do respectivo fim de protecção. O que terá de fazer-se prevenindo-se o perigo de a convicção sobre a responsabilidade criminal do arguido, entretanto lograda – e para a qual contribuiu, a seu modo, o meio proibido de prova – ter já operado uma reinterpretação cognitiva do significado e da valência probatória dos meios sobrantes e legítimos de prova. A renovação da prova motivada pelas proibições de valoração suscita, assim, exigências a que, por princípio, só através do Reenvio … se poderá dar resposta ajustada» - [vd. “Sobre As Proibições de Prova em Processo Penal”, Coimbra Editora, 1992, págs. 65/66].

       

                          No sentido de que a proibição de prova, na vertente de proibição da respectiva valoração, “gera a nulidade da decisão e implica, em princípio, a repetição do julgamento” pronuncia-se Cruz Bucho no seu Estudo, de 02.04.2012, “Declarações para Memória Futura (Elementos de Estudo), págs. 175/177, disponível em www.trg.pt,

                      

                       No presente caso, já o afirmarmos, resulta da sentença que tais documentos, por si e em conjugação com a prova legalmente produzida, foram tidos em conta na decisão, desconhecendo-se, embora, em que medida ou com que força relevaram no juízo probatório.

                        Com efeito, o tribunal deixou consignado haver ponderado os documentos em causa em conjunto [análise conjugada] com as provas que identifica, designadamente com as declarações da assistente, as quais ganharam, ainda, sustentação em função “dos demais elementos de prova”, também de carácter documental, ou seja, nas palavras do próprio julgador, porque, igualmente, suportadas por estes, o que significa não ser viável, neste quadro, «autonomizar» ou «expurgar» pura e simplesmente a prova proibida - insusceptível de ser valorada - por não se revelar possível cindi-la da demais prova, não configurando, assim, um dos casos evidentes a que alude o Professor Costa Andrade.

         Donde, e mal-grado os transtornos, para todos, que tal acarreta, torna-se inevitável a realização de uma nova audiência de julgamento, que deverá ser integralmente repetida, a que se seguirá a prolação de nova sentença.

               D.

               Decisão

               Termos em que, pelos fundamentos expostos, acordam os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em:

               a. Julgar procedente o recurso interposto pela assistente e, em consequência, tempestiva a «resposta», por si apresentada, ao recurso do arguido, revogando, assim, o despacho recorrido [cf. ponto B. supra];

               b. Na parcial procedência do recurso do arguido, declarar a proibição da valoração da prova acima identificada [cf. ponto C. supra] e, em consequência, anular, toda, a audiência de julgamento, bem como a sentença recorrida, determinando a realização de uma nova [integral] audiência de julgamento, seguida de uma nova sentença, a realizar pelo tribunal de primeira instância.

               Sem custas.

               (Maria José Nogueira - Relatora)

               (Isabel Valongo)