Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
627/14.3PBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
PENAS PARCELARES
PENA UNITÁRIA
Data do Acordão: 06/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 40.º, 70.º, 71.º, 77.º E 412.º DO CPP
Sumário: I - Dado que o recurso não tem por objecto a decisão proferida sobre a matéria de facto [é patente não ter sequer o arguido ensaiado o cumprimento do ónus de especificação previsto no art. 412º, nº 3 do C. Processo Penal], apenas devem ser considerados os factos provados que, como tal, constam do acórdão recorrido.

II - Sobrepondo-se as circunstâncias agravantes às circunstâncias atenuantes e sendo elevadas as exigências de prevenção, geral e especial, não merecem censura as penas parcelares decretadas pela 1ª instância, posto que situadas ligeiramente acima do primeiro quarto da moldura penal abstracta aplicável, quer aos crimes consumados, quer aos crimes tentados, são plenamente suportadas pela culpa do arguido.

III - O elemento aglutinador dos vários crimes em concurso que vai determinar a pena única é a personalidade do agente.

IV - Por isso, impõe-se a relacionação de todos os factos entre si, de forma a obter-se a gravidade do ilícito global, e depois, relacionar cada um deles, e todos, com a personalidade do agente, a fim de determinar se estamos perante uma tendência criminosa, caso em que a acumulação de crimes deve constitui uma agravante dentro da moldura proposta ou se, pelo contrário, tal cumulação é uma mera ocasionalidade que não radica na personalidade do agente.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra


 

I. RELATÓRIO

No Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Coimbra – Instância Central – Secção Criminal J3, o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, do arguido A... , com os demais sinais nos autos, imputando-lhe a prática, em autoria material e concurso real, de dois crimes furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º, nº 1 e 204º, nº 2, f), e de três crimes de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, nºs 1 e 2, b) e c), 203º, nº 1 e 204º, nº 2, f), todos do C. Penal, e como reincidente, nos termos dos arts. 75º e 76º do mesmo código.

Por despacho proferido na audiência de julgamento de 30 de Janeiro de 2015 [fls. 422 a 423], foi comunicada a alteração da qualificação jurídica dos factos imputados na acusação, que passou a ser feita pela alínea e), do nº 2 do art. 204º do C. Penal, considerando-se mero lapso a referência feita à alínea f) do mesmo número na mencionada peça acusatória. 

Por acórdão de 30 de Janeiro de 2015, depositado a 2 de Fevereiro do mesmo ano, foi o arguido condenado, pela prática dos imputados crimes, em duas penas de três anos e oito meses de prisão e em três penas de um ano e dez meses de prisão, respectivamente e, em cúmulo, na pena única de cinco anos e seis meses de prisão.


*


            Inconformado com a decisão, recorreu o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

            1) O recorrente vinha acusado da prática como autor material e em concurso real de:

- dois crimes de furto qualificado, previstos e punidos pelo, cada um deles, pelas disposições conjugadas dos art.ºs 203º, n.º 1 e 204º, n.º 2, al. e), do Código Penal, e

- três crimes de furto qualificado, na forma tentada, previstos e punidos, cada um deles, pelas disposições conjugadas dos art.ºs 22º, n.º 1 e 2, als, b) e c), 23º, n.º 1 e 2, 203º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e) do Código Penal.

2) No entanto,

Pelo presente acórdão, foi o arguido, ora recorrente, condenado na pena de 3 anos e 8 meses de prisão, pelos primeiros (furto qualificado) e 1 ano e 10 meses nos segundos (furto qualificado na forma tentada).

            3) O ora recorrente não pode conformar-se com o Douto Acórdão do Tribunal a quo no tocante à fixação do quantum das penas parcelares, considerando as mesmas serem manifestamente excessivas, devendo as mesmas ter sido fixadas num limite mais próximo do mínimo legal, com a consequente diminuição da pena única.

4) Como se ouviu em tribunal, o recorrente tem hábitos de trabalho, tendo sido apurado que os crimes se deveram a uma recaída do recorrente, tanto mais que foram praticados todos os crimes num lapso temporal muito curto.

5) Tendo até o mesmo se deslocado ao centro hospitalar e pedido para ser internado em momento prévio aos crimes.

6) Pelo que, deveriam esses factos terem sido relevados aquando da fixação, das penas.

7) Estamos perante uma pessoa que durante 2 anos não teve nada que lhe pudesse ser apontado em termos sociais ou quaisquer outros e que, enfim, teve uma recaída no plano das drogas.

8) Não fora o momento de fragilidade psíquica vivenciado pelo arguido, nunca aquele teria praticado os factos por ele confessados.

9) O arguido fez uma auto-crítica da sua conduta e demonstrou arrependimento sincero, consciente que cometeu os ilícitos penais, não tendo o Tribunal a quo valorado devidamente a sua confissão, que foi integral e sem reservas.

10) O arguido possui capacidade para cumprir regras, até pelo comportamento institucional que têm mantido no estabelecimento Prisional de Aveiro.

11) O recorrente, encontra-se em lista de espera para integrar uma equipa de trabalho no Estabelecimento Prisional de Aveiro e mantém a expectativa de poder ser internado para sua recuperação ou ainda para cumprir uma qualquer medida na comunidade sob eventual regime de prova.

12) Decidindo como decidiu, o Tribunal a quo condenou o arguido em penas parcelares manifestamente desadequadas. por excessivas, não atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do crime, depuseram a seu favor.

13) Deste modo a pena única de 5 anos e 6 meses aplicada ao recorrente é exagerada por excessiva, não se afigurando adequada ao caso concreto.

14) Impunha-se por isso, a redução da pena única aplicada ao arguido para uma pena de prisão em medida não superior a 3 anos, visto que esta pena realizaria de forma adequada e suficiente o objectivo de prevenir a prática de futuros crimes da mesma natureza pelo arguido.

15) O artigo 40º do CP preceitua, no seu n.º 1, que "a aplicação das penas e das medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade",

16) Justifica-se, pois, a revogação do douto acórdão condenatório, devendo fixar-se a pena privativa da liberdade, aplicada ao arguido, ora recorrente, em medida não superior a 3 anos de prisão, porque se mostra adequada à culpa do agente e satisfaz as necessidades de prevenção geral e especial.

17) Ponderadas as razões de prevenção especial que se fazem sentir no caso concreto, entende-se ainda ser possível fazer um juízo de prognose favorável à suspensão da execução da pena de prisão relativamente ao comportamento futuro do arguido.

18) Dispõe o n.º 1 do artigo 50.º do Código Penal que "O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição".

19) O facto de se encontrar sujeito à Medida de Coação de Prisão Preventiva há cerca de um ano, só por si já tem servido de censura e reprovação pela sua conduta, realizando a ameaça de prisão de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, sendo por isso, viável a sua ressocialização em liberdade,

20) Deverá, pois, entender-se que só a aplicação de uma pena privativa da liberdade, em medida não superior a três anos, suspensa na sua execução por idêntico período, reflectirá e tomará em consideração as circunstâncias atinentes à medida da culpa.

21) Razão pela qual o acórdão recorrido enferma de erro notório na determinação da medida concreta da pena e viola os princípios básicos de determinação da pena única e da suspensão da execução da pena de prisão, ao arrepio dos critérios previstos nos artigos 77º, 40º, 71º e 50º do Código Penal.

22) Assim, e atenuando especialmente as penas parcelares aplicadas ao recorrente, também a pena única de 5 anos e 6 meses de prisão deveria ter sido especialmente atenuada, não devendo ultrapassar os três anos de prisão, suspensa na sua execução, conforme o disposto no artigo 50º do Código Penal.

23) Ou caso assim não se entenda,

Ainda que se considere que a simples suspensão da execução da pena de prisão não é suficiente, sempre aquela poderá ser subordinada ao cumprimento de deveres ou de regras de conduta e, bem assim, sujeita a regime de prova assente num plano individual de readaptação social.

24) Tendo aliás, o recorrente manifestado, no relatório social, adesão a uma eventual medida de execução na comunidade.

25) Ou ainda, pelo seu internamento em Comunidade, em regime livre ou não, para seu adequado tratamento, nomeadamente até na Comunidade – O Encontro, sito em Casais de Cima, Maiorca, porquanto se julga ser esta a melhor medida para que o recorrente se possa tratar e voltar a ser inserido na comunidade.

Assim,

26) O Douto Acórdão violou, por errada interpretação, entre outros, os artigos 40º, 50º, 71º, 72º e 77º do Código Penal e 32º, n.º 2 da CRP.

TERMOS EM QUE

Deve o presente recurso obter provimento por provado, e em consequência ser revogado, devendo a pena aplicada ao recorrente não exceder os 3 anos de prisão, suspendendo-se esta pena na sua execução.

VOSSAS EXCELÊNCIAS, porém, farão a esperada JUSTIÇA!


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            Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões:

            1 – Para chegar à medida concreta das penas – parcelares e única – o Tribunal observou claramente todos os factores atendíveis, sopesando-os correctamente, o que fez de acordo com o que determinam os princípios e preceitos legais neste âmbito aplicáveis.            2 – Na verdade, a medida das penas aplicadas mostra-se em qualquer caso equitativamente fixada, conforme às concretas circunstâncias factuais, revelando-se equilibrada e adequada a satisfazer as necessidades de prevenção geral e especial, modelada pelo grau de ilicitude e culpa.

3 – Não se configura, pois, a aplicação de pena de prisão de quantitativo concreto inferior, nem a suspensão da respectiva execução.

4 – Não foi violado qualquer princípio ou norma jurídica, designadamente as referidas pelo recorrente.

5 – O Acórdão impugnado deverá ser mantido nos seus precisos termos, negando-se provimento ao recurso.


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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, invocando a falta de fundamento das razões do recorrente, afirmando a adequação das penas decretadas, concordando com a contramotivação do Ministério Público, e concluiu pelo não provimento do recurso e consequente confirmação do acórdão recorrido.

*

            Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

 

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

            Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir são:

- A excessiva medida das penas, parcelares e única;

- A suspensão da execução da pena única de prisão. e a sua substituição.


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Para a resolução destas questões importa ter presente o que de relevante consta do acórdão recorrido. Assim:

A) Nele foram considerados provados os seguintes factos:

“ (…).

[Inquérito n.º 732/14.6PCCBR]

No dia 14 de Abril de 2014, pelas 20h51m, o arguido dirigiu-se às instalações do Mosteiro de Santa Clara à Velha, em Coimbra, subiu a um muro, partiu um vidro de uma das portas, aí causando estragos no valor de €270 e por aí se introduziu no seu interior.          Encontram-se ali várias peças de arte com grande valor histórico, computadores portáteis, máquinas fotográficas, entre outros objetos, no valor de milhares de euros, bem como cerca de € 4 000 euros em dinheiro, num cofre.

O alarme das instalações disparou, provocando grande ruído no local, pelo que o arguido se pôs em fuga.

[Inquérito n.º 103/14.4PECBR]

No dia 20 de Abril de 2014, pelas 16h50m o arguido partiu a portada de uma janela e o respetivo vidro, abrindo-a e por aí entrando na residência de C... , sita no Largo (...) , em Coimbra.

Ali dentro, retirou três pares de brincos, no valor de 30 euros.

Na casa, existiam outros objetos, designadamente peças de joalharia e peças em prata, de valor superior a € 2.000.

O arguido foi surpreendido pela chegada do filho do dono da casa, pelo que não conseguiu retirar mais objetos, pondo-se de imediato em fuga.

Os brincos foram recuperados pela PSP.

[Inquérito n.º 761/14.0PCCBR]

No dia 20 de Abril de 2014, pelas 17h12m, o arguido dirigiu-se ao estabelecimento de ensino denominado Escola Secundária (...) , em Coimbra, estroncou uma fechadura de uma das portas que dá acesso ao interior e por aí entrou no interior da escola.

Aí chegado, o arguido partiu várias portas e janelas em madeira, causando estragos no valor de € 1.500.

No interior da escola existiam computadores, instrumentos musicais, máquinas de venda automática e outros objetos, no valor de milhares de Euros.

O arguido acabou por sair da escola sem conseguir levar consigo qualquer objeto devido à intervenção de agentes policiais que aí se deslocaram, mediante alerta do sistema de vigilância do edifício, após a deteção da presença do arguido no interior da escola.

[Inquérito n.º 765/14.2PCCBR]

Na noite do dia 20 para o dia 21 de Abril de 2014, entre as 23h55 e as 00h30, o arguido estroncou um portão e fechaduras de portas e entrou nas instalações da Escola (...) , sita na Rua (...) , em Coimbra.

Aí chegado, o arguido rebentou uma máquina de "vending" e dali retirou o moedeiro, no valor de € 971,70 e as moedas nele contidas, no valor de 120 euros, que fez seus.

[Inquérito n.º 627/14.3PBCBR]

No dia 21 de Abril de 2014, entre as 07.00h e as 08.00h o arguido dirigiu-se a uma garagem anexa à residência da ofendida B... , sita na Rua (...) , desta cidade, tendo procedido ao estroncamento da fechadura da porta, aí entrando e daí tendo retirado uma bicicleta de todo o terreno, da marca "Specialízed" de cor preta e uma mochila contendo no seu interior várias ferramentas, no valor de 800 euros.

A bicicleta e a mochila vieram a ser recuperadas, já que foi interceptado por agentes da PSP.


*

Ao entrar nos locais supra identificados, pelas formas descritas, o arguido agiu com o intuito - que concretizou nas duas últimas situações – de se apropriar de todos os bens e valores que aí se encontravam, bem sabendo que não estava autorizado a invadir tais locais, que os objetos e valores de que se apropriava e que estragava não lhe pertenciam e que actuava sem o conhecimento e contra a vontade dos respectivos proprietários, lesando o património destes, o que representou.

O arguido só não logrou concretizar os seus intentos nas três primeiras situações descritas e apenas por razões alheias à sua vontade, concretamente devido ao accionamento de um alarme e à intervenção de terceiros.

Em todas as supra descritas circunstâncias, actuou o arguido de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que praticava actos proibidos e punidos por lei penal.


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Por sentença de 09 de Março de 2006, proferida no Processo Comum Singular n.º 12/05.8 GDCBR, do 1º Juízo Criminal de Coimbra, transitada em julgado a 15-01-2007, foi o arguido condenado pela prática, a 12 de Janeiro de 2005, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.º 203º, n.º 1 e 204º, n.º 2, al. e) do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão efetiva.

Por sentença de 14 de Novembro de 2008, proferida no Processo Comum Singular n.º 426/05.3 GDCBR, do 4º Juízo Criminal de Coimbra, transitada em julgado a 15-12-2008, foi o arguido condenado pela prática, a 4 de Novembro de 2005, de um crime de furto, p. e p. pelos art.º 203º, n.º 1 e 204º, n.º 1, al. e) do Código Penal, na pena de 7 meses de prisão efetiva.

Por sentença de 4 de Fevereiro de 2008, proferida no Processo Comum Singular n.º 1086/06.0 PBCBR, do 1º Juízo Criminal de Coimbra, transitada em julgado a 28-02-2008, foi o arguido condenado pela prática, a 23 de agosto de 2006, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.º 203º, n.º 1 e 204º, n.º 2, al. e) do Código Penal, na pena de 12 meses de prisão efetiva.

O arguido esteve preso, em cumprimento de penas em que foi condenado nestes e noutros processos criminais, entre 18 de Outubro de 2006 e 20 de Janeiro de 2012, data em que saiu em liberdade condicional, concedida pelo Tribunal de Execução de Penas de Coimbra no processo 1013/10.0TXCBR-A, por referência aos processos 426/05.3GDCBR e 3063/03.3PCCBR, da l.ª Secção da Vara Mista de Coimbra, que vigoraria até ao termo da pena, que apenas ocorreria a 15 de Abril de 2015.

Não obstante o arguido já ter sofrido as supra discriminadas condenações em penas de prisão efetivas, a verdade é que essas condenações, bem como o tempo em que esteve em cumprimento de penas de prisão em que nesses e noutros processos foi condenado, não tiveram qualquer efeito dissuasor sobre o seu comportamento.

Na verdade, o arguido, depois das condenações e da sua restituição à liberdade e em liberdade condicional, voltou a praticar factos criminais, concretamente durante o curto período em que esteve em liberdade, como sejam os cinco crimes de furto qualificado que aqui se apreciam.

De mencionar ainda que o arguido ao praticar este tipo de ilícitos demonstra um total desrespeito pelos seus pares, não tendo qualquer pejo em atentar contra o património alheio.

O seu percurso criminal permite assim concluir que a sua personalidade tem características marcadamente desviantes e não é passível de alteração positiva, pois que, nem o trabalho realizado durante o cumprimento de penas de prisão, o demovem da prática de novos ilícitos.

A personalidade do arguido refletida, quer nos factos que levaram às anteriores condenações, quer nos factos aqui em apreço, revela portanto traços de total indiferença para com as normas sociais, o que demonstra falta de sentido crítico e consciência da desadequação e desproporcionalidade dos seus atos face aos objetivos a que se propõe.

[Outros Factos Provados:]

Em Abril de 2014 o arguido foi despedido.

Nesse mesmo mês terminou o namoro derivado ao facto de a sua namorada ter sofrido um aborto.

O arguido estava a tomar medicação, tendo recorrido às urgências dos HUC em 15.4.2014, 20.4.2014, duas vezes em 5.5.2014 e uma vez em 18.5.2014.


*

O arguido é o único filho do casal, tendo o pai, mecânico de profissão, falecido há cerca de 10 anos (na sequência de doença de foro oncológico). Viveu a adolescência num ambiente familiar marcado pela permissividade e supervisão diminuta. A mãe, presentemente com 56 anos, era empregada fabril e encontra-se reformada por invalidez, mantendo, não obstante uma condição económica razoável em casa.

Enquanto jovem, A... concluiu o 8º ano, tendo abandonado a escolaridade para se dedicar à profissão de pai, mecânico/bate-chapas, depois sucateiro, ainda ligado a uma serração e, mais tarde, na construção civil.

Em termos de saúde, as primeiras experiências de consumo de haxixe situam-se por volta dos 13 anos de idade, com escalada até à heroína e cocaína, aos 19 e 22 anos, respectivamente. Foi sujeito, pelo menos, a três tratamentos e internamentos, nomeadamente do CAT de Coimbra e ainda acompanhamento da psiquiatra do Hospital de Sobral Cid, tomando subutex, leponex e outros medicamentos, para além do substituto de metadona.

O arguido perspectiva voltar a viver com mãe, que habita em moradia própria, inserida no aglomerado populacional ruralizado, no 2º andar, em habitação espaçosa, dispondo das infra-estruturas básicas essenciais, proporcionando condições suficientes de habitabilidade, tanto em termos de espaço como de equipamentos.

O agregado familiar sobrevive da pensão de invalidez da progenitora do arguido, no valor mensal de € 500,00, a qual constitui a única fonte fixa de rendimentos. As despesas mensais estão relacionadas com o consumo de água, energia eléctrica, gás e comunicações, aproximadamente € 100,00.

Para além das condenações supra mencionadas, tem ainda o arguido as seguintes condenações:

Por sentença datada de 12.6.2001 transitada em julgado em 3.7.2001, foi o arguido condenado na pena de 30 meses de prisão suspensa na sua execução por 2 anos pela prática em 20.2.1999 de um crime p. e p. pelo art.º 204º, n.º 2, al. e) do C.Penal (Processo Comum Singular n.º 65/00 do 2º juízo do Tribunal Criminal de Coimbra).

Por Acórdão datado de 7.7.2004 transitado em julgado em 21.9.2004, foi o arguido condenado na pena de 14 meses de prisão suspensa por 3 anos pela prática em 18.4.2003 de dois crimes p. e p. pelo art.º 204º do C.Penal (Processo Comum Colectivo n.º 1212/03.0PCCBR). Por sentença datada de 21.11.2005 transitada em julgado em 1.2.2006, foi o arguido condenado na pena de 2 anos e 9 meses de prisão suspensa na sua execução por 4 anos pela prática em 17.1.2004 de um crime p. e p. pelo art.º 204º, n.º 2, al. e) do C.Penal (Processo Comum Singular n.º 2/04.8GCCBR).

Por sentença datada de 6.11.2006 transitada em julgado em 5.6.2007, foi o arguido condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão pela prática em 29.10.2003 de um crime p. e p. pelo art.º 204º, n.º 2 , al. e) do C.Penal (Processo Comum Singular n.º 2063/03.3PCCBR).

Por Acórdão datado de 1.10.2007 transitado em julgado em 25.10.2007, foi o arguido condenado na pena de 2 anos e 3 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período pela prática em 29.7.2006 de dois crimes p. e p. pelo art.º 204º, n.º 2, al. a) do C.Penal (Processo Comum Colectivo n.º 1149/06.1PBCBR).

Por Acórdão datado de 23.10.2007 transitado em julgado em 12.11.2007, foi o arguido condenado na pena de 3 anos e 6 meses de prisão suspensa por igual período pela prática em 4.6.2006 de um crime p. e p. pelo art.º 204º, n.º 2, al. e) do C.Penal (Processo Comum Colectivo n.º 1711/06.2PCCBR).

Por Acórdão datado de 28.1.2008 transitado em julgado em 18.2.2008, foi o arguido condenado na pena de 18 meses de prisão suspensa por igual período pela prática em 17.11.2005 de um crime p. e p. pelo art.º 204º, n.º 1, al. f) e n.º 2, al. e) do C.Penal (Processo Comum Colectivo n.º 2821/05.9PCCBR).

Por sentença datada de 4.2.2008 transitada em julgado em 28.2.2008, foi o arguido condenado na pena de 12 meses de prisão pela prática em 23.8.2006 de um crime p. e p. pelo art.º 204º, n.º 2, al. e) do C.Penal (Processo Comum Singular n.º 1066/06.0PBCBR).

(…)”.

            B) E dele consta a seguinte fundamentação quanto à escolha e medida das penas:

            “ (…).

            Uma vez efectuado o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido, urge proceder à determinação da natureza e medida da sanção penal a aplicar.

Quanto ao crime de furto qualificado na forma consumada, p. e p. pelo art.º 204º, n.º 2, al. e) do C.Penal, a pena abstracta aplicável ao crime em apreço é de pena de prisão de 2 a 8 anos.

Coloca-se aqui a questão de saber se é de aplicar a agravante resultante da reincidência [Nesta matéria seguimos o entendimento plasmado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-06-2008 (relatado pelo Conselheiro Santos Cabral), aonde se lê, «(…)No que concerne, e independentemente da reincidência, importa salientar que, em primeiro lugar, o tribunal tem de determinar a pena que concretamente deveria caber ao agente se ele não fosse reincidente, para tanto seguindo o procedimento normal de determinação da pena exposto. O fundamento de tal actividade reside em duas ordens de razões: para assim determinar se se verifica um dos pressupostos formais da reincidência, qual é o de o crime reiterado ser punido com prisão efectiva e para tomar possível a última operação, imposta pela 2.a parte do art. 76°-1 do Código Penal. Em seguida, o tribunal desenha a moldura penal da reincidência: esta terá, como limite máximo, o limite máximo previsto pela lei para o respectivo tipo de crime; e, como limite mínimo, o limite mínimo legalmente previsto para o tipo, elevado de um terço. O tribunal tem, por último, de comparar a medida da pena a que chegou sem entrar em conta com a reincidência com aquela que encontrou dentro da moldura da reincidência. O fundamento de tal operação reside no disposto na 2.a parte do art. 77.°-1, a agravação determinada pela reincidência não poderá exceder a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores» (in www.dgsi.pt)].

Nesta matéria dispõe o art.º 75º do C.Penal: «1. É punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime. 2. O crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de cinco anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas de liberdade. (…)».

Ensina o Prof. Figueiredo Dias, in “As consequências jurídicas do crime”, pg. 268: “O critério essencial da censura ao agente por não ter atendido à admonição contra o crime resultante da condenação ou condenações anteriores, se não implica um regresso à ideia de que verdadeira reincidência é só a homótropa, exige de todo o modo, atentas as circunstâncias do caso, uma íntima conexão entre os crimes reiterados, que deva considerar-se relevante do ponto de vista daquela censura e da consequente culpa. Uma tal conexão poderá, em princípio, afirmar-se relativamente a factos de natureza análoga segundo os bens jurídicos violados, os motivos, a espécie e a forma de execução; se bem que ainda aqui possam intervir circunstâncias (v.g., o afecto, a degradação social e económica, a experiência especialmente criminógena da prisão, etc.) que sirvam para excluir a conexão, por terem impedido de actuar a advertência resultante da condenação ou condenação anteriores. Mas já relativamente a factos de diferente natureza será muito mais difícil (se bem que de nenhum modo impossível) afirmar a conexão exigível. Desta maneira, se não é a distinção dogmática entre reincidência homótropa e polítropa que reaparece em toda a sua tradicional dimensão, é em todo o caso a distinção criminológica entre o verdadeiro reincidente e o simples multiocasional que continua aqui a jogar o seu papel. Decisiva será, em todas as situações, a resposta que o juiz encontre para a questão de saber se ao agente deve censurar-se o não se ter deixado motivar pela advertência contra o crime resultante da condenação ou condenações anteriores”.

Também no acórdão do STJ, de 9/12/98, in BMJ, pg. 77 e segs., se escreveu, a propósito da mesma questão: “É agora claro que nem o fundamento de tal agravação radica, directa e imediatamente, na perigosidade nem ela resulta, automaticamente, da verificação de certos requisitos, exclusivamente formais. O que a justifica é a culpa agravada do agente, ainda e sempre relativa ao facto, por o ter praticado em circunstâncias que revelam, também, um censurável desrespeito pela solene advertência contida nas condenações anteriores”.

Transpondo para o caso em análise o que da lei consta e os ensinamentos doutrinários, temos que dúvidas não há de que estão verificados os pressupostos formais da reincidência. Com efeito o arguido cometeu crime doloso punido com pena de prisão superior a 6 meses, sendo que havia sido condenado em pena efectiva de 2 anos e 6 meses relativamente a factos praticados em 12.1.2005 (Processo Comum Singular n.º 12/05.8GDCBG), na pena de 7 meses de prisão efectiva por factos praticados em 4.11.2005 (Processo Comum Singular n.º 426/05.3GDCBR) e na pena de 12 meses de prisão efectiva por factos datados de 23.8.2006 (processo Comum Singular n.º 1086/06.0PBCBR) sendo as mesmas atendíveis dados os períodos de reclusão entretanto sofridos pelo arguido (18.10.2006 a 2.1.2012).

Aos pressupostos formais junta-se o pressuposto material.

Não se pode esquecer que a reiteração criminosa pode ter diversa etiologia e, para efeitos da reincidência, apenas releva «a que esteja ligada a um defeito da personalidade que leve o agente a ser indiferente à solene advertência contida na sua condenação em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por crime doloso» (Ac. do STJ de 3/7/1997, proferido no proc. nº 435/97 da 3ª secção, e Ac. R.P de 21.2.2007, in www.dgsi.pt).

Por isso se tem entendido que «para a verificação do aludido requisito material da reincidência é essencial que se indague o modo de ser do arguido, a sua personalidade e o seu posicionamento quanto aos ilícitos cometidos, de modo a poder decidir-se se a condenação ou condenações anteriores lhe serviram de suficiente advertência contra o crime» (Cf. Ac. do STJ de 12/03/1998, proferido no proc. nº 1404/97 da 3ª secção, Ac. R.P de 21.2.2007 in www.dgsi.pt e Ac. STJ 9/12/1998, BMJ nº 482/77ss 26).

Nessa medida, importa que essa matéria relativa à reincidência seja investigada em sede de julgamento (se necessário, efectuando a competente comunicação de alteração não substancial dos factos – art.º 358 nº 1 CPP), isto é, há que averiguar, se está preenchido o requisito material consubstanciado na conclusão a retirar que é a de o agente ser de censurar «por a condenação anterior não lhe ter servido de suficiente advertência contra o crime».

É hoje comummente aceite que a reincidência não opera de forma automática, verificados que estejam os requisitos formais.

Por tal razão há que averiguar, observando o contraditório, se a condenação ou condenações anteriores não constituíram suficiente prevenção para que o arguido não continuasse a delinquir, isto é, “se ao agente deve censurar-se o não se ter deixado motivar pela advertência contra o crime resultante da condenação ou condenações anteriores”. O que não ocorrerá se a reiteração na prática do crime se dever a causas meramente fortuitas ou exógenas (cfr. neste sentido o Ac. desta Relação de 6/3/985, CJ, Ano X, tomo 2, pg. 240).

A prática do ilícito ajuizado nestes autos, depois das anteriores condenações transitadas em julgado, permite e impõe um juízo de censura ao arguido de que as condenações anteriores não lhes serviram de suficiente advertência contra o crime, tanto mais que os factos ora praticados ocorreram no período da liberdade condicional que lhe havia sido concedida, isto é, apura-se por parte do mesmo uma “maior culpa, uma atitude de desconsideração pessoal pela solene advertência contida nas condenações anteriores, denotando ainda uma mais grave traição da tarefa existencial da conformação da personalidade do agente com o tipo de personalidade conformada ao direito” (cf. neste sentido, o Ac. do S.T.J de 23-02-2011, proc. nº 20/09.0PEPDL S1, 3ª secção, consultável in www.dgsi.pt.) – donde, atento o disposto no art. 76º, nº 1 do mesmo C.Penal (o limite mínimo da pena aplicável ao crime é elevado de um terço e o limite máximo permanece inalterado), temos que a moldura abstracta a considerar é, efectivamente, pena de prisão de 32 meses a 8 anos.

Quanto aos crimes de furto qualificado na forma tentada, já que operar a atenuação especial da pena decorrente do preceituado no art.º 23º, n.º 2 do C.Penal. De acordo com o disposto no artigo 73.º, alíneas a) e b), do Cód. Penal, em resultado da atenuação especial da pena, o limite máximo é reduzido de um terço e o limite mínimo reduzido a um mês (art.º 41º, n.º 1 do C.Penal). Concorrendo circunstâncias agravantes e atenuantes, conforme refere o Prof. Figueiredo Dias deverão actuar primeiro as agravantes e só depois as atenuantes (cf. Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, p. 208 § 273). Nestes termos, a moldura abstracta aplicável aos crimes de furto qualificado na forma tentada situa-se num mínimo de 1 mês e no máximo de 64 meses.


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De acordo com disposto no art.º 40º, n.º1 e 2 do C.Penal a aplicação da pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, a qual em caso algum pode ultrapassar a medida da culpa. Com este preceito, o ordenamento penal reflecte de forma clara o princípio da culpa, segundo o qual não há pena sem culpa e a culpa decide da medida da pena, como seu limite máximo (art.ºs 1º, 13º, n.º1 e 25º, n.º1 CRP).

Desta forma, a pena há-de ser determinada (dentro dos limites mínimo e máximo fixados na lei) mediante critérios legais, quais sejam, em 1º lugar, o da culpa do agente que fixa o limite máximo inultrapassável da pena, intervindo depois (ao mesmo nível) as exigências de prevenção, especial e geral (a chamada margem de liberdade) (Ac. STJ, 24/5/95, CJSTJ, T.II, p.210 e Ac. RC, 17/1/96, CJ, T. I, p.40). O limite mínimo da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, sendo a prevenção especial de socialização que a vai determinar, em último termo (cf. Ac. STJ, 24/5/95, CJSTJ, T.II, p.210).

Tais critérios devem ser aplicados num ato uno, em que interagem de forma dialéctica.

No juízo de culpa parte-se de uma concepção de culpa, referida ao facto, em que a personalidade do agente só releva para a culpa na medida em que se exprime no ilícito típico e o fundamenta (Ac. RC, 17/1/96, CJ, T. I, p.40).

Tal entendimento não afasta a possibilidade de o julgador se socorrer também, de factores estranhos ao facto (strictu sensu), os quais são indubitavelmente necessários à correcta determinação da medida da pena, quais sejam, entre outros, os atinentes à personalidade do agente e todos os demais que do n.º 2 do art.º 71º do C.Penal constam. Porém, o juízo de culpa é sempre um juízo de desvalor sobre o agente em razão do seu comportamento num certo momento, qual seja o do cometimento do ilícito típico (Ac. RC, 17/1/96, CJ, T. I, p.40).

No caso em apreço, constata-se que é elevada a culpa do arguido porquanto tendo sido condenado por diversas vezes em pena de prisão efectiva por crimes idênticos, estando à data dos factos em liberdade condicional ainda assim não se coibiu de actuar como fez. Mostrou assim uma total insensibilidade pelas condenações anteriores (e não nos podemos esquecer que já foram condenações por crimes contra o património), o que eleva a sua culpa, bem como a ilicitude da sua conduta. A seu favor temos a confissão integral e sem reservas (de valor mitigado em face da prova existente), o facto de o mesmo à data dos factos estar a passar por uma fase conturbada a nível profissional e pessoal, com toma de medicação, e o facto de tudo ter ocorrido num curto espaço de tempo (ainda que tal demonstre, por outro, uma intensidade criminosa assinalável).

No que diz respeito à prevenção geral positiva, a mesma tem de ser entendida, não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida (Ac. STJ, 11/1/96, CJSTJ, T.I, p.176).

No caso em apreço, tais exigência são prementes. Com efeito, as situações de furtos a habitações e estabelecimentos de ensino são frequentes, pesando consideravelmente no sentimento de insegurança da comunidade.

No entanto, neste domínio, há que ter em conta que as exigências de prevenção geral estão, de algum modo, ínsitas na gravidade que o legislador imprimiu ao tipo que criou. (Vejam-se, a este propósito Anabela Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade, 594 e seguintes, Figueiredo Dias, ob. cit., 236 e Sousa e Brito, Estudos em Homenagem ao Professor Eduardo Correia, III, 585).

Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração, podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena. Esta deve, em toda a extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade, só deste modo e por esta via se alcançando uma eficácia de proteção dos bens jurídicos (Ac. STJ, 24/5/95, CJSTJ, T.II, p.214).

No caso concreto, o arguido tem antecedentes criminais por crimes de idêntica natureza, o que eleva as necessidades de ressocialização uma vez que manifesta uma dificuldade de adequar a sua conduta às exigências impostas pela comunidade, reiterando sistematicamente o seu comportamento ilícito.

Tudo ponderado, tem-se por proporcionado, adequado e suficiente condenar o arguido na pena de 3 anos e 6 meses de prisão por cada um dos crimes de furto qualificado consumado sem a ponderação da reincidência e em 3 anos e 8 meses após ponderação da agravante da reincidência (cf. art.º 76 º, n.º 1 do Código Penal), e na pena de 1 ano e 8 meses de prisão por cada um dos crimes de furto qualificado tentado sem a ponderação da reincidência e em 1 ano e 10 meses de prisão após ponderação da agravante da reincidência.

Nos termos do artigo 78º nº 1 do Código Penal, “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena” sendo que, por força do nº 2 do artigo 77º do mesmo Código, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretas aplicadas aos vários crimes e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

A pena aplicável à punição do concurso será encontrada dentro de uma moldura abstracta fixada entre 3 anos e 8 meses e 12 anos e 10 meses de prisão.

Por força do nº 1 do artigo 77º do Código Penal, na medida da pena são considerados, em conjunto os factos e a personalidade do agente.

Assim, atendendo ao conjunto das circunstâncias já anteriormente consideradas na determinação da medida da pena e ainda ao facto de os crimes terem ocorrido num curto espaço de tempo, numa situação de retoma de consumo de produtos estupefacientes por parte do arguido entende-se adequada a pena única de 5 anos e 6 meses de prisão.

(…)”.


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Da excessiva medida das penas, parcelares e única

            1. Alega o arguido – conclusões 3 a 16 – que deveriam ter sido relevados os factos ouvidos em tribunal, de acordo com os quais, tem hábitos de trabalho, teve uma recaída, deslocou-se a centro hospitalar para, em momento anterior aos crimes praticados, ser internado, durante dois anos nada se lhe pôde apontar, é psiquicamente frágil mas capaz de auto-crítica, estando sinceramente arrependido tendo confessado integralmente e sem reservas, tem bom comportamento prisional e aguarda integração em equipa de trabalho, sendo por isso excessivas as medidas das penas parcelares e a medida da pena única, não devendo esta exceder três anos de prisão.

            Oposta é, como se viu, a posição do Ministério Público para quem as penas fixadas são equilibradas e adequadas à satisfação das respectivas finalidades.

            Vejamos então, de que lado, em nosso entender, está a razão.

            Antes de mais, cumpre dizer que, muito embora o arguido pretenda que sejam relevados determinados factos que, segundo parece, entende estarem provados, v.g., os seus hábitos de trabalho, a recaída, a prática dos factos em curto espaço de tempo e o arrependimento sincero, uma vez que o recurso não tem por objecto a decisão proferida sobre a matéria de facto [é patente não ter sequer o arguido ensaiado o cumprimento do ónus de especificação previsto no art. 412º, nº 3 do C. Processo Penal], apenas devem ser considerados os factos provados que, como tal, constam do acórdão recorrido. Ora, a designada recaída não deixou de ser, objectivamente, levada terceiro parágrafo dos Outros Factos Provados do acórdão recorrido [fls. 403] e ponderada na determinação da medida das penas [fls. 416], o mesmo sucedendo com o pequeno intervalo temporal na execução dos factos [fls. 416 a 417].

            Por outro lado, não constando a confissão dos factos provados, esta, aliás, integral, consta da acta da audiência de julgamento de 21 de Janeiro de 2015 [fls. 394 a 397] e é expressamente referida no acórdão, na ponderação da medida das penas [fls. 416]. 

            Posto isto.

2. Dispõe o art. 40º, nº 1 do C. Penal que a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Por sua vez, estabelece o nº 2 do mesmo artigo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

Prevenção e culpa são, assim, os critérios gerais a atender na fixação da medida concreta da pena. A primeira reflecte a necessidade comunitária da punição do caso concreto e a segunda, dirigida ao agente do crime, constitui o limite às exigências de prevenção e portanto, o limite máximo da pena.

Deste modo, a medida da pena resultará da medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos no caso concreto ou seja, da tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada – [prevenção geral positiva ou de integração] – temperada pela necessidade de prevenção especial de socialização, constituindo a culpa o limite inultrapassável da pena.

A determinação da pena, em sentido amplo, passa, frequentemente, pela operação de escolha da pena, o que sucede, designadamente, quando o crime é punido, em alternativa, com pena privativa e com pena não privativa da liberdade. O critério de escolha da pena encontra-se fixado no art. 70º do C. Penal nos termos do qual, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.  

Escolhida a pena, há que determinar a sua medida concreta. Para tanto, o tribunal deve atender a todas as circunstâncias que, não sendo típicas, depuserem a favor e contra o agente do crime (art. 71º do C. Penal). Entre outras, haverá então que ponderar o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências, a grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, a motivação do agente, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior e posterior ao facto, e a falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita (nº 2 do art. 71º do C. Penal).

3. Não vem questionada no recurso a prática, pelo arguido, de dois crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º, nº 1 e 204º, nº 2, e), do C. Penal e de três crimes de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, nºs 1 e 2, b) e c), 203º, nº 1 e 204º, nº 2, e), do mesmo código, como também não vem questionada a sua reincidência.

Assim, as molduras penais abstractas aplicáveis, resultantes das disposições conjugadas das normas dos arts. 23º, nº 2, 73º, nº 1 a) e b), 76º, nº 1 e 204º, nº 2, e), todos do C. Penal são:

- Para o furto qualificado, 2 anos e oito meses a 8 anos de prisão;

- Para o furto qualificado, 1 mês a 5 anos e 4 meses de prisão.

No acórdão recorrido foi considerado elevado o grau de ilicitude dos factos e a culpa, um e outra, com base nas anteriores condenações, também por crimes contra o património, e no cometimento dos factos no período de liberdade condicional.

Pois bem.

Em qualquer um dos cinco crimes praticados, não é, efectivamente, de desprezar o grau de ilicitude do facto, mas só assumem gravidade relativa as consequências decorrentes dos factos praticados na Escola (...) . Por outro lado, o arguido agiu sempre com dolo intenso e persistente, revelador de elevada energia criminosa. E agrava a sua culpa a acumulação de infracções.

No acórdão recorrido foram consideradas como circunstâncias atenuantes, a confissão integral e sem reservas, ainda que pouco relevante para a descoberta da verdade, a circunstância de o arguido, aquando dos factos, passar por um período conturbado a nível pessoal e profissional, com toma de medicação, e a circunstância de tudo ter acontecido num período curto de tempo.

Não se encontra provado o arrependimento e, muito menos, o arrependimento sincero, pelo que, e ressalvado sempre o devido respeito, carece de fundamento a pretendida atenuação especial das penas, invocada na conclusão 22.       

As exigências de prevenção geral são, como se considerou no acórdão recorrido, prementes, dada a frequência com que, por toda a parte, são praticados crimes de furto em habitações e lugares vedados ao público.

            E as exigências de prevenção especial são elevadíssimas, quer pelos antecedentes criminais do arguido, com onze anteriores condenações, todas pela prática de crimes de furto, a que corresponderam cinco penas de prisão e seis penas de prisão suspensas na respectiva execução.

            Por outro lado, o arguido revela uma personalidade mal formada, avessa ao direito e aos valores da comunidade por este tutelados, bem demonstrada pela circunstância de ter praticado os factos objecto dos autos quando se encontrava em liberdade condicional.

            Assim, sobrepondo-se as circunstâncias agravantes às circunstâncias atenuantes e sendo elevadas as exigências de prevenção, geral e especial, não merecem censura as penas parcelares decretadas pela 1ª instância, posto que situadas ligeiramente acima do primeiro quarto da moldura penal abstracta aplicável, quer aos crimes consumados, quer aos crimes tentados, são plenamente suportadas pela culpa do arguido.  


4. Atentemos agora na pena unitária.
A punição do concurso de crimes, como resulta do disposto no art. 77º. nºs 1 e 2 do C. Penal, é feita pela aplicação de uma pena única, a extrair de uma nova moldura penal que tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas e como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes – não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa (nº 2), ponderando-se na determinação respectiva medida concreta, conjuntamente, os factos e a personalidade do agente (nº 1).
O elemento aglutinador dos vários crimes em concurso que vai determinar a pena única é assim, a personalidade do agente. Impõe-se, portanto, a relacionação de todos os factos entre si, de forma a obter-se a gravidade do ilícito global, e depois, relacionar cada um deles, e todos, com a personalidade do agente, a fim de determinar se estamos perante uma tendência criminosa, caso em que a acumulação de crimes deve constitui uma agravante dentro da moldura proposta ou se, pelo contrário, tal cumulação é uma mera ocasionalidade que não radica na personalidade do agente. E aqui, nota Figueiredo Dias, cuja lição vimos seguindo (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, pág. 291 e seguintes), de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).

Os crimes de furto que integram o concurso foram praticados pelo arguido num período de cerca de sete dias e obedeceram todos ao mesmo padrão de actuação.
A sua revelada personalidade eleva, em muito, exigências de prevenção especial, pois que se mostra indiferente aos valores sociais tutelados pelas normas violadas e à ameaça das respectivas sanções aponta já para o início de uma tendência criminosa, sendo por isso seguro não dever o concurso funcionar como atenuante.
Cremos por isso que, atenta a moldura penal proposta – 3 anos e 8 meses a 12 anos e 10 meses de prisão – a pena única de 5 anos e 6 meses de prisão, decretada pela 1ª instância, porque situada abaixo do primeiro quarto da moldura penal aplicável, e porque suportada pela medida da culpa do arguido, não merece a crítica feita.

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            Da suspensão da execução da pena única de prisão. e a sua substituição
            5. Pretende o arguido – conclusões 17 a 25 – que a pena única de prisão, pressuposta a sua redução para três anos por via do presente recurso, seja suspensa na respectiva execução, mesmo que condicionada a deveres, regra de conduta e regime de prova, por entende ser ainda possível a formulação de um juízo de prognose favorável.
            Vejamos.

Como é sabido, a aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, pena de substituição em sentido próprio, depende da verificação de dois pressupostos. Um pressuposto formal, que consiste em não ser superior a cinco anos de prisão a medida da pena aplicada ao agente (art. 50º, nº 1, do C. Penal) e um pressuposto material, que consiste na possibilidade de o tribunal concluir pela formulação de um juízo de prognose favorável ao agente, no sentido de que, atenta a sua personalidade, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste, a simples censura do facto e a ameaça da prisão, realizarão de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição (art. 50º, nºs 1 e 2, do C. Penal).

In casu, nenhum dos dois pressupostos se verifica. Com efeito, a pena única decretada excede cinco anos de prisão o que, por si só, bastaria para afastar a aplicação do instituto, e a revelada personalidade do arguido de modo algum permite a formulação da prognose favorável.


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            Na conclusão 26 o recorrente afirma ter o acórdão recorrido violado o art. 32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa. Tal afirmação surge desacompanhada de qualquer outro desenvolvimento, considerando mesmo o corpo da motivação.

            Em todo o caso, tendo a norma invocada por objecto, nos seus tópicos essenciais, a presunção de inocência e as garantias de defesa, não descortinamos onde uma e outras possam ter sido desrespeitadas.


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            III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam o acórdão recorrido.

            Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs. (arts. 513º, nº 1 do C. Processo Penal e 8º, nº 9 e tabela III do R. das Custas Processuais).


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Coimbra, 16 de Junho de 2015


 (Heitor Vasques Osório – relator)


(Fernando Chaves – adjunto)