Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
16/16.5GDIDN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: TAXA SANCIONATÓRIA EXCEPTIONAL
Data do Acordão: 12/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE IDANHA-A-NOVA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 521.º, N.º 1, DO CPP; ART. 531.º DO CPC; ART. 10.º DO RCP
Sumário: Com a taxa sancionatória excepcional, prevista nos artigos 521.º, n.º 1, do CPP, 531.º do CPC, e 10.º do RCP, não se pretende responder/sancionar erros técnicos, pois estes sempre foram punidos através do pagamento de custas; procura-se, isso sim, reagir contra uma atitude claramente abusiva do processo, sancionando o sujeito que intencionalmente o perverte.
Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. No âmbito do processo comum singular n.º 16/16.5GDIDN do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, I. – a – Nova – J. C. Genérica, mediante acusação pública, foram os arguidos (…), todos melhor identificados nos autos, submetidos a julgamento, sendo-lhes então imputada:

- À arguida (…) a prática, em concurso real, de um crime de ofensa à integridade física, em coautoria material e na forma consumada, p.p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal e, em autoria material e na forma consumada de um crime de ofensa à integridade física, p.p. pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal;

- À arguida (…) a prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal;

- Aos arguidos (…) a prática, em coautoria material, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física, p.p. pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal.

2. Realizada a audiência de discussão e julgamento por sentença de 30.05.2017, foi decidido [transcrição do dispositivo]:

Pelo exposto, o Tribunal julga a acusação parcialmente procedente por parcialmente provada e, consequentemente decide:
· Absolver a arguida (…), pela prática, em autoria co-material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido nos termos do artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal.
· Absolver o arguido (…), pela prática, em autoria co-material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido nos termos do artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal.
· Condenar a arguida (…) pela prática de um crime ofensa à integridade física simples, p. e p. artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de 7,50 €, num total de 600,00 €.
· Condenar a arguida (…) pela prática de um crime ofensa à integridade física simples, p. e p. artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária, de 7,50 €, num total de 900,00 €.
· Em cúmulo jurídico, condenar a arguida (…) na pena única de 170 (cento e setenta) dias de multa, à taxa diária de 7,50 € (sete euros e cinquenta), num total de 1275,00 € (mil duzentos e setenta e cinclo euros).
· Condenar a arguida (…) pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de 7,00 €, num total de 560,00 € (quinhentos e setenta euros).

(…).

3. No decurso da audiência de discussão e julgamento, concretamente na sessão que teve lugar no dia 10.05.2017, foram as arguidas (…) e (…), por duas vezes condenadas, a título de taxa de justiça excecional, nos termos dos artigos 521.º, n.º 1 do CPP, 531.º do CPC e 10.º do RCP em 5 UC`s – [cf. ata de fls. 311-328].

4. Inconformadas quer com os despachos proferidos em ata (10.05.2017), quer com a decisão final (sentença), recorreram as arguidas (…) e (…), formulando as seguintes conclusões:

Quanto aos despachos proferidos em ata

I. As ora Recorrentes, não se conformam com as decisões que as condenou, respetivamente “(…) nas custas do incidente fixando-se a taxa de justiça em cinco unidades de conta, nos termos do artigo 521.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, 531.º do Código de Processo Civil e 10.º do Regulamento das Custas Processuais” e “(…) nas custas do incidente fixando-se a taxa de justiça novamente em cinco unidades de conta, nos termos dos artigos 521.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, 531.º do Código de processo Civil e 10.º do Regulamento das Custas Processuais”.

II. Só ouvindo a gravação da sessão da audiência e julgamento V. Exas. poderão ficar com a ideia formada do que se passou na mesma e verificar o comportamento do MMº Sr. Dr. Juiz, para com o advogado signatário e deste para com aquele.

Para o efeito junta-se não só a gravação da mencionada sessão de julgamento, de 10 de Maios de 2017 e respetivos números de registo de gravação, como também abaixo se transcreve na íntegra a sua gravação e ainda a referida ATA (para facilitar o acompanhamento da audição de V.ªs Exas.).

III. Conforme se lê na sobredita transcrição e se ouve na gravação, o MM.º Sr. Dr. Juiz por variadíssimas vezes interrompeu o advogado das Recorrentes, quando este estava no pleno desempenho do mandato, pugnando pelos interesses daquelas o Advogado signatário mais uma vez, humildemente, roga a V.ªs Ex.ªs a audição da prova gravada, tendo a certeza que o farão e designadamente no que concerne aos gritos e palmadas que o MM.º Dr. Juiz deu na sua mesa ao dirigir-se ao e para o ora signatário, uma vez que só pela leitura da transcrição tal não é possível de aquilatar e, assim V.ªs Ex.ªs terão uma visão aproximada do que este advogado ali passou e a que foi sujeito; sendo que se deixa para V. Ex.ªs os qualificativos de tal comportamento.

Meritíssimo Juiz

Sr. Dr. Tem alguma questão a pôr à testemunha ou não? Não me faça perder tempo!

Advogado

Não me fala assim! Eu não lhe admito que me fale assim! Eu não admito que o Sr. Dr. me fale assim! Eu não admito que o Sr. Dr. levante a voz para mim! Eu não …

Meritíssimo Juiz

O Sr. Dr. controle-se!

Advogado

Eu é que me controlo? Ponha a gravação”.

(ESTA É A PASSAGEM EM QUE O MMº SR. DR. JUIZ DÁ GRITOS COMPLETAMENTE DESCONTROLADO E DÁ PALMADAS E MURROS NA SUA MESA, durante o depoimento da testemunha (…). Registo de Gravação: 20170503120427, ao minuto: 19:50 a cerca de mais 30 minutos.

IV. As condenações decretadas nos dois despachos condenatórios não tem qualquer fundamento fático, uma vez que com os seus legítimos e fundados requerimentos o advogado signatário pretendeu e levantou questões de direito pertinente, consubstanciadas em requerer a audição da gravação do depoimento de uma testemunha que tinha tecido considerações e juízos de valor sobre as Recorrentes, sem mostrar a razão de ciência, querer com o facto do MM.ª Sr. Dr. Juiz não ter reaberto a audiência, como mandam as normas legais e pretender que a participação da ocorrência dos factos constantes do comportamento daquele MMº Sr. Dr. Juiz para com o advogado fossem enviados para o Conselho Superior da Magistratura para que este pudesse agir em conformidade.

V. Requerimentos que não tinham qualquer propósito de embaraçar e atrasar a ordem de trabalhos.

VI. Nem têm qualquer fundamento de direito em face de Dando aqui por reproduzida toda a matéria fáctica que fundamenta os dois despachos ora em crise, o que não se aceita nem se concede, mas que se coloca por mera hipótese académica, toda esta (in) disciplina se estribaria no disposto no art.º 150º n.º 1 do Código de Processo Civil e se existisse violação do art.º 80.º do EOA (direito de protesto), as condutas do advogado signatário determinariam as advertências, retirada da palavra e subsequente condenação em multa e, tais condutas tinham unicamente em vista insistir em providência sem fundamento, constituindo ato impertinente e meramente dilatório, com vista a afrontar pessoalmente o magistrado que presidia à audiência de julgamento, não se mostrando, assim, protegidas pelo dever de patrocínio e defesa dos direitos do cliente que a qualidade profissional conferia ao recorrente.

VII. Contudo mostra-se que no caso vertente o MMº Sr. Dr. Juiz não retirou a palavra ao advogado e o artigo 150.º, n.º 1 do Código de Processo Civil que, inserindo-se na secção alusiva aos atos dos magistrados e sob a epígrafe “manutenção da ordem nos atos processuais”, dispõe o seguinte:

“A manutenção da ordem nos atos processuais compete ao magistrado que a eles presida, o qual toma as providências necessárias contra quem perturbar a sua realização, podendo, nomeadamente, e consoante a gravidade da infração, advertir cm urbanidade o infrator, retirar-lhe a palavra quando se afaste do respeito devido ao Tribunal ou às instituições vigentes, condená-lo em multa ou fazê-lo sair do local, sem prejuízo do procedimento criminal ou disciplinar que no caso couber”.

Todavia, sendo consabido que o diploma aludido apenas se aplica aos processos criminais relativamente aos casos omissos e, ainda, assim, apenas quando se harmonize com os princípios que aí regem, por força da previsão do artigo 4.º do Código do Processo Penal,

VIII. O Código do Processo Penal contempla expressamente a disciplina da audiência e direção dos trabalhos, cometendo-os ao presidente e explicitando os poderes que os integram, tudo como melhor se apreende dos seus artigos 322.º e 323º.

Todavia, a regulamentação da audiência não se resume a tais princípios, sendo ainda complementada pela especificação dos deveres de conduta das pessoas que a elas assistem (artigo 324.º) e do arguido (artigo 325.º), bem como da conduta dos advogados e defensores (326.º), consagrando-se, nesta hipótese que: [segue-se transcrição do preceito].

IX. In casu, não tendo sido retirada a palavra ao advogado, em circunstâncias capazes de integrar as hipóteses previstas nas alíneas b) e d) do citado artigo 326.º a única consequência é a que resulta da previsão do n.º 1 do art.º 150.º do Código de Processo Civil. E a multa aplicar seria ao advogado signatário e não às ora Recorrentes.

X. Assim e resumindo, condenou o MM.º Sr. Dr. Juiz as ora Recorrentes em taxa sancionatória excecional, que fixou no valor de 5 UCS, por cada condenação em cada um dos despachos postos em crise, nos termos do disposto no artigo 521.º n.º 1 do Código do Processo Penal.

Estatui o n.º 1 daquele artigo 521.º que [segue-se a transcrição do preceito].

XI. O conceito de taxa sancionatória excecional encontra-se previsto no artigo 531º do Código do Processo Civil aplicável ao processo penal por força do sobredito artigo 521.º, n.º 1, o qual estatui que [segue-se transcrição do preceito].

XII. In casu, o sucedido, conforme resulta da gravação cuja transcrição se junta, teve início num requerimento deduzido pelo mandatário das ora Recorrentes. Contudo, toda a altercação havida entre o MM.º Sr. Dr. Juiz e aquele mandatário nada tem que ver com os requerimentos deduzidos, antes extravasando esse âmbito, ao ponto de o MM.º Sr. Dr. Juiz do Tribunal ter gritado e dado murros na mesa, impedindo aquele advogado de se explicar, pois não permitiu aquele que este esclarecesse que a pergunta feita à testemunha não tinha que ver com o ter presenciado os factos ou não mas sim sobre se o juízo de valor que proferiu sobre as arguidas, ora Recorrentes, se devia a algo que tivesse presenciado, tendo sido, por força da falta de calma e serenidade para ouvir o que aquele mandatário pretendia explicar, que o MM.º Sr. Dr. Juiz teve aquela sobredita postura e lançou mão das condenações de que se recorre.

XIII. Deste modo, e ainda que se tratasse do requerimento propriamente dito, o que não se aceita, não se concede e apenas se coloca por mera hipótese académica, sempre o mesmo não era manifestamente improcedente (apenas tendo sido julgado improcedente em face de MM.º Sr. Dr. Juiz não ter entendido a pretensão daquele mandatário e de não ter permitido ao mesmo que explicasse que o pensamento perfilhado por si não ia de encontro ao que tinha pretendido requerer) e a parte leia-se ora Recorrentes (sendo que in casu se tratava do mandatário e não da própria parte) não tivesse agido com a prudência ou diligência devida. Tratam-se de requisitos cumulativos, sendo que, in casu, conforme exposto e resulta da gravação, inexistem.

XIV. Não obstante e como se disse, o ato que levou à condenação recorrida foi do mandatário das ora Recorrentes.

XV. Ora, em termos penais são sujeitos processuais, principais (aqueles cuja ausência torna impossível a existência da relação jurídica processual) ou acessórios (aqueles que não sendo indispensáveis à existência da relação processual nela intervém de alguma forma), o arguido, o assistente, as partes civis, sendo representados, necessária ou facultativamente consoante os casos, por advogados (defensores nomeados ou mandatários constituídos), que, como tal, não são sujeitos processuais.

XVI. E tanto assim não é que o n.º 2 do artigo 521.º do Código de Processo Penal prevê que o juiz possa condenar o visado em taxa sancionatória excecional quando se trate de atos praticados por pessoa que não for sujeito processual, como acontece com os advogados.

XVII. Acontece que, in casu, tratando-se de ato em causa praticado pelo mandatário das ora Recorrentes, o advogado signatário, não podia o MM.ª Sr. Dr. Juiz condenar as ora Recorrentes, pois dispunha de lei própria a aplicar ao advogado, acaso houvesse fundamento para tal, o que in casu não acontece como supra se explicitou.

XVIII. Mais, se o MMº Sr.º Dr. Juiz entendesse que o mandatário daquelas arguidas, nos seus requerimentos ou alegações, se afastasse do respeito devido ao Tribunal, se procurasse, manifesta e abusivamente, protelar ou embaraçar o decurso normal dos trabalhos, usasse de expressões injuriosas ou difamatórias ou desnecessariamente violentas ou agressivas, ou fizesse ou incitasse a que fossem feitos, comentários ou explanações sobre assuntos alheios ao processo e que de algum modo servissem para esclarecê-lo, apenas e tão só poderia usar da faculdade prevista no artigo 325.º do Código de Processo Penal, advertindo-o com urbanidade, o que – como resulta da gravação não aconteceu – e, se depois de advertido, continuasse, poderia retirar-lhe a palavra.

XIX. Na verdade, acaso pudesse existir reparo à conduta do advogado signatário, o que, como se disse, não se aceita, não se concede e apenas se coloca por mera hipótese académica, o sucedido, sempre a mesma apenas e tão só poderia integrar o previsto no sobredito artigo 325.º e ter como consequência o ali estatuído.

XX. Até porque, conforme vasta jurisprudência, a taxa sancionatória excecional prevista no art.º 521.º do Código de Processo Penal aplica-se a comportamento processual que entorpeça o andamento do processo injustificadamente, ou seja, sem motivo razoável para tal.

XXI. O que no caso em apreço não sucedeu e, as Recorrentes não podiam, ter sido condenadas em multa, por além de não haver fundamento fático para tal, conforme já acima se alegou, inexistir fundamento legal para isso, por não ser de aplicar o disposto no artigo 521.º do Código de Processo Penal.

XXII. Pese embora as situações económicas das Recorrentes demonstrem uma grande fragilidade, o MMº Sr. Dr. Juiz, perante a taxa sancionatória excecional prevista no art.º 10.º do Regulamento das Custas Processuais, que prevê um mínimo de duas unidade de conta e um máximo de quinze unidades, aplicou às Recorrentes cinco unidades de conta por cada uma das condenações num total de dez unidades de conta.

XXIII. Tal decisão é completamente desajustada com a realidade económica das ora Recorrentes e, a ser devida qualquer condenação, o que não se aceita nem se concede, pelas razões acima alegadas, entende-se e requer-se venha a ser decretada pelo mínimo legal previsto.

XXIV. O MM.º Sr. Dr. Juiz violou o disposto nos artigos 521.º do CPP, 531.º do CPC e art.º 10.º do Regulamento das Custas Processuais uma vez que os aplicou, sem fundamento fáctico, quando tudo o que se passou em audiência deve e tem de ser enquadrado sem relevância, sem ser desrespeitosa e sem qualquer propósito de embaraçar e atrasar a ordem de trabalhos.

XXV. São elementos fundamentais da prova, a gravação da audiência, a transcrição da mesma, a ata, bem como os demais factos constantes dos documentos juntos.

XXVI. As Recorrentes não praticaram qualquer ato que pudesse motivar a aplicação das multas de que foram alvo.

XXVII. Deverá ser proferido douto Acórdão que revogue as decisões que as condenou nas sobreditas multas de 5 UC`s em cada decisão, acaso se venha a decidir haver fundamento para serem condenadas, o que se não aceita nem concede, mas se coloca como hipótese académica, então deverão tais multas serem aplicadas pelo mínimo legal, tudo com as demais consequências.

Assim decidindo farão Vexas a costumada JUSTIÇA!

Quanto à decisão que pôs termo à causa

(…).

5. Por despacho proferido a fls. 1491 foram os recursos admitidos.

6. O Ministério Público, bem como os arguidos (…) e (…) em resposta ao recurso interposto da sentença pronunciaram-se no sentido da respetiva improcedência.

7. Na Relação o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência de ambos os recursos.

8. Cumprido o n.º 2 do artigo 417.º do CPP reagiram as recorrentes, retomando no essencial, a argumentação já anteriormente apresentada.

9. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cabendo agora decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto dos recursos

Tendo presentes as conclusões, pelas quais se delimita o objeto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de eventuais questões de natureza oficiosa, no caso concreto importa apreciar:

Recurso dos despachos proferidos em 10.05.2017:

(i) Se não estão reunidos os pressupostos de que o legislador faz depender a condenação em taxa sancionatória excecional.

Recurso da sentença, se

(…).

2. As decisões recorridas

Ficou a constar dos despachos recorridos [de 10.05.2017, exarados em ata]:

I.

Primeiro despacho

Tal como foi dito no despacho anterior, a dada altura o Sr. Advogado pediu a palavra e, sendo-lhe concedida, exarou um protesto em ata pelo facto de o ora signatário ter determinado que a inquirição de certa testemunha se fizesse por intermediação judicial, bem como ter batido com a palma da mão no tampo da mesa e por ter levantado a voz num momento em que o Sr. Advogado teimava em contradizer o ora signatário sobre aquilo que a testemunha que se encontrava a depor tinha dito há instantes aquando da inquirição feita pelo Ministério Público. No mesmo ensejo, o Sr. Advogado acusou o ora signatário de exercer de forma pouco digna a profissão de Magistrado Judicial entre outras considerações sobre o exercício da função jurisdicional, nomeadamente, afirmando, que o advogado também integrava o Tribunal.

Não obstante o teor deveras ofensivo das palavras do Sr. Advogado e de outras incorreções proferidas, o ora signatário optou por não se pronunciar naquele momento para não exacerbar ainda mais os ânimos. Teve o ora signatário a clara perceção de que o Sr. Advogado reagiria ainda pior caso ficasse a saber que o protesto que tinha exarado em ata era completamente desprovido de fundamento fáctico e legal – uma vez que o ora signatário não lhe havia negado o uso da palavra – e também que as suas considerações sobre o exercício da função jurisdicional e sobre a composição do Tribunal eram simplesmente absurdas. Além do mais, nada tendo sido requerido pelo Sr. Advogado nessa sua última intervenção, não havia o risco de o Tribunal estar a incorrer numa nulidade processual por omissão de ato legalmente devido.

Foi já depois de ter sido retomado o curso normal da audiência que o ora signatário lembrou o Sr. Advogado que não lhe tinha negado o uso da palavra para que ele tivesse vindo exercer o direito de protesto. Mais à frente, o ora signatário também viria a aproveitar uma ocasião para esclarecer o Sr. Advogado que os advogados participam na administração da Justiça, mas jamais integram o Tribunal [30 min 34 seg. do depoimento da testemunha (…)].

O ora signatário procurou não colocar demasiada ênfase nestes pequenos esclarecimentos sobre aqueles específicos aspetos da intervenção do Sr. Advogado justamente para não suscitar novas réplicas despropositadas que só serviriam para perturbar a ordem e a dignidade dos atos processuais e embaraçar ainda mais o decurso normal dos trabalhos.

Isto não significa que a intervenção do Sr. Advogado deva passar incólume.

Com efeito, no respeitante aos poderes e deveres de disciplina e direção da audiência previstos nos arts. 322.º a 326.º do Código de Processo Penal, foi decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa que “ao tribunal compete a livre escolha quer da oportunidade quer da solução a dar ao caso concreto, tendo sempre em vista a realização do objetivo final previsto na lei: a regularidade e celeridade dos atos processuais; a manutenção da ordem e a defesa da tranquilidade e da dignidade do órgão jurisdicional e de todos os intervenientes processuais” (Acórdão de 20/11/1996, in Coletânea de Jurisprudência, Ano XXI, 1996, Tomo V, pg. 149 a 152).

Entendemos, assim, ser este o momento oportuno para apreciar os fundamentos do protesto que o Sr. Advogado exarou em ata na última sessão de audiência de julgamento.

O art. 80.º do Estatuto da Ordem dos Advogados (doravante EOA), aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9 de Setembro, consagra o direito de protesto nos seguintes termos:

1 – No decorrer de audiência ou de qualquer outro ato ou diligência em que intervenha, o advogado deve ser admitido a requerer oralmente ou por escrito, no momento que considerar oportuno, o que julgar conveniente ao dever do patrocínio, sem necessidade de prévia indicação ou explicitação do respetivo conteúdo.

2 – Quando, por qualquer razão, não lhe seja concedida a palavra ou o requerimento não for exarado em ata, pode o advogado exercer o direito de protesto, indicando a matéria do requerimento e o objeto que tinha em vista.

3 – O protesto não pode deixar de constar da ata e é havido para todos os efeitos como arguição de nulidade, nos termos da lei”.

Portanto, é pressuposto do exercício do direito de protesto que ao advogado não tenha sido concedida a palavra para requerer, oralmente ou por escrito, o que tivesse por conveniente ao dever de patrocínio.

Ora, tal como resulta da gravação da audiência, nunca foi negado ao Sr. Advogado o uso da palavra para requerer o que quer que fosse. Tal como já dissemos, os únicos fundamentos invocados pelo Sr. Advogado para exarar o protesto em ata foi simplesmente o facto de o ora signatário ter determinado a inquirição de certa testemunha por intermediação judicial por considerar que o Sr. Advogado a tinha induzido em erro sobre o teor das respostas que deu às perguntas feitas ao Ministério Público, e também pelo facto de ter batido com a palma da mão no tampo da mesa e levantado a voz quando o Sr. Advogado insistia em negar o que a testemunha tinha acabado de dizer há poucos instantes. Mas não se ficou por aqui o Sr. Advogado; também acusou o ora signatário de ter uma conduta processual não consentânea com a dignidade da profissão de Magistrado Judicial e fez considerações inaceitáveis do ponto de vista constitucional sobre o exercício da função jurisdicional.

Face ao exposto, é forçoso concluir que não estavam verificados os pressupostos fácticos do exercício do direito de protesto pelo Sr. Advogado, tal como consagrado no art. 80.º do EOA.

Acresce que, ao abrigo do exercício de um alegado direito de protesto, o Sr. Advogado fez acusações e considerações que extravasaram largamente os limites objetivos do exercício daquele direito.

Por todo o exposto, o protesto que o Sr. Advogado exarou em ata carece em absoluto de fundamento fáctico e legal e, nessa medida, causou perturbação ao bom andamento dos trabalhos da audiência.

No Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa acima citado foi decidido que “Um protesto, exarado na ata da audiência, que não tenha fundamento fáctico, nem legal, transforma-se num incidente do processo, sujeito a tributação”.

Estabelece o art. 521.º, n.º 1 do Código de Processo Penal que “À prática de quaisquer atos em processo penal é aplicável o disposto no Código de Processo Civil quanto à condenação no pagamento de taxa sancionatória excecional”.

Como salienta Paulo Pinto de Albuquerque, no seu Comentário do Código de Processo Penal, 3.ª ed., em anotação a este art. 521.º, pg. 1274, “O preceito consagra uma taxa sancionatória excecional, para penalização dos intervenientes processuais que, por motivos dilatórios, «bloqueiam» os tribunais com recursos e requerimentos manifestamente infundados”.

Por seu turno, o art. 531.º do Código de Processo Civil prevê a possibilidade de, por decisão fundamentada, ser excecionalmente aplicada uma taxa sancionatória quando o requerimento ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida.

A referida taxa sancionatória excecional encontra-se prevista no art. 10.º do Regulamento das Custas Processuais, sendo o mínimo de 2 UC`s e o máximo de 15 UC`s.

No caso em apreço, já vimos que era manifesta a falta de fundamento do protesto invocado pelo Sr. Advogado. Além do mais, o Sr. Advogado fez considerações ofensivas da honra e dignidade do ora signatário bem como sobre assuntos alheios ao processo, nos termos acima mencionados.

Por conseguinte, e uma vez que os responsáveis pelo pagamento das custas devidas pelos incidentes são os sujeitos processuais, o Tribunal decide condenar as arguidas (…) e (…) nas custas do incidente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC`s, nos termos dos arts. 521.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, 531.º do Código de Processo Civil e 10.º do Regulamento das Custas Processuais.

Por considerarmos que o Sr. Advogado (…), Defensor das arguidas (…) e (…), teve responsabilidade pessoal e direta no incidente provocado, determina-se que seja dado conhecimento deste despacho à Ordem dos Advogados, nos termos e para os efeitos do art. 545.º do CPC, ex vi do art. 521.º, n.º 1 do CPP, para que possa aplicar sanções e condenar o mandatário na quota-parte das custas que lhe parecer justa.

Notifique.

II.

Segundo despacho:

Em relação aquilo que foi concretamente requerido pelo Sr. Advogado defensor das arguidas (…) e (…) – e por requerimento entende-se realmente aquilo que é efetivamente requerido, e não a explanação de estados de alma – o Tribunal então, foi então requerido pelo Sr. Advogado ilustre defensor das arguidas (…) e (…), primeiro arguindo uma – não sabemos se uma nulidade ou irregularidade, não qualificou o ato ou omissão do ato de declarar expressamente aberta a audiência de julgamento – ora requereu também que fosse enviado ao Conselho Superior da Magistratura cópia da gravação da audiência de julgamento da sessão anterior juntamente com a ata para os efeitos tidos por convenientes, designadamente para avaliar a postura do ora signatário nessa sessão de julgamento, e foi também referido pelo Sr. Advogado que, o ora signatário teve acesso à gravação coisa, que ele não teve e, portanto, tentando justificar a sua intervenção. Isto foi a matéria que integra aquilo que de facto se enquadra num requerimento, porque um requerimento é isso mesmo: requerer algo que depende de deferimento ou indeferimento; que se pede algo para ser deferido e que está dependente de despacho judicial; tudo o mais que está para além desse requerimento concretamente dito é matéria completamente alheia ao processo e mais não consiste do que uma exposição de estados de alma, de estado de espirito do requerente.

Em relação então à matéria que foi requerida. Quanto à omissão de despacho expresso a declarar a abertura da audiência, convém lembrar que o ora signatário quando entrou e se sentou na sua bancada perguntou se as testemunhas estavam presentes e logo advertiu, antes de proceder à inquirição da testemunha primeiramente designada, que iria proferir despacho. Ora entende-se – e para quem como o Sr. Advogado já nada nestas lides há bastante tempo – que entrou em desuso que o Juiz proferir expressamente que a audiência está aberta (ou reaberta como seria neste caso). Pronunciando-se em relação à ordem de trabalhos, subentende-se, portanto, que a audiência esteja aberta, caso assim não fosse o Sr. Advogado deveria então ter logo invocado a irregularidade antes de serem proferidos despachos.

Em relação ao envio da gravação para o Conselho Superior da Magistratura e em articulação com este requerimento o facto de o Sr. Advogado não ter tido acesso à gravação, pois bem, o que o ora signatário tem a dizer é que o Advogado podia ter pedido, trazendo um CD, e, entregando à secretaria, teria tido acesso à gravação da audiência de julgamento nesse mesmo dia. Nem sequer estava dependente de despacho judicial; podia-o ter feito e não fez, sibi imputet.

Quanto ao envio da gravação para o Conselho Superior da Magistratura pois bem indefere-se por manifesta falta de fundamento legal. O Sr. Advogado, se o entender fazer, fá-lo de modo próprio; não é o Tribunal que vai enviar ao Conselho Superior da Magistratura os elementos para o Conselho avaliar e apreciar da postura do próprio Juiz do Tribunal. O Sr. Advogado tem o direito a requerer a instauração de procedimento disciplinar ou outro tipo de averiguações em relação ao Juiz do Tribunal. Obviamente que tem esse direito; mas fá-lo-á pelos seus próprios meios, não é através dos recursos do próprio Tribunal. Enfim, quanto a isto indefere-se por manifesta falta de fundamento legal o referido envio dos elementos requeridos ao Conselho Superior da Magistratura sem prejuízo de o Sr. Advogado o fazer por meio dos seus próprios recursos sem que o ora signatário tenha qualquer intervenção neste domínio.

Relativamente ao demais que foi explanado pelo Sr. Advogado no seu requerimento, novamente lembrar que o ora signatário logo após a leitura dos despachos advertiu o Sr. Advogado nos termos do art.º 326.º do CPP onde se diz o seguinte:

Se os advogados ou defensores, nas sua alegações ou requerimentos:

b) Procurarem, manifesta e abusivamente, protelar ou embaraçar o decurso normal dos trabalhos;

d) Fizerem, ou incitarem a que sejam feitos, comentários ou explanações sobre assuntos alheios ao processo e que de modo algum sirvam para esclarecê-lo; são advertidos com urbanidade pelo presidente do tribunal; e se, depois de advertidos, continuarem, pode aquele retirara-lhes a palavra, sendo aplicável neste caso o disposto na lei do processo civil”.

Pois bem, o ora signatário advertiu o Sr. Advogado de que o segundo despacho proferido efetivamente admitia recurso e que o primeiro não admitia recurso porque nada há a opor nesta fase do envio destes elementos para a Ordem dos Advogados. Se fez essa advertência nos termos do art.º 326.º, novamente o ora signatário, para não exacerbar os ânimos, optou por não retirar a palavra ao Sr. Advogado, mas podia tê-lo feito uma vez que estava a pronunciar-se sobre o teor daqueles despachos sem ser mediante interposição de recurso e fazendo-o em relação ao primeiro sem ter o direito de fazê-lo, repetiu tudo aquilo na sua versão que o ora signatário bateu, deu “murros” na mesa – o que não é verdade – e isso poderá depois ser apreciado (não é aqui que vai ser apreciado). Seja como for o que interessa ressaltar foi que o Sr. Advogado pronunciou-se sobre estes dois despachos sem ser por via da interposição de recurso e tendo sido advertido previamente para esse efeito, como tal a parte desse requerimento do Sr. Advogado enquadra-se nestas alíneas b) e d) do art.º 326.º e, como tal, sendo um incidente manifestamente alheio e despropositado, que visou mais uma vez embaraçar e atrasar a ordem de trabalhos prevista para o dia de hoje, vai então …

[Neste momento, o ilustre mandatário das arguidas (…) e (…) interrompeu o Mm.º Juiz quando estava a proferir despacho, para dizer que tinha de sair da sala porque estava a sentir-se mal e pediu ao Mm.º Juiz para poder abandonar a sala, o que foi autorizado.

Após esta interrupção, foi retomada a prolação do despacho:]

Vamos passar à frente desta situação. Estava então o ora signatário a proferir o despacho – e estava a chegar aos seus termos finais -, tratou-se de um incidente que foi provocado pelo Sr. Advogado completamente alheio à ordem de trabalhos prevista para o dia de hoje. Trata-se, portanto, de um incidente sujeito à tributação nos termos do art.º 5121.º do CPP em articulação com o art.º 531.º do CPC e 10.º do RCP e portanto uma vez que os responsáveis pelo pagamento das custas devidas pelos incidentes são os sujeitos processuais o Tribunal decide condenar novamente as arguidas (…) e (…) nas custas do incidente, fixando-se a taxa de justiça novamente em 5 UC`s nos termos dos art.ºs 521.º do CPP em articulação com o art.º 531.º do CPC e 10.º do RCP.

Por considerarmos que o Sr. Advogado (…) defensor das arguidas (…) e (…) teve responsabilidade pessoal e direta no incidente provocado determina-se que seja dado conhecimento deste despacho à Ordem dos Advogados nos termos e para os efeitos do art.º 345.º do CPC por força do art.º 521.º, n.º 1do CPP para que possa aplicar as sanções e condenar o mandatário na quota-parte das custas que lhe parecer justa.

Notifique.

III.

Ficou a constar da sentença recorrida [transcrição parcial]:

(…).

3. Apreciação

(i) Recurso dos dois despachos (exarados em ata) de 10.05.2017

Insurgem-se as recorrentes contra os dois despachos que ditaram a sua (de cada uma) condenação em 5 (cinco) UC`s a título de taxa sancionatória excecional, defendendo, no que releva, não estarem reunidos os pressupostos de que a lei faz depender a respetiva aplicação, sendo que, caso não fosse esse o entendimento perfilhado por este tribunal, nunca a mesma poderia ter incidido sobre as arguidas/recorrentes e, assim, não se considerando, dentro dos parâmetros legalmente definidos, sempre se revelaria desproporcionada.

Previamente importa esclarecer não constituir atribuição do tribunal de recurso apreciar matéria de natureza disciplinar pelo que não assume, nesta sede, relevância o teor dos pontos II e III das conclusões.

Isto dito.

Existia, ou não, fundamento para condenar as ora recorrentes, por duas vezes, em taxa sancionatória excecional?

Determina o artigo 521.º do Código de Processo Penal que «à prática de quaisquer atos em processo penal é aplicável o disposto no Código de Processo Civil quanto à condenação no pagamento de taxa sancionatória excecional», a qual, de acordo com o disposto no artigo 10.º do Regulamento das Custas Processuais, aplicável ex vi do artigo 524.º do Código de Processo Civil, pode ser fixada entre 2 e 15 UC; dispondo o artigo 531.º do Código de Processo Civil que esta sanção é aplicada por despacho fundamentado «quando a ação, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida».

Já na redação anterior do Código de Processo Civil, o artigo 447.º - B, aditado pelo D.L. n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, previa a dita sanção, cujos pressupostos, no essencial se mantiveram.

Sobre o instituto resulta do preâmbulo do citado D.L. 34/2008 traduzir “um mecanismo de penalização dos intervenientes processuais que, por motivos dilatórios, «bloqueiam» os tribunais com recursos e requerimentos manifestamente infundados”, podendo nestes casos o juiz do processo “fixar uma taxa sancionatória especial, com caráter penalizador, que substituirá a taxa de justiça que for devida pelo processo em causa”.

Constituem, pois, pressupostos da aplicação da taxa sancionatória excecional, a natureza manifestamente improcedente do requerimento, recurso, reclamação ou incidente, visando-se evitar a prática de atos inúteis, impedindo que o tribunal se debruce sobre questões que se sabe de antemão serem insuscetíveis de conduzir ao resultado pretendido, assim se salvaguardando o princípio da economia processual, e a atuação imprudente, desprovida da diligência, no caso exigível, e como tal censurável, da parte de quem os formula/apresenta.

  Afigura-se-nos isento de dúvida que com a taxa sancionatória excecional não se pretende responder/sancionar erros técnicos, pois estes sempre foram punidos através do pagamento de custas; procura-se, isso sim, reagir contra uma atitude claramente abusiva do processo, sancionando o sujeito que intencionalmente o perverte.

No caso em apreço dizem as recorrentes haver-se limitado a (i) requerer a audição da gravação de uma testemunha que, sem razão de ciência, tinha tecido, sobre si, considerações e juízos de valor; (ii) invocar a circunstância do julgador, à revelia do que impõem as normas, não ter procedido à reabertura da audiência; (iii) solicitar/requerer o envio ao Conselho Superior da Magistratura dos atos e registos referentes à audiência de julgamento para que por esse órgão pudesse “aquilatar” da conduta da conduta do Sr. juiz para com o Sr. advogado, sendo certo que em nenhuma destas situações tinham agido com o propósito de embaraçar e atrasar a ordem dos trabalhos.

Focando a atenção nas atas, contendo a(s) conduta(s) processuais que deram causa à aplicação da dita penalização, é possível identificar na correspondente à sessão de julgamento ocorrida no dia 03.05.2017, relacionado com o depoimento então prestado pela testemunha K... , um requerimento da parte do Sr. advogado, mandatário das arguidas/recorrentes no sentido de ser ouvida a gravação respeitante às declarações (em audiência) da dita testemunha, alegadamente para se inteirar daquilo que efetivamente lhe havia dito/perguntado e, simultaneamente, um protesto dirigido ao modo, consubstanciado em palavras e atos – que cuidou de concretizar – como o julgador se lhe dirigiu.

A requerida reprodução em audiência da gravação do dito depoimento, por ausência de fundamento legal, foi indeferida; quanto ao protesto lavrado pelo Sr. advogado, contrariando os respetivos fundamentos, considerou o Sr. juiz - tecendo, por seu turno, considerações sobre a conduta em audiência do mandatário das ora recorrentes - não se mostrarem reunidos os seus pressupostos porquanto a palavra não lhe havia sido retirada. Mais decidiu que a partir daquele momento qualquer questão, que o Sr. advogado, pretendesse colocar à testemunha, o tinha de ser por seu intermédio.

Reagindo a este despacho, de novo, apresentou protesto o Sr. advogado, refutando as incorreções a si imputadas, manifestando ainda a sua incompreensão pelo facto de lhe ter sido retirada a palavra, querendo com isso insurgir-se contra a circunstância de o tribunal lhe haver vedado o direito de inquirir diretamente a testemunha.

Na ata do dia 10.05.2017 o Sr. juiz depois de elencar em 11 pontos matéria (factos) relativa à conduta em julgamento do Sr. advogado, no seu entendimento passível de configurar a prática de infração disciplinar, determinou que, acompanhado do suporte digital da gravação da audiência de julgamento do dia 03.05.2017 e, bem assim da respetiva ata, fosse o despacho (acabado de proferir) remetido à Ordem dos Advogados.

Imediatamente a seguir surgiu o primeiro despacho em crise, suscitando nova reação do Sr. advogado, o qual colocou em dúvida haver sido a audiência formalmente reaberta; lavrou considerações sobre os factos – relativos à sua pessoa - vertidos no despacho, destinado a acompanhar a comunicação à Ordem dos Advogados; requereu a extração de certidão deste e a remessa, juntamente com a respetiva gravação, com vista à apreciação da conduta do Sr. juiz para consigo, ao Conselho Superior da Magistratura. É nesta sequência que nasce o segundo despacho recorrido.

No quadro exposto, o qual no confronto com o que deve ser a disciplina da audiência de julgamento, e os poderes a tal inerentes, está longe de ser o desejável, afigura-se-nos não poderem subsistir as condenações nas taxas sancionatórias excecionais decretadas.

De facto, independentemente dos motivos que, em cada momento, o fundamentaram, o certo é que nunca foi o Sr. advogado impedido de exercer o direito ao protesto (artigo 80.º do Estatuto da Ordem dos Advogados). Dando corpo ao mesmo, as razões apresentadas, assentaram, no essencial, em imputações de natureza disciplinar, cuja valia não cabe a este tribunal aquilatar.

Poder-se-ia questionar se foi o momento próprio para o fazer, como nos podemos interrogar se, do lado do julgador, a comunicação à Ordem dos Advogados surgiu no momento mais oportuno. É que, o elencar em ata, no decurso da audiência de julgamento, os motivos que, de parte a parte, se destinavam a ser objeto de apreciação pelos respetivos órgãos com poderes disciplinares, por um lado o Conselho Superior da Magistratura, por outro lado a Ordem dos Advogados, terá contribuído para algum retardamento – sem grande significado, diga-se - do julgamento.

Relevante, ainda, o facto de o encadeado dos atos - conforme já realçado - transmitir a ideia no sentido de o Sr. advogado, em função de não lhe haver sido consentida a inquirição direta da testemunha K.... – apenas por intermédio do julgador -, ter configurado a situação como não lhe sendo concedida a palavra, circunstância que, independentemente da interpretação, sempre lhe conferiria o direito ao protesto, cujo exercício – repete-se – em momento algum lhe foi negado, não se traduzindo, assim, a nosso ver, a sua ação numa conduta dolosamente dirigida a protelar/provocar o retardamento do processo.

Também a pretensão de ver reproduzido em julgamento a gravação do depoimento da testemunha com vista a fazer valer a ideia de que estava a ser mal interpretado pelo tribunal - enquanto o impedia de insistir naquilo que considerava já haver a mesma esclarecido -, embora não seja usual, tão pouco se mostre diretamente previsto na lei, não se vê que esteja de todo em todo proscrita, podendo mesmo constituir um meio para - em casos muito pontuais - desfazer equívocos.

A comunicação ao Conselho Superior da Magistratura, que as mais das vezes é levada a efeito pelos próprios que se sentem visados, dado ter sida requerida certidão das atas respetivas e, bem assim, das gravações, não se reconduz, na nossa perspetiva, a uma pretensão manifestamente improcedente, com o sentido acima referido.

Por fim, o colocar em questão a reabertura “formal” da audiência de julgamento, pode ser encarada como um preciosismo, destituído de fundamento face aos atos – desde logo introdutórios praticados – mas não é de molde a justificar a condenação em taxa sancionatória excecional.

Em suma, com todo o respeito por opinião contrária, nenhuma das circunstâncias mencionadas nos despachos recorridos justifica - quer por não se configurarem como pretensões manifestamente improcedentes e/ou protestos claramente infundados; quer por, no que foi o desenvolvimento do julgamento (bem patente nas correspondentes atas), não se extrair uma conduta intencionalmente dirigida a retardar o andamento dos trabalhos, ao entorpecimento do processo (requisitos cumulativos da figura) - as condenações decretadas a título de taxa sancionatória excecional.

 A utilização abusiva do processo penal terá de traduzir-se num uso manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, situação insuscetível de ser confundida, como atrás se disse, com posições que podem ser encaradas como erros técnicos.

Perfilhamos, assim, o que a propósito, embora no âmbito de diferente jurisdição – não se vendo motivo para distinguir – se escreveu no acórdão do STJ de 10/05/2017, proc. n.º 12806/04.7DLSB.L2-A.S1, a saber: “Somente em situações excecionais, em que a parte (sujeito processual) aja de forma patológica no desenrolar normal da instância, ao tentar contrariar ostensivamente a legalidade da sua marcha, ou a eficácia da decisão, praticando ato processual manifestamente improcedente, é que deve ser aplicada a taxa sancionatória – por isso chamada – excecional”.

Importa, pois, proceder à revogação dos despachos recorridos.

III.

 Recurso da sentença

(…)

III. Dispositivo

Termos em que acordam os juízes que compõem este tribunal em:

a. Em julgar procedente o recurso interposto pelas arguidas (…) e (…) dos dois despachos proferidos em 10.05.2017 na parte em que as condenou em taxa sancionatória excecional, revogando-os em correspondência;

b. Sem tributação.

c. Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelas arguidas (…) e (…) da sentença e, em consequência, fixar a quantia diária correspondente à pena de multa por que sofreram condenação em € 7,00 (sete euros) e € 6,00 (seis euros), respetivamente, revogando nesta parte a sentença recorrida, a qual no mais não sofre alteração.

d. Sem tributação – (cf. artigos 513.º e 514.º do CPP).

Coimbra, 19 de Dezembro de 2018

[Processado e revisto pela relatora]

Maria José Nogueira (relatora)

Frederico Cebola (adjunto)