Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
303/19.0T8CVL.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA MARIA ROBERTO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
CONTRATO DE SEGURO DE PRÉMIO VARIÁVEL
FOLHAS DE FÉRIAS
ENVIO TARDIO
Data do Acordão: 03/25/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DA COVILHÃ DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: CLÁUSULA 24.ª, N.º 1, AL.ª A), DA PORTARIA N.º 256/2001, DE 05-07
Sumário: I – Se a autora (sinistrada) iniciou o seu trabalho ao serviço da ré empregadora em maio de 2018, passando a constar de todas as folhas de férias (desse mês e seguintes), mas tal empregadora não procedeu ao envio atempado das mesmas, só o fazendo em 18/12/2018, verifica-se um atraso no respetivo envio e não a inclusão da trabalhadora apenas na folha de férias respeitante ao mês do acidente (dezembro de 2018), quando já antes trabalhava para a entidade patronal.

II – O envio tardio dessas folhas – incumprimento do disposto na cláusula 24.ª, n.º 1, al.ª a), das condições gerais da apólice de seguro obrigatório de acidentes de trabalho (Portaria n.º 256/2001, de 05-07) – apenas confere à entidade seguradora o direito à resolução do contrato e direito de regresso, bem como de cobrar um prémio nos termos do n.º 4 da condição especial 01 da mesma Portaria, pelo que, na falta de exercício daqueles direitos, mantém-se a cobertura do seguro quanto à trabalhadora sinistrada.

Decisão Texto Integral:

Acordam[1] na Secção Social (6.ª Secção) do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório

AA, residente no ...

intentou a presente ação especial de acidente de trabalho contra

L..., SA, com sede em Lisboa e

S..., Ldª, com sede no ...

 alegando, em síntese, que foi vítima de um acidente quando se encontrava a trabalhar para a segunda Ré como empregada de limpeza, tendo caído para dentro de uma fossa de mudança de óleo na oficina da ...; sofreu lesões, ITA e ITP e foi-lhe atribuída a IPP de 6% que não aceita, bem como não aceita a data da consolidação das lesões e a primeira Ré, por considerar que a sinistrada não está abrangida pela apólice de seguro, não aceitou pagar qualquer quantia.

Termina, pedindo que:

1. A ora Autora seja sujeita a junta médica, nos termos e para os efeitos do artigo 138º do CPT.

2. Seja a presente ação julgada provada e procedente e em consequência ser:

a) A declarada responsável pelo acidente de trabalho;

b) A condenada pagar à A. pensão anual e vitalícia, atualizável, no valor que se vier a apurar, calculada com base na remuneração supra indicada, nas condições gerais da apólice e na IPP que vier a ser fixada pela junta médica.

c) A condenada a pagar à A. a quantia de 1.399,91 a título de indemnizações pelas incapacidades temporárias.

d) A condenada a pagar a quantia de 772,12, a título de despesas emergente do acidente de trabalho suportadas pela A.

e) A quantia que vier a ser prudentemente fixada por este Tribunal como adequada a ressarcir a A, pelos danos morais sofridos.

Caso assim não se entenda, fazendo a prova de que o sinistro não estava abrangido pela apólice mencionada, deva a ser condenada nos mesmos termos das alíneas a) a e).”

*

As Rés contestaram alegando, em sinopse:

A Ré patronal que:

Celebrou um contrato de seguro de acidentes de trabalho com a 1ª Ré que já estava em vigor desde muito antes da data da contratação da A. e ainda se mantém nesta data nunca tendo sido rescindido pela Ré seguradora.

Conclui dizendo que que deve “ser declarada a responsabilidade da Ré seguradora pelas consequências resultantes do acidente sofrido pela Autora” e que o pedido de indemnização por danos não patrimoniais terá de ser declarado improcedente.

A Ré seguradora que:

A A., na data de 07/12/2018, não se encontrava abrangida pela cobertura das garantias do contrato de seguro que celebrou com a Ré empregadora, visto que de todas as folhas de férias enviadas por esta à Ré seguradora, desde o início do contrato e até à última remetida antes do acidente, nunca constou o nome da A. sinistrada como trabalhadora do tomador do seguro; a primeira folha de férias em que consta o nome da sinistrada é a do mês de maio de 2018 (mês do acidente), que apenas foi enviada em 18/12/2018, em incumprimento do disposto na cláusula 24.ª, n.º 1, a), da apólice; o contrato mostra-se ineficaz em relação à A.; a Ré empregadora tinha como intuito enganar a Ré seguradora, inexistindo obrigação de indemnizar por parte da Ré seguradora.

Conclui dizendo que a Ré contestante deve ser absolvida com as legais consequências.

                                                             *

Foi proferido o despacho saneador, indicada a matéria de facto assente, o objeto do litígio e os temas da prova (fls. 194 e segs.).                                                                                                                           *

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento.

                                                             *

Foi, depois, proferida a sentença de fls. 205 e segs. e, interposto recurso da mesma, por acórdão deste tribunal acordou-se em anular a decisão recorrida, devendo o tribunal de 1ª instância sanar a contradição supra enunciada e proferir, depois, uma nova decisão em conformidade”.

                                                             *

Baixaram os autos à 1ª instância e foi, então, proferida a sentença de fls. 269 e segs. e de cujo dispositivo consta:

“Pelo exposto o Tribunal, julgando procedente o pedido formulado pela autora AA, reconhece e declara como de trabalho o acidente que a vitimou em 7 de dezembro de 2018 e que dele resultaram lesões e sequelas que motivaram um período de ITA de 75 dias e um período de ITP a 20% de 118 dias condenando, em consequência, a ré L..., SA., a pagar-lhe:

1. Uma pensão anual no valor de €233,15 (duzentos e trinta e três euros e quinze cêntimos) em função da IPP de 4,5% de que ficou a padecer por força do acidente de trabalho, nos termos do art.48º nº1 c) da Lei 98/2009 de 04/09, a qual é devida desde o dia seguinte ao da alta e é obrigatoriamente remível.

2. A quantia de €772,12 (setecentos e setenta e dois euros e doze cêntimos) referente às despesas de transporte com as deslocações obrigatórias da autora ao Gabinete Médico-Legal da ... e ao Juízo do Trabalho ... e com a realização de consultas e tratamentos médicos.

3. Mais se condena a ré L..., SA a pagar ao Instituto da Segurança Social, IP, a quantia de €1.399,62 (mil, trezentos e noventa e nove euros e sessenta e dois cêntimos), a titulo de reembolsos relativos a subsídios de doença pagos ao/à autor/a;

4. Quantias a que acrescem juros de mora, à taxa legal de 4%, contados a partir do vencimento das obrigações, nos termos do artigo 135º do Código de Processo de Trabalho, a té efetivo e integral pagamento.

5. Absolvendo-se a ré L..., SA. do mais peticionado.

6. Mais se decide absolver a ré S..., Ldª, dos pedidos contra ela deduzidos pela autora.”

                                                                       *

A Ré seguradora notificada desta sentença, veio interpor o presente recurso que concluiu da forma seguinte:

(…)

                                                             *

A Ré patronal apresentou resposta formulando as seguintes conclusões:

(…)

                                                             *

O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer de fls. 313 e segs., concluindo que a apelação deverá ser julgada improcedente.

                                                             *

Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

                                                             *

II – Questões a decidir

Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (artigos 637.º, n.º 2 e 639.º, ambos do CPC).

Assim, cumpre apreciar as questões suscitadas pela Ré recorrente, quais sejam:

1ª – Alteração da matéria de facto (pontos 6, 7, 9, 10, 22, 31 e 33 da matéria de facto dada como provada).

2ª - Se a A. não sofreu um acidente de trabalho devendo a Ré seguradora ser absolvida dos pedidos contra si formulados.

3ª – Se a A. só foi incluída nas folhas de férias após a ocorrência do acidente, devendo a Ré, em consequência, ser absolvida dos pedidos contra si formulados.

                                                             *

III – Fundamentação

a) Factos provados

1. A Autora nasceu no dia .../.../1964.

2. A Ré Empregadora celebrou com a Ré Seguradora um contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho, na modalidade de “Seguros de prémio variável - Folhas de Férias”, titulado pela apólice n.º ...01, que começou a vigorar em 10 de abril de 2012 através do qual, a Ré Empregadora transferiu para a Ré Seguradora a responsabilidade pelos encargos obrigatórios provenientes de acidentes de trabalho.

3. Este contrato encontrava-se em vigor no dia 07 de dezembro de 2018.

4. O contrato de seguro estava vigente no dia 07/12/2018.

5. A A. exercia a atividade de empregada de limpeza, ao serviço da sua entidade empregadora, aqui 2ª Ré, ao abrigo de um contrato de trabalho celebrado em 2 de maio de 2018.

6. No dia 7 de dezembro de 2018, pelas 11h20m, a A. encontrava-se a trabalhar, no seu horário e local de trabalho, sob as ordens, direção e instruções da sua entidade empregadora, aqui segunda Ré, no desempenho das funções correspondentes à sua categoria profissional de empregada de limpeza,

7. Quando na oficina da ..., no ..., ajudava o patrão a descarregar uma máquina de limpeza de chão, no interior da referida oficina, desequilibrou-se e caiu para dentro de uma fossa de mudança de óleos.

8. A sinistrada, aqui A., foi conduzida à ..., na ..., pelo INEM.

9. Em consequência desse evento e das fortes dores que persistiam, a A. foi assistida nos serviços do ... e posteriormente nos serviços clínicos da seguradora aqui 1ª R.,

10. Em consequência do acidente, a A. sofreu as lesões e/ou sequelas melhores descritas no relatório de perícia médico-legal de fls. 97-99 e 113-116 dos autos, designadamente, um traumatismo do antebraço direito.

11. Tendo estado 75 dias na situação de incapacidade temporária absoluta (08/12/2018 e 20/02/2019) e 118 (entre 21/02/2019 e 18/06/2019) na situação de incapacidade temporária parcial de 20%.

12. A consolidação médico-legal das lesões sofridas, ocorreu em 18-06-2019.

13. Passando a autora a padecer de uma incapacidade permanente parcial de 4,5%.

14. A autora submeteu-se a tratamentos e intervenções clínicas, mediante prescrição e acompanhamento dos serviços clínicos da R., e, desde a alta médica, pelo Serviço nacional de Saúde.

15. Com o decurso do tempo, a A. continuou a sentir dores muito fortes no braço direito, com limitação de movimentos, e, posteriormente começou a sentir dores no pé esquerdo, necessitando de recorrer ao uso de canadianas para se locomover.

16. Desde 18 de junho de 2019, a A. encontra-se de baixa média por incapacidade para o trabalho, atribuída pelo médico de família e confirmada pelas juntas médicas a que tem sido submetida.

17. Auferia a A., à data do sinistro, como contrapartida do trabalho prestado para a sua entidade patronal, a retribuição base mensal de € 435,00, acrescida de subsídio de alimentação mensal de € 30,58, e a quantia de € 69,65 a título de outras retribuições, a que corresponde a retribuição total anual de €7.401,48.

18. A autora despendeu a quantia de € 301,35, em deslocações a Tribunal e a consultas médicas.

19. A autora suportou o pagamento despesas com tratamentos, exames médicos, consultas no centro de saúde e de ortopedia e medicamentos no valor de € 470,77.

20.A Ré pagava trimestralmente os prémios de Seguro que lhe eram indicados pela Ré L..., SA, que durante o ano de 2018 eram no valor de 332,40 €, independentemente da variação da massa salarial.

21. A Ré L..., SA no final de cada ano procedia à emissão da fatura para pagamento de um prémio, resultante do acerto das contas por referência ao montante global das remunerações efetivamente pagas durante o ano.

22.Em fevereiro de 2019, tendo por referência o ano de 2018, a Ré L..., SA enviou à ora Ré uma fatura no valor de 149,34 € para acerto dos prémios referentes ao período de 01-01-2018 a 31-12-2018;

23.Fatura que a Ré, entidade empregadora, pagou.

24.A entidade empregadora, dada a posição assumida pela Ré L..., SA, para que a Autora não ficasse sem receber nada enquanto o processo decorria, continuou a pagar-lhe mensalmente cerca de 50,00 €, situação que se mantém.

25.Da apólice de seguro resulta que estão cobertos pelo contrato, os trabalhadores ao serviço do tomador do seguro na unidade produtiva identificada nas condições particulares, de acordo com as folhas de retribuições periodicamente enviadas ao segurador nos termos da alínea a) do nº 1 da cláusula 24.ª das condições gerais - cfr. Condição Especial 01, nº 1 – Seguros de Prémio Variável.

26.A primeira folha de férias em que consta o nome da Sinistrada é a referente ao mês de maio de 2018, que foi enviada para a Ré Seguradora em 18 de dezembro de 2018.

27.Consta na participação de acidente de trabalho remetido pela Ré Empregadora para a Ré Seguradora, como data de admissão a de 2017-09-01.

28.O que se ficou a dever a um lapso de memória do gerente da Ré no momento em que transmitiu as informações para o preenchimento da declaração de acidente de trabalho.

29.A Ré Seguradora, por carta datada de 21 de janeiro de 2019, declinou toda e qualquer responsabilidade pelo ressarcimento do acidente a que se reportam os autos.

30.O envio das folhas de remunerações para a Ré L..., SA era feito pelo gabinete de contabilidade que presta serviços para a Ré, que, também envia as folhas para a Segurança Social.

31. À data do acidente a Ré desconhecia que as folhas de remunerações não eram enviadas regularmente.

32.As folhas de 2018 dos meses de janeiro a março foram enviadas à ré Companhia de Seguros, em 4 de abril, a folha de abril foi enviada em 3 de maio, e as folhas de maio a novembro foram enviadas no dia 18 de dezembro de 2018 e a de dezembro foi enviada a 23 de janeiro.

33.Esta prática já vinha de anos anteriores, sem que a Ré L..., SA alguma vez tivesse alertado a Ré S..., Ldª para o facto de que tal prática punha em causa o contrato de seguro ou a aceitação da responsabilidade em eventuais acidentes que pudessem vir a ocorrer.

34.Em 2017, a folha de remunerações de fevereiro foi enviada em abril de 2017, a de março em 29 de maio, a de abril em 9 de maio, a de junho em 23 de agosto, a de julho em 22 de agosto, a de agosto e setembro em 3 de outubro e as de outubro, novembro e dezembro em 16 de janeiro de 2018.

35.A Ré S..., Ldª ao longo dos anos pagou trimestralmente os prémios que lhe foram indicados pela Ré L..., SA, calculado com base numa previsão feita por esta para cada ano.

36.A Ré S..., Ldª pagou todos os prémios e o acerto do prémio feito pela L..., SA por referência ao ano de 2018.

37.A massa salarial da entidade empregadora no primeiro trimestre foi de 16.538,11 €, no segundo de 17.178,28 €, no terceiro de 21.510,87 € e no quarto de 29.308,81 €.

38.De todas as folhas de férias enviadas pela Ré Empregadora para a Ré Seguradora, desde o início do contrato, até à última folha de férias remetida antes do acidente, isto é, a referente ao mês de abril de 2018, nunca constou o nome da Sinistrada como “Trabalhador do Tomador do Seguro”.

39.O nome da A. só passou a constar nas folhas de férias enviadas já após a data da “ocorrência do acidente”, isto é 07 de dezembro de 2018, pois de todas as folhas de férias enviadas até essa data para a Ré Seguradora, nunca o nome da aqui A. constou das mesmas.

40.A autora é beneficiária da Segurança Social com o número de identificação 11191404642

41. O Centro Distrital da SS de ... pagou à autora, provisoriamente, a título de subsídio de doença a quantia de € 2.287,55 no período compreendido entre o dia 10 dezembro 2018 e o dia 7 de janeiro de 2020.

Factos não provados:

A. Por causa desse mesmo acidente a entidade empregadora emitiu outra folha de férias com o nome da sinistrada.

B. O Tomador do Seguro, na verdade, tinha a perfeita consciência de “toda a situação”, uma vez que só após a ocorrência do acidente é que “enquadrou o Autor como seu trabalhador no âmbito da apólice celebrada com a Ré Seguradora”.

C. A autora perdeu a sensibilidade na mão direita.

D. Devido às dores sentidas no pé direito não consegue deslocar-se sem o auxílio das canadianas.

E. Não mais voltou a trabalhar, pois não é capaz de desempenhar as tarefas correspondentes à sua categoria profissional de empregada de limpeza.

“Fundamentação da decisão de facto

O tribunal baseou a sua convicção na análise crítica e analítica dos seguintes meios de prova:

a) Prova Pericial

- Ref.ª ... de 16/10/2019 – Relatório do exame de avaliação do dano corporal em direito do trabalho, de onde decorre a data da consolidação medico legal das lesões e a IPP de que este ficou a padecer, bem como os períodos de ITA e ITP em conformidade com os atribuídos pela ré, Companhia de Seguros.

- Ref.ª ... de 08/07/2020 do apenso «B» - auto de junta médica, o qual se encontra muito bem fundamentado e objetivado, e, por isso, fundou a decisão da matéria de facto quanto às lesões e incapacidades (temporárias e permanentes) provenientes do acidente a que se referem os autos e data da consolidação medico legal.

b) Depoimento E Declarações Das Partes

A parte BB, legal representante da entidade empregadora, justificou as incoerências verificadas nos documentos quanto à data de contratação da autora, referindo, que se terá tratado de lapso, decorrente da circunstância de ter tido imensas dificuldades a preencher a participação do sinistro, o que fez telefonicamente, com uma funcionaria da companhia, que o ia ajudando. Mais referiu que a trabalhadora fora contratada em maio de 2018 e, por isso, o seu nome não poderia aparecer em fls. de vencimento anteriores. Referiu que entregava as questões relativas aos seguros e envio de documentação a uma empresa externa, que prestava serviços de contabilidade à ré, e desconhecia em absoluto que se verificavam atrasos na remessa das fls. de vencimento. Apesar da sua qualidade depôs de forma coerente e denotou sinceridade no esclarecimento das questões que lhe foram formuladas.

A autora AA, ouvida nessa qualidade, descreveu as circunstâncias temporais e localizou no espaço o acidente por si sofrido, explicando a dinâmica do mesmo, referindo que se encontrava a ajudar o seu patrão e caiu para dentro de um buraco; localizou no tempo a celebração do contrato de trabalho, explicando que se pode ter enganado ao referir ao perito da Companhia de Seguros que teria iniciado o contrato em maio de 2017, pois estava muito nervosa e o interlocutor pressionou-a com muitas perguntas, que a deixaram confusa.

c) Prova Testemunhal

A testemunha CC irmã da autora, deu nota das limitações e dores sofridas pela autora, como decorrência das lesões sofridas com o acidente.

d) Prova documental

Serviram, ainda, os documentos juntos aos autos, a saber:

- Ref.ª ... de 22/02/2019 – auto de participação de acidente de trabalho e documentação anexa (contrato de trabalho e respetiva adenda que confirma a data do inicio da relação laboral, em conformidade com o alegado pela trabalhadora, horas de trabalho e montante da retribuição).

- Ref.ª ... de 01/03/2019 – certidão do assento de nascimento da sinistrada.

- Ref.ª ... de 08/03/2019 – recibos de vencimento da sinistrada dos meses anteriores ao do acidente – Dezembro de 2018 – sendo primeiro referente a maio de 2018 (em conformidade com o alegado pela sinistrada e entidade empregadora relativamente à data de inicio da relação laboral).

- Ref.ª ... de 15/03/2019 – Cópia da apólice em vigor à data do acidente, folhas de férias de maio de 2017 a novembro de 2018, cópia da participação do acidente, boletim da alta boletim de exame médico, processo clínico e carta enviada pela Companhia de Seguros à entidade empregadora.

- documentos juntos com a petição inicial (ref.ª ... ) – contrato de trabalho celebrado em 2 de maio de 2018, bilhetes de viagens, recibos de pagamentos de consultas medicas, que comprovam o dispêndio, pela autora de € 301,35, com deslocações ao Tribunal e a consultas médicas e de € 470,77 com o pagamento de tratamentos, exames médicos, consultas no centro de saúde, consultas de ortopedia e aquisição medicamentos.

- Ref.ª ... de 20/12/2019 - certidão emitida pelo ISS relativa aos pagamentos à autora de subsídios de doença, no período compreendido entre 10/12/2018 a 07/01/2020.

- documentos juntos com a contestação da ré entidade empregadora (refª ...) – faturas para pagamento do prémio de seguro de 01/01/2018, 01/04/2018, 01/07/2018 e 01/10/2018, fatura de estorno anual referente ao período de julho a dezembro 2017, que comprova a realização do acerto das contas por referência ao montante global das remunerações efetivamente pagas durante esse semestre e a e a fatura emitida pela ré Companhia de Seguros em 16 Fevereiro de 2019, tendo por referência o ano de 2018, no valor de 149,34 €, para acerto dos prémios referentes ao período de 01-01-2018 a 31-12-2018, que a Ré pagou.

- documentos juntos com a contestação da ré Companhia de Seguros (refª ...) – print referente à data de envio à ré Companhia de Seguros das folhas de vencimentos, pela entidade empregadora, no período compreendido entre 4 de abril de 2018 e 23 de janeiro de 2019 (do qual resulta, v.g., que as folhas de 2018 dos meses de Janeiro a Março lhe foram enviadas em 4 de Abril, que a folha de Abril foi enviada em 3 de Maio, que as folhas de Maio a Novembro foram enviadas no dia 18 de Dezembro de 2018 e que a de Dezembro foi enviada a 23 de Janeiro).

- documentos juntos com a respostada ré entidade empregadora (refª ...) – participação do vínculo laboral à Segurança Social, que corrobora, também, a data indicada pela Autora como correspondente ao inicio do contrato de trabalho, faturas/recibos do pagamento dos premio de seguro referente à apólice n.º ...01 que comprovam que o pagamento do prémio pela Ré S..., Ldª era feito de 3 em 3 meses, tendo sido em 2017 no valor de 317,75 € e em 2018 no valor de 332,40 €, pese embora as variações da massa salarial em cada mês e em cada trimestre, declarações feitas pela entidade empregadora à Segurança Social entre Janeiro e Dezembro de 2018, que comprovam as variações no valor da massa salarial (v.g., em 2018 a massa salarial no primeiro trimestre foi de 16.538,11 €, no segundo de 17.178,28 €, no terceiro de 21.510,87 € e no quarto de 29.308,81 €).

Todo o acervo probatório foi analisado, como recurso a juízos de experiência comum e da normalidade do acontecer, tendo muita da matéria dada como provada resultado da prova documental e pericial constante dos autos e da sua articulação crítica.

Foram, ainda, tomadas em consideração, pelo tribunal, as regras da distribuição do ónus da prova, (n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil).

No que concerne aos elementos mais controversos da materialidade em apreço, falamos da data da contratação da autora, a versão quer desta, quer da entidade empregadora, sai reforçada, pois é corroborada por todos os elementos documentais, que convergem na data apontada pela sinistrada (maio de 2018), sendo compreensível, numa perspetiva de normalidade do acontecer, o engano do legal representante da entidade empregadora, no preenchimento da participação do sinistro, quer pela forma como tal foi feito (via telefónica) que propricia, consabidamente, a ocorrência de lapsos e mal entendidos, quer pelo estado de nervosismo que o mesmo apresentava face `gravidade do sucedido, quer, ainda, pelo notório alheamento do mesmo relativamente a questões relacionadas com os seguros, cuja tramitação confiou, plenamente, a uma entidade terceira.

Também a documentação relativa ao pagamento dos prémios de seguros pela entidade empregadora, não deixa duvidas, quer quanto à sua periodicidade trimestral, quer quanto à ocorrência de acertos anuais, considerando as variações massa salarial efetivamente paga.

Outra circunstância controversa prende-se com a alegada ocultação da trabalhadora na folha de retribuições. Cotejando toda a prova produzida a tal respeito produzida, o tribunal não dispõe de elementos que permitam concluir pela existência de tal omissão, pois que, desde maio de 2018, ainda que com os referenciados atrasos nos envios à Companhia de Seguros, o nome da trabalhadora passou sempre a constar das fls. de vencimentos.

No tocante à restante matéria de facto não provada o tribunal alicerçou a sua posição na total ausência de prova credível, designadamente testemunhal ou documental, acerca da mesma.”

                                                             *

                                           *

b) - Discussão                                                             

1ª questão:

Alteração da matéria de facto (pontos 6, 7, 9, 10, 22, 31 e 33 da matéria de facto dada como provada).

Conforme o disposto no artigo 640.º, do C.P.C.:

<<1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo da possibilidade de poder proceder à respectiva transcrição dos excertos que considere relevantes; (…)>>.

Acresce que, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação nos casos previstos no artigo 662.º, do CPC.

Lidas as alegações e respetivas conclusões, constatamos que a Ré seguradora indica os pontos concretos da matéria de facto que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios e, ainda, a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Assim sendo, a Ré cumpriu na totalidade o ónus que sobre si impendia, pelo que, este tribunal pode proceder à reapreciação da matéria de facto impugnada.

Alega a recorrente que:

- Os pontos 6., 7., 9. (apenas "Em consequência desse evento") e 10. (apenas "Em consequência do acidente") dos factos provados foram erradamente julgados, porquanto conforme acima referidos, a Autora nenhuma prova fez da existência de um acidente caracterizável como acidente de trabalho.

- Não existem nos autos, elementos suficientes para considerar por provados os factos atinentes a ocorrência do suposto evento.

- O Tribunal a quo não formou a sua convicção com base na análise critica e global da prova existente nos autos e das regras da experiência e do senso comum.

- Da leitura da sentença recorrida verifica-se que a fundamentação da matéria de facto não é suficiente, não sendo possível compreender quais os específicos meios de prova em que o Tribunal a quo se baseou para julgar de forma concreta toda a matéria de facto, designadamente a matéria caracterizadora do acidente de trabalho.

- Da prova produzida interpretada de acordo com os procedimentos, princípios e as regras da experiência comum não é permitida a realização da reconstituição possível de toda a dinâmica do sinistro, bastará a leitura da transcrição da prova testemunhal.

- Concluindo-se pela ausência total de prova quanto à verificação do acidente de trabalho que a Autora alegou ter sofrido.

- A Autora não foi capaz de indicar uma única testemunha que tivesse assistido ao suposto acidente.

- Em sede de Declarações de Parte referiu, pela primeira vez, que no momento do acidente se encontrava acompanhada pelo seu patrão, mas este nada disse quanto ao mesmo, não tendo corroborado minimamente a existência de tal evento.

- A Autora não fez qualquer menção ao dia, hora e local em que se encontrava no momento do suposto sinistro, desconhecendo se efetivamente ocorreu no tempo e local de trabalho.

- Não especificou que tarefa se encontra a realizar, não concretizou que tipo de oficina, em que área se encontrava, nem o tipo e as características do buraco em que terá caído ou quais as circunstâncias que levaram à queda.

- Os únicos elementos probatórios existentes nos autos quanto à ocorrência do evento são: as Declarações de parte da Sinistrada, a Participação do Acidente subscrita pela Entidade Empregadora, e o Auto de Notícia de Acidente de Trabalho realizado perante o Sr. Procurador da República, segundo o que foi transmitido pela Autora, nada mais…

- Estes meios de prova revelam-se manifestamente insuficientes, porquanto resultam única e exclusivamente do declarado por si, não se podendo igualmente ignorar que a Autora apresentou uma versão diferente da alegada até aí, designadamente que o seu patrão se encontrava presente.

- Assim, deverá o Tribunal ad quem alterar a resposta dada à matéria de facto (6.7.9 e 10. Dos factos provados), uma vez que do confronto dos meios de prova indicados pela ora Recorrente com a globalidade dos elementos que integram os autos, se conclui, de forma inequívoca, que a convicção do Tribunal a quo assentou em flagrante erro, colocando em causa, inclusivamente, a distribuição do ónus da prova, de tal modo que, a decisão da matéria de facto em causa não pode subsistir.

Resulta dos pontos 6, 7, 9 e 10 da matéria de facto provada que:

6. No dia 7 de dezembro de 2018, pelas 11h20m, a A. encontrava-se a trabalhar, no seu horário e local de trabalho, sob as ordens, direção e instruções da sua entidade empregadora, aqui segunda Ré, no desempenho das funções correspondentes à sua categoria profissional de empregada de limpeza,

7. Quando na oficina da ..., no ..., ajudava o patrão a descarregar uma máquina de limpeza de chão, no interior da referida oficina, desequilibrou-se e caiu para dentro de uma fossa de mudança de óleos.

9. Em consequência desse evento e das fortes dores que persistiam, a A. foi assistida nos serviços do ... e posteriormente nos serviços clínicos da seguradora aqui 1ª R.,

10. Em consequência do acidente, a A. sofreu as lesões e/ou sequelas melhores descritas no relatório de perícia médico-legal de fls. 97-99 e 113-116 dos autos, designadamente, um traumatismo do antebraço direito.

O tribunal recorrido fundamentou a sua decisão de facto nos termos supra transcritos.

Apreciando:

Procedemos à audição dos depoimentos prestados em audiência de julgamento e analisámos os documentos juntos aos autos e desde já avançamos que acompanhamos a fundamentação de facto da sentença recorrida.

Antes de mais, cumpre dizer que não assiste qualquer razão à recorrente quando alega que o tribunal a quo não formou a sua convicção com base na análise crítica e global da prova existente nos autos e das regras da experiência e do senso comum.

Lendo a fundamentação de facto supra transcrita constata-se que foram indicados os meios de prova nos quais o tribunal recorrido fundou a sua convicção e o porquê da sua relevância. Mais ficaram consignadas na mesma as razões pelas quais foi considerada provada a versão da A. e da empregadora em detrimento da apresentada pela seguradora.

Desta forma, ao contrário do alegado pela recorrente, é possível compreender quais os específicos meios de prova em que o tribunal a quo se baseou para julgar de forma concreta a matéria de facto.

Quanto ao mais:

A Autora, em declarações, disse que começou a trabalhar em maio de 2018 e que sofreu um acidente em 07/12/2018, “caiu numa garagem/oficina para uma fossa quando ia a ajudar o patrão com uma máquina”.

Por outro lado, o legal representante da Ré referiu que a A. entrou para a empresa em 2018 constando da respetiva folha e que, por erro, na participação do acidente referiu a data de 2017.

Assim sendo, conjugando estas declarações, que se nos afiguraram credíveis, com os documentos juntos aos autos (contrato de trabalho da A., recibos de vencimento da A., participação do vínculo laboral à SS e declarações da entidade empregadora à SS) e com o auto de notícia do acidente de trabalho elaborado no Ministério Público, foi feita prova bastante e credível dos factos descritos nos pontos 6, e 7 do elenco dos factos provados, bem como da referência em consequência desse evento e desse acidente constante dos pontos 9 e 10.

A recorrente alega que o patrão da A. nada disse quanto ao acidente.

Na verdade, o legal representante da Ré foi ouvido em declarações e nada disse quanto ao acidente, no entanto, não o fez porque não foi ouvido a tal matéria (nada lhe foi perguntado quanto ao acidente) e não por desconhecimento.

Ao contrário do alegado pela recorrente, a A. fez menção ao dia e local do acidente, à tarefa que se encontrava a realizar e às circunstâncias que levaram à queda na fossa.

Pelo exposto, porque se encontra conforme com a prova produzida, a matéria descrita nos pontos 6, 7, 9 e 10 do elenco dos factos provados deve manter-se.

                                                             *

Mais alega a recorrente que:

- Quanto ao ponto 22. dos factos provados, deveria o Tribunal a quo ter concretizado melhor o mesmo, atendendo a que o sentido que se encontra implícito não se encontra corroborado por qualquer meio de prova.

- O facto 22. da materialidade provada gera dúvidas quanto ao apuramento do acerto dos prémios realizado pela Companhia de Seguros, durante o período de 01-01-2018 a 31-12-20218, dando a entender que a Ré Seguradora tanto aceitou a inclusão da Autor nas folhas de férias enviados após o evento em discussão, que consequentemente cobrou o respectivo acerto do prémio.

- Este facto veio a ser impugnado pela Ré Seguradora em sede de audiência de discussão e julgamento.

- A Ré Entidade Empregadora não logrou provar o facto que alegou, inexistindo prova de que o acerto teve em consideração a inclusão da Sinistrada nas folhas de férias respeitante aos meses anteriores ao do suposto acidente.

- O que se verifica da prova documental é que em novembro de 2018, o Autor admitiu cerca de 6 novos trabalhadores, o que fez aumentar a massa salarial que se encontrava transferida, dando lugar a um acerto.

- O facto 22. deveria conter, a menção de que o acerto foi resultado das novas admissões ocorridas em novembro de 2018, e não da transferência do risco para a Ré Seguradora quanto a qualquer acidente sofrido pela Autora no tempo e local de trabalho, o que se requer.

Resulta do ponto 22 que:

22.Em fevereiro de 2019, tendo por referência o ano de 2018, a Ré L..., SA enviou à ora Ré uma fatura no valor de 149,34 € para acerto dos prémios referentes ao período de 01-01-2018 a 31-12-2018;

Vejamos:

A matéria descrita neste ponto resulta dos documentos juntos aos autos a fls. 162 a 164, não tendo sido feita qualquer outra prova sobre a concreta operação de acerto de prémios realizada pela Ré seguradora, sendo certo que dos documentos juntos aos autos a fls. 71 a 86 resulta que em junho de 2018 foi admitido mais um trabalhador, em julho de 2018 mais outro e em novembro do mesmo ano mais 7.

Assim sendo, porque se encontra conforme com a prova produzida, o ponto 22 da matéria de facto provada deve manter-se.

                                                             *

Alega a recorrente que:

- Igualmente não se mostra demonstrado o facto 31., e o desconhecimento alegado não exonera a Entidade Empregadora da obrigação do envio das folhas de férias diretamente para a Companhia de Seguros.

- Quanto aos pontos 31. e 33. matéria de facto provada, não se compreende nem se alcança qual o concreto meio de prova em que o Tribunal fundou a sua convicção no juízo de apreciação que realizou, sendo a sentença a quo totalmente omissa quanto à sua fundamentação.

- A Ré Empregadora incumpria de forma recorrente, conforme era o seu dever, o envio atempado para a Ré Seguradora das folhas de férias, o que o resulta do facto 32. da materialidade dada como provada.

- Contudo tal incumprimento não poderá, como parece pretender a sentença recorrida, ser imputável à Ré Seguradora, uma vez que, na verdade, é uma obrigação da Ré Empregadora.

- O dever de remeter as folhas de férias compete ao Tomador do Seguro, conforme resulta da Apólice Uniforme aplicável ao Contrato de Seguro, na modalidade de Prémio Variável, a que a Entidade Empregadora aderiu.

- A Ré Seguradora não tem qualquer obrigação de alertar para o incumprimento desse dever, sabendo, o Tomador, de antemão, por não o poder ignorar ou invocar o seu desconhecimento, qual a consequência resultante dessa actuação, designadamente a não cobertura dos trabalhadores não incluídos nas folhas de férias.

- A Ré Empregadora era conhecedora da sua obrigação de remeter as folhas de férias para a Ré Seguradora e não para qualquer outra entidade, nomeadamente a sua contabilidade.

- A Ré Empregadora não pode invocar que remeteu as folhas para a Ré Seguradora, afirmando que as enviou para a sua Contabilidade uma vez que a obrigação da Ré Empregadora é enviar para a Ré Seguradora e não para qualquer outra entidade.

- Pelo que também aqui deverá ser alterada a resposta a esta factualidade, dando-os como não provados.

Resulta dos pontos 31 a 34 que:

31. À data do acidente a Ré desconhecia que as folhas de remunerações não eram enviadas regularmente.

32.As folhas de 2018 dos meses de janeiro a março foram enviadas à ré Companhia de Seguros, em 4 de abril, a folha de abril foi enviada em 3 de maio, as folhas de maio a novembro foram enviadas no dia 18 de dezembro de 2018 e a de dezembro foi enviada a 23 de janeiro.

33. Esta prática já vinha de anos anteriores, sem que a Ré L..., SA alguma vez tivesse alertado a Ré S..., Ldª para o facto de que tal prática punha em causa o contrato de seguro ou a aceitação da responsabilidade em eventuais acidentes que pudessem vir a ocorrer.

34.Em 2017, a folha de remunerações de fevereiro foi enviada em abril de 2017, a de março em 29 de maio, a de abril em 9 de maio, a de junho em 23 de agosto, a de julho em 22 de agosto, a de agosto e setembro em 3 de outubro e as de outubro, novembro e dezembro em 16 de janeiro de 2018.

Os factos descritos no ponto 31 resultam das declarações do legal representante da Ré que, como já referimos, se nos afiguraram credíveis, tendo o mesmo referido que só soube da falta do envio das folhas quando a Ré lhe enviou a carta, sendo os serviços da empresa de contabilidade contratada que procedem ao mesmo.

No que concerne à matéria descrita no ponto 33 – esta prática já vinha de anos anteriores -, a mesma mais não é do que uma conclusão concretizada no ponto 34.

Já no que respeita à restante matéria - sem que a Ré L..., SA alguma vez tivesse alertado a Ré S..., Ldª para o facto de que tal prática punha em causa o contrato de seguro ou a aceitação da responsabilidade em eventuais acidentes que pudessem vir a ocorrer -, na verdade, não foi feita qualquer prova da mesma e, por isso, o ponto 33 deve ser eliminado da matéria de facto provada.

As restantes considerações da recorrente no que respeita ao dever do tomador de seguro remeter as folhas de férias à seguradora, constituem matéria jurídica a apreciar em sede de fundamentação de direito.

Por fim, a recorrente alega que “o contrato de trabalho celebrado com a A. apenas se terá iniciado em maio de 2018, pelo que, naturalmente não poderia constar das folhas de férias dos meses anteriores. Ora esse facto é verdadeiro e não se compreende como foi incluído na matéria não provada”.

Pois bem, compulsada a matéria de facto não provada constatamos que aquele facto ora referido não consta do elenco dos factos não provados e, por isso, nada mais se impõe dizer.

Procede, assim, apenas no que concerne ao ponto 33 da matéria de facto provada a pretendida alteração da matéria de facto.

2ª questão

Se a A. não sofreu um acidente de trabalho devendo a Ré seguradora ser absolvida dos pedidos contra si formulados.

Alega a recorrente que:

“- Daqui se concluí que toda a prova produzida em sede de audiência e julgamento, contrariamente ao entendimento acolhido pelo Tribunal a quo, constata-se que a Autora não logrou demonstrar a verificação dos três requisitos cumulativos em que assentam a premissa essencial para a procedência do direito por ela invocado, designadamente que tivesse sofrido algum acidente no dia 7 de Dezembro de 2018, quando se encontrava ao serviço da sua Entidade Empregadora.

- Também não está demonstrado qualquer nexo de causalidade entre tal acidente e as lesões sofridas no mesmo.

- Competia ao Tribunal a quo absolver a Ré, nos termos dos artigos 2.º e 8.º da LAT e n.º 1 do artigo 342.º do CC.”

Vejamos:

Esta questão prende-se necessariamente com a anterior, sendo que, a pretendida alteração à matéria de facto constante dos pontos 6, 7, 9 e 10 não procedeu e, assim, resulta da matéria de facto provada que:

6. No dia 7 de dezembro de 2018, pelas 11h20m, a A. encontrava-se a trabalhar, no seu horário e local de trabalho, sob as ordens, direção e instruções da sua entidade empregadora, aqui segunda Ré, no desempenho das funções correspondentes à sua categoria profissional de empregada de limpeza,

7. Quando na oficina da ..., no ..., ajudava o patrão a descarregar uma máquina de limpeza de chão, no interior da referida oficina, desequilibrou-se e caiu para dentro de uma fossa de mudança de óleos.

8. A sinistrada, aqui A., foi conduzida à ..., na ..., pelo INEM.

9. Em consequência desse evento e das fortes dores que persistiam, a A. foi assistida nos serviços do ... e posteriormente nos serviços clínicos da seguradora aqui 1ª R.,

10. Em consequência do acidente, a A. sofreu as lesões e/ou sequelas melhores descritas no relatório de perícia médico-legal de fls. 97-99 e 113-116 dos autos, designadamente, um traumatismo do antebraço direito.

Desta forma, face à matéria de facto apurada, acompanhamos a sentença recorrida quando na mesma se refere que:

Ora, no caso "sub - judice" dúvidas não há que, o/a sinistrado/a foi vítima de um acidente, à luz da caracterização acabada de explanar.

Com efeito, tratou-se de um episódio súbito3, que ocorreu no quadro da atividade da entidade empregadora, no âmbito de uma operação que, para a mesma, a autora levava a cabo, durante o tempo de trabalho e nas instalações da entidade empregadora (cfr. pontos 6. e 7. da matéria de facto provada)

Também dúvidas não restam acerca da verificação das lesões, como eloquentemente espelha a factualidade ínsita nos pontos 8. e seguintes da matéria de facto provada, designadamente, traumatismo do antebraço direito, bem como do nexo de causalidade entre as mesmas e a redução na capacidade de trabalho ou de ganho temporária (cfr. pontos 11 e seguintes da matéria de facto provada).

Conclui-se pela existência do nexo de causalidade entre o acidente e a redução da capacidade de ganho do/a autor/a, verificando-se, assim, preenchidos todos os pressupostos que permitirão a atribuição da indemnização ao/à sinistrado/a.”

Assim sendo, improcedem as conclusões da recorrente.

3ª questão

Se a Autora só foi incluída nas folhas de férias após a ocorrência do acidente, devendo a Ré, em consequência, ser absolvida dos pedidos contra si formulados.

Alega a recorrente que:

- A Ré Empregadora incumpria de forma recorrente, conforme era o seu dever, o envio atempado para a Ré Seguradora das folhas de férias, o que o resulta do facto 32. da materialidade dada como provada.

- Contudo tal incumprimento não poderá, como parece pretender a sentença recorrida, ser imputável à Ré Seguradora, uma vez que, na verdade, é uma obrigação da Ré Empregadora.

- O dever de remeter as folhas de férias compete ao Tomador do Seguro, conforme resulta da Apólice Uniforme aplicável ao Contrato de Seguro, na modalidade de Prémio Variável, a que a Entidade Empregadora aderiu.

- A Ré Seguradora não tem qualquer obrigação de alertar para o incumprimento desse dever, sabendo, o Tomador, de antemão, por não o poder ignorar ou invocar o seu desconhecimento, qual a consequência resultante dessa atuação, designadamente, a não cobertura dos trabalhadores não incluídos nas folhas de férias.

- A Ré Empregadora era conhecedora da sua obrigação de remeter as folhas de férias para a Ré Seguradora e não para qualquer outra entidade, nomeadamente a sua contabilidade.

- A Ré Empregadora não pode invocar que remeteu as folhas para a Ré Seguradora, afirmando que as enviou para a sua Contabilidade uma vez que a obrigação da Ré Empregadora é enviar para a Ré Seguradora e não para qualquer outra entidade.

- Resulta demonstrado que o nome da Sinistrada nunca constou nas mesmas, desde o início do contrato de seguro até à última folha remetida antes do acidente, designadamente a relativa ao mês de abril de 2018.

-  Igualmente, o nome da Autora só passou a constar nas folhas de férias enviadas já após a data da ocorrência do acidente, que foram enviadas a 18 de dezembro de 2018.

- Tendo o Tribunal a quo suprido a incongruência verificada entre a matéria de facto provada e não provada, no seguimento do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, que resultou na inclusão dos pontos 38 e 39 nos factos provados, na qual resulta demonstrado a inclusão da trabalhadora nas folhas de férias após a ocorrência do suposto acidente, também por aqui, deverá ser a Recorrente absolvida.

Por outro lado, a este propósito consta da sentença recorrida o seguinte:

“O contrato de seguro pode ser definido como “aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante o pagamento por outra de determinado prémio, a indemnizá-la ou a terceiro pelos prejuízos decorrentes da verificação de certo evento de risco” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.11.2005, relator Salvador da Costa, internet, www.dgsi.pt processo nº 05...).

No contrato de seguro uma das partes (o tomador do seguro) obriga-se a pagar à outra parte (a seguradora) certa prestação (o prémio de seguro); como contrapartida desse pagamento, a seguradora, ocorrendo sinistro que concretize o risco contratado (o risco coberto ou garantido) indemnizará o segurado ou terceiro dos danos causados pelo sinistro ou prestará certa soma de dinheiro ao segurado ou a terceiro. Ocorrendo, então, o facto futuro e incerto - gerador de responsabilidade - a que a seguradora condicionou a sua prestação esta responderá segundo as regras que regem o ramo de seguro contratado, in casu, o ramo dos acidentes de trabalho.

Trata-se de um contrato consensual e formal: consensual porque se realiza por via do simples acordo das partes; formal porque a sua validade depende de redução a escrito consubstanciado na apólice a que se reporta o artigo 426º, do Código Comercial.

É essencialmente regulado pelas disposições particulares e gerais constantes da respetiva apólice, e, nas partes omissas, pelo disposto no Decreto Lei nº 72/2008, de 16.04 (que aprovou o regime jurídico do contrato de seguro, comumente designado por Lei do Contrato de Seguro - diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem).

É ainda um contrato de adesão na medida em que as cláusulas gerais são elaboradas sem prévia negociação individual e que proponentes e destinatários se limitam a subscrever.

Da noção de contrato de seguro de acidente de trabalho resulta que a seguradora assume um risco, no estrito sentido de prejuízo patrimonial, visando, enquanto seguro de responsabilidade civil, garantir o pagamento da prestação do segurado, nos casos em que este seja responsável pelo ressarcimento dos danos causados a um terceiro.

Há um aspeto que individualiza este tipo de contrato - o tomador do seguro é o próprio segurado, constituindo o seu objeto a responsabilidade do mesmo pelos danos emergentes de acidentes de trabalho.

Uma das características essenciais do contrato de seguro é ser um contrato de boa fé. Efetivamente, se, na generalidade dos contratos, a boa fé é um elemento extremamente importante, no contrato de seguro, a boa fé é uma característica basilar ou determinante, uma vez que a empresa de seguros aceita ou rejeita um dado contrato de seguro com um eventual tomador de seguros e determina o valor do prémio de seguro que este deverá pagar com base nas declarações por ele prestadas. Esta característica não visa reforçar a necessidade das partes atuarem, tanto nos preliminares, como na formação do contrato, de boa fé (artigo 227º, n.º 1, 1ª parte Código Civil) mas sim realçar a necessidade de o tomador de seguro (e o segurado) atuar com absoluta lealdade, uma vez que a empresa de seguros não controla a veracidade destas no momento da subscrição”.

Segundo da clausula 5ª da Portaria n.º 256/2011 de 5 de Julho, que aprovou a parte uniforme das condições gerais da apólice de seguro obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem, bem como as respetivas condições especiais uniformes, preceito que rege sobre as modalidades de cobertura, “O seguro pode ser celebrado nas seguintes modalidades:

a) Seguro a prémio fixo, quando o contrato cobre um número previamente determinado de pessoas seguras, com um montante de retribuições antecipadamente conhecido;

b) Seguro a prémio variável, quando a apólice cobre um número variável de pessoas seguras, com retribuições seguras também variáveis, sendo consideradas pelo segurador as pessoas e as retribuições identificadas nas folhas de vencimento que lhe são enviadas periodicamente pelo tomador do seguro.”

No caso dos autos entre as rés entidade empregadora e companhia de seguros foi efetuado um contrato de seguros do ramo “acidentes de trabalho” titulado pela apólice n.º ...01, com inicio em 10 de Abril de 2012, na modalidade de prémio variável (seguro por folha de férias ou de recibos de vencimento) – cfr. ponto 2 da matéria de facto provada.

Esta modalidade de contrato de seguro de acidentes de trabalho apenas abrange as pessoas e retribuições constantes das folhas de férias enviadas periodicamente pelo tomador do seguro à seguradora.

A variabilidade das pessoas cobertas pelo seguro a prémio variável, implica a variação da massa salarial, que se repercute no montante dos prémios a cobrar. Por isso, o objeto do seguro de prémio variável depende da declaração periódica do tomador de seguro que, para não celebrar diversos contratos consoante as flutuações do pessoal que emprega, firma um único contrato com conteúdo variável, sendo consequentemente variável a respetiva obrigação de seguro4.

Assim, no elenco das obrigações do tomador do seguro encontra-se a de enviar mensalmente à seguradora e até ao dia 15 de cada mês, as folhas de retribuição pagas no mês anterior a todo o seu pessoal e que devem ser duplicados ou fotocópias dos remetidos à Segurança Social, estabelecendo o a Clausula 24ª n.º 1 a) da referida portaria 256/2011 “Cláusula 24.ª:

Obrigações do tomador do seguro quanto a informação relativa ao risco

1 - Para além do previsto no capítulo ii, o tomador do seguro obriga-se:

a) A enviar ao segurador, até ao dia 15 de cada mês, cópia das declarações de remunerações do seu pessoal remetidas à segurança social, relativas às retribuições pagas no mês anterior, devendo no envio mencionar a totalidade das remunerações previstas na lei como integrando a retribuição para efeito de cálculo da reparação por acidente de trabalho, e indicar ainda os praticantes, os aprendizes e os estagiários;”.

Por fim, estabelece a condição especial 01 da Parte Uniforme do Seguro de Acidentes de Trabalho para Trabalhadores por Conta de Outrem, com a epígrafe “seguros de prémio variável”, que ”1. 1 - Nos termos desta condição especial, e de acordo com o disposto na alínea b) da cláusula 5.ª das condições gerais, estão cobertos pelo contrato os trabalhadores ao serviço do tomador do seguro na unidade produtiva identificada nas condições particulares, de acordo com as folhas de retribuições periodicamente enviadas ao segurador nos termos da alínea a) do n.º 1 da cláusula 24.ª das condições gerais.”

Deste modo, o objeto do seguro de prémio variável depende da declaração periódica do tomador de seguro.

O não cumprimento de tal obrigação – que condiciona, em relação à seguradora, a atualização do contrato, incluindo o prémio que é devido pelo tomador apenas legitima a resolução do contrato, bem como o exercício de ação de regresso, nos termos e situações previstos na alínea b) do n.º 2 da clausula 10ª da Parte Uniforme.

In casu constatamos que tendo o contrato de trabalho estabelecido entre a autora e a Ré empregadora tido o seu início maio de 2018, quando o acidente ocorreu em 7 de dezembro de 2018, ainda a Ré empregadora não tinha procedido ao envio das folhas de retribuições respeitantes àquele mês, pois, de acordo com a matéria de facto provada, a primeira folha de férias em que consta o nome da Sinistrada, referente ao mês de Maio de 2018, foi enviada para a Ré Companhia de Seguros, apenas em 18 de Dezembro de 2018.

Decorre, também, da matéria de facto provada, que:

« O envio das folhas de remunerações para a Ré L..., SA era feito pelo gabinete de contabilidade que presta serviços para a Ré, que, também envia as folhas para a Segurança Social.

« À data do acidente a Ré desconhecia que as folhas de remunerações não eram enviadas regularmente.

« Esta prática já vinha de anos anteriores, sem que a Ré L..., SA alguma vez tivesse alertado a Ré S..., Ldª para o facto de que tal prática punha em causa o contrato de seguro ou a aceitação da responsabilidade em eventuais acidentes que pudessem vir a ocorrer.

« A Ré S..., Ldª ao longo dos anos pagou trimestralmente os prémios que lhe foram indicados pela Ré L..., SA, calculado com base numa previsão feita por esta para cada ano.

Ora, em face desta materialidade, vemos que a presente situação traduz um atraso no envio das folhas de vencimento.

Como acima se referiu, o contrato de seguro de prémio variável, na modalidade de folha de férias, a entidade empregadora transfere para a seguradora a sua responsabilidade pelos danos emergentes de acidentes de trabalho em relação a um número variável de pessoas, o que se traduz numa variação de massa salarial que, necessariamente, se repercute no montante dos prémios devidos e a cobrar.

O objeto do seguro, é, assim, definido, mensalmente, através da remessa da folha de férias na qual se identificam os trabalhadores a que corresponde a massa salarial aí calculada, esta folha de férias a enviar à seguradora até ao dia 15 de cada mês, contém as variáveis que delimitam o objeto do seguro, em cada um dos meses.

Depende, assim, o objeto do seguro de prémio variável, da declaração periódica do empregador/segurado.
Justifica-se, assim, a referida obrigação do empregador remeter à seguradora as folhas de férias até ao dia 15 de cada mês, uma vez que é através dessas folhas de salários que se identificam os trabalhadores abrangidos pelo seguro e que se efetua a atualização do contrato, a que corresponde a atualização do prémio, por parte da seguradora.
O contrato de seguro de prémio variável exige, assim, o cumprimento de várias obrigações de seguro que, apesar de independentes entre si, são unidas por um único contrato cujo objeto vai sendo determinado caso a caso.
Donde, se um trabalhador que esteve ao serviço da empresa/segurada num determinado período não fez parte das folhas de férias que a mesma remeteu mensalmente à seguradora, nesse período, ou se a empresa não remeteu à seguradora, a folha de férias relativa a esse período, esta omissão configura uma situação de não cobertura do seguro, daí resultando que o contrato de seguro de acidentes de trabalho, na modalidade de prémio variável, é ineficaz em relação aos trabalhadores não incluídos nas folhas de retribuições, sem que isso afete a validade do próprio contrato de seguro ou determine a sua nulidade5.
Mas não é esta a situação dos autos, in casu o tomador do seguro, ré entidade empregadora, incluiu o nome da sinistrada nas “folhas de férias” dos meses imediatos ao da contratação, sucede, que os serviços incumbidos do envio de tais documentos para a Companhia de Seguros, não o fizeram atempadamente:
Assim, resulta da matéria de facto provada, que:
« Em 2017, a folha de remunerações de Fevereiro foi enviada em Abril de 2017, a de Março em 29 de Maio, a de Abril em 9 de Maio, a de Junho em 23 de Agosto, a de Julho em 22 de Agosto, a de Agosto e Setembro em 3 de Outubro e as de Outubro, Novembro e Dezembro em 16 de Janeiro de 2018.
« As folhas de 2018 dos meses de Janeiro a Março foram enviadas à ré Companhia de Seguros, em 4 de Abril, a folha de Abril foi enviada em 3 de Maio, e as folhas de Maio a Novembro foram enviadas no dia 18 de Dezembro de 2018 e a de Dezembro foi enviada a 23 de Janeiro.
É sabido que, o envio tardio das denominadas “folhas de férias” apenas confere o direito da seguradora resolver o contrato ou agravar o prémio de seguro, assim, o facto da co-ré/empregadora se ter atrasado no envio da folha de remunerações não significa, nem pode significar falta de cobertura do contrato de seguro relativamente ao trabalhador admitido, no mês anterior ao do atraso, desde que o empregador ainda que tardiamente tenha comunicado a primeira declaração de remuneração de tal trabalhador à seguradora.
Assim, uma vez que o envio tardio da folha de férias não determina a invalidade do contrato nem a não cobertura do sinistrado mas, antes e apenas, a possibilidade de a seguradora resolver o contrato e de agravar o prémio, não tendo a Companhia de Seguros, em consequência, do envio tardio das folhas de férias exercitado o seu direito de resolver o contrato de seguro celebrado com a empregadora, o mesmo mantém-se em vigor e, estando o salário auferido pela sinistrada, totalmente, transferido para si, através da folha de férias que lhe foi enviada, a responsabilidade pelos danos emergentes do acidente de trabalho sofrido, recai, exclusivamente, sobre si6.
Em conclusão, na nossa situação, deverá a ré Companhia de Seguros, responder pelo pagamento da pensão e indemnizações decorrentes do acidente de trabalho para a autora.” – fim de citação.
Como já referimos, a recorrente não se conforma com esta decisão, no entanto, desde já avançamos que não lhe assiste qualquer razão.
Na verdade, resulta da matéria de facto provada que a Autora foi admitida ao serviço da Ré empregadora em 02/05/2018, sendo que, a primeira folha de férias em que consta o nome da mesma é a do mês de maio de 2018 que foi enviada à Ré seguradora em 18/12/2018.
As folhas de 2018 dos meses de janeiro a março foram enviadas à Ré seguradora, em 04 de abril, a folha de abril foi enviada em 03 de maio, as folhas de maio a novembro foram enviadas no dia 18 de dezembro de 2018 e a de dezembro foi enviada a 23 de janeiro.
O nome da A. só passou a constar de folhas de férias enviadas após a data do acidente que ocorreu em 07/12/2018, no entanto, ao contrário do alegado pela recorrente, tal não significa que aquela só foi incluída nessas folhas após a data do acidente, posto que, como já ficou dito, a Autora passou a constar das folhas de férias desde maio de 2018.

Mais se apurou que a Ré empregadora celebrou com a Ré seguradora um contrato de seguro a prémio variável, por folha de férias, sendo que, neste caso, são consideradas pela seguradora as pessoas e as retribuições identificadas nas folhas de vencimento que lhe são enviadas periodicamente pelo tomador do seguro (alínea b) da cláusula 5ª da apólice uniforme de seguros de acidentes de trabalho).

Na verdade, é obrigação do tomador de seguro enviar mensalmente à seguradora até ao dia 15 de cada mês, as folhas de retribuições pagas no mês anterior a todo o seu pessoal, devendo ser mencionada a totalidade das remunerações previstas na lei, como parte integrante da retribuição para efeito de cálculo, na reparação por acidente de trabalho (cláusula 24.ª, n.º 1, a), da citada apólice).

Acresce que, nos termos previstos no n.º 1, da condição especial 01 da mesma apólice, <<estão cobertos pelo contrato os trabalhadores ao serviço do tomador de Seguro na unidade produtiva identificada nas condições particulares, de acordo com as folhas de retribuições periodicamente enviadas ao segurador nos termos da alínea a) do nº 1 da cláusula 24.ª das condições gerais>>.

No acórdão do STJ de 21/11/2001, publicado no DR , I série-A, de 27/12 de 2001, uniformizou-se a jurisprudência nos seguintes termos:

<<No contrato de seguro de acidentes de trabalho, na modalidade de prémio variável, a omissão do trabalhador sinistrado nas folhas de férias remetidas mensalmente pela entidade patronal à seguradora não gera a nulidade do contrato nos termos do artº 429º do Código Comercial, antes determina a não cobertura do trabalhador sinistrado pelo contrato de seguro>>.

E, como se escreve no acórdão do STJ de 20/09/2006, disponível em www.dgsi.pt:

<<A doutrina deste acórdão, conforme entendimento deste Supremo, expresso em vários arestos, é extensível aos casos em que o trabalhador só foi incluído nas folhas de férias referentes ao mês do acidente, quando já anteriormente prestava serviço ao tomador de serviço (entre outros, os acs. de 5.12.2001, 25,01.2001 e 12.12.2001 (…)). Ou seja, não se considera coberto pelo seguro o trabalhador que, antes, já trabalhava para o tomador de seguro, mas que só foi incluído nas folhas de férias referente ao mês do acidente. (…)>>

Ora, não é esta a situação dos autos, posto que, como já referimos, a A. iniciou o seu trabalho ao serviço da Ré em maio de 2018, passou logo a constar da folha de férias do mês de maio, no entanto, a empregadora não procedeu ao envio atempado da mesma, o que só fez em 18/12/2018 relativamente às folhas de maio a novembro do mesmo ano.

O que ocorreu foi um atraso no envio das folhas de férias e não uma inclusão do trabalhador apenas na folha de férias respeitante ao mês em que ocorreu o acidente, quando já antes trabalhara para a entidade patronal e foi omitido nas respetivas folhas.

Acresce que, este envio tardio, ou seja, o não cumprimento do disposto na alínea a) do n.º 1 da cláusula 24.ª das condições gerais da apólice de seguro obrigatório de acidentes de trabalho (Portaria n.º 256/2001 de 05/07), apenas confere à entidade seguradora o direito de resolver o contrato e o direito de regresso (alínea b) do n.º 2 da cláusula 10ª, cláusula 20.ª e alínea b) do n.º 1 da cláusula 28.ª, todas das condições gerais da apólice de seguro) e, ainda, de cobrar um prémio nos termos previstos no n.º 4 da condição especial 01 da mesma Portaria, pelo que, na ausência de exercício daqueles direitos, não se verifica qualquer falta de cobertura do contrato de seguro (que se mantém em vigor) relativamente ao trabalhador sinistrado.

Como se decidiu no acórdão da Relação do Porto de 30/05/2018, disponível em www.dgs.pt, que acompanhamos:

<<I - No contrato de seguro de prémio variável o objecto seguro é definido, mensalmente, pela remessa da folha de férias a enviar à seguradora, até ao dia 15 de cada mês, na qual se identificam os trabalhadores a que corresponde a massa salarial calculada.

II - O envio tardio da folha de férias não determina a invalidade do contrato nem a não cobertura do sinistrado mas, antes e apenas, a possibilidade de a seguradora resolver o contrato e de agravar o prémio.

III - Não tendo a seguradora, em consequência, do envio tardio das folhas de férias exercitado o seu direito de resolver o contrato de seguro celebrado com a empregadora, o mesmo mantém-se em vigor e, estando o salário auferido pela sinistrada, totalmente, transferido para si, através da folha de férias que lhe foi enviada, a responsabilidade pelos danos emergentes do acidente de trabalho sofrido, recai, exclusivamente, sobre si.”[2]

Face a tudo o que ficou dito, acompanhamos a sentença recorrida e, em suma, como se refere na mesma:
Uma vez que o envio tardio da folha de férias não determina a invalidade do contrato nem a não cobertura do sinistrado mas, antes e apenas, a possibilidade de a seguradora resolver o contrato e de agravar o prémio, não tendo a Companhia de Seguros, em consequência, do envio tardio das folhas de férias exercitado o seu direito de resolver o contrato de seguro celebrado com a empregadora, o mesmo mantém-se em vigor e, estando o salário auferido pela sinistrada, totalmente, transferido para si, através da folha de férias que lhe foi enviada, a responsabilidade pelos danos emergentes do acidente de trabalho sofrido, recai, exclusivamente, sobre si.

Em conclusão, na nossa situação, deverá a ré Companhia de Seguros, responder pelo pagamento da pensão e indemnizações decorrentes do acidente de trabalho para a autora.”

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Na improcedência das conclusões do recurso impõe-se a manutenção da sentença recorrida em conformidade.

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IV – Sumário[3]

(…)

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V - DECISÃO

Nestes termos, sem outras considerações, na improcedência do recurso, acorda-se em manter a sentença recorrida.

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Custas a cargo da Ré recorrente.

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                                                                                                   Cª, 2022/03/25

                                    ______________________                              (Paula Maria Roberto)

                                                                                         ____________________

                                                                                              (Felizardo Paiva)

                                                                                                        _____________________                                                                                                                                                                                                                                      (Jorge Loureiro)


[1] Relatora – Paula Maria Roberto
  Adjuntos – Ramalho Pinto
                  – Felizardo Paiva

[2] No mesmo sentido, cfr. os acórdãos da RG, de 04/04/2019 e de 18/03/2021, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[3] O sumário é da exclusiva responsabilidade da relatora.