Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1519/09.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: CITAÇÃO QUASE-PESSOAL
ILISÃO
PRESUNÇÃO
ANÚNCIO
VENDA EXECUTIVA
REQUERIMENTO
ADJUDICAÇÃO
Data do Acordão: 12/18/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - 4.º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 195.º/1/E) E 876/1 DO CPC
Sumário: 1 - O conhecimento da falta de citação do art. 195.º/1/e) do CPC – não ter a citação chegado ao conhecimento do citando – não pode, antes do citando comparecer e intervir no processo, ser activado e impulsionado a partir de invocação efectuada pelo co-executado do citando; o qual não tem legitimidade para, com tal fundamento, invocar tal falta de citação.
2 - Tendo a proposta do credor/adjudicante sido apresentada após o anúncio da venda por propostas em carta fechada, não há lugar à publicitação da adjudicação (a que alude o art. 876/1 do CPC).
Decisão Texto Integral: Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

A... , divorciada, com os demais sinais dos autos, veio – nestes autos de execução, em que é exequente o C..., SA. e em que são executados a referida A... e B..., de quem a A... está divorciada desde 17/09/2007 – arguir a falta de citação do executado B..., a falta de notificação dos ulteriores termos do processo ao executado B..., a nulidade da venda e a nulidade de adjudicação; e, consequentemente, requereu a anulação de todo o que no processo foi praticado após o requerimento executivo (dando-se sem efeito a venda efectuada).

Foi ouvido o exequente, que se pronunciou no sentido da regularidade processual (sem “faltas” e “nulidades”) de todo o processado, que deve manter-se, assim como a venda/adjudicação efectuada.

Após o que, conclusos os autos, foi proferida decisão em que se indeferiu “in totum” o requerido.

Inconformada com tal decisão, veio a executada A... interpor o presente recurso, visando a sua revogação e a substituição por decisão que reconheça as “faltas” e “nulidades” invocadas e que, em consequência, anule o processado e dê sem efeito a venda efectuada.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1º -A Sentença recorrida violou a al. b) e c) do art. 909.º e 201.º do CPC., ao não julgar a venda sem efeito pela nulidade de toda a execução por falta de citação do Executado.

2º -A Sentença recorrida violou o n.º 3 do art. 303º e n.º 2 do art. 490º do CPC., ao não aplicar a cominação neles prevista e em consequência, não julgar provada a matéria alegada pela Recorrente de que o Executado nunca foi citado para a Execução.

3º -A Sentença recorrida violou o art. 203º nº 1 do CPC., ao não admitir a legitimidade da Executada para arguir essa nulidade.

4º -A Sentença recorrida violou o art. 194º a) do CPC ao não julgar nulo todo o processado depois da petição inicial, pela falta de citação do Executado.

5º -A Sentença recorrida violou o n.º 2 do art. 889º e n.º 3 do art. 890º do CPC. ao não julgar nula a venda por falta de publicidade.

6º -A Sentença recorrida violou o art. 876º e art. 890º do CPC ao não admitir a nulidade da venda por falta de publicidade do requerimento de adjudicação apresentado pelo Exequente, ao julgar que tal diligência não era obrigatória.

7º -A Sentença recorrida violou o art. 899º do CPC. ao não considerar nula a venda por o auto de abertura e aceitação das propostas lavrada pelo AE. não reflectir o que na realidade aconteceu, nomeadamente, que os bens tivessem sido vendidos na modalidade de adjudicação requerida pelo Exequente e não por proposta em carta fechada apresentada por este, como indica.

O exequente/ C... respondeu, sustentando, em síntese, que a decisão recorrida não violou qualquer norma, designadamente, as referidas pela recorrente, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

A. A douta decisão proferida pelo Tribunal “a que”, julga improcedente o incidente de nulidade da venda que a Executada suscitou com base na alínea b) e c) do art. 909° e 201° do anterior CPC, tendo consequentemente considerado procedente todo o processo executivo onde a venda ocorreu.

B. Não poderia a venda ser considerada nula com base na argumentação da falta de citação do Executado, uma vez que a mesma foi efectuada pelo AE, em pessoa diversa do Executado, pelo facto do mesmo se encontrar ausente na data da referida citação.

C. Pessoa diversa essa, que se obrigou perante entidade do Agente de Execução, a entregar a citação ao Executado, tendo igualmente conhecimento das consequências que adviriam se porventura procedesse à omissão de tal obrigação legal.

D. Tendo sido para mais enviadas cartas registadas ao Citando dando-lhe conta do desenrolar do processo executivo.

E. Não se podendo ignorar o facto do mesmo nunca ter vindo ao processo alegar munido de devidas provas, da falta de citação.

F. Relativamente aos anúncios efectuados, nomeadamente os editais de venda afixados, assume-se a irregularidade na publicitação, omitindo o AE uma formalidade legal, mas que só por si, não desvirtualiza o acto da venda ocorrida.

G. Razão pela qual, vem indeferir o Tribunal “a quo” a pretensão da Executada em considerar nula a venda.

H. Quanto à não publicitação do requerimento com indicação do preço oferecido, esta não era devida, em virtude de já ter sido anunciada a venda por propostas em carta fechada, tendo já sido publicados os anúncios e editais a que se refere o art. 890° para a abertura de propostas.

Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.

*

II – Fundamentação

1. Para se concluir e decidir o que havia sido requerido, expenderam-se, em termos factuais e de direito, os seguintes elementos, raciocínios e argumentos na decisão recorrida:

“ (…)

Com interesse para a decisão do presente incidente, considero provados os seguintes factos:

1) - O SE no dia 12/10/1009, pelas 18h e 20m afixou edital onde consta “ Nota de marcação de citação com dia e hora certa : Faço saber a B... que não tendo encontrado qualquer pessoa presente neste local em condições de poder ser citada/notificada, fica informado que nos termos do art. 240.º do CPC estarei presente neste mesmo local, pelas 18:20 horas do dia 13/10/2009.

Se no dia e hora indicado não se encontrarem no local ou não sendo possível obter a colaboração de terceiros, a citação/notificação será feita mediante afixação, no local mais adequado e na presença de duas testemunhas, da nota de citação, com indicação dos elementos referidos no artigo 235.º do CPC, declarando-se que o duplicado e os documentos anexos ficam à disposição do citando na secretaria judicial.

2) - No dia 13/10/2009, o SE elaborou uma Certidão de Citação pessoal onde consta:

Objecto e fundamento da citação:

Nos termos e para os efeitos do disposto no art. 239.º do CPC, fica V.ª Ex. citado para os termos do processo executivo supra identificado, que lhe foi movido pelo exequente acima referenciado, com o pedido constante do duplicado do requerimento executivo em anexo, pelo que, nos termos do n.º 1 e 2 do artigo 813.º do CPC tem o prazo de 20 dias para pagar ou para se opor à execução e, no mesmo prazo, à penhora.

(...)

Elementos relativos ao cumprimento da diligência

Pelas 18h, 20m do dia 13/10/2009, na Rua x..., Leiria, freguesia de Leiria, comarca de Leiria

Efectuei a citação de: B... (...) na pessoa de A... que declarou estar em condições de receber a citação e que ficou consciente de que, nos termos do n.º 4 do art. 240.º do CPC, constitui crime de desobediência a conduta de quem, tendo recebido a citação, não entregue logo que possível ao citando os elementos deixados pelo funcionário, do que será previamente advertido; tendo a citação sido efectuada em pessoa que não viva em economia comum com o citando, cessa a responsabilidade se entregar tais elementos a pessoa da casa, que deva transmiti-los ao citando.

3) - A certidão referido em 2) encontra-se assinada por A....

4) - Em 15/10/2009 foi enviada ao executado para a morada Rua x..., Dto, Marrazes um carta com o seguinte conteúdo:

Assunto: Advertência em virtude da citação não ter sido feita na própria pessoa.

Nos termos do disposto no art. 241.º e n.º 2 do art. 240.º, ambos do CPC, fica V. Exa. notificado de que se considera citado na pessoa de A..., BI n.º 9868634, que recebeu a citação e duplicados legais.

A citação considera-se feita em 13/10/2009, sendo de 20 dias o prazo para pagar ao exequente ou deduzir, querendo, oposição à execução, sob pena de prosseguimento da mesma. (...).

5) - Em 24/11/20092 executado foi notificado por carta registada para a Rua de x..., , 1 Dto, Marrazes com o seguinte conteúdo: Fica v. Ex. notificado da penhora constante do auto em anexo, pelo que, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 863- B do Código Processo Civil tem o prazo de dez dias para deduzir oposição.

6) - Em 30/01/2010 o executado foi notificado por carta registada para a Rua de x..., Dto, Marrazes com o seguinte conteúdo: Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do art. 886-A do CPC, fica V. Exa. notificado na qualidade de executado para, no prazo de dez dias, se pronunciar quanto à venda dos bens imóveis penhorados em 24/11/2009.

7) - Em 22/01/2010 ao executado foi enviada carta registada para a Rua de x..., , 19 Dto, Marrazes com o seguinte conteúdo: nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 886.º-A do CPC, fica V. Exa. notificado na qualidade de executado da decisão sobre a modalidade da venda dos bens penhorados, nos termos constantes do documento anexo. Nos termos do n.º 5 do citado artigo 886-A, se o executado, o exequente ou um credor reclamante discordar da decisão, cabe ao juiz decidir; da decisão não cabe recurso. A discordância da decisão deve ser suscitada perante o juiz, no prazo de dez dias.

8) - Em 20/07/11 ao executado foi enviada carta registada para a morada Rua x..., , Marrazes, Leiria notificando-o o relatório pericial e para, em dez dias, se pronunciar.

9) - Em 2/12/11 ao executado foi enviada uma carta registada para a Rua x..., , Marrazes, Leiria notificando-o o do despacho que fixou o valor base dos bens a vender e da data designada para a abertura de propostas em carta fechada.

10) - Em 29/01/10 nos autos de reclamação de créditos apenso foi enviada carta registada ao executado para a morada Rua x..., Dt9, Marrazes, Leiria notificando para impugnar a reclamação de créditos.

11) A carta referida em 10) veio devolvida com a informação não atendeu.

Decidindo:

(…)

Decorre do art. 228°, n.º 1, do CPC que a citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu/executado de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender.

Emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa.

A citação é, pois, um acto processual essencial que visa assegurar o direito de qualquer pessoa se defender ou deduzir oposição, de molde a evitar que se seja surpreendido por uma decisão judicial não esperada, tudo como corolário lógico do princípio do contraditório (art. 3°, n.º 1, do CPC).

Pautado pelas cautelas necessárias e com vista a salvaguardar o referido direito, o legislador preveniu no sistema processual diversas modalidades de citação, entre as quais, se destacam, para além da citação por mandatário judicial, a citação pessoal, a quase pessoal e a edital (art. 233° do CPC).

A regra ou regime regra da citação é, pode dizer-se, a citação pessoal, agora feita por via postal, através da entrega de carta com aviso de recepção ao citando ou seu representante legal, judicial ou voluntário (José Lebre de Freitas, CPC Anotado, Volume 1.º, pág. 389).

Sucede que o acto de citação pode ficar inquinado por duas espécies de vícios distintos e de consequências bem diversas: falta de citação e nulidade da citação. Dá-se a falta de citação quando o acto se omitiu - inexistência pura - ou, ainda que efectuado, ter sido feito, com atropelo à lei tão grave e erro tão grosseiro, que lhe deva ser equiparado. Aqui se abrangem os casos em que, apesar de formal e processualmente existir citação, se há-de entender que esta não se mostra efectuada; dá-se a nulidade da citação quando o acto se praticou, mas não se observaram, na sua realização, as formalidades prescritas na lei (Alberto dos Reis, CPC anotado, Volume 1, pág. 312).

A primeira - a falta de citação - constitui uma nulidade absoluta, também dita principal ou de primeiro grau, determinante da anulação de todo o processado, após a petição inicial (art. 194.º do CPC) e dela cuida o art. 195.º do CPC. Por seu turno, a segunda (a nulidade da citação) é considerada uma nulidade secundária ou de segundo grau (Antunes Varela, obra citada, pág. 338, José Lebre de Freitas, obra citada, pág. 331, Alberto dos Reis, Comentário ao CPC, Volume II, pág. 357, Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Volume III, págs. 115 e 129) e dela trata o art. 198 do CPC)

Vejamos então.

No caso em apreço não foi possível a citação postal do executado.

Como resulta da conjugação dos art. 239.º, n. 1 e 240.º, n.º 1, frustrada a via postal da citação, esta deve ser efectuada mediante contacto pessoal do solicitador da execução com o citando; mas se o solicitador apurar que ele reside ou trabalha efectivamente no local indicado, não podendo, todavia, proceder à citação por não o encontrar, deixará nota com indicação de hora certa para a diligência na pessoa encontrada que estiver em melhores condições de a transmitir ao citando ou, quando tal for impossível, afixará o respectivo aviso no local mais indicado.

Não sendo possível obter a colaboração de terceiros, a citação é feita mediante afixação, no local mais adequado e na presença de duas testemunhas, da nota de citação, com indicação dos elementos referidos no artigo 235.°, declarando-se que o duplicado e os documentos anexos ficam à disposição do citando na secretaria judicial (n. 4 do referido art. 240.º).

Assim efectuada, denominada como citação quase-pessoal, a citação tem valor de citação pessoal (art. 240.º, n.º 6, do CPC).

No caso em apreço, pela análise dos factos provados, constata-se que o SE tentou contactar pessoalmente o executado. Porém, sem êxito. Não tendo procedido à citação pessoal por não ter encontrado o executado, no dia 12/10/09 deixou nota com indicação de que no dia 13/10/09, pelas 18h e 20m, estaria no local para proceder à citação do executado.

No dia 13/10/09 na medida em que se encontrava no local a executada A... o SE procedeu à citação do executado na pessoa de A... que declarou estar em condições de receber a citação e que tinha de a entregar logo que possível ao citando os elementos deixados.

Cumpridos estes requisitos, como aconteceu no caso em apreço, a citação deve ter-se como efectuada.

Porém, determina o art. 241.º com a epígrafe de “Advertência ao citando quando a citação não haja sido na própria pessoa deste”, determina além do mais, que, quando a citação haja sido efectuada em pessoa diferente do citando ou consistido na afixação da nota de citação nos termos do artigo 240°, n.º 4, será ainda enviada, pela secretaria, no prazo de dois dias úteis, carta registada ao citando, comunicando-lhe a data e o modo por que o acto se considera realizado, o prazo para o oferecimento da defesa e as cominações aplicáveis à falta desta, o destino dado ao duplicado e a identidade da pessoa em quem a citação foi realizada.

No caso que nos ocupa, essa formalidade foi igualmente cumprida no prazo previsto para o efeito (cfr. facto referido em 4)

Ora, efectuada a citação em pessoa diversa do citando, presume-se salvo prova em contrário, que o citando/executado dela teve oportuno conhecimento (art. 233.º, n.º 4 do CPC). Ou seja, a lei faz, assim, presumir que o terceiro que está encarregue de transmitir o conteúdo do acto ao citando lhe deu oportuno conhecimento, considerando-se este citado se não ilidir aquela presunção.

Face à presunção referida e aos elementos fácticos apurados, forçoso é concluir que a citação se concretizou.

Só não seria assim se o executado (e não a executada na medida em que apenas aquele tem legitimidade para invocar a falta ou nulidade de citação — art. 203.º do CPC com excepção dos casos em que é de conhecimento oficioso) tivesse alegado e provado que algo aconteceu a impedir o seu conhecimento da citação.

A ele competia a alegação e subsequente prova de que a sua ex-mulher, receptora da citação, não cumpriu com as obrigações que lhe foram assinaladas pelo solicitador de execução, nada lhe tendo comunicado e, portanto, que nada soube a respeito da acção executiva intentada contra si.

Refira-se que não é pelo facto de a executada à data da citação estar divorciada que é permitido concluir que a mesma não entregou a citação ao executado e que este não teve conhecimento da citação.

Os demais elementos alegados pela executada soçobram na medida em que não foi arrolada qualquer prova que permita concluir nesse sentido. Porém, ainda que assim não fosse, dir-se-á que o vicio apenas podia ser suscitado pelo próprio executado (uma coisa é a legitimidade para arguir o vicio outra manifestamente diferente é o interesse na arguição do vicio — o interesse que a executada possa ter na arguição do vicio não lhe confere no entanto legitimidade para o invocar).

O certo é que a executada recebeu a nota de citação do executado e ao tê-la aceite passou a ter a obrigação legal de a entregar ao executado, como foi advertida pelo solicitador de execução. A lei presume, por força da referida advertência, que a carta foi entregue.

Ao citando/executado competia, portanto, a prova do não cumprimento por parte do terceiro receptor da carta, neste caso a executada, do não cumprimento das aludidas obrigações. Só assim a presunção poderia e deveria ser ilidida. Não tendo sido feito, a conclusão é a que a citação foi feita.

Deste modo, julga-se improcedente a falta de citação suscitada pela executada.

E não enfermando a citação de qualquer vicio é manifesto que todas as notificações efectuadas ao executado posteriormente para a morada onde ele foi citado encontram-se regulares de harmonia com o disposto no art. 254, n.º 3, 4 e 6 e art. 255.º, n.º 1 do CPC nomeadamente a notificação para o executado impugnar os créditos reclamados), sendo certo que o executado foi notificado de todos os actos e diligências efectuadas nestes autos, conforme consta dos factos supra referidos.

Importa ainda referir que a invocação do artigo 237.º- A do CPC é manifestamente despropositada na medida em que para além de não ser aplicável ao caso em apreço não houve notificação em domicilio convencionado.

*

Alega ainda a executada que “conforme consta dos anúncios efectuados, nomeadamente dos editais de venda afixados, ficou indicado que relativamente a verba número um que serão aceites propostas superiores a € 70.000,00, correspondente a 70% do valor base e relativamente à verba n.º 2 que serão aceites propostas superiores a 65.100,00, correspondente a 70% do valor base. Ora, os editais da venda deveriam anunciar que seriam aceites propostas de valor igual ou superior a € 70.000,00, correspondente 70% do valor base, no primeiro caso e de valor igual ou superior a € 65.100,00 euros, correspondente a 70% do valor base, no segundo.

Vejamos então.

Nos termos do art. 201.º n.º1 do CPC, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.

Como refere Alberto dos Reis, a nulidade só aparece quando se verifica um destes casos: a) quando a lei expressamente a decreta; b) quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.

No segundo caso, é ao tribunal que compete, no seu prudente arbítrio decretar ou não a nulidade, conforme entende que a irregularidade cometida pode ou não exercer influência no exame ou decisão da causa” (Comentário ao Código do Processo Civil Anotado, v. 29, pág. 484).

Dispõe o art. 889.º, n.º 2 do CPC que o valor a anunciar para a venda é igual a 70% do valor base dos bens.

E, é um facto que nos anúncios e editais ficou a constar que seriam aceites propostas para a verba n.º 1 por valor superior a € 70.000,00 corresponde a 70% do valor base e para a verba n.º 2 por valor superior a € 65.100,00 correspondente a 70% do valor base (cfr. fls. 191 e 197).

Porém, este facto não corresponde, como pretende a executada, a qualquer omissão. O valor não foi omitido. Ele consta efectivamente dos anúncios e editais. O que há é um lapso ou irregularidade nos anúncios e editais.

Porem, será que esse lapso ou irregularidade pode ter a virtualidade de invalidar o acto ou venda como pretende a executada?

E, a nosso ver, é manifesto que não.

Na verdade, de acordo com os anúncios seriam aceites propostas de valor superior a € 70.000,00 (verba n.º 1) ou € 65.100,00 (verba n.º 22) o que significa que seriam aceites propostas no valor de € 70.000,01 ou € 65.100,01 ou seja, bastaria que as propostas apresentadas fossem de mais 0,01 para poderem ser aceites.

Ora, diz-nos a experiencia comum, que um verdadeiro interessado na aquisição da verba n.º 1 tanto a adquire por € 70.000,00 como € 70.000,01 e a verba n.º 2 tanto a adquire por € 65.100,00 como a adquire por € 65.100,01. Não é o facto de serem admitidas propostas de valor igual ao valor base ou superior que vai impedir eventuais interessados de apresentarem uma proposta. A diferença é apenas de 0,01. E por isso o verdadeiro interessado na aquisição das verbas tanto apresenta uma proposta de € 65.100,00 como de € 65.100,01 e de € 70.000,00 como de € 70.000,01.

A executada refere a fls. 159 que “ mas uma coisa temos a certeza: se tivesse havido uma proposta de valor igual a 70% do valor base, ou seja, de € 65.000,00, como deveria ter sido anunciado, certamente que o proponente que viu a proposta ser aceite pela AE seria obrigado a propor valor superior se tivesse intenção de adquiri-lo”.

Antes de mais, impõe-se referir que 70% do valor de € 93.000,00 são € 65.100,00 e não € 65.000,00, como refere a executada. Por outro lado, nada permite concluir que se constasse dos anúncios que seriam admitidas propostas de valor igual a 70% seriam apresentadas propostas por esse valor.

Ademais, se fosse apresentada uma proposta por valor igual a 70% do bem ou seja, € 63.100,00 o credor reclamante se pretendesse efectivamente cobrir esse valor tinha que ter comparecido na diligência uma vez que só nessa altura são abertas as propostas e por isso só aquando da diligência podia saber se tinha sido ou não apresentada alguma proposta por valor superior à sua, o que manifestamente não aconteceu. Como o credor não compareceu na diligência significa que ainda que tivesse sido apresentada proposta por valor superior ele não a pretendia cobrir.

Se tivesse sido apresentada uma proposta de valor igual havia apenas lugar a sorteio, como resulta do disposto no art. 893, n.º 3 última parte.

Só há licitações se ambos os proponentes estiverem presentes na diligência. Porém, no caso em apreço, o proponente não esteve presente na diligência e por isso essa possibilidade nunca se colocaria.

Em face do que vai dito e na medida em que a irregularidade cometida não tem a virtualidade de influir na decisão da causa, ou seja, na venda ocorrida, vai indeferida a arguida nulidade da venda.

*

Refere ainda a executada que o pedido de adjudicação dos bens penhorados apresentado pelo credor reclamante devia ter sido publicitado nos termos do art. 876.º do CPC, o que não aconteceu.

E é um facto que essa publicidade não ocorreu. Porém, não ocorreu porque não tinha que ocorrer.

Nos termos do art. 875, n.º 1 e 2, o credor reclamante, em relação aos bens sobre os quais tenha invocado garantia pode requerer que os bens penhorados lhe sejam adjudicados para pagamento, total ou parcial, do crédito.

E refere o n.º 3 que o requerente deve indicar o preço que oferece, não podendo a oferta ser inferior ao valor a que alude o n.º 2 do art. 889.º.

Cabe ao agente de execução fazer a adjudicação; mas se à data do requerimento já estiver anunciada a venda por propostas em carta fechada, esta não se sustará e a pretensão só será considerada se não houver pretendentes que ofereçam preço superior.

Estabelece ainda o art. 876.º, n.º 1 que requerida a adjudicação, é esta publicitada nos termos do art. 890.º, com a menção do preço oferecido.

Assim, da análise das normas citadas temos que a adjudicação pode ser requerida até serem vendidos os bens a que respeita, mas se for requerida depois de anunciada a venda por propostas em carta fechada, esta não se sustará e só se atenderá a pretensão se não houver pretendentes que ofereçam preço superior (art. 875.º, n.º 4).

Assim, há que distinguir:

a) Se à data do requerimento ainda não estiver anunciada a venda por propostas em carta fechada, proceder-se-á à publicidade do requerimento, destinado a permitir que surjam outras propostas de aquisição do bem penhorado, nos termos do art. 890.º, com a menção do preço oferecido (art. 876.º, n.º 1).

b) Se à data do requerimento já estiver anunciada a venda por propostas em carta fechada, ou seja, depois de publicados os anúncios e editais a que se refere o art. 890.º para a abertura de propostas, a venda não será sustada e a pretensão de adjudicação só será tomada em consideração quando não haja pretendente que ofereça preço superior (art. 875.º, n.º 4, 2 parte). Neste caso, logo se adjudicarão.

Deste modo, tendo a proposta do credor sido apresentada apenas em 20 de Janeiro de 2012 (cfr. fls. 206 e ss), ou seja, já após ter sido anunciada a venda que ocorreu a 3/01/12 e 4/01/12 (cfr. fls. 197), é manifesto que, de acordo com o supra expendido, não havia lugar ao cumprimento do disposto no art. 876, n.º 1 do CPC, como a executada erradamente refere.

Não existe assim a omissão de qualquer formalidade.

A executada refere ainda que apesar do pedido de adjudicação apresentado pelo credor reclamante, o auto de abertura de propostas em carta fechada informa os interessados que “Foi apresentada e junta aos autos uma única proposta em carta fechada, para aquisição das duas verbas, cuja abertura se procedeu no acto e se passa a descriminar”.

Refere ainda que “o regime de adjudicação de bens é muito distinto daquele que encontra previsto para as vendas em proposta por carta fechada. A forma de reagir contra um e outro bem diferente, pelo que será de todo conveniente que a notificação aos interessados se encontre correcta e verdadeira. Não foi o que aconteceu.

Ao receber a notificação do auto de abertura de propostas em carta fechada, os notificados ficaram, tal como a executada, sem saber se os bens haviam sido vendidos ao autor da melhor proposta apresentada, ou adjudicados ao credor reclamante que tal requereu”.

Para concluir que também o referido auto se encontra ferido de nulidade, vicio que à semelhança do anterior, consubstancia uma omissão de formalidade legal que influi no normal desenrolar dos autos e no exame e na decisão da causa, produzindo tal omissão nulidade que se invoca para todos os efeitos legais, nos termos do n.º 1 do art. 201.º do CPC.

É um facto que o auto de abertura de propostas enferma de um lapso. Na verdade, o pedido de adjudicação dos bens penhorados apresentado pelo credor reclamante foi junto aos autos a 20 de Janeiro de 2012 e não foi apresentada qualquer proposta em carta fechada, muito menos a do credor reclamante.

Porém, o lapso constante do auto não induziu a executada em qualquer lapso ou erro. Na verdade, analisando o seu requerimento verifica-se que ela percebeu perfeitamente que apenas foi apresentado nos autos um pedido de adjudicação dos bens penhorados pelo credor reclamante e que não houve qualquer outra proposta qualquer outra proposta que tivesse sido apresentada tinha que constar do auto.

Por outro lado, não se percebe a que é que a executada se refere quando diz que a forma de reagir é diferente. A adjudicação de bens configura um caso de venda executiva e só se distingue desta pela qualidade do adquirente dos bens.

No entanto, este lapso não provoca nem a nulidade do auto nem a omissão de qualquer formalidade, sendo certo que a executada não refere qual, que tenha como consequência a nulidade da venda. A única consequência era a correcção do auto de abertura.

Importa ainda referir que o pedido de adjudicação apresentado pelo credor reclamante foi aceite de harmonia com o disposto no art. 894, n.º 1 e 3 do CPC que refere que apenas não podem ser aceites propostas de valor inferior a 70% do valor dos bens, não existindo por isso qualquer irregularidade.

Porém, ainda que existisse alguma irregularidade a mesma há muito que se encontrava sanada. Na verdade, de acordo com o artigo 895.º, n.º 1 do CPC as irregularidades relativas à abertura, licitação, sorteio, apreciação e aceitação das propostas só podem ser arguidas no próprio acto.

Por tudo o exposto, indefere-se o requerido pela executada, não se declarando nula/anulada a venda efectuada.

(…) “

2. Visa a apelante com o presente recurso – em linha com o que havia requerido e que suscitou a decisão de que ora recorre – a anulação de todo o processado, maxime a anulação da venda, para o que invoca, como fundamentos para tal objectivo, a falta de citação do seu co-executado ( B...) e nulidades (por preterição de formalidades) na venda e na adjudicação.

Não tem razão.

O essencial do que foi expendido na decisão recorrida merece a nossa completa concordância, motivo porque, tendo-se procedido à sua transcrição (que aqui damos como adquirida), nos vamos limitar a sintetizar as razões principais da falta de razão da apelante.

Quanto à falta de citação do co-executado B...:

Não está em causa a falta ou preterição de quaisquer formalidades ou diligências na citação do co-executado B....

Não foi possível, já se sabe, a sua citação pessoal em alguma das 3 modalidades referidas no art. 233.º/1 do CPC; porém, foram cumpridas as formalidades e diligências impostas pelos art. 240.º e 241.º do CPC, tendo-se concluído a chamada citação “quase-pessoal” a que alude o art. 233.º/4 do CPC, hipótese em que a citação, efectuada em pessoa diversa do citando, faz presumir, salvo prova em contrário, que o citando/executado dela teve oportuno conhecimento.

E é justamente aqui – na ilisão desta presunção – que se situa a posição da apelante.

Importando assim começar por referir que, embora o art. 233.º/4 do CPC o não diga expressamente, esta ilisão da presunção exige a prova do não conhecimento oportuno não ser imputável ao citando, uma vez que não se justifica regime diverso do constante do art. 195.º/1/e) do CPC.

Verdadeiramente, é até nesta alínea – art. 195.º/1/e) – que a situação invocada, embora se trate de uma citação “quase-pessoal”, deve ser integrada, ou seja, a situação invocada até é – pelo menos, em teoria – de conhecimento oficioso (cfr. 202.º do CPC).

Porém, para além de se dizer – como faz Lebre de Freitas, in CPC anotado, Vol. 1.º, pág. 334 – que (diferentemente do que acontece nos outros casos de falta de citação) “só através da arguição do citando é que o desconhecimento do acto se torna patente” (uma vez que “dificilmente o juiz pode, na sua falta, tomar conhecimento da falta de citação”), não se vê como, sem a “comparência” nos autos do citando, a falta de citação (o não conhecimento oportuno) possa ser reconhecida.

Desde logo, como é que alguém/outrem pode vir afirmar que o citando não chegou a ter conhecimento da citação? Se não falou com ele – se não sabe dele[1] – como é que alguém/outrem pode afirmar com certeza que ele não teve conhecimento da citação?

Quando muito, esse alguém/outrem pode dizer que, por ele, o citando não teve conhecimento da citação, porém, só o próprio/citando é que verdadeiramente sabe se teve ou não conhecimento da citação e se o silêncio em que está “mergulhado” é o resultado involuntário de tal desconhecimento e não o efeito duma estratégia processual reflectida e assumida.

Mais, se alguém/outrem – um co-executado (e ex-mulher), como é o caso da apelante – pudesse vir suscitar a questão (invocando que o citando não chegou a ter conhecimento da citação) não a resolveria sequer em definitivo; uma vez que o citando não ficava impedido de, em qualquer momento, poder vir novamente com a mesma questão, invocando, no acto da sua ulterior comparência pessoal nos autos, o desconhecimento, até ali, da citação, não lhe podendo então ser oposto o que, antes, já tivesse sido decidido sobre a mesma questão (suscitada por outrem).

O que ajuda a demonstrar que o conhecimento oficioso da falta de citação constante do art. 195.º/1/e) do CPC tem que ser entendido “cum grano salis”, ou seja, não pode ser activado e impulsionado a partir de alegações efectuadas por outrem, o que, no fundo, é o mesmo que dizer – ponto em que se concorda com a decisão recorrida – que a aqui apelante não tem legitimidade para invocar a falta de citação do seu co-executado a partir e com fundamento na alegação deste não ter tomado conhecimento da citação[2].

Quanto às nulidades (por preterição de formalidades) na venda e na adjudicação:

Quanto à venda, a “nulidade” estaria em os anúncios dizerem que seriam aceites propostas de valor superior a € 70.000,00 (verba n.º 1) ou € 65.100,00 (verba n.º 2) e não propostas iguais ou superiores a tais valores (como resulta das disposições conjugadas dos então vigentes art. 889.º/1 e 890.º/3 do CPC).

A relevância, em termos de poder configurar uma irregularidade com influência para o exame ou decisão da causa (cfr. art. 201.º/1 do CPC), estaria em o anúncio afastar os proponentes que só estariam disponíveis para oferecer € 70.000,00 ou 65.100,00 (quando o conteúdo do anúncio lhes exigia, para apresentar propostas, mais 0,01 – 1 cêntimo).

A diferença ínfima e irrisória torna a situação um pouco caricata[3].

Não é crível, razoável, sensato, que se possa acreditar que tal cêntimo afastou interessados/proponentes e que se o anúncio falasse em valor “igual ou superior” (como devia) em vez de valor “superior” as coisas – a venda (o aparecimento de propostas) – teriam decorrido de modo diferente; o mesmo é dizer, que o lapso/irregularidade tenha tido influência no desfecho da causa.

Quanto à adjudicação, a “nulidade” estaria em esta não ter sido publicitado nos termos do art. 876.º do CPC; o que aconteceu – não foi publicitada – porém, no caso, a adjudicação não tinha que ser publicitada.

Como se diz – e resulta da articulação dos art. 876.º, 875.º e 877.º do CPC (maxime, do art. 876.º/4/2.ª parte) – tendo a proposta do credor/adjudicante sido apresentada em 20/01/12, ou seja, já após ter sido anunciada a venda que ocorreu a 03 e 04/01/12, não havia lugar ao cumprimento do disposto no art. 876/1 do CPC.

Como refere Rui Pinto[4] “ (…) no caso do requerimento de adjudicação tiver sido feito depois de anunciada a venda por propostas em carta fechada o procedimento será dispensado se àquela não se apresentar qualquer proponente. Nessa eventualidade, logo se adjudicarão os bens ao requerente, evitando-se repetir o procedimento de abertura de propostas (cf. art. 877.º/2=art. 801.º/2 do nCPC). Mas se se apresentarem proponentes não se sustará a venda por propostas em carta fechada e a pretensão de adjudicação só será considerada e o respectivo procedimento aberto se não houver pretendentes naquela venda que ofereçam preço superior (2.ª parte do n.º 4 do art. 785.º = art. 799.º/4 do nCPC).

Ainda e finalmente, quanto à “nulidade” consistente em o auto de abertura e aceitação das propostas lavrada pelo AE não reflectir o que na realidade aconteceu (nomeadamente, que os bens foram vendidos na modalidade de adjudicação ao exequente e não por proposta em carta fechada apresentada por este), não se trata, igualmente, duma irregularidade com influência para o exame ou decisão da causa (cfr. art. 201.º/1 do CPC).

É um facto – como se referiu na decisão recorrida – que o auto de abertura de propostas enferma de tal lapso, porém, a única consequência é que se deve proceder à correcção do mesmo, no qual, em vez de se dizer que se aceitou a proposta apresentada, se deve dizer que não apareceu nenhuma proposta e que se aceitou preço oferecido pelo exequente e requerente da adjudicação.

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Enfim, é quanto basta para, sem necessidade de mais considerações, se ter de concluir – não se verificando alguma das “faltas” e “nulidades” invocadas – pela total improcedência do presente recurso.

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III – Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirma-se a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

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Coimbra, 18/12/2013

 (Barateiro Martins - Relator)

 (Arlindo Oliveira)

 (Emídio Santos)


[1] Doutro modo – ao falar com ele – dar-lhe-ia conhecimento do acto/citação.

[2] O que, naturalmente, prejudica o argumento constante da conclusão 2.ª; de não se haver aplicado a cominação prevista no art. 490.º/2 do CPC (ex vi 303º/3), de não se haver julgado provada a matéria alegada pela apelante.

[3] Para além de, como se chama a atenção, 70% do valor de 93.000,00 até serem € 65.100,00 e não € 65.000,00, isto é, aqui o anúncio até, seguindo a lógica da apelante, “chamaria” – mas não “chamou” – proponentes.
[4] In Manual de Execução e Despejo, pág. 999