Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
823/12.8JACBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS COIMBRA
Descritores: DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
RECURSO
SUBIDA DO RECURSO
INUTILIDADE ABSOLUTA
Data do Acordão: 06/05/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE INSTRUÇÃO CRIMINAL DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Legislação Nacional: ARTIGO 407.º, N.º 1, DO CPP
Sumário: I - A inutilidade a que se reporta o n.º 1 do artigo 407.º do CPP só é absoluta quando a retenção do recurso tiver como resultado a completa inconsequência do seu futuro resultado, isto é, quando mesmo a proceder o recurso, o recorrente já disso não pode retirar qualquer proveito.

II - Não é o que sucede, todavia, no caso da invalidação, na decisão que puser termo à causa, de todas as declarações para memória futura, prestadas no decurso do inquérito, impugnadas pelo arguido, porquanto a única consequência daí decorrente é a impossibilidade de tais declarações servirem como meio de prova.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção (Criminal), do Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO

1. Nos autos Inquérito com o nº 823/12.8JACBR, a correr termos na 2ª Secção do Departamento de Investigação e Acção Penal de Coimbra, veio o arguido A..., em 14/01/2013, interpor recurso do despacho proferido pela Exmª JIC em 21/12/2012 que indeferiu a arguição de nulidade das declarações para memória futura tomadas à menor, sua mãe e ao companheiro desta, despacho esse certificado a fls. 114 e 115, cujo teor é o seguinte:

Fls. 133: A data das declarações para memória futura foi antecipada para o dia 22.11.2012, pelas 11H30, face á urgência manifestada pelo facto da testemunha ir emigrar para o estrangeiro no dia 27.11.2012.

A antecipação da data foi requerida pelo M.P. a fls. 113 e a 20.11.2012. Foi apenas possível a marcação do dia 22.11.,pelas 11h30.

Assim, face a tamanha urgência e á proximidade da data designada, o Tribunal socorreu-se do M.P. para efectuar as diligências necessárias de notificação. O M.P. di1igenciou nesse sentido, com a ajuda da PJ.

Ora, face á situação de urgência verificada, ao disposto no artigo 112°, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal e ao teor de fls. 120 144, 145, 147 a 149 e 152 a 156, entende-se que nenhuma nulidade foi cometida, tendo sido respeitados os formalismos da referida norma legal.

No que respeita ao local da diligência, sabia a Ilustre mandatária onde a mesma iria ter lugar, tanto mais que o seu escritório recebeu um telefonema do Tribunal de Instrução Criminal de Coimbra. Por outro lado, se disse que iria tentar falar com a Dra. B... saberia que a diligência seria no Tribunal de Instrução Criminal de Coimbra, por ser ela a Juiz desse tribunal.

Entende-se que são desnecessárias mais considerações, dando-se aqui por reproduzido o teor das fls. supra mencionadas, reafirmando-se que nenhuma nulidade foi cometida, pelo que vai indeferido a requerido a fia. 133 e seguintes e 167 e seguintes.

                                                                       *

Notifique, com o envio de cópias que se deram por reproduzidas (120 144, 145, 147 a 149 e 152 a 156).

2. Em tal requerimento de interposição do recurso (e conforme decorre de fls. 2 destes autos), solicitou o arguido que o mesmo subisse “nos próprios autos com a decisão que ponha termo à causa e com efeito meramente devolutivo – cfr.  Artigo 399º, 401, 1, al. b), 411º, nº 1, 406º, 1, 407º, nº 3 e 408º, a contrario sensu, todos do Código Penal)”.

                                                     

3. Admitido o recurso, por despacho judicial proferido em 05/02/2013, “a subir imediatamente, em separado, sem efeito suspensivo” (cfr. fls. 129 destes autos de recurso) e efectuadas as legais notificações, apresentou resposta o Ministério Público no sentido de ser negado provimento ao recurso.

4. A Exmª Juíza limitou-se a mandar subir os autos a esta Relação (cfr. despacho de fls. 201 destes autos).

5. Nesta instância, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, emitiu parecer no sentido de que o recurso deve ser declarado improcedente (cfr. fls. 207 e 208).

6. Foi cumprido o disposto no art. 417 n.º2 do CPP, não tendo havido resposta.

7. Aquando do exame preliminar, o aqui relator, por considerar verificada uma questão prévia relacionada com o momento de subida do recurso, nos termos do artigo 417º nº 6 al. a) do Código de Processo Penal, a fls. 213 a 220, proferiu decisão sumária que culminou com o seguinte:

“DISPOSITIVO:

Face ao exposto, altero o regime de subida do recurso, determinando que o mesmo suba, diferidamente, nos próprios autos, com o recurso que vier a ser interposto da decisão que ponha termo à causa.

Sem tributação.

Notifique.

Oportunamente, baixem os autos à 1.ª instância.”

                                                      *

8. Não se conformando com a assim decidida alteração do regime de subida do recurso, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, nos termos do artigo 417º nº 8 do Código de Processo Penal, apresentou reclamação para a conferência, pelos fundamentos constantes de fls. 224 e 225 que se passam a transcrever:
“Os presentes autos reportam-se ao inquérito 823/12.8JACBR, que corre termos contra o arguido/recorrente pela indiciada prática de um crime de abuso sexual de crianças, p. p. pelo art° 171°, n°s 1 e 2, do C. Penal.
Nos termos do disposto no art° 271°, n°2 do CPP, no caso de processo por crime contra a liberdade e auto determinação sexual de menor, as declarações para memória futura da vítima menor, são um imperativo legal.
“Este normativo evidencia a preocupação do legislador, face à especificidade do crime em causa e circunstâncias que normalmente rodeiam a respectiva prática, de colocar a menor numa posição o mais descontraída possível, sem o peso decorrente de um acto excessivamente formal, de forma a que a mesma possa responder às perguntas colocadas sem se sentir minimamente pressionada, pois que só assim será possível obter respostas que efectivamente correspondem à verdade dos factos[1]” e dizemos nós, evitar todos os efeitos traumatizantes e nefastos que poderão advir à menor com um chamamento a julgamento.
E, nos termos do n° 1 da referida norma, no decurso do inquérito... em caso de deslocação para o estrangeiro de uma testemunha, que previsivelmente a impeça de ser ouvida em julgamento, pode proceder-se à sua inquirição para memória futura...a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento.
Na verdade, nestes termos a produção antecipada de prova é um procedimento de carácter excepcional que tem em visto assegurar a obtenção e conservação de um meio de prova.
É um meio cautelar de prova, tendo em vista a urgência ou conveniência da sua produção - com vista ao respectivo aproveitamento em sede de julgamento - pelo perigo adveniente da impossibilidade de produção na própria audiência de julgamento.
Assim sendo, comprovada nos autos a necessidade e obrigatoriedade da realização daquelas inquirições e declarações nos sobreditos termos, foram os mesmos realizados. Porém, o recorrente veio pôr em causa a sua validade, nos termos exarados a fls. 2 e seguintes, com a interposição de recurso para este Tribunal da Relação e requereu que este subisse nos próprios autos com a decisão que ponha termo à causa e com efeito meramente devolutivo.
A Ex.ma Juíza junto do Tribunal recorrido por sua vez, no despacho de admissão, que proferiu a fls. 129, admitiu o recurso, a subir em separado, sem efeito suspensivo.
Certo que, neste despacho judicial, não se invocou qualquer norma de direito processual para, assim, se admitir o recurso.
A douta decisão sumário deste Tribunal da Relação decidiu alterar o regime de subida do recurso e, em consequência, determinou que o mesmo suba, diferidamente, nos próprios autos, com o recurso que vier a ser interposto da decisão final, face ao entendimento que o despacho recorrido não cabe nas previsões do n°2 do art° 407°, do CPP, nem do seu n.º 1, pois que ali só a inutilidade absoluta, que não a relativa releva para efeitos de subida imediata do recurso.
Estamos em crer que tal solução, não será a mais curial tendo em conta as especificidades do caso concreto que, para a hipótese de invalidação das declarações prestadas nos termos impugnados pelo recorrente, acabará por inviabilizar o cumprimento da obrigatoriedade das declarações da menor vítima serem prestadas nos termos apontados, para memória futuro, bem como o escopo visado com tal medida, que é o de manter a menor longe da sala de discussão e julgamento, bem assim, evitar qualquer contacto com o arguido.
Estas as razões que nos motivam a presente reclamação e através da qual propugnamos seja alterado o regime de subida do recurso, que pensamos não deverá ser o de subida diferida, mas imediata, nos termos do art° 407º nº 1 do CPP, o que não será inédito neste Tribunal da Relação - cfr. AC. TRC, de 21.03.2013, proferido no processo n.º 206/12.Ojagrd-A.C1, que subiu em separado, para apreciação de questão relativa à viabilidade de declarações para memória futura, em fase de inquérito –
Donde, se requer seja proferido acórdão, tendo em conta a questão suscitada.
Pede e Espera Deferimento”

9. Em resposta à reclamação, o arguido/recorrente, a fls. 227 a 229, manifestando o entendimento que o recurso em causa não se enquadra em nenhuma das alíneas do nº 2 do artigo 407º nem no âmbito da previsão do nº 1 do mesmo normativo (uma vez que a retenção não o torna inútil), termina concluindo no sentido de «que deverá ser mantida pela Douta conferência a “decisão sumária” exarada nos autos com a manutenção do efeito e regime de subida fixados ao recurso tempestivamente interposto pelo arguido».

10. Colhidos os vistos legais, teve lugar a conferência.
                                                      *
II. APRECIANDO.
Na sequência da reclamação apresentada, a questão que ora importa apreciar e decidir consiste em saber se é de alterar ou manter o regime de subida do recurso que havia sido interposto pelo arguido, sendo que por decisão sumária fora determinado que o referido recurso subirá em diferido, nos próprios autos e com o recurso que vier a ser interposto da decisão que ponha termo à causa.
Na decisão sumária posta em crise, a dado passo, pelo relator foi dito o seguinte (transcrição em caracteres mais reduzidos e incluída na caixa que segue, para diferenciar do restante):

«Nos termos do artigo 414.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, a decisão sobre o regime de subida do recurso não vincula o tribunal superior, pelo que pode este Tribunal da Relação de Coimbra alterar o momento de subida do mesmo e é precisamente isso que irá ser feito, nos termos do artigo 417.º, n.º 6, al. a), do CPP, por se verificar, por isso, circunstância que obsta ao conhecimento, nesta ocasião, do mérito do recurso.

O recurso em causa insurge-se contra uma decisão, proferida em inquérito, que se limitou a indeferiu a arguição de nulidade das declarações para memória futura ali realizadas.

O despacho de admissão de recurso não faz alusão a qualquer normativo legal, para justificar a subida imediata, em separado e sem efeito suspensivo.

Vejamos, o que a este respeito nos dizem os artigos 406º e 407º do Código de Processo Penal.

No artigo 406.º, do CPP, pode ser lido o seguinte:

“1. Sobem nos próprios autos os recursos interpostos de decisões que ponham termo à causa e os que com aqueles deverem subir.

2. Sobem em separado os recursos não referidos no número anterior que deverem subir imediatamente.

Por sua vez, no artigo 407.º, do CPP, consagra-se o seguinte:

“1. Sobem imediatamente os recursos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis.

2. Também sobem imediatamente os recursos interpostos:

a) De decisões que ponham termo à causa;

b) De decisões posteriores às referidas na alínea anterior;

c) De decisões que apliquem ou mantenham medidas de coacção ou de garantia patrimonial, nos termos deste Código;

d) De decisões que condenem no pagamento de quaisquer importâncias, nos termos deste Código;

e) De despacho em que o juiz não reconhecer impedimento contra si deduzido;

f) De despacho que recusar ao Ministério Público legitimidade para a prossecução do processo;

g) De despacho que não admitir a constituição de assistente ou a intervenção de parte civil;

h) De despacho que indeferir o requerimento para a abertura de instrução;

i) Da decisão instrutória, sem prejuízo do disposto no artigo 310.º;

j) De despacho que indeferir requerimento de submissão de arguido suspeito de anomalia mental à perícia respectiva.

3. Quando não deverem subir imediatamente, os recursos sobem e são instruídos e julgados conjuntamente com o recurso interposto da decisão que tiver posto termo à causa.

                                         

No que tange ao momento da subida de um recurso, podemos afirmar que a regra geral é a da subida diferida, excepção feita aos recursos abrangidos pela cláusula aberta do n.º 1, do acima citado artigo 407.º, ou elencados no seu n.º 2.

Não há dúvidas que o despacho recorrido não se encontra previsto em nenhuma das diferentes alíneas do artigo 407.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Quanto muito, e para justificar a subida imediata do recurso, poderia ser enquadrado no nº 1, da aludida norma legal.

Mas poderá tal ser entendido, no caso em apreço?

Acontece que a expressão “absolutamente inúteis” tem um alcance muito restrito.

Na realidade, a inutilidade tem que ser absoluta, sendo certo que esta não tem nada que ver com o risco de virem a ser anulados determinados actos, designadamente o julgamento, caso a final venha a ser julgado procedente o recurso.

Em bom rigor, a inutilidade só é absoluta quando a retenção do recurso tiver como resultado a completa inconsequência do futuro resultado do mesmo, ou seja, quando, mesmo a proceder o recurso, o recorrente já disso não puder retirar qualquer proveito.

Dito de outra forma, se a apreciação diferida do recurso e a sua eventual procedência ditar que o efeito pretendido ou o direito que o recorrente pretende ver acautelado irá determinar a anulação de actos processuais, a retenção do recurso torna-o inconveniente em termos de celeridade e economia processual, mas não lhe retira a utilidade em absoluto já que a anulação de actos processuais é uma das consequências normais do recurso.

Ora, é esse o caso dos autos.

Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 964/96, “a subida imediata poderia dar-lhe maior utilidade, mas não é essa a hipótese contemplada no art. 407 n.º2 do Código Processo Penal (leia-se, hoje, n.º 1), onde se estatui com clareza que a subida imediata tem em vista evitar que a retenção torne o recurso absolutamente inútil. O que o legislador pretende evitar é que o diferimento da subida inutilize por completo as potencialidades da impugnação. Não que essa subida diferida lhe retire alguma possível acutilância.

É entendimento corrente que só a inutilidade absoluta, que não a relativa, releva para efeitos de subida imediata dos recursos. Como explicita Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, Volume III, pág. 155, “a jurisprudência tem interpretado de forma exigente o requisito da absoluta inutilidade, considerando que a eventual retenção deverá ter um resultado irreversível quanto ao recurso, não se bastando uma mera inutilização de actos processuais, ainda que contrária ao princípio da economia processual”.

É certo que podem ocorrer diversos cenários que originem a que o presente recurso não chegue a subir. Estamos a pensar na hipótese de decisão final, condenatória ou absolutória, com que os sujeitos processuais se conformem. Ou mesmo numa situação de não pronúncia com que o Ministério Público se conforme.

A opção do legislador foi, sem dúvida, a de aguardar pela decisão final para, então, se apreciarem todas as questões, até porque muitas delas poderão perder interesse face ao teor dessa decisão final. Não se esqueça que o recorrente, nos termos do artigo 412.º, n.º 5, do CPP, tem que indicar quais os que mantêm interesse…

Ora, a utilidade do recurso mantém-se na íntegra, se conhecida em simultâneo com o recurso da sentença, na medida em que, nessa altura, se o recurso interlocutório for conhecido e provido, consuma-se, em absoluto, todo o seu efeito.

No sentido do entendimento aqui expresso, vejam-se, entre outros, os Acórdãos do TRE, de 30/5/2006, processo 705/06-1, e de 6/4/2006, processo 388/06-1, www.dgsi.pt/tre, e, ainda, do TRP, de 21/9/2005, processo 6143/04, C.J. 2005, Tomo 4, e do TRL, de 24/11/2005, processo 5594/05-9, C.J., 2005, Tomo 5, e, ainda, a Decisão proferida pelo Exmo. Senhor Desembargador António Piçarra, ilustre Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra, em 22/1/2008, Reclamação n.º 33/05.0JBLSB-B, www.dgsi.pt/trc.

Conclui-se, pois, pela subida diferida do recurso, tal como, aliás, e bem, havia sido requerido pelo recorrente.

Os recursos com subida diferida sobem e são instruídos e julgados conjuntamente com o recurso interposto da decisão que tiver posto termo à causa (n.º 3 do art. 407.º do CPP).

Em consonância com o disposto pelo artigo 414.º, n.º 3, do CPP, e como supra dissemos, a decisão que determina o momento de subida do recurso não vincula este tribunal superior.
Por isso, impõe-se reparar o momento definido como o de subida do recurso, definido pelo despacho de 05/02/2013 (v. fls. 129 destes autos), nos termos prevenidos no art. 414.º, n.º 3, do CPP, para que o mesmo suba, diferidamente, com o que vier a ser interposto pelo recorrente da decisão que ponha termo à causa e nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo, em conformidade com o disposto nos art. 406.º, n.º 1, 407.º, n.º 3 e 408.º n.º2 (ex adversu) do mesmo CPP».
Foram estes os argumentos evidenciados pelo relator na decisão sumária reclamada que, depois do julgamento em conferência, adiantamos, será de manter.
E aos fundamentos daquela decisão sumária ainda se acrescentarão mais uns breves argumentos no sentido do afastamento da possibilidade da subida imediata do recurso ancorada no nº 1 do artigo 407º do Código de Processo Penal (normativo em que a Exmª Procuradora Adjunta se apoia na reclamação apresentada).
De tal preceito legal consta que “sobem imediatamente os recursos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis”.
Ora, a expressão absolutamente inúteis não tem o alcance que o Ministério Público/reclamante lhe pretende atribuir.
Desde logo porque a inutilidade, tal como foi dito na decisão sumária reclamada, tem que ser absoluta, não sendo, portanto, qualquer inutilidade que pode fundamentar a subida imediata do recurso.
Tem sido pacificamente entendido que essa inutilidade absoluta não tem nada que ver com o risco de virem a ser anulados determinados actos, designadamente o julgamento, caso a final venha a ser julgado procedente o recurso.
Na verdade, a inutilidade só é absoluta quando a retenção do recurso tiver como resultado a completa inconsequência do futuro resultado do mesmo, isto é, quando, mesmo a proceder o recurso, o recorrente já disso não puder retirar qualquer proveito.
Por exemplo, justifica-se que o recurso interposto da decisão que indeferiu a confiança do processo, deva subir imediatamente, pois caso contrário, subindo o mesmo apenas a final e sendo procedente, já não acarreta qualquer proveito para o recorrente (neste sentido: Decisão do Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa de 2/11/04, procº 7199/2004-9).
Também se justificará a subida imediata relativamente ao recurso da decisão que mandou seguir a forma de processo comum em vez da forma abreviada (despacho do Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa de 10/3/00, C.J., 2, 135).
Todavia, isso não acontece no caso dos autos. A posterior invalidação ou confirmação de validade de todas ou parte das declarações para memória futura que foram prestadas, e foram impugnadas pelo recorrente, ditará (em eventual recurso da decisão que ponha termo à causa) que as mesmas não podiam ou podiam, respectivamente, servir como meio de prova.
O risco de serem anulados actos, designadamente o julgamento, é um risco próprio dos recursos com subida deferida, pois que para se evitar esse risco, então todos os recursos teriam que subir imediatamente, passando a ser regra geral aquilo que o legislador entendeu dever ser a excepção (desde que, como é óbvio, a situação não se enquadre no nº 2 do artº 407º do C.P.P., como também o relator entendeu não se enquadrar).
Tal risco é assumido pelo legislador e é a contrapartida de alguma “pacificação” no decurso do processo, pois se todos os recursos subissem imediatamente, nomeadamente os que versam sobre decisões que indeferem arguições de nulidades, o processo poderia estar constantemente a regredir.
Os presentes autos têm a peculiaridade que têm, mas isso não obsta a que tenham que ser abordados e apreciados de acordo as regras processuais gerais e abstractas previamente estabelecidas pelo legislador e que lhe devam ser aplicáveis. Não cabendo a situação sindicada nos autos na previsão das alíneas do nº 2 do artigo 407º nem a retenção do recurso interposto torne este (o recurso) absolutamente inútil, deverá o mesmo subir em diferido, nos próprios autos com o recurso interposto da decisão que ponha termo à causa.
E nem se diga, como parece estar implícito na parte final da reclamação, que no âmbito do processo nº 206/12.0jagdr-A.C1 (no qual em 21.03.2013 foi proferido acórdão por esta Relação) tivesse sido discutida ou concretamente apreciada a questão do regime de subida do recurso. Consultado o referido acórdão - e sem que do mesmo resulte que por qualquer sujeito processual ou pelo tribunal (a quo ou ad quem) tivesse sido concretamente suscitada a questão do momento de subida do recurso – a questão nele apreciada (e que ali havia colocada pelo respectivo recorrente) e decidida, dizia respeito, não a qualquer questão de validade/invalidade de declarações que tenham sido tomadas, mas sim à questão da legalidade/viabilidade de tomada de declarações para memória futura a jovens menores não identificados como ofendidos que frequentavam determinada instituição.
Por isso, independentemente do que também tenha sido decidido no referido acórdão, sempre se dirá que versa sobre questão diferente da destes autos, sendo que o momento de subida adoptado no âmbito de um processo não vincula um outro processo.
Em suma, compaginando a questão colocada no recurso dos presentes autos e a interpretação que parece ser a mais correcta acerca do regime de subida do mesmo, face ao que estabelece o artigo 407º nºs 1 e 2 do CPP, não podendo ser dada razão alguma no sentido proposto pela reclamante, impõe-se que a decisão sumária deve e vai ser mantida.

III.  DECISÃO
Face ao exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Coimbra em indeferir a reclamação apresentada pelo Ministério Público, mantendo-se integralmente a decisão sumária proferida pelo relator.
Sem tributação.

                                         *
                  
(Luís Coimbra - Relator)
 (Cacilda Sena)

[1] 1 Anotação ao art° 271° do CPP, pag 681 — Anotações ao CPP dos Magistrados do MP do DJP — Coimbra Editora 2009 -