Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
60/14.7TBSAT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
FACTOS ESSENCIAIS
INQUISITÓRIO
Data do Acordão: 09/22/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU, SÁTÃO, INSTÂNCIA LOCAL – SECÇÃO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 5.º Nº 1 DO NCPC
Sumário: O facto essencial para a decisão da pretensão jurídica solicitada que não foi alegado pela partes na primeira instância não pode ser tido em conta em sede de recurso.
Decisão Texto Integral:

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

 A Autora A... , Lda., sociedade por quotas, com domicílio na Avenida (...) , em Viseu, intentou a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra a Ré B... , S.A., com sede na Rua (...) , em Lisboa, pedindo que se condene aquela no pagamento do montante de € 21.505,50 (vinte e um mil quinhentos e cinco euros e cinquenta cêntimos), acrescido do respectivo IVA à taxa legal em vigor e dos juros de mora à taxa legal, calculados desde a data em que os prejuízos efectivamente ocorreram até integral pagamento.

Para tanto, alegou a Autora que no dia 25 de Outubro de 2012, cerca das 17h20m, o veículo automóvel com a matrícula (...) PP, de que é proprietária, foi interveniente num acidente de viação, ocorrido na Rua Principal, localidade de Coucão, em Sátão, numa ocasião em que era conduzido por D... , sendo que no âmbito de tal acidente foi ainda interveniente o veículo automóvel com a matrícula (...) NT, conduzido por C... .

Adiantou a Autora que a responsabilidade do aludido acidente se ficou a dever a culpa exclusiva do condutor do veículo automóvel com a matrícula (...) NT, o qual, na data do acidente, tinha a responsabilidade civil decorrente da sua circulação automóvel validamente transferida para a Ré.

Com efeito, acrescenta a Autora, nos mencionados dia e hora D... circulava pela Rua Principal, no sentido de trânsito Coucão-Portela, sendo que o veículo automóvel com a matrícula (...) NT seguia naquela mesma rua mas em sentido contrário. Nessa ocasião, seguindo o veículo da Autora pela hemi-faixa de rodagem da direita, destinada ao seu sentido de trânsito, sendo que ao avistar a viatura (...) NT encostou à direita, saindo inclusive parcialmente da sua faixa de rodagem, tendo embatido com o para choques frontal direito na berma da estrada, ficando imobilizado. Mais referiu que o condutor do (...) NT ao avistar o veículo da Autora, travou para reduzir a marcha e imobilizar o veículo, não o tendo conseguido em virtude do piso se encontrar molhado e com pouca aderência, tendo derrapado e atravessando-se nas faixas de rodagem, até embater no painel esquerdo do veículo da Autora, já imobilizado na berma.

No que concerne aos danos sofridos pela sua viatura reclama a Autora o montante de € 13.475,50 a título de indemnização decorrente da imobilização/paralisação do seu veículo (€ 269,51 X 50 dias) e o valor de € 1.530,00 pelo parqueamento da referida viatura nas suas instalações (€ 45,00 X 34 dias).

*

A Ré foi regularmente citada e contestou, alegando que a responsabilidade pela produção do acidente se ficou a dever unicamente à conduta do condutor do veículo automóvel propriedade da Autora.

Para tanto, afirmou que o condutor do veículo automóvel com a matrícula (...) NT seguia pela Rua Principal, no sentido de trânsito Portela-Contige, a uma velocidade inferior a 50Km/h. Ao aproximar-se de uns tanques ali existentes, avistou o veículo com a matrícula (...) PP que circulava naquela mesma rua, mas em sentido contrário, a uma velocidade superior à do veículo que conduzia, pelo que, tendo em conta a largura da estrada, imobilizou o seu veículo o mais perto possível da berma direita, para permitir a passagem daquele autocarro. Apesar desta manobra, o condutor do autocarro não conseguiu imobilizar a marcha deste, nem regulá-lo de forma a cruzar-se com o veículo (...) NT, tendo-lhe embatido no espelho retrovisor exterior esquerdo e raspando nos taipais da retaguarda dessa lateral esquerda, apenas se desviando para a direita e para a berma desse lado depois de ter embatido no veículo seguro na Ré.

No demais, nega que o veículo propriedade da Autora tenha ficado impossibilitado de circular, pelo que, como mera hipótese académica, advoga que o período de paralisação do veículo não pode ser superior a 12 dias. Mais propugna que não é devida qualquer quantia a título de parqueamento, não só pelo veículo não ter ficado imobilizado, mas porque a oficina em causa é propriedade da Autora, só sendo devido parqueamento, segundo a tabela de preços daquela, no caso de a viatura não ser intervencionada.

Por fim, alega, ainda, que, e caso se entenda que não existe culpa efectiva por parte do condutor do veiculo propriedade da Autora, esta sempre se presumiria uma vez que D... conduzia o veículo pesado de passageiros por conta e no interesse da Autora.

Conclui a Ré pedindo a sua absolvição do pedido contra si formulado.

*

Foi realizada audiência prévia, proferindo-se despacho saneador tabelar e fixou-se o objecto do litígio e os temas da prova.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, finda a foi proferida a sentença de fl.s 153 a 161 v.º, na qual se fixou a matéria de facto considerada como provada e não provada e respectiva fundamentação e, a final, se julgou a presente acção totalmente improcedente, absolvendo-se a ré do pedido, ficando as custas a cargo da autora.

 

            Inconformada com a mesma, interpôs recurso a autora A... , recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo – (cf. despacho de fl.s 191), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

1 - O presente recurso tem por objeto a reapreciação e reanálise dos documentos juntos aos autos e da prova gravada em CD, com os depoimentos das testemunhas, e visa a alteração da matéria de facto dada como não provada, a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que julgue a ação procedente.

2 – Concretamente, a recorrente visa a alteração da matéria constante das alíneas a), c) e d) do Ponto B. dos factos não provados, que deverá ser dada como provada atento ao que resulta do documento denominado de “Participação de Acidente de Viação e Folha de Anexo”, elaborados pela GNR, - fls.1/4 do Doc. 2 junto com a p.i e do depoimento das testemunhas,

3 – Resulta do documento de - fls.1/4 do Doc. 2 junto com a p.i, “croqui”, e do depoimento da testemunha H... que o elaborou, que o embate ocorreu na hemifaixa de rodagem reservada ao veiculo da AA, invadida pelo condutor do veiculo segurado da Ré que circulava em sentido inverso;

4 - Resulta do depoimento da testemunha H... , gravado em audiência, que aqueles concretos pontos das alíneas a), c) e d) do Ponto B. dos factos não provados, à semelhança do que resulta da prova documental, nos termos alegados, quanto à dinâmica do acidente e ao local provável do embate, indicado pelos dois condutores e que consta da participação do acidente elaborada pela GNR, mereciam, e merecem, uma resposta positiva e dados como provados;

5 - A decisão recorrida deverá assim, em conformidade com a modificação da matéria de facto, atento ao referencial dado pelo local provável do embate, ser substituída por outra que declare que o acidente se ficou a dever à culpa exclusiva do condutor do veículo segurado da Ré, por violação das regras estradais, nomeadamente por violação do art. 13.º do C.E.

6 - O presente recurso visa também a alteração da matéria de fato constante da alínea l) do Ponto B. dos factos não provados, por entender que merecia e merece uma resposta positiva em face do depoimento gravado da testemunha I... , que referiu pormenorizadamente a impossibilidade da viatura da AA. circular e realizar os serviços como viatura de transporte de passageiros e cumprir a função habitual, em consequência do acidente, por falta de luzes limitadoras laterais e de acesso aos compartimentos de carga, das tampas e dos puxadores, por destruição dos painéis laterais.

Razão pela qual deve ser dada uma resposta positiva.

7 – Subsidiariamente, e para a eventualidade de não se declarar a culpa exclusiva do condutor do veículo segurado da Ré, nos termos supra alegados, em consequência da alteração da matéria de facto das alíneas a), c) e d) do Ponto B da decisão em recurso, então e nessa eventualidade, deverá a decisão recorrida ser modificada e substituída por outra que declare a relação de comissão do condutor do veículo segurado da Ré e idêntica presunção de culpa no acidente;

Pois,

8 - Decorre da conjugação do ponto 3 dos factos provados, do documento de - fls.1 a 4 do (Doc. 2) junto com a p.i. e do depoimento gravado da testemunha G... que o condutor do veículo segurado da Ré, conduzia como empregado da sociedade “T (...) ”, proprietária do veículo segurado da Ré e por conta desta;

E,

A decisão recorrida não considerou, nem atendeu, no facto do condutor do veículo segurado da Ré também ser comissário, devendo, por via disso mesmo, ser modificada e substituída por outra que considere a existência dessa relação de comissão e aplique uma nova solução de direito que julgue os pedidos procedentes.

Assim,

Nestes termos e nos melhores de direito, com o sempre muito douto suprimento de V. Ex.as, deverá ser dado provimento ao presente recurso, reanalisando e reapreciando a prova documental e a prova gravada, deverá ser alterada a matéria de facto e aplicada uma nova solução de direito, que revogando e substituindo a decisão recorrida por outra, julgue a ação procedente, com as decorrentes consequências legais.

            Contra-alegando, a ré B... , apresenta as seguintes conclusões:

1. Não deve ser alterada a decisão quanto à matéria de facto dada como não provada nas alíneas a), c), d) e l) do ponto “B. Dos factos não provados” da douta sentença recorrida, uma vez que quer do documento invocado (participação de acidente de viação elaborada pela Guarda nacional Republicana) quer das transcrições dos depoimentos das testemunhas e da restante prova produzida, quer ainda dos restantes factos dados como provados, não resulta que tal decisão seja incorrecta,

2. Não podendo também serem considerados na sentença novos factos quanto à qualificação como comissário do condutor do veículo seguro na apelada, por não terem sido alegados, nem deles ter sido feita qualquer prova,

3. Mantendo-se, assim, integralmente a douta decisão recorrida.

4. Por outro lado, do esboço constante da participação de acidente de viação elaborada pela G.N.R. e junta aos autos pela apelante, consta ser de 0,25 metros a distância entre a lateral direita do veículo seguro na apelada e a berma direita da estrada (atento o sentido de marcha deste veículo) e de 2,80 metros a distância entre a lateral esquerda deste veículo e a berma esquerda dessa estrada (sempre atento o mesmo sentido de marcha),

5. Pelo que, tendo em conta que se mostra provado que a estrada por onde os veículos circulavam tem, no local em que ocorreu o acidente, 4,70 metros de largura e, por consequência, 2,35 metros de largura cada uma das suas hemifaixas, e que o veículo seguro na apelada tem 1,995 de largura, tem de concluir-se, forçosamente, que este veículo estava totalmente na sua meia-faixa de rodagem, estando a sua frente a 0,45 metros do eixo da via e a sua traseira a 0,105 metros do eixo da via.

6. Assim – com base na participação de acidente de viação elaborada pela Guarda Nacional Republicana e junta aos autos – a resposta dada à matéria de facto constante da alínea j) dos factos não provados deve ser alterada, passando a considerar-se provado que “Quando foi embatido pelo veículo da Autora, a lateral traseira do veículo seguro na Ré estava a 0,25 metros da berma direita e a sua lateral dianteira direita estava a 2,80 metros da berma esquerda”.

7. Com esta alteração da matéria de facto, a culpa na eclosão do acidente será também de imputar ao condutor do veículo da apelante, agora a título de culpa efectiva, por ter invadido a meia-faixa de rodagem destinada ao trânsito que circulava em sentido contrário ao seu, aí embatendo no veículo seguro na apelada, violando, designadamente, o disposto no art. 13º do C. da Estrada, pelo que a decisão recorrida deverá ser alterada e substituída por outra que julgue ter o acidente dos autos ocorrido por culpa efectiva do condutor do veículo da apelante e, em consequência e embora com diferente fundamentação, mantenha a absolvição da apelada.

            Colhidos os vistos legais, há que decidir.    

            Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do NCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

            Recurso da autora:

A. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada, devendo passar a considerar-se como provada, a seguinte factualidade:

a) O condutor da viatura (...) PP ao avistar a viatura (...) NT encostou à sua direita, saindo inclusive parcialmente da sua faixa de rodagem, tendo mesmo embatido com o para choques frontal direito na berma da estrada, ficando imobilizada.

c) A distância libertada pelo veículo da Autora ao veículo seguro na Ré foi de 3,00 metros.

d) O veículo da Autora saiu para a direita da sua hemi-faixa de rodagem cerca de 0,80 metros.

l) O veículo da Autora ficou impossibilitado de circular;

B. Se deve, ainda, ser dado como provado que o condutor do veículo seguro na ré, o conduzia como empregado da sociedade “T (...) ”, sua proprietária e por conta desta;

            C. Culpabilidade dos intervenientes na produção do acidente.

D. Montante da indemnização a atribuir à autora.

           

            Recurso da ré B... :

            E. Incorrecta análise e apreciação da prova – alteração da al. j) dos factos dados como não provados, a qual, deverá passar a ter a seguinte redacção:

“Quando foi embatido pelo veículo da autora, a lateral traseira do veículo seguro na ré estava a 0,25 metros da berma direita e a sua lateral dianteira direita estava a 2,80 metros da berma esquerda”.

            É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

1. A Autora é uma sociedade comercial cujo objecto é o transporte de passageiros, possuindo para o efeito vários autocarros que são utilizados na persecução do seu objecto social.

2. No dia 25 de Outubro de 2012, pelas 17h20m, na Rua Principal, na localidade de Coucão, concelho de Sátão e distrito de Viseu, ocorreu um acidente entre os veículos de matrícula (...) PP e (...) NT.

3. Foram intervenientes no acidente referido em 2., D... , portador da carta de condução n.º C – 1388628 que conduzia o veículo pesado de passageiros, marca SETRA, com a matrícula (...) PP, propriedade da Autora, e C... , portador da carta de condução n.º C -376886, que conduzia o veículo ligeiro de marca TOYOTA, matrícula (...) NT, propriedade da sociedade comercial denominada de T (...) Unipessoal, Lda., segurado da Ré.

4. D... , à data do acidente, trabalhava e cumpria ordens da Autora.

5. À data do acidente, o veículo (...) NT tinha a responsabilidade por acidente de viação validamente transferida para a Ré, através da apólice n.º 201605252.

6. O veículo (...) NT circulava no sentido Contige-Portela.

7. O veículo (...) PP circulava no sentido Portela- Contige.

8. O veículo propriedade da Autora tem, pelo menos, uma largura de 2,50 metros, mas nunca superior a 2,55 metros.

9. O veículo seguro na Ré tem uma largura de 1,995 metros.

10. A faixa de rodagem daquela artéria tem uma largura total de 4,7 metros.

11. A faixa de rodagem daquela estrada tinha o piso em asfalto, em razoável estado de conservação.

12. Nela não existiam quaisquer marcas a delimitar os sentidos de trânsito.

13. Do acidente referido em 2. resultaram danos no espelho retrovisor exterior esquerdo e nos taipais da rectaguarda da lateral esquerda do veículo (...) NT.

14. O acidente foi participado através de telefax à Ré no dia seguinte ao da ocorrência, tendo sido anexado a DAAA, assinada pelo motorista da Autora.

15. Lê-se no n.º 1 do artigo 1.º do acordo celebrado entre a ANTROP, associação que a Autora integra, e a Associação Portuguesa de Seguros que “os associados da ANTROP obrigam-se a participar à empresa de seguros qualquer acidente que presumam de responsabilidade desta, logo que dele tenham conhecimento, facultando a cópia da Declaração Amigável devidamente preenchida e assinada, com data e local do acidente, as matrículas dos veículos intervenientes a identificação dos condutores, os números das respectivas apólices, descrição do acidente e respectivo croquis, as testemunhas (se as houver), informação sumária da extensão dos respectivos danos e o local onde possam ser vistoriados, bem como a autoridade que tomou conta da ocorrência”.

16. A oficina onde o veículo da Autora ficou parqueado é da sua propriedade.

17. Em carta datada de 29 de Novembro de 2012, a Ré declinou qualquer responsabilidade no ressarcimento dos danos provenientes do sinistro.

18. Não se conformando com a posição da Ré, a Autora solicitou à sua companhia AXA Seguros, que se pronunciasse sobre a responsabilidade do acidente.

19. Esta respondeu, em missiva datada de 19 de Dezembro de 2012, atribuindo a responsabilidade do acidente ao condutor da viatura segura na Ré, o que motivou a reclamação apresentada pela Autora junto da Ré.

20. Em missiva datada de 29 de Dezembro de 2012 a Ré propôs à Autora a divisão da responsabilidade do acidente.

21. Do relatório de contra peritagem realizado a 28 de Novembro de 2012 consta que a reparação importaria em € 6.500,00; os serviços de reparação iniciar-se-iam no dia 29 de Novembro de 2012, e o número de dias necessários à reparação seria de 11 dias úteis.

22. O valor diário da paralisação do veículo com a matrícula (...) PP está fixado em € 269,51.

23. A viatura da Autora não circulou desde do dia 25 de Outubro até ao dia 13 de Dezembro.

24. A viatura este parqueada na oficina da Autora desde do dia 25 de Outubro até ao dia 28 de Novembro.

25. O preço de parqueamento na oficina da Autora é fixado no montante diário de € 45,00.

*

B. Dos factos não provados

Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a boa decisão da causa. Designadamente não se provou que:

a) O condutor da viatura (...) PP ao avistar a viatura (...) NT encostou à sua direita, saindo inclusive parcialmente da sua faixa de rodagem, tendo mesmo embatido com o para choques frontal direito na berma da estrada, ficando imobilizada.

b) O condutor do (...) NT ao avistar o veículo da Autora travou para reduzir a marcha e imobilizar o veículo, não o tendo conseguido em virtude do piso se encontrar molhado e com pouca aderência, tendo derrapado e atravessando-se nas faixas de rodagem, até embater no painel esquerdo do veiculo da Autora, já imobilizado na berma.

c) A distância libertada pelo veículo da Autora ao veículo seguro na Ré foi de 3,00 metros.

d) O veículo da Autora saiu para a direita da sua hemi-faixa de rodagem cerca de 0,80 metros.

e) Quando circulava nas circunstâncias acima descritas, e ao aproximar-se dos tanques ali existentes, o condutor do veículo seguro na Ré avistou o veículo pesado de passageiros (...) PP.

f) Pelo que, tendo em conta a largura da estrada, imobilizou o seu veículo o mais perto possível da berma da direita, para permitir a passagem do autocarro.

g) Apesar dessa manobra do condutor do veículo seguro na Ré, o condutor do autocarro não conseguiu imobilizar a marcha deste.

h) Nem regulá-la de forma a cruzar-se com o veículo (...) NT, já imobilizado junto à berma, sem lhe embater no espelho retrovisor exterior esquerdo e sem raspar nos taipais da rectaguarda dessa lateral esquerda.

i) Só se desviando para a sua direita e para a berma desse lado depois de ter embatido no veículo seguro na Ré, ficando obliquado e com a sua frente mais para a direita em cima da berma, mas sem que em algum momento tivesse sofrido quaisquer danos no pára-choques frontal.

j) Quando foi embatido pelo veículo da Autora, a lateral traseira do veículo seguro na Ré estava a 0,25 metros da berma direita e a sua lateral dianteira direita estava a 2,80 metros da berma esquerda.

k) Não foi possível o acordo entre o perito encarregado da peritagem e a oficina reparadora, propriedade da Autora, porque esta entendeu fazer um orçamento de valor muito superior ao necessário para a reparação dos danos sofridos no acidente com claro intuito de protelar a finalização da peritagem e assim provocar o aumento artificial dos dias que podiam ser reclamados para efeitos de indemnização por paralisação do seu veículo.

l) O veículo da Autora ficou impossibilitado de circular.

m) A faixa de rodagem referida em 11. forma uma recta de comprimento superior a 50 metros.

A. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada, devendo passar a considerar-se como provada a seguinte factualidade:

a) O condutor da viatura (...) PP ao avistar a viatura (...) NT encostou à sua direita, saindo inclusive parcialmente da sua faixa de rodagem, tendo mesmo embatido com o para choques frontal direito na berma da estrada, ficando imobilizada.

c) A distância libertada pelo veículo da Autora ao veículo seguro na Ré foi de 3,00 metros.

d) O veículo da Autora saiu para a direita da sua hemi-faixa de rodagem cerca de 0,80 metros.

l) O veículo da Autora ficou impossibilitado de circular.

Alega a autora que o Tribunal incorreu em erro de julgamento ao não dar como provados os factos ora referidos, devendo, na sua óptica, os mesmos serem considerados como provados, estribando-se, para tal, no depoimento da testemunha H... , que elaborou a Participação de acidente e no teor desta Participação, relativamente aos factos mencionados nas al.s a), c) e d) e, quanto ao facto constante da al. l), no depoimento da testemunha I... .

            Posto isto, e em tese geral, convém, desde já, deixar algumas notas acerca da produção da prova e definir os contornos em que a mesma deve ser apreciada em 2.ª instância.

Toda e qualquer decisão judicial em matéria de facto, como operação de reconstituição de factos ou acontecimento delituoso imputado a uma pessoa ou entidade, esta através dos seus representantes, dependente está da prova que em audiência pública, sob os princípios da investigação oficiosa (nos limites e termos em que esta é permitida ao julgador) e da verdade material, se processa e produz, bem como do juízo apreciativo que sobre a mesma recai por parte do julgador, nos moldes definidos nos artigos 653, n.º 2 e 655, n.º 1, CPC – as já supra mencionadas regras da experiência e o princípio da livre convicção.

Submetidas ao crivo do contraditório, as provas são pois elemento determinante da decisão de facto.

Ora, o valor da prova, isto é, a sua relevância enquanto elemento reconstituinte dos factos em apreço, depende fundamentalmente da sua credibilidade, ou seja, da sua idoneidade e autenticidade.

Por outro lado, certo é que o juízo de credibilidade da prova por declarações, depende essencialmente do carácter e probidade moral de quem as presta, sendo que tais atributos e qualidades, como regra, não são apreensíveis mediante o exame e análise das peças ou textos processuais onde as mesmas se encontram documentadas, mas sim através do contacto directo com as pessoas, razão pela qual o tribunal de recurso, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido.

Quanto à apreciação da prova, actividade que se processa segundo as regras da experiência comum e o princípio da livre convicção, certo é que em matéria de prova testemunhal (em sentido amplo) quer directa quer indirecta, tendo em vista a carga subjectiva inerente, a mesma não dispensa um tratamento a nível cognitivo por parte do julgador, mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal como a prova indiciária de qualquer outra natureza, pode e deve ser objecto de formulação de deduções e induções, as quais partindo da inteligência, hão-de basear-se na correcção de raciocínio, mediante a utilização das regras de experiência e conhecimentos científicos, tudo se englobando na expressão legal “regras de experiência”.

Estando em discussão a matéria de facto nas duas instâncias, nada impede que o tribunal superior, fundado no mesmo princípio da livre apreciação da prova, conclua de forma diversa do tribunal recorrido, mas para o fazer terá de ter bases sólidas e objectivas.

Não se pode olvidar que existe uma incomensurável diferença entre a apreciação da prova em primeira instância e a efectuada em tribunal de recurso, ainda que com base nas transcrições dos depoimentos prestados, a qual, como é óbvio, decorre de que só quem o observa se pode aperceber da forma como o testemunho é produzido, cuja sensibilidade se fundamenta no conhecimento das reacções humanas e observação directa dos comportamentos objectivados no momento em que tal depoimento é prestado, o que tudo só se logra obter através do princípio da imediação considerado este como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes de modo a que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da decisão.

As consequências concretas da aceitação de tal princípio definem o núcleo essencial do acto de julgar em que emerge o senso; a maturidade e a própria cultura daquele sobre quem recai tal responsabilidade. Estamos em crer que quando a opção do julgador se centre em elementos directamente interligados com o princípio da imediação (v. g. quando o julgador refere não foram (ou foram) convincentes num determinado sentido) o tribunal de recurso não tem grandes possibilidades de sindicar a aplicação concreta de tal princípio.

Na verdade, o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, reacções imediatas, o contexto em que é prestado o depoimento e o ambiente gerado em torno de quem o presta, não sendo, ainda, despiciendo, o próprio modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo isso contribuindo para a convicção do julgador.

A comunicação vai muito para além das palavras e mesmo estas devem ser valoradas no contexto da mensagem em que se inserem, pois como informa Lair Ribeiro, as pesquisas neurolinguísticas numa situação de comunicação apenas 7% da capacidade de influência é exercida através da palavra sendo que o tom de voz e a fisiologia, que é a postura corporal dos interlocutores, representam, respectivamente, 38% e 55% desse poder - “Comunicação Global, Lisboa, 1998, pág. 14.

Já Enriço Altavilla, in Psicologia Judiciaria, vol. II, Coimbra, 3.ª edição, pág. 12, refere que “o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras”.

Então, perguntar-se-á, qual o papel do tribunal de recurso no controle da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento?

Este tribunal poderá sempre controlar a convicção do julgador na primeira instância quando se mostre ser contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos. Para além disso, admitido que é o duplo grau de jurisdição em termos de matéria de facto, o tribunal de recurso poderá sempre sindicar a formação da convicção do juiz ou seja o processo lógico. Porém, o tribunal de recurso encontra-se impedido de controlar tal processo lógico no segmento em que a prova produzida na primeira instância escapa ao seu controle porquanto foi relevante o funcionamento do princípio da imediação.

Tudo isto, sem prejuízo, como acima já referido, de o Tribunal de recurso, adquirir diferente (e própria) convicção (sendo este o papel do Tribunal da Relação, ao reapreciar a matéria de facto e não apenas o de um mero controle formal da motivação efectuada em 1.ª instância – cf. Acórdão do STJ, de 22 de Fevereiro de 2011, in CJ, STJ, ano XIX, tomo I/2011, a pág. 76 e seg.s e de 30/05/2013, Processo 253/05.7.TBBRG.G1.S1, in http://www.dgsi.pt/jstj.

Tendo por base tais asserções, dado que se procedeu à gravação da prova produzida, passemos, então, à reapreciação da matéria de facto em causa, a fim de averiguar se a mesma é de manter ou de alterar, em conformidade com o disposto no artigo 662, do NCPC., pelo que, nos termos expostos, nos compete apurar da razoabilidade da convicção probatória do tribunal de 1.ª instância, face aos elementos de prova considerados (sem prejuízo, como acima referido de, com base neles, formarmos a nossa própria convicção).

Vejamos, então, a supra referida factualidade posta em causa pelo ora recorrente, nas respectivas alegações de recurso.

Alteração da factualidade dada como não provada, constante das alíneas a), c), d) e l) dos factos dados como não provados na sentença recorrida.

Como consta de fl.s 155 v.º e 156, consta destas alíneas que não foi dado como provado que:

“a) O condutor da viatura (...) PP ao avistar a viatura (...) NT encostou à sua direita, saindo inclusive parcialmente da sua faixa de rodagem, tendo mesmo embatido com o para choques frontal direito na berma da estrada, ficando imobilizada.

c) A distância libertada pelo veículo da Autora ao veículo seguro na Ré foi de 3,00 metros.

d) O veículo da Autora saiu para a direita da sua hemi-faixa de rodagem cerca de 0,80 metros.

l) O veículo da Autora ficou impossibilitado de circular. “.

Como motivação (cf. fl.s 157 v.º a 158 v.º), refere a M.ma Juiz a quo, o seguinte:

“Por ambos os condutores foram apresentadas duas versões díspares quanto à alegada dinâmica do acidente ocorrido a 25 de Outubro de 2012.

D... , condutor do veículo propriedade da Autora, prestou um depoimento comprometido e bastante parcial. Referiu que circulava a cerca de 30/35 quilómetros/hora e que quando desfaz a curva – melhor retratada na fotografia 1 junta a fls. 148 – se deparou com o veículo segurado da Ré, em ziguezague, travou e encostou o mais que pôde à direita, ficando cerca de um metro para fora da estrada, já junto dos tanques.

Quando confrontado com as fotografias juntas a fls. 135 a 137 confirmou que os danos foram somente no lado esquerdo do veículo por si conduzido.

Frisou, por diversas vezes, que “já estava parado quando ele [condutor do veículo seguro na Ré] me bateu.”

Por seu turno, as testemunhas E... e F... , passageiros do veículo propriedade da Autora, também apresentaram discursos pouco consistentes, confusos e com algumas contradições.

E... seguia na segunda fila do referido veículo, do lado direito (ou seja, do lado oposto ao motorista). Referiu que “o autocarro vinha numa marcha lenta” e que visualizou “a carrinha em sentido contrário … que não abrandou … mas vinha na faixa dela”. Afirmou, de forma peremptória, que quando saiu do veículo este encontrava-se junto ao tanque. No entanto, e no que concerne ao embate, primeiramente, afirmou que este ocorreu quando estavam “quase parados” e, num segundo momento, quando já estavam parados.

F... , que se encontrava no assento imediatamente atrás do motorista, não conseguiu confirmar se o autocarro efectivamente parou já no paralelo – cfr. fls. 148 (foto 2) e 149 (fotos 1 e 2) – isto é, junto ao tanque. Mencionou que o autocarro “não tinha espaço para continuar [subentenda-se a sua marcha]”. Também não foi clara ao afirmar se o veículo já se encontrava parado ou não aquando do embate.

Já o condutor do veículo seguro na Ré, a testemunha C... , referiu que já quando havia passado os tanques visualizou o autocarro e parou. Aí, o autocarro “raspou a carrinha toda… e só parou quando meteu o autocarro na valeta”. Por fim referiu, ainda, que a tampa (visível a fls. 148, foto 1) estava atrás da carrinha, isto no final do embate. Também esta testemunha prestou um depoimento comprometido e bastante parcial.

Nenhuma das versões explanadas convence.

Diga-se, desde logo, que pela análise do croqui junto a fls. 23, apelando às distâncias da faixa de rodagem, ao ponto C nele inserto, e à largura das viaturas (isto sem descurar o facto de a largura dos espelhos retrovisores não ter sido contabilizada na resposta dada nos pontos 8. e 9.) não se vislumbra, e salvo melhor opinião, a dinâmica do acidente nem se alcança o respectivo local provável de embate.

Considerando que o eixo da via se situa a 2,35 metros, o veículo seguro na Ré tem uma largura de 1,995 metros, e encontrava-se, após o embate, a 0,25 metros da berma a versão apresentada pela Autora é inverosímil. Isto porque, e afirmando o condutor do veículo propriedade da Autora, que já se encontrava parado, junto aos tanques – ou seja a cerca de 0,80 metros para a direita da sua hemi-faixa de rodagem - inexiste a possibilidade física de qualquer contacto entre os dois veículos.

Também a versão trazida pela Ré é pouco crível, na medida em que quis fazer crer a este Tribunal que o ponto de embate se dá num local onde a faixa de rodagem mede 4,00 m – conforme se pode alcançar da fotografia 1 junta a fls. 148 -, onde não existe berma, sendo dessa forma incompreensível quer os danos decorrentes do suposto embate, quer a posição final das viaturas, versão essa que foi peremptoriamente afastada pela testemunha J... , militar da G.N.R, que se deslocou ao local no dia do sinistro, tendo auxiliado a testemunha H... na elaboração da participação do sinistro.

No que concerne à prova dos factos elencados em 4. atendemos, no essencial, ao teor do depoimento prestado pela testemunha D... , que confirmou que trabalhava e cumpria ordens da Autora.

A testemunha I... , pese embora com relações profissionais com a Autora, depôs de uma forma que reputamos com crível e coerente, pelo que foi essencial para a prova dos factos elencados em 16., 23. e 24

*

No que concerne à dinâmica do acidente a não prova dos factos elencados nas alíneas a) a j) resulta do já explanado supra.

(…)

Relativamente aos danos apenas foi feita prova relativamente aqueles que se encontram descritos no ponto 13. Ora assim sendo, e atendendo ao Regulamento sobre as características das Luzes e à Portaria n.º 851/94, de 22 de Setembro, e sem prejuízo do teor da ficha de acompanhamento junta a fls. 140 e do teor do depoimento prestado pela testemunha L... , perito automóvel, não se vislumbra em que sentido o veículo da Autora não pudesse circular.”.

Vejamos, então, se dos depoimentos prestados pelas testemunhas que depuseram quanto à dinâmica do acidente, e sem olvidar as considerações prévias, quanto a tal, já acima explanadas, existem motivos para que a matéria em causa (total ou parcialmente) seja dada como provada.

Ora, ouvido, na íntegra, o depoimento prestado pela testemunha D... , condutor do autocarro de passageiros, resulta que o mesmo, de relevante e no essencial, no que a esta factualidade interessa, referiu que “a carrinha se atravessou e bateu-lhe com o pára-choques a seguir ao pneu da frente e ficou presa no autocarro com o gancho do taipal de trás”.

Referiu, ainda, que ia a 30/35 kms/h, travou e se encostou o máximo que pode à direita, porque a estrada é estreita, ficando já em cima do paralelo que margina a estrada.

Afirmou que já se encontrava parado, paralelo aos tanques (de lavagem de roupa que se situam ao lado da estrada) quando a carrinha lhe embateu, “ficando quase encostado aos tanques”, referindo que saiu da estrada “quase um metro”.

Segundo referiu, o condutor da carrinha, após o acidente disse-lhe “travei e a carrinha atravessou-se”, reiterando que a carrinha “começou a andar aos esses”, numa altura em que o autocarro já se encontrava parado.

Por seu turno, a testemunha C... , condutor da carrinha, referiu “quando vi o autocarro parei. O autocarro ocupava a faixa toda e só parou à frente, na valeta, quando meteu o autocarro na valeta”.

Mais disse que quando se deu o embate já estava parado e nunca mais mexeu na carrinha e que “não indicou o sítio do embate à GNR”.

F... , que seguia no autocarro, no banco da frente, atrás do condutor, disse que o autocarro estava parado quando a carrinha lhe bateu, porque “a camioneta pára ali para deixar sair os alunos, parou para largar os estudantes” e que “a carrinha não tinha espaço para continuar e não passou”.

E... , passageiro do autocarro, que ia no 2.º banco, a contar da frente, do lado direito, referiu que “ia a olhar para uns papéis e que o autocarro ia devagar”.

Ouviu o estrondo do embate e que a camioneta estava encostada à direita, mais ou menos a um metro do tanque e que a carrinha não abrandou a marcha a que vinha e tentou passar ao lado da camioneta e houve o embate.

Depois referiu que “se calhar a camioneta já estava parada aquando do embate” e ainda que “já estava parada”.

No final referiu que “viu a caixa da carrinha a passar ao lado da camioneta, viu de repente a cabina a vir”.

H... , soldado da GNR que elaborou a participação e croquis do acidente, disse que o local do embate lhe foi indicado pelos condutores, mas que não viu vestígios no local onde se deu o embate.

Mais referiu que o autocarro estava parado junto aos tanques e que a carrinha também estava praticamente na berma da sua mão de trânsito e “praticamente a tocar um no outro”.

Não sabe explicar quem “saiu de mão” e que o seu colega é que lhe indicou as medidas.

J... , soldado da GNR que com a anterior testemunha tomou conta da ocorrência em causa, disse que o autocarro estava parado junto aos tanques e a carrinha perto da berma contrária.

Que o local do embate foi indicado pelos condutores.

Instado a explicar porque embateram as viaturas referiu que “a carrinha pode ter-se desviado depois do embate. Estavam os dois na faixa”.

I... , gestora de tráfego da autora, referiu que “o carro não podia circular, não podia fazer serviço, não estava em condições de circular”, explicitando que a mesma não necessitou de ser rebocada para as suas oficinas.

Esclareceu que o autocarro não tinha problemas mecânicos mas que “faltavam algumas luzes limitadoras de lado” e que “algumas tampas e puxadores/fechos das malas estavam metidas para dentro”, o que impedia que ali se transportassem bagagens.

L... , perito automóvel, que efectuou a 1.ª peritagem ao autocarro, referiu que este apresentava “riscos e mossas profundas na lateral esquerda”, pelo que contabilizou as horas que seriam necessárias para a reparação, essencialmente, em “horas de pintura”, sendo os respectivo preços tabelados, tanto em termos de preço por hora de trabalho, como de tempo necessário para realizar uma determinada reparação, p. e., para desmontar/montar um pára-choques, pintar determinada área de uma viatura, etc.

Não se recorda se havia ou não luzes ou farolins partidos.

Em primeiro lugar e no que se refere à dinâmica do acidente, analisada a prova testemunhal, em conjugação com a participação e croquis do acidente, bem como dos elementos fotográficos juntos aos autos, maxime, os constantes de fl.s 139 e 148 e v.º, comungamos das dúvidas manifestadas pela M.ma Juiz a quo, no que concerne à forma como terá ocorrido o acidente.

Efectivamente, ambos os condutores apresentam versões dispares e contraditórias, imputando-se, reciprocamente, a saída da respectiva mão de trânsito e que cada um deles é que se encontrava parado quando embatido pelo outro.

As testemunhas F... e E... , únicos passageiros adultos que seguiam no autocarro que se destinava primordialmente ao transporte escolar, nada referiram quanto ao local onde se deu o embate, para além de que não referiram, em termos seguros e precisos, se os veículos ou qual deles, se encontrava parado e onde, referindo a posição em que os mesmos se encontravam após o embate.

Por sua vez os soldados da GNR que tomaram conta da ocorrência, com base nos sinais que visionaram, também não conseguiram explicar, atentas as medidas das viaturas intervenientes e a largura da via, qual a causa do embate, porque é que as viaturas embateram uma na outra.

Sendo a este propósito de realçar que o croquis de fl.s 23 não refere quaisquer medidas do assinalado local de embate para qualquer das bermas, nem se encontra efectuado à escala, como expressamente referido pelo seu autor.

Por outro lado, ali não é feita a referência a quaisquer elementos objectivos, v.g. vidros partidos, manchas, resíduos, etc., que permitam concluir que o embate se deu num determinado local (designadamente, no assinalado).

Decisivo é, ainda, o facto de, como referido na fundamentação constante da sentença recorrida, as medidas, quer da via, quer das posições dos veículos intervenientes, constantes do referido croquis, conjugadas com a largura destes veículos, não se conjugarem entre si.

Efectivamente, como ali se explicita, fica sem explicação, atento a tais medidas, qual a causa do embate.

Assim, mantém-se como não provada a factualidade constante das alíneas a), c) e d), dos factos não provados.

No que se refere ao facto constante da al. l), para além das fotos de fl.s 133 a 136 e relatórios de peritagem e contra-peritagem, de fl.s 140 e 35 e 36, respectivamente, há que ter em conta os depoimentos prestados pelas testemunhas I... e L... .

Nos relatórios em causa, apenas se refere, genericamente que “o veículo não circula”.

As fotos referidas apenas mostram os “riscos/mossas” com que o autocarro ficou, na sua lateral esquerda.

A testemunha I... refere que faltavam luzes limitadoras e problemas com os fechos/puxadores das malas onde se acondiciona a bagagem.

O facto é que inexiste a demonstração de quaisquer danos sofridos pelo autocarro, apenas, quanto a tal se tendo demonstrado o que consta do item 13 (e que se refere à carrinha), pelo que tal factualidade não se pode ter por demonstrada.

De resto (talvez devido à existência do aludido acordo entre a ANTROP e a APS) a autora, na p.i., limitou-se a alegar os custos de reparação, mas omitindo a descrição dos danos efectivamente sofridos pelo autocarro.

Assim, também, a matéria constante da referida alínea l), se mantém como não provada.

Pelo que, nesta parte, tem de improceder, em conformidade com o que ora se deixou dito, o recurso em apreço, mantendo-se a matéria de facto dada como provada e não provada em 1.ª instância.

B. Se deve ser dado como provado que o condutor do veículo seguro na ré, o conduzia como empregado da sociedade “T (...) ”, sua proprietária e por conta desta.

No que a esta questão concerne, alega a recorrente que, com base no depoimento da testemunha G... , se deve dar como demonstrado que o condutor do veículo seguro na ré, era empregado da proprietária de tal veículo e que o conduzia por conta desta.

Não se nega que este facto é, ou pode ser, de essencial relevância para a decisão do pleito, designadamente, em termos de culpabilidade na produção do acidente, em casos, como o presente, em que se desconhece a dinâmica do acidente, hipótese em que se fez apelo à responsabilidade presumida do condutor por conta de outrem, in casu, à do condutor do veículo da autora, em face do que consta do item 4 dos factos provados.

O problema é que este facto nunca foi alegado pelas partes, designadamente, pela autora, a quem o mesmo interessa, ao longo dos autos.

Face ao acima exposto, é indiscutível a essencialidade do facto em causa.

Por contraponto ao factos essenciais, os factos instrumentais destinam-se a realizar a prova indiciária dos factos essenciais, já que através deles se poderá chegar, mediante presunção judicial, à demonstração dos factos essenciais correspondentes – assumindo, pois, em exclusivo uma função probatória e não uma função de preenchimento e substanciação jurídico-material das pretensões e da defesa, no que, ora, se seguiu o pensamento expresso por Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2.ª edição, Almedina, 2004, a pág.s 252 e 253.

Ora, nos termos do disposto no artigo 5.º do NCPC (anterior 264.º do CPC):

“n.º 1 – Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções.

n.º 2 – Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelos juiz:

a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;

b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar.”.

Daqui que, (por referência ao artigo 264.º do CPC) como se salienta no Acórdão do STJ, de 31/03/2011, Processo n.º 281/07.9TBSVV.C1.S1, disponível in http://www.dgsi.pt/jstj, “não obstante a reforma do processo civil de 95/96 (…) que visou também garantir a prevalência do fundo sobre a forma, através da previsão de um poder mais interventor do juiz, tendo nela saído revigorado o princípio do inquisitório ou da oficiosidade, imbuído de uma lógica de cooperação, a verdade é que o Juiz só pode, em princípio, fundamentar a sua decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo de poder sempre atender àqueles que não carecem de alegação ou de prova (art. 514.º do CPC) de obstar ao uso anormal do processo (art. 665 do mesmo diploma legal) e de considerar, mesmo oficiosamente, os factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa e os factos essenciais que sejam complemento ou concretização de outros que as partes hajam oportunamente alegado e resultem da instrução e da discussão da causa (art. 264.º, n.os 2 e 3, ainda do CPC)”.

Como refere Lopes do Rego, ob. cit., a pág. 253 “o tribunal tem um amplo poder inquisitório relativamente aos factos instrumentais, podendo investigá-los no decurso da audiência, quer por sugestão da parte interessada, quer mesmo por iniciativa própria”.

Mas o mesmo já não se passa relativamente aos factos essenciais, os que integram e constituem a causa de pedir, uma vez que quanto a estes se nega a inquisitoriedade que se admite relativamente aos instrumentais – neste sentido, veja-se M. Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Março/Julho de 1996, pág.s 70 a 72.

Posto isto e atento a que o facto em apreço nesta questão do presente recurso é um facto essencial para a decisão da pretensão jurídica solicitada e que não foi alegado pela partes, não pode ser tido, agora, apenas em sede de recurso, em conta – cf. artigo 5.º, n.º 1, do NCPC.

Sendo essencial, também, nem sequer o mesmo se pode considerar como complemento ou concretização de outros que hajam sido alegados e resulte da instrução e discussão da causa (caso em que, mesmo assim, ficaria dependente de manifestação de vontade da parte em dele se aproveitar e depois de cumprido o contraditório, sendo que nada disto se verificou), nos termos do disposto no n.º 2 deste artigo.

Efectivamente, salvo o devido respeito (e seguindo o por nós já decidido anteriormente), o que se acha previsto no art. 5.º/2 do NCPC não têm o significado que a recorrente lhe quer dar, isto é que, por derivar do depoimento de uma testemunha, não obstante não ter sido alegado, tem, agora, de ser levado em consideração.

Como refere o Prof. Lebre de Freitas[1], “quanto à consideração dos factos complementares ou concretizadores que ressaltem da instrução da causa, o regime mantém-se, exigindo a lógica do esquema processual derivado do princípio do dispositivo que a parte a quem os factos aproveitem os introduza como matéria da causa, mediante a manifestação, equivalente a uma alegação, da vontade de deles se aproveitar.

Não é pois correcta, a nosso ver e com o devido respeito, a ideia, porventura retirada duma leitura apressada da recente Reforma do regime do processo civil, desta Reforma dispensar as partes de dizer/alegar, nos articulados, a sua versão factual, na medida em que – dir-se-á em tal ideia, a nosso ver, “errada” – no julgamento, se pode discutir tudo e mais alguma coisa, tendo, depois, o juiz que efectuar uma redacção dos factos que inclua o “tudo e mais alguma coisa” – aqui se incluindo o que foi meramente aflorado no julgamento (e que antes nunca se disse/alegou) e o que possa extrair-se de todo o tipo de documentos que foram sendo juntos (e que antes nunca se disse/alegou) – no elenco factual da sentença; mais, tendo depois a Relação, caso a 1.ª Instância o não tenha feito, que efectuar tal redacção do “tudo e mais alguma coisa” que nunca foi alegado e que, entretanto, a parte se lembrou que pode ter interesse e pode “dar jeito”.

Nada há na lei processual actual, salvo melhor opinião, que permita dizer ou pensar que o NCPC escancara a porta à desordem e surpresa processuais.

Permite (como já antes o art. 264.º/3) que factos que complementam ou concretizam os factos alegados pelas partes sejam tomados em conta, mas, evidentemente, após uma parte dizer que se quer aproveitar deles; o que, verdadeiramente e em bom rigor, só acontece após a exacta concretização dos factos de que se quer aproveitar.

Até tal momento – até a parte concretizar o facto, como entende que ele ocorreu, e manifestar a vontade de dele se aproveitar, o que naturalmente tem que acontecer na 1.ª Instância – nem sequer a outra parte está devidamente avisada da possibilidade de tal facto ser utilizado e, por isso, compreensivelmente, poderá não fazer incidir o seu labor probatório sobre ele (ou sobre a contraprova do mesmo).

Tudo isto para, encurtando razões, dizer e concluir que não assiste qualquer razão à autora apelante na conclusão supra transcrita, no que a esta questão respeita, uma vez que, sem ter feito a respectiva e oportuna alegação e sem ter manifestado uma explícita vontade de se aproveitar de tais concretos factos, pede que os mesmos sejam dados como provados; ou seja, pede que seja dado como provado algo que não foi antes idoneamente introduzido/alegado no processo.

Tudo, sem olvidar que, neste caso, para mais, se trata de um facto essencial e que, por isso, teria de ser, necessariamente alegado.

Pelo que, que não pode esta factualidade ser dada como provada (por a mesma não ter sido oportunamente alegada), termos em que nada mais importa averiguar em sede do recurso da matéria de facto.

Consequentemente, também, nesta parte, tem de improceder o recurso em apreço, mantendo-se inalterada a matéria de facto dada como provada e não provada em 1.ª instância.

C. Culpabilidade dos intervenientes na produção do acidente.

No que a esta questão tange, defende a recorrente, com base na pretendida alteração da matéria de facto dada como provada, que se altere a decisão recorrida, no sentido de se passar a considerar que o ajuizado acidente se ficou a dever a culpa exclusiva do condutor do veículo seguro na ré, por violação do disposto no artigo 13.º do Código da Estrada ou em que, pelo menos, se considere que este também conduzia a referida viatura, na qualidade de empregado e por conta da respectiva proprietária.

Na sentença recorrida, com fundamento em não se ter apurado a culpa efectiva de nenhum dos condutores dos veículos nele intervenientes e por apelo à presunção a que se alude no artigo 503.º, n.º 1, do Código Civil, dado o que consta do item 4 dos factos provados, julgou-se improcedente a presente acção.

Como é óbvio, a procedência desta questão do recurso estava na total dependência do sucesso do recurso relativamente à reapreciação da matéria de facto, o que não sucedeu, mantendo-se inalterada a factualidade dada por provada e não provada em 1.ª instância.

Assim, é de manter a decisão recorrida no que toca a esta matéria, nos termos ali constantes e para os quais se remete, em conformidade com o disposto no artigo 663.º, n.º 6, do NCPC.

            Consequentemente, nesta parte, igualmente, improcede o presente recurso.

D. Montante da indemnização a atribuir à autora.

Em face do que consta da anterior questão, inexiste qualquer obrigação da ré em indemnizar a autora pelos danos por esta sofridos em consequência do acidente sub judice, uma vez que nada se pode assacar em termos de culpa efectiva ou presumida ao condutor do veículo por si seguro, pelo que falecem os pressupostos em que a autora assenta a sua pretensão indemnizatória e que lhe incumbia demonstrar, cf. artigo 487.º, n.º 1, do Código Civil, o que não logrou alcançar, do que decorre não ter direito a que a ré lhe pague qualquer indemnização.

 O que implica, no que se refere a esta questão, a improcedência do recurso.

Recurso da ré.

E. Incorrecta análise e apreciação da prova – alteração da al. j) dos factos provados, a qual, deverá passar a ter a redacção constante da conclusão 6.ª do recurso da ré.

A ampliação do recurso da ré teve apenas em vista a hipótese de alguma alteração da matéria de facto dada como provada e não provada, na sequência do recurso interposto pela autora.

Tal não se verificou, pelo que carece de efeito útil a apreciação desta questão.

Assim, por prejudicada, não se conhece da ampliação do recurso requerida pela ré.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente o presente recurso de apelação, em função do que se mantém a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

            Coimbra, 22 de Setembro de 2015.

           

Arlindo Oliveira (Relator)
Emidio Francisco Santos
Catarina Gonçalves


[1] “A Acção Declarativa Comum à luz do CPC de 2013”, 3.º ed., pág. 307 a 309.