Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
33/11.GBALD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALCINA DA COSTA RIBEIRO
Descritores: SUBSTITUIÇÃO DA PENA DE MULTA POR PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE;
REQUERIMENTO DO CONDENADO; PRAZO
Data do Acordão: 10/17/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE ALMEIDA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 48.º, N.º 1, DO CP; ARTS. 489.º, N.º 2, E 490.º, N.º 1, DO CPP
Sumário:
Salvo no caso de justo impedimento, o requerimento, para substituição da pena de multa por dias de trabalho, previsto no n.º 1 do artigo 48.º do CP, deve ser apresentado, pelo condenado, no prazo, de 15 dias, fixado no artigo 489.º, n.º 2, do CPP, para o qual remete o artigo 490.º, n.º 1, do mesmo diploma.
Decisão Texto Integral:

I. RELATÓRIO

1. Por sentença proferida em 31 de Janeiro de 2012, foi o arguido A. condenado, em cúmulo jurídico, na pena de 210 dias de multa, à taxa diária de 5 €.

2. O arguido não pagou voluntariamente a multa em que foi condenado.

3. Em 25 de Janeiro de 2018 foi proferida decisão que converteu a pena de multa em 140 dias de prisão.

4. Discordante desta decisão dela recorre o arguido, concluindo:

«1. Estando em causa a liberdade, antes de ser proferida decisão que a retire deve o visado ser notificado por contacto pessoal, e mesmo ser ouvido pessoalmente em juízo, o que não sucedeu no caso – violação de uma formalidade essencial, cuja violação gera nulidade, de conhecimento oficioso, artigos 119.º e 61.º ambos do CPP (concedemos, este entendimento não é unívoco). Devendo ser declarada esta nulidade e revogada a decisão recorrida, devendo ser substituída por outra que previamente à conversão da multa em prisão determine a notificação por contacto pessoal do Arguido para se poder pronunciar pessoalmente em juízo sobre a possibilidade da conversão da multa em prisão. No caso dos Autos, não foi efectuada a ponderação sobre a possibilidade da cobrança coerciva, destarte, violação do artigo 49.º CP – opinião comum, este normativo legal não impõe que se intente efectivamente uma tal cobrança coerciva, antes apenas demanda que se aquilate de tal viabilidade – o que não foi feito; extrai-se apenas da Decisão ora recorrida “Feitas as pesquisas às bases de dados, verificou-se não existirem bens que permitam a sua cobrança coerciva” – conclusivo e não satisfatório das garantias da fundamentação das decisões; Nulidades que devem ser declaradas, com consequente revogação da Decisão

1. O Recorrente viu, por força da decisão que antecede, convertida a pena de multa em 140 dias de prisão subsidiária. É desta Decisão que apresenta recurso;

2. O Arguido não efectuou o pagamento da multa em que foi condenado, mas, - requereu, tempestivamente, a sua substituição por dias de trabalho (cf. Ac. RP de 09- 12-2015, Pº 17/10.7PCGDM-A.P1, de cujo Sumário se extrai: “Após o decurso do prazo previsto no art. 489º do Cód. de Processo Penal, para pagamento da multa, não fica precludida a possibilidade de o condenado requerer a substituição da multa por trabalho.”- cumpriu o ónus de demonstração das condições económicas: encontra-se documentado a fls: o Arguido não tem qualquer rendimento ou património (“feitas as pesquisas bases de dados”, extrai-se da Decisão); -bem assim, em ordem a descoberta da Verdade e boa aplicação do Direito, requereu ao Tribunal a quo ordenasse a elaboração de RELATÓRIO SOCIAL relativamente ao mesmo – pretensão que a Decisão recorrida indefere;

3. O Tribunal a quo, em momento algum, ordenou (oficiosamente) o pagamento das multas em prestações, podendo fazê-lo antes de lançar das últimas consequências prisão – cf. Ac. TRP de 5-02-2014, CJ, 2014, T1, pág. 216, de cujo sumário se extrai: “I. O pagamento da pena de multa em prestações pode ser requerido pelo condenado ou pelo MP em benefício dele; e pode também ser decretado oficiosamente pelo tribunal. II. Quando o pagamento seja ordenado oficiosamente pelo tribunal, não tem que observar-se o prazo de 15 dias previsto no artº489º, nº2, do CPP.”;

4. No caso, falham os pressupostos: da pena não ter sido substituída por trabalho e do incumprimento da pena de multa ser culposo; o que interessa é a situação que os Arguidos mantêm na época em que se lhe impõe a prisão subsidiária, pois só a sua capacidade económica releva para a suspensão da execução da prisão subsidiária.

5. O n.º 1 do 490.º do CPP, em termos combinados com os n.ºs 2 e 3 do artigo 489.º do mesmo diploma legal, é inconstitucional quando interpretado no sentido de após o decurso do prazo previsto no art. 489º do Cód. de Processo Penal, para pagamento da multa, ficar precludida a possibilidade de o condenado requerer a substituição da multa por trabalho – desde logo, por violação do PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE OU ADEQUAÇÃO;

6. Tudo pelo que é ilegal a conversão em prisão da multa, mostrando-se violado o artigo 49.º CP».

5. O Digno Procurador Adjunta, junto do tribunal recorrido, na resposta ao Recurso, conclui que pela manutenção do despacho sindicado.

6. Nesta Relação, o Digno Procurador-Geral-Adjunto pronunciou-se no sentido da manutenção do não provimento do recurso.

7. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, nada obsta ao conhecimento do mérito do recurso.

.

II. QUESTÕES A DECIDIR

- Nulidade da decisão;

- Pressupostos da conversão da pena de multa em prisão subsidiária

- Inconstitucionalidade do artigo 49º, nºs 1 e 3, do Código Penal;

III. FUNDAMENTAÇÃO

1. Nulidade da decisão

O Recorrente aponta ao despacho recorrido o vício da nulidade, com os seguintes fundamentos: a) falta de notificação pessoal para se poder pronunciar sobre a possibilidade da conversão da multa em prisão, b) omissão de pronúncia sobre a possibilidade coerciva da multa e c) omissão de pronúncia sobre pagamento da multa em prestações.

Vejamos cada uma delas:

1.1. Falta de notificação pessoal para se poder pronunciar sobre a possibilidade da conversão da multa em prisão

É sabido, que a exigência da prévia audição do arguido, quando está em causa a apreciação da sua culpabilidade no não pagamento da pena de multa, traduz-se na transcrição legal dos comandos constitucionais referentes à garantia de defesa em processo criminal (artigo 32º, 1, Constituição da República Portuguesa) e, mais directamente, com a observância do princípio do contraditório (seu nº 5). Essas garantias, no processo penal, só serão asseguradas quando ao condenado seja facultada a possibilidade de pronunciar previamente ao proferimento do despacho que converte a multa não paga em prisão subsidiária.

No que toca às regras gerais sobre as notificações, dispõe o artigo 113º, do Código de Processo Penal:

«1 - As notificações efectuam-se mediante:

a) Contacto pessoal com o notificando e no lugar em que este for encontrado;

b) Via postal registada, por meio de carta ou aviso registados;

c) Via postal simples, por meio de carta ou aviso, nos casos expressamente previstos; ou

d) Editais e anúncios, nos casos em que a lei expressamente o admitir.

2 - Quando efetuadas por via postal registada, as notificações presumem-se feitas no terceiro dia posterior ao do seu envio, quando seja útil, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja, devendo a cominação aplicável constar do ato de notificação.

3 - Quando efectuadas por via postal simples, o funcionário judicial lavra uma cota no processo com a indicação da data da expedição da carta e do domicílio para a qual foi enviada e o distribuidor do serviço postal deposita a carta na caixa de correio do notificando, lavra uma declaração indicando a data e confirmando o local exacto do depósito, e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente, considerando-se a notificação efectuada no 5.º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar do acto de notificação.

4 - Se for impossível proceder ao depósito da carta na caixa de correio, o distribuidor do serviço postal lavra nota do incidente, apõe-lhe a data e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente.

5 - Ressalva-se do disposto nos n.ºs 3 e 4 as notificações por via postal simples a que alude a alínea d) do n.º 4 do artigo 277.º, que são expedidas sem prova de depósito, devendo o funcionário lavrar uma cota no processo com a indicação da data de expedição e considerando-se a notificação efetuada no 5.º dia útil posterior à data de expedição».

Por seu turno, dispõe o artigo 196º, nº 2, do Código de Processo Penal, que, «para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º, o arguido indica a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha».

Com a prestação do Termo de Identidade e Residência, o arguido tomou conhecimento, além do mais:

De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no n.º 2, excepto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento.

De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333.º

De que, em caso de condenação, o termo de identidade e residência só se extinguirá com a extinção da pena.

Daqui resulta, que inexiste regra geral aplicável por força de inexistência de norma especial - a impor a notificação, por contacto pessoal do arguido, para se pronunciar sobre a possibilidade de converter a pena de multa em prisão subsidiária.

A notificação ao arguido e seu defensor está conforme o disposto no artigo 113º, do Código de Processo Penal, não lhe podendo ser assacada qualquer irregularidade.

De qualquer modo, não podemos olvidar, que na sequência de notificação, o recorrente tomou posição sobre a questão, nos termos constantes de fls. 31 a 32, requerendo, além do mais, a substituição da multa por dias de trabalho a favor da comunidade, exercendo plenamente o direito de contraditório e defesa não se vislumbrando, donde decorre a violação de qualquer um destes princípios como causa da nulidade prevista no artigo 119º, alínea c), do Código de Processo Penal.

Sem razão manifesta a crítica do Recorrente.

1.2.Omissão de pronúncia sobre a possibilidade coerciva da multa.

A este propósito, diz o recorrente, que a decisão recorrida é nula porquanto omitiu a ponderação sobre a possibilidade da cobrança coerciva.

Mas, também, aqui, sem justificação plausível.

Na verdade, mesmo que se entendesse que, ao caso se aplicariam, as regras da nulidade da sentença previstas no artigo 379º, do Código de Processo Penal, ainda, assim, se constata que o tribunal recorrido ponderou as razões pelas quais não foi possível a cobrança coerciva da multa, quando decidiu feitas as pesquisas à base de dados, verificou-se não existirem bens susceptíveis de cobrança coerciva.

A cobrança coerciva (execução) só é possível se o arguido for titular, além do mais, de bens, direitos, créditos susceptíveis de penhora. Inexistindo estes, fica impossibilitada a execução da multa.

Como decidiu o Acórdão desta Relação de 6 de Fevereiro de 2013 (www.dgsi.pt):

«Não se concebe a exigência de instaurar uma execução quando de antemão já se sabe que ela não vai surtir efeito, por não existirem na esfera patrimonial do executado bens que permitam levar a bom porto essa execução, gastando o erário público meios e recursos, que são preciosos, com vista a um fim inútil anunciado.

A lei, artigo 49º do Código Penal, não faz depender a aplicação da prisão subsidiária da instauração de processo executivo, mas da impossibilidade de obter o pagamento coercivo que, como é óbvio, abrange tanto os casos em que se instaurou a execução e através dela não se conseguiu obter o pagamento da multa como naqueles em que a impossibilidade de pagamento coercivo resulta “ab initio”, ou seja, por não existirem bens que permitam pelo menos tentar obter o pagamento».

Nos termos do disposto no artigo 469º do Código de Processo Penal, é ao Ministério Público que incumbe velar pela execução das penas, designadamente da pena de multa.

Por outro lado, de harmonia com o disposto artigo 35º nº 4, do Regulamento das Custas Processuais: “O Ministério Público apenas instaura a execução, quando sejam conhecidos bens penhoráveis do devedor que se afigurem suficientes face ao valor da execução (…)”

Daqui resulta que a instauração da execução quando ao executado não são conhecidos bens, ou estes não são suficientes para cobrir os custos da execução, como é o caso dos autos, não só não deve como não pode ser feita.

Referindo o tribunal a quo que não existem bens que permitam a cobrança coerciva, com base no resultado das pesquisas junto da Base de dados, está a cumprir o dever de fundamentação, até porque nada mais haveria a dizer sobre este aspecto.

Improcede, pois, também este argumento do recorrente

1.3. Omissão de pronúncia sobre o pagamento da multa em prestações

Advoga, ainda, o recorrente que o tribunal omitiu a pronúncia sobre o pagamento da multa em prestações, quando estava obrigado a fazê-lo.

Mas, também, sem razão manifesta.

Mesmo que se defenda, como o recorrente, que o tribunal deve oficiosamente e a todo o tempo, conhecer do pagamento da multa em prestações, só o poderá fazer se os autos fornecerem elementos para esse efeito.

O artigo 47º, nº 3, do Código Penal, confere ao juiz o poder de autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda um ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos dois anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação.

Para tanto, torna-se necessário que os autos contenham factos sobre a condição económica e financeira do condenado, o que, no caso não se logrou obter, quer pela indagação oficiosa, quer pela inércia do arguido.

Além de que, foi o próprio recorrente quem afastou a possibilidade de pagar a multa em prestações, através do requerimento de fls. 31 e 32, no qual reconheceu a absoluta falta de condições económicas para pagar a multa, requerendo a substituição da multa por prestação de trabalho a favor da comunidade ou a suspensão da prisão subsidiária.

Em suma:

Não estando demonstrado no processo a situação económica e financeira do recorrente, não está o tribunal obrigado a pronunciar-se, em abstracto, sobre a possibilidade de pagamento da multa em prestações.

2. Prazo para requerer a prestação de trabalho a favor da comunidade

Por último advoga o Recorrente que a substituição da multa por dias de trabalho a favor da comunidade pode ser requerida para além do prazo previsto no artigo 489º, nº2, do Código de Processo Penal.

Quanto a nós, com o devido respeito pelos argumentos aduzidos nos Arestos invocados pelo Recorrente, defendemos a posição contrária, tal como já decidimos anteriormente, além do mais, no Recurso Nº 283/12.3GCTND.C1, que correu termos pelo Tribunal desta Relação.

Aí, decidimos:

«Sendo objecto do recurso a classificação do prazo para apresentação de requerimento para substituição da multa por trabalho a que alude o artigo 490.º, nº 1 do Código de Processo Penal, importa consignar que de acordo com classificação dos prazos, no que atende à sua eficácia, estes podem ser dilatórios, peremptórios ou meramente ordenadores.

Os prazos dilatórios marcam o momento a partir do qual o acto processual pode ser praticado ou ter início a sua execução, a qual se encontra, de certo modo, suspensa no decurso do prazo.

Os prazos peremptórios estabelecem o período de tempo dentro do qual o acto pode ser praticado (terminus intra quem).

Se o acto não for praticado no prazo peremptório, também chamado preclusivo, não poderá mais, em regra, ser praticado, como resulta do artigo 139º, nº 3, do Código de Processo Civil (correspondente ao artigo 145º, n.º 3, do Código de Processo Civil de 1961), ao dispor que “o decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto.”

Os prazos meramente ordenadores estabelecem um limite de tempo para a prática dos actos, mas nem por isso se praticados após o decurso desse prazo perdem validade. A generalidade dos prazos processuais para a prática de actos pelo tribunal, pelo Ministério Público, na fase do inquérito, e pela secretaria são prazos meramente ordenadores. A sua prática para além do prazo máximo não os torna inválidos (Prof. Germano Marques da Silva in “Curso de Processo Penal”, verbo, 5ª ed. págs. 83 e 84)

O artigo 107º, n.º 2, do Código de Processo Penal, ao prescrever que «os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei, por despacho da autoridade (...), desde que se prove justo impedimento», esclarece que a natureza peremptória dos prazos é a regra, estabelecendo uma verdadeira válvula de segurança de todo o sistema, ao permitir a prática do acto fora do prazo, desde que o interessado tenha sido impedido de o fazer no tempo devido.

A lei permite, ainda, a prática extemporânea de actos processuais, independentemente do justo impedimento, no prazo dos 3 dias a que alude o artigo 107º A, do Código de Processo Penal, através do pagamento de uma sanção.

Para compreender o sentido e alcance do artigo 48.º do Código Penal, inserto no capítulo das penas de prisão e de multa, importa recordar, a evolução histórica do regime de execução da pena de multa.

Assim, o artigo 47º, nº 2 do Código Penal, na versão inicial de 1982, estatuía o seguinte:

«Se, porém, a multa não for paga voluntária ou coercivamente, mas o condenado estiver em condições de trabalhar, será total ou parcialmente substituída pelo número correspondente de dias de trabalho em obras ou oficinas do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público».

O regime de execução da pena de multa era, assim, o seguinte:

- haveria, num primeiro momento, lugar ao seu pagamento voluntário;

- na falta deste, seguir-se-ia o pagamento coercivo; e

- num terceiro momento, não tendo sido efectuado o pagamento voluntário, nem tendo sido possível efectuar o pagamento coercivo, o Tribunal substituía a multa pelo número correspondente de dias de trabalho.

Com base na redacção do artigo 47.º Código Penal, o Prof. Figueiredo Dias ensinava que a sanção de dias de trabalho se justifica como uma última forma de evitar que ao condenado, que não pagou a multa nem voluntária, nem coercivamente, seja aplicada uma pena privativa da liberdade. (Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime”, edição 1993, pág. 140).

Já o artigo 489º, do Código de Processo Penal limitava-se a estabelecer as diligências que o tribunal deveria desenvolver junto do condenado e dos serviços de reinserção social, para proferir decisão a substituir a multa por dias de trabalho.

Com a alteração legislativa introduzida pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, a substituição da multa por prestação de trabalho passou, nos termos do artigo 48.º do Código Penal, a ter a seguinte redacção:

«1. A requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a pena de multa fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público, ou ainda de instituições particulares de solidariedade social, quando concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

2 - É correspondentemente aplicável o disposto nos nºs 3 e 4 do artigo 58º e no nº 1 do artigo 59º».

Exigindo-se agora o acordo do condenado para a substituição da multa por trabalho, passou a condicionar-se a substituição a um requerimento do condenado.

Complementando esta norma penal, o DL n.º 317/95, de 28 de Novembro, introduziu uma nova redacção ao artigo 490º do Código de Processo Penal.

Actualmente, após uma alteração introduzida no seu n.º4, pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, o artigo 490.º do Código de Processo Penal, tem a seguinte redacção:

«1. O requerimento para substituição da multa por dias de trabalho é apresentado no prazo previsto nos nºs 2 e 3 do artigo anterior, devendo o condenado indicar as habilitações profissionais e literárias, a situação profissional e familiar e o tempo disponível, bem como, se possível, mencionar alguma instituição em que pretenda prestar trabalho.

2. O tribunal pode solicitar informações complementares aos serviços de reinserção social, nomeadamente sobre o local e horário de trabalho e a remuneração.

3. A decisão de substituição indica o número de horas de trabalho e é comunicada ao condenado, aos serviços de reinserção social e à entidade a quem o trabalho deva ser prestado.

4. Em caso de não substituição da multa por dias de trabalho, o prazo de pagamento é de 15 dias a contar da notificação da decisão».

Os n.ºs 2 e 3 do artigo 489.º do Código de Processo Penal para que remete o n.º 1 deste artigo 490.º, determinam que o prazo de pagamento da pena de multa é de 15 dias, contados da notificação para o efeito, não sendo este prazo aplicável em caso de pagamento em prestações.

Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços (artigo 49º, nº 1 do Código Penal). Mas se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa não lhe é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser-lhe suspensa (artigo 49º, nº 2 do Código Penal).

A pena de multa é uma verdadeira pena alternativa aos casos em que a pena de prisão se apresenta desproporcionada, designadamente pelos efeitos colaterais que pode desencadear e devendo comportar um sacrifício, mesmo para os economicamente mais favorecidos, com efeitos suficientemente dissuasores, impõe-se que a mesma seja cumprida.

A primeira notificação que o arguido recebe é para pagamento voluntário da multa.

A prestação de trabalho em substituição da pena de multa é uma possibilidade, que o Tribunal equacionará se no prazo de pagamento voluntário da pena de multa o arguido fizer um requerimento a pedir a substituição. E só deferirá tal requerimento se concluir, nos termos do artigo 48º, nº 1 do Código Penal, que a substituição não põe em causa as exigências da punição.

Se no prazo processual concedido ao condenado em pena de multa não requerer a substituição desta por dias de trabalho, a pena em que o arguido foi condenado mantém a sua natureza de pena alternativa à pena de prisão, designadamente às curtas penas de prisão. Querendo o legislador que o condenado cumpra a pena, impõe-se passar à execução da multa para pagamento coercivo.

Se o pagamento coercivo não for possível, procede-se à conversão da multa em prisão subsidiária.

Sendo claro que esta conversão visa determinar o arguido, que o possa fazer, a cumprir a pena de multa em que foi condenado, o nº 2 do artigo 49.º do Código Penal, permite-lhe o seu pagamento a todo o tempo, como forma de obstar ao cumprimento da prisão subsidiária.

A prisão subsidiária poderá ainda não ser cumprida, sendo-lhe suspensa, se o arguido provar que a razão do não pagamento não lhe é imputável.

Não tendo o arguido sido condenado em pena de trabalho a favor da comunidade, mas em pena de multa, não há razão racional para que o condenado possa poder requerer a substituição desta por dias de trabalho a todo o tempo, como acontece com o pagamento da multa.

Se o condenado não pede a substituição da pena de multa por dias de trabalho durante o pagamento voluntário daquela vê precludido o direito de o fazer mais tarde. Se assim não fosse, a seguir-se o entendimento contrário, (…) também o arguido já a cumprir prisão subsidiária, poderia ainda requerer, não só o imediato pagamento da multa como a substituição por dias de trabalho como forma de obstar à prisão subsidiária. O que manifestamente não está nem na letra nem no espírito da lei.

O prazo do artigo 490º, nº 1 do Código de Processo Penal está definido na lei, como tantos outros em que se estabelece um período de tempo em que o arguido pode exercer um direito se o entender fazer, não temos qualquer dúvida em o considerar, atento o disposto no art.107.º, n.º 2, do mesmo Código, como um prazo peremptório.

Sendo o mesmo um acto peremptório, e tendo o arguido um defensor, salvo no caso de provar justo impedimento, não pode apresentar o requerimento para substituição da pena de multa por dias de trabalho para além do prazo de 15 dias que lhe é concedido no artigo 489º, nº 2 do Código de Processo Penal, aplicável por remissão do artigo 490.º, nº1, do mesmo Código, e que coincide com o prazo para fazer o pagamento voluntário na multa.

Se o arguido, não foi diligente na apresentação do requerimento no prazo expressamente definido na lei, o que parece ter acontecido, uma vez que não invoca a válvula de segurança de todo o sistema que é a invocação do justo impedimento, perdeu o direito de praticar o acto”.

Com efeito, além de não se vislumbrar razões para conferir ao prazo do artigo 489º nº 2 ex vi artigo 490º nº 1 do Código de Processo Penal, outra natureza que não a de prazo peremptório, como são em geral os prazos conferidos aos sujeitos processuais e designadamente aos arguidos para exercerem os seus direitos de defesa (contestar, recorrer, etc.), também se não vê que com a interpretação supra defendida se belisquem sequer o direitos de defesa do arguido.

Defender solução contrária, estar-se-ia a premiar o desinteresse e a inércia (…) face aqueles condenados em pena de multa que diligentemente respondem às notificações que lhe são feitas, de harmonia com as condições de cada um.

Com efeito, só com a interpretação que defendemos se faz sentir ao condenado o sentido ético-penal da condenação, do mesmo passo que se garante a confiança da comunidade nas normas, assegurando-se assim, a vigência da norma violada e a confiança no sistema sancionatório».

Estes argumentos aplicam-se mutatis mutandis ao caso em apreço, dado que o Recorrente, não obstante a notificação para pagar voluntariamente a multa, não teve o cuidado de, atempadamente, requerer a substituição da pena por prestação de trabalho a favor da comunidade.

Salvo melhor opinião, esta interpretação não viola os princípios constitucionais, em especial os invocados pelo Recorrente.

Desde logo, porque os princípios da culpa, proporcionalidade, da igualdade, presunção de inocência mostram-se integralmente cumpridos no processo que obedeceu às regras processuais penais, que culminou com a condenação do recorrente pela prática de um crime, numa concreta pena de multa a que correspondia prisão subsidiária, através de uma sentença transitada em julgado.

Depois, porque está como sempre esteve nas mãos do recorrente obstar à execução da pena de multa em prisão subsidiária, como resulta expressamente do artigo 49º, nºs 2 e 3, do Código Penal.

Basta que paguem a totalidade ou parte da multa ou que comprovem que o não pagamento das respectivas multas se deve a razões que não lhes são imputáveis.

Se o recorrente não foi diligente na justificação do não pagamento da multa, apesar de todas as iniciativas do tribunal para esse efeito, não se vê, como é que não foram garantidos os princípios da culpa, da igualdade, proporcionalidade ou mesmo de defesa.

«Defender solução contrária, estar-se-ia a premiar o desinteresse e a inércia, bem patentes na atitude dos arguidos no caso sub judice, que desperdiçaram as alternativas à prisão subsidiária – fixada na sentença de que foram notificados pessoalmente – face aqueles condenados em pena de multa que, diligentemente respondem às notificações que lhe são feitas, de harmonia com as condições de cada um.

Com efeito, só com a interpretação que defendemos se faz sentir ao condenado o sentido ético-penal da condenação, do mesmo passo que se garante a confiança da comunidade nas normas, assegurando-se assim, a vigência da norma violada e a confiança no sistema sancionatório.

Se os recorrentes não pagaram as respectiva multas em que foram condenados, se não permitiram a execução da prestação de trabalho a favor da comunidade (um por não a cumpriu, outro porque dela desistiu), nada dizendo ou requerendo, apesar de notificados para o efeito - inclusive, de que podiam vir a cumprir prisão subsidiária - e se comportam como se não tivesse sido condenados em qualquer sanção penal, não lhes é lícito, pensamos nós, exigir ao tribunal que recolha todos os elementos adequados e necessários à comprovação de que não cumpriram a multa por causas que não lhes são imputáveis.

De resto, se bem entendemos a lógica do sistema de execução da multa, a prisão subsidiária foi pensada precisamente como instrumento para conferir credibilidade e exequibilidade à pena de multa, que consiste no direito penal moderno a sanção por excelência».

Como ensina o Prof. Figueiredo Dias (Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime §553):

«A consagração de uma pena de prisão sucedânea, em alternativa de 2/3, em caso de multa não paga, é “tão pouco desejável como irrenunciável: sem ela seria a própria pena de multa a sofrer irreparavelmente, enquanto instrumento de actuação preferido da política criminal».

Estes os motivos pelos quais concluímos que, manifestamente: a) a decisão recorrida não nos merece qualquer censura; e b) não se mostra violado qualquer preceito constitucional, nomeadamente o direito de defesa e ao contraditório, ou os princípios da culpa, da proporcionalidade e da igualdade.

V. DECISÃO

Posto o que precede, acordam os juízes da 5ª Secção Criminal, reunidos em Conferência, em julgar improcedente o recurso interposto por A..

Custas pelo Recorrente, com taxa de justiça que se fixa, em 4 UCS.

Notifique.

Coimbra, 17 de Outubro de 2018

Alcina da Costa Ribeiro (relatora)

Fernanda Ventura (adjunta)