Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
250/09.4JALRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA PILAR DE OLIVEIRA
Descritores: CRIME DE INCÊNDIO
PROVA POR RECONHECIMENTO
AUTO-INCRIMINAÇÃO
CRIME CONTINUADO
Data do Acordão: 11/17/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE OURÉM – 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 274º DO CP, 147º ,148º, 150ºDO CPP
Sumário: 1. A prova por reconhecimento vem prevista nos artigos 147º e 148º do Código de Processo Penal, referindo-se ao reconhecimento de pessoas e de objectos, já não ao reconhecimento de locais e dificilmente se pode vislumbrar que as regras específicas desses reconhecimentos pudessem ser transponíveis para o reconhecimento de locais da prática de crimes, na medida em que supõem, o reconhecimento de pessoas que a pessoa a identificar esteja a par de outras pessoas e o de objectos, no caso de deixar dúvidas, a exibição de objectos semelhantes.
2. O "reconhecimento de locais de crime" apenas se pode assimilar ao meio de prova denominado de reconstituição do facto que supõe precisamente a reprodução do acontecido da forma mais fiel possível, o que obviamente impõe a deslocação ao local onde o acontecimento a reconstituir se deu (cfr. artigo 150º do Código de Processo Penal).
3. Ainda que o respectivo auto tenha sido lavrado posteriormente, o momento a considerar para a prática do acto é aquele em que efectivamente foi praticado e não o momento em que foi objecto de formalização escrita através de auto.
4. Na medida em que supõe uma participação activa do arguido na reconstrução do ilícito, passa ser um facere que pode contrariar o privilégio contra a auto-incriminação, sendo certo que o mesmo se encontra na sua inteira disponibilidade.
5. No crime continuado apenas estão em causa circunstâncias não comuns mas de ocorrência excepcional que compelem o agente à prática do crime e, como tal, tornam a sua acção menos culpável e não circunstâncias pessoais da vida do arguido e especialmente o estado de alcoolizado (situação em que se coloca voluntariamente) possa qualificar-se como situação exterior que compele à repetição do crime.
Decisão Texto Integral: I. Relatório
Nos autos de processo comum com intervenção do tribunal colectivo com o nº 250/09.4JALRA do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Ourém, o arguido V..., devidamente identificado nos autos, foi submetido a julgamento acusado da autoria, em concurso real, de:
- Dez crimes de incêndio florestal, consumados, cada um deles p. e p. pelo artigo 274º, nº1 do Código Penal;
- Dois crimes de incêndio florestal, consumados, cada um deles p. e p. pelo artigo 274º, nºs 1 e 2, al. a) do Código Penal;
- Um crime de incêndio, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 274º, nº1, 22º, nºs 1 e 2, al. b) e 23º, nº1, todos do CP.

O ofendido J... deduziu pedido de indemnização contra o arguido, pedindo que o mesmo seja condenado a ressarci-lo dos prejuízos que lhe casou com o incêndio que ateou na sua propriedade e que estimou em 750,00 euros.

Por acórdão proferido em 19 de Julho de 2010 foi decidido, no que respeita à instância criminal, condenar o arguido V..., como autor material, em concurso real, de:
- Um crime de incêndio florestal p. e p. pelo artigo 274º nº 1do Código Penal, com referência aos factos de dia 20 de Julho de 2008, descritos em 1. a 7., na pena de dezoito meses de prisão;
- Um crime de incêndio florestal, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 274º nº 1; 22º; 23º e 73º do Código Penal, com referência aos factos de 3 de Agosto de 2008, descritos em 8. a 24., na pena de um ano de prisão;
- Um crime de incêndio florestal, p. e p. pelo artigo 274º nº 1 do Código Penal, com referência ao incêndio de 12 de Julho de 2009, no Casal Castanheiro, a que se referem os pontos 25. a 35., da matéria de facto provada, na pena de um ano e três meses de prisão;
- Um crime de incêndio florestal, p. e p. pelo art. 274º nº 1 do Código Penal, com referência ao incêndio de 12 de Julho de 2009, no Casal Matos e Calços, a que se referem os pontos 36. a 42., na pena de um ano e três meses de prisão;
- Um crime de incêndio florestal, p. e p. pelo art. 274º nº 1 do Código Penal, com referência ao incêndio de 13 de Julho de 2009, em Valados Coroados, Seiça, a que se referem os pontos 43. a 51., na pena um ano e dez meses de prisão;
- Um crime de incêndio florestal, p. e p. pelo art. 274º nºs 1 e 2 al. a) do Código Penal, com referência ao incêndio de 13 de Julho de 2009, nas Louças, a que se referem os pontos 52. a 88., na pena de quatro anos e nove meses de prisão;
- Um crime de incêndio florestal, p. e p. pelo art. 274º nº 1 do Código Penal, com referência ao incêndio de 15 de Julho de 2009, em Coroados e Casal Touro, a que se referem os pontos 89. a 96., na pena de dois anos e quatro meses de prisão.
- Em cúmulo jurídico destas penas, condenam o mesmo arguido, na pena única de nove anos de prisão.

Inconformado, recorreu o arguido, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:
DA MATÉRIA DE FACTO:

A matéria de facto constante dos pontos 1 a 6; 8 a 20 e 24; 25 a 29; 36 a 39; 43 a 48; 52 a 61 e 68, 74,76,78 e 81; 89 a 94, dos factos provados foi incorrectamente julgada como provada.

Com efeito, nenhuma das testemunhas inquiridas declarou que viu o ora recorrente a atear os incêndios que lhe são imputados.

A convicção do Tribunal a quo assentou, essencialmente no "Auto de reconhecimento de locais de incêndios florestais" de fls 19 e ss, no "Relato de diligência externd' de fls 401 e ss, no "Relato de diligência externd' de fls 414 e ss e no depoimento das testemunhas que elaboraram e participaram na elaboração destes autos.

Considera o recorrente que os supra referidos autos de fotografias não são autos de reconstituição dos factos, mas sim meros reconhecimentos dos locais onde o arguido cometeu os crimes de incêndio.

Tais autos configuram uma mera visita guiada do arguido aos locais dos crimes, uma confissão da autoria dos factos efectuada, in loco, uma confissão ilustrada protagonizada pelo arguido no local, em vez de a mesma ter sido efectuada nos gabinetes da polícia judiciária.

Tais autos não podiam ter sido lidos em sede de audiência, uma vez que o arguido se recusou a prestar declarações na mesma

Também não podiam ter sido inquiridos sobre o conteúdo daqueles autos de reconhecimento, os inspectores da Polícia Judiciária que participaram na sua recolha.

Acresce que, a diligência efectuada em 16 de Julho de 2009 (fls 19 a 28 dos autos) padece ainda de outro vício que a impede de ser valorada pelo Tribunal a quo.

Com efeito, de acordo com o depoimento das testemunhas P... e C..., quando o arguido é abordado no dia 16 de Julho de 2009, já havia fundada suspeita de que tivesse sido o autor dos crimes.
10º
Mais estas duas testemunhas asseveraram que o arguido foi verbalmente constituído arguido imediatamente antes da diligência de reconhecimento dos locais de incêndio, tendo-lhe sido transmitida "a situação de que ele era suspeito" e ''foram lidos os direitos" e mais tarde é que foi formalizado o auto de constituição de arguido.
11°
Ora, depois de surgir a fundada suspeita de que determinado indivíduo foi o autor de um crime, para que o mesmo possa validamente prestar declarações, formais ou informais, é necessária a imediata constituição como arguido no processo, cumprindo as formalidades previstas no mencionado nº 2 do art. 58°.
12°
Não tendo tais formalidades sido inteiramente cumpridas não podia o Tribunal a quo ter valorado o auto de reconhecimento do locais de incêndios.
13º
E, também os depoimentos daquelas duas testemunhas, quanto às declarações prestadas pelo arguido, durante aquela diligência, não podiam ter sido valorados para efeitos de condenar o arguido.
14º
O mesmo sucede quanto ao relato de diligência externa de fls. 400 e seguintes.
15º
No termo de consentimento referente a esta diligência refere-se que "neste acto, foi-lhe dito que se deve considerar arguido nos autos, tendo o mesmo dito que prescindia da presença de defensor".
16º
Contudo nada se refere quanto à leitura ao arguido, dos seus direitos e deveres processuais.
17º
Do depoimento das testemunhas que participaram nesta diligência, C... e L..., não resulta que tenham sido lidos ao arguido, os seus direitos e deveres processuais.
18º
Pelo contrário, a testemunha L... menciona que quando daquela diligência o ora recorrente ainda era suspeito.
19º
Contudo, no dizer destas duas testemunhas, já havia fundadas suspeitas de ter sido o arguido o autor dos crimes de incêndio.
20º
Assim, por força do disposto no art. 58°, nº 5 e dos nºs 7 e 8 do art. 356° do CPP, o auto diligência externa, bem como as declarações prestadas por estas duas testemunhas não podem ser validamente valoradas pelo Tribunal.
21º
Mais, nem sequer as declarações prestadas pela testemunha A... são suficientes para fundamentar uma decisão condenatória quanto ao crime de incêndio na forma tentada.
22º
Com efeito, apenas conseguiu identificar um indivíduo de calças cinzentas e um ciclomotor vermelho com as letras Stalkar.
23º
Ora, existem inúmeras calças cinzentas no mercado e as letras Stalkar referem-se ao modelo do ciclomotor, encontrando-se presentes em todos os exemplares da marca.
24º
Por outro lado, anote-se que, não obstante o arguido se encontrar na sala de audiências, esta testemunha não efectuou o reconhecimento do mesmo.

Sem embargo, ainda que se entenda que foi efectuada prova bastante de que o arguido cometeu os crimes que constam da sentença, o que apenas se admite por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que:

DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA E DA MEDIDA DA PENA
25º
Devia ter sido dado como provado o seu sincero arrependimento, em relação aos factos que lhe são imputados.
26°
Uma vez que do relatório pericial de 1487 e ss, resulta claramente que, no momento da entrevista mostra arrependimento quanto ao sucedido afirmando "Acho que fiz mal! Não devia ter jeito o que fiz: Nunca, mais faço",
27°
A testemunha P... refere claramente que o arguido aquando do reconhecimento dos locais de incêndio, se mostrou arrependido,
28°
E a actuação do arguido, ao indicar os locais de incêndio, participando activamente na investigação, segundo as regras da experiência comum, indica que o arguido está sinceramente arrependido.
29°
Mais, esta participação do arguido, deve ser devidamente considerada como circunstância atenuativa,
30°
Assim, atendendo ao arrependimento sincero do arguido, bem como à sua cooperação com as autoridades policiais na descoberta da verdade material, deverá a pena concretamente aplicada ser reduzida.
31º
Por outro lado, considera o arguido que não estamos perante um concurso de crimes de incêndio, mas sim perante dois crimes continuados, um reportado ao ano de 2008 e outro reportado ao ano de 2009. Porquanto:
32°
Foram cometidos num curto espaço temporal, tratam-se do mesmo tipo legal de crime e ofendem os mesmos bens jurídicos.
33°
Especialmente, no que respeita ao ano de 2009, os crimes foram cometidos no espaço de quatro dias, alguns inclusivamente no mesmo dia, com intervalos de minutos e poucas horas, pelo que denota-se a existência de uma linha psicológica continuada entre as diversas resoluções criminosas.
34º
Acresce que todos os crimes foram cometidos durante o Verão, mantendo-se a mesma situação exterior que facilita a sua execução, designadamente ao nível das condições climatéricas.
35°
Por outro lado, o facto dos crimes terem sido cometidos em momentos durante os quais o recorrente se encontrava sob a influência do álcool, devido ao alcoolismo crónico de que padece, bem como, a circunstância de ambos os progenitores do arguido terem falecido em Fevereiro de 2008 e Março de 2009, "o que o deixou muito desorientado", o que conjuntamente com a saída das filhas de casa, o deixou com um sentimento de perda e abandono.
36°
Revelam a existência de um quadro depressivo, provocado por acontecimentos exteriores, que impeliu o arguido para a prática dos crimes
37°
Assim, atendendo ao arrependimento, cooperação e crime continuado deverá a pena de prisão aplicada ao arguido ser reduzida para pena não superior a seis anos de prisão efectiva.
38°
Por todo o exposto a decisão recorrida violou por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artºs. 58° e 59°, 355° e 356° e 127°, todos do CPP e ainda o disposto nos art. 30°, nº 2 e 71° do CP.
Vossas Excelências, porém, farão a costumada e esperada JUSTIÇA

Notificado, o Ministério Público respondeu ao recurso interposto, concluindo o seguinte:
1ª A matéria de facto a que respeitam os pontos 1 a 6, 8 a 20 e 24, 25 a 29, 36 a 39, 43 a 48, 52 a 61 e 68, 74, 76, 78 e 81 e 89 a 94 não foi indevidamente dada como provada, ainda que, segundo a motivação de facto exarada no douto Acórdão recorrido, tenha assente nos depoimentos das testemunhas:
- D…;
- B...;
- L…;
- A...;
- P…;
- E...;
- F…;
- G…;
- H…;
- J...;
- E...;
- I...;
- K...;
- N...;
- O...;
- Q... e
- R..., testemunhas as quais não declararam ter presenciado o arguido a atear incêndio algum, sendo que a testemunha A... referiu ter visto um indivíduo, que não conseguiu identificar por não lhe ter visto a respectiva face.
2ª Com efeito, para além do valor probatório inerente aos próprios depoimentos, tal como resulta da fundamentação de facto exarada no texto do douto acórdão recorrido os aludidos depoimentos das referidas testemunhas foram conjugados com outros elementos de prova.
3ª Desde logo, tais depoimentos foram conjugados, além do mais (ex. autos de notícia, autos de exame, título de registo de propriedade), com fotos em que o arguido se deixou retratar a indicar pontos onde igniu fogos, com a observação técnica pelos Inspectores da PJ (Inspectores B..., L… e P…) dos locais de início de incêndios exarada no auto de reconhecimento de locais de incêndio, nos relatos de diligência externa e os seus depoimentos correspondentes à sua intervenção no reconhecimento desses locais de incêndio e nessas diligências, para além do mais tirando fotos e verificando a coincidência dos pontos de início dos incêndios.
4ª Todos estes elementos se conjugaram ainda, no que respeita à questão da atribuição da autoria dos incêndios ao arguido com as regras da experiência comum, as quais fundamentam a conclusão de que aquele não iria acertar, consecutivamente, nos pontos de ignição dos incêndios se não tivesse sido o seu autor.
5ª A fixação dos factos de 8 a 20 e 24 resultou da análise do depoimento da testemunha A..., que presenciou os factos constantes de 8 a 19 e 24 e foi o sujeito dos factos a que se reportam os pontos 20 a 23 conjugada com a circunstância de a pessoa que praticou os factos de 8 a 19 ser o arguido, o que decorre das fotos de fls. 402 e 403, obtidas com o consentimento expresso do arguido, conforme termo de fls. 400, fotos essas onde o arguido colocou o artefacto composto pelo cigarro aceso atado a fósforos por arame.
6ª O depoimento da testemunha A... foi ainda associado à recolha por elementos da PJ do referido artefacto incendiário, como se encontra registado a fls. 361 e resulta das fotos de fls. 360 e de fls. 356 a 359.
7ª No que respeita ao ponto 19, que se refere ao facto de a motorizada do arguido ser de marca "Gilera", modelo "Stalker", matrícula 53-DT-87, foi levada em conta a foto de fls. 364, conjugada com o título de registo de propriedade da mesma, a fls. 365, titulada por aquele e ainda associado ao depoimento da testemunha A... que esclareceu que a motorizada por si vista nas aludidas circunstâncias de tempo, modo e lugar era igual.
8ª Assim, no que respeita a estes factos verifica-se que a sua fixação não se fez apenas com base no depoimento da testemunha em apreço, mas antes com base na concatenação crítica dos vários elementos probatórios recolhidos nesta sede, resultando deles, com a certeza que se exige em julgamento, que o arguido foi o autor do incêndio em causa.
9ª No que tange aos depoimentos prestados por E... (incêndio de 12/07/10, no lugar de Casal Castanheiro - indicação de árvores ardidas e do valor do prejuízo, 250 €), por F… (incêndio de 12/07/10, lugar de Casalinho ­alusão à área ardida, à matéria ardida e à alusão da circunstância de nas imediações existir um pavilhão industrial de transformação de madeiras; a propósito consignou-se que a mesma é sobrinha dos proprietários do terreno em causa, que não presenciou os factos, mas constatou o terreno ardido e o prejuízo sofrido), por G…, ( incêndio de 13/07/09, após as 12:30h, mas antes das 13:26h, na localidade de Valados, Coroados, Seiça - pronunciou-se quanto à área ardida, tipo de árvores consumidas pelo fogo e prejuízo sofrido na sequência do mesmo) e nos mesmos termos, os depoimentos das testemunhas ouvidas na sequência do incêndio ocorrido em 13/07/09, entre as 17:30H e as 18:00H, H… (referiu-se ao terreno ardido nas imediações da sua residência e ao valor da mesma, não inferior a 50.000 €), J... (pronunciou-se sobre as árvores ardidas no seu terreno e valor atribuído às mesmas, 500 €), E... (idem, referindo um valor de 10.000 €), I... (idem, atribuiu aos prejuízos sofridos o valor de 2.000 €), K... (idem), N... (idem, aludindo a um valor de 1.000 €), O... (idem, relatando um valor de 2.000 €), Q… (, idem, falando num valor de 1.500 €) e R... (o qual referiu que conseguiu circunscrever a propagação do fogo a pasto e a uma macieira, evitando que o mesmo se propagasse a sua casa, a que atribuiu valor não inferior a 50.000 € e aos anexos, onde também guardava o tractor e outras alfaias agrícolas) verifica-se que todos eles incidem sobre aspectos patrimoniais, nomeadamente áreas e árvores/vegetação ardidas ou outros bens ameaçados e prejuízos decorrentes dos inçêndios ateados pelo arguido ou susceptíveis de serem produzidos pelos mesmos.
10ª Ponderando-se, pois o objecto de cada um dos depoimentos em causa e a perspectiva em que o Tribunal "a quo" os levou em conta, por eles próprios ou em concatenação com outros elementos de prova, afigura-se-nos que a matéria de facto dada como assente na sequência da ponderação dos mesmos não é de molde algum incorrecta, mas antes constitui a que decorre da devida apreciação desses depoimentos e demais prova.
11ª No meio de prova por reconhecimento está-se perante uma realidade estática enquanto que na reconstituição se procura testar ou ensaiar a dinâmica de uma certa actualidade.
12ª Quando no caso concreto o arguido se deixou fotografar a apontar os locais que referenciou como sendo os da origem do incêndio, está-se não só a identificar locais como ainda a testar a possibilidade de nos locais em apreço, atentas as suas características e em face dos elementos recolhidos nesses locais pelos Inspectores da PJ quanto ao início dos fogos atribuídos ao arguido, terem tido início esses fogos.
13ª Assim, as diligências de reconhecimento de locais de incêndio florestal de fls. 19, bem como, as diligências externas de fls. 401 e segs. e de fls. 414 e segs. consubstanciam materialmente verdadeiras reconstituições traduzidas nas fotos que as documentam.
14ª Ao contrário do alegado pelo arguido, tais diligências não obstante o arguido não ter prestado declarações podiam e deviam, como o foram no douto acórdão recorrido, ter sido valoradas como elemento probatório válido e perfeitamente autónomo.
15ª Efectivamente, o desiderato da reconstituição não é o de provar a existência dos factos imputados ao arguido, mas sim o demonstrar a sua verosimilhança.
16ª A reconstituição constitui um meio de prova autónomo a apreciar e a valorar em relação às declarações que o arguido possa ou não prestar em sede de audiência de julgamento.
17ª Veja-se, nesta perspectiva, a jurisprudência vertida no douto Acórdão do STJ, de 05/01/05, proferido no Proc. 04P3276.
18ª De modo algum se podem reduzir o auto de reconhecimento de locais e os relatos de diligência externa que em concreto foram valorados a confissões do arguido.
19ª Para além disso também nada obstava a que tivessem sido lidos em sede de audiência de julgamento.
20ª De igual modo nada vedava que os Inspectores da PJ que participaram na realização dessas peças processuais e diligências pudessem ser inquiridos sobre o teor das mesmas.
21ª A valoração de tais peças processuais nos moldes em que concretamente o foi pelo Tribunal "a quo" não violou o disposto nos arts. 356, nºs 7 e 8 e 357°, ambos do CPP, porque, desde logo, não se está no campo das declarações prestadas pelo arguido.
22ª De nenhum ponto dos autos ou das declarações prestadas em julgamento resulta que antes da realização do reconhecimento de locais de incêndio e das diligências externas não tenha havido lugar à constituição de arguido, que pode ser meramente verbal (art. 58°, nº2 do CPP).
23ª Em todo o caso, a consequência estabelecida no art. 58°, nº5 do CPP quanto à omissão de tais formalidades reporta-se à circunstância de as declarações prestadas pelo visado não poderem ser utilizadas como prova, situação que não se reconduz à dos autos.
24ª Também no caso concreto não foi violado o disposto no art. 356º, nºs 7 e 8 do CPP, por não se verificar o seu condicionalismo, nada obstando, por conseguinte, a que as declarações prestadas pelos Inspectores da PJ pudessem ter sido valoradas.
25ª Em sede de julgamento o arguido não tomou qualquer atitude que demonstrasse positivamente um arrependimento verdadeiro e sincero, pelo que, neste contexto, a atenuante do arrependimento não deve, como, não o foi, ser atendida no âmbito da pena concreta a aplicar-lhe.
26ª Não se pode concluir que o arguido agiu movido por uma única e mesma motivação.
27ª Antes pelo contrário, o arguido ateou fogos em diversos locais, em datas distintas ou na mesma data, a horas diferentes, carecendo de renovar a sua resolução criminosa.
28ª Parece ajustada a punição do arguido no regime de concurso efectivo de crimes.
29ª Conclui-se, por conseguinte, que bem andou o Tribunal "a que" também nesta matéria ao optar pela punição do arguido nesses termos, não tendo violado o disposto no art. 30°, nº2 do CP.
30ª Atenta a natureza dos vários crimes de incêndio imputados ao arguido, o perigo e danos deles decorrentes, bem como, o alarme social por eles potenciado e concretamente produzido permitem concluir como justa a pena aplicada ao arguido, o qual já anteriormente havia sido condenado em pena de prisão efectiva pela prática do mesmo tipo de crime.
31ª Por não violar qualquer norma legal afigura-se-nos dever ser mantido o douto acórdão recorrido.
No entanto, V. Exas. melhor decidirão conforme for de JUSTIÇA!

Admitido o recurso e remetidos os autos a esta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, transcrevendo-se o seguinte trecho sobre as questões mais significativas colocadas pelo recorrente:
Auto de reconstituição dos locais de incêndio
Insurge-se o recorrente quanto ao facto de ter sido usado como meio de prova em audiência, o auto de reconhecimento dos locais e reconstituição dos factos elaborado com o consentimento do arguido, por este não ter prestado declarações em audiência.
Compulsado o "auto de reconhecimento de locais" de fls. 18 e segs verificamos que se está perante um auto de reconhecimento e reconstituição dos locais dos crimes, com a presença e consentimento do arguido, que foi elaborado pela testemunha P..., inspector da P.J..
No que respeita ao auto de "reconstituição do facto" - meio de prova previsto no artigo 150º do CPP. é jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que "a reconstituição constitui prova autónoma, que contém contributos do arguido, mas que não se confunde com a prova por declarações, podendo ser feita valer em audiência de julgamento, mesmo que o arguido opte pelo direito ao silencio, sem que tal configure violação do artigo 357º do Código de Processo Penal" -
Acórdão do STJ de 20/04/06, Proc. nº 06P363. in www.dgsi.pt.
Também no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 5/.01/.2005, proferido no Processo n° 04P3276. em www.dgsi.pt.jstj e CJ, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano XIII (2005), tomo I, fls. 159 e seguintes, se decidiu:
"Previsto como meio de prova, autonomizado por referência aos demais meios de prova típicos, uma vez realizado e documentado em auto ou por outro modo (eventualmente em registo audiovisual - artigo 150º nº 2- 1" parte. in fine do CPP), vale como meio de prova, processualmente admissível, sobre os factos a que se refere, isto é, como meio válido de demonstração da existência de certos factos, a valorar, como os demais meios, «segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente» - artigo 127º do CPP."
Pela sua própria configuração e natureza - reprodução, tão fiel quanto possível, das condições em que se afirma ou se supõe ter ocorrido o facto, a reconstituição do facto, embora não imponha nem dependa da intervenção do arguido, também a não exclui, sempre que este se disponha a participar na reconstituição, como foi o caso dos autos, e tal participação não tenha sido determinada por qualquer forma de condicionamento ou perturbação da vontade, seja por meio de coacção física ou psicológica, que se possa enquadrar nas fórmulas referidas como métodos proibidos enunciados no artigo 126º do CPP.
O meio de prova previsto no artigo 150º do CPP só não será admissível e validamente adquirido se na reconstituição, ou para criar os pressupostos de facto necessários à reconstituição, tiver sido utilizado qualquer meio (tortura, coacção, ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral) que afecte a liberdade de determinação, o consentimento ou a disponibilidade do arguido para a participação na reconstituição do facto.
Por outro lado, como tem sido aceite na jurisprudência do STJ -cfr., Acs de 16/5/96, proc. 230/96; de 11/12/96, proc. 780/96; e de 22/4/2004, proc. 902704-, a proibição constante dos artigos 356° n° 7 e 357° n° 2 do CPP não atinge as declarações dos órgãos de polícia criminal sobre factos e circunstâncias de que tenham obtido conhecimento por meios diferentes das declarações do arguido, que não possam ser lidas em audiência.
Tendo em vista a dimensão da reconstituição do facto como meio de prova autonomamente adquirido para o processo, cf. artigo 150° do CPP, e a integração na concretização da reconstituição de todas as contribuições parcelares, incluindo do arguido, que permitiram, em concreto, os termos em que a reconstituição decorreu e os respectivos resultados, os órgãos de polícia criminal que tenham acompanhado a reconstituição podem prestar declarações sobre os modos e os termos em que decorreu; tais declarações referem-se a elementos que ganham autonomia, e como tal diversos das declarações do arguido ou de outros intervenientes.
Quanto à concreta diligência reduzida a auto de reconhecimento de locais de incêndios florestais, nestes autos, como sendo um auto de "reconstituição dos factos" e não sendo um meio de prova proibido nos termos definidos pelos artigos 125° e 126° do CPP., esta diligência é processualmente admissível como meio de prova a valorar nos termos do artigo 127° do CPP, segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, que não colidam com afirmações ou declarações do arguido, cuja leitura seja proibida ao abrigo do artigo 356° n° 7 do CPP.
O facto do arguido ter optado pelo silêncio durante o julgamento, usando de um direito que lhes assiste, faz com que a leitura de declarações suas, em audiência, seja proibida, mas não obsta a que uma testemunha que participou e presenciou os factos constantes do auto de reconstituição, sobre o mesmo não possa prestar declarações em audiência.
Se entendemos que não pode o arguido ser confrontado com as declarações que prestou, já o mesmo não acontece relativamente aos factos percepcionados pelos Srs Inspectores da P.J. que colaboraram na diligência, e que deles podem dar conta ao Tribunal.
Ou seja, já é de aceitar tudo o que os Srs Inspectores saibam ou possam saber da sua investigação quer sobre os factos quer sobre a vida do próprio arguido com interesse para os autos, que lhe tenha advindo da sua percepção directa, aqui incluindo vários factos emergentes da realização do auto de reconhecimento - neste sentido, Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 24.2.2003, in CJ. AST J, Ano I, Tomo I, fls. 202 e segs.
Estes elementos deverão ser apreciados pelo Tribunal, por si só ou conjugados com outros, segundo o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127° do Cl'P; tal como o fez o Mmº Juiz nesta decisão, pelo que não assiste razão ao recorrente.
Crime Continuado
Passando a abordar a questão apontada pelo recorrente relativamente ao enquadramento da matéria de facto dada como provada num crime continuado, ou na prática de concurso de crimes de incêndio, como se decidiu, dir-se-á o seguinte:
a - Há pluralidade de crimes, quando existem várias acções tipicamente ilícitas, subordinadas a outras tantas resoluções criminosas. Artº 30°, n° 1 do C. Penal;
b - Estamos perante um crime continuado do artº 30° nº 2 do C. Penal, ao verificar-se que há várias acções tipicamente ilícitas subordinadas a outras tantas resoluções criminosas, mas em que a culpa por tal renovação se mostra consideravelmente diminuída;
c - Verifica-se um crime único ou crime único composto, em que um único e inicial desígnio criminoso preside a sucessivas actuações tipicamente ilícitas.
Entendemos, s.m.o que para haver crime continuado é necessário, antes de mais, que a cada conduta presida uma resolução autónoma, pois que se todas as condutas são levadas a cabo no âmbito de uma só e mesma resolução, há um único crime com pluralidade de actividades.
Se só há uma resolução, um só dolo, o agente, porque, como diz o Prof Eduardo Correia, tia acção, além de antijurídica, tem de ser culposa" (Direito Criminal, vol. II, página 201), só é passível de um juízo de censura, não se podendo nesse caso falar em realização plúrima do mesmo tipo de crime.
Por isso que o crime continuado só se verifica nos casos em que, se não houvesse a situação exterior consideravelmente diminuidora da culpa referida no na 2 do art.° 30º do C.P., se estaria perante um concurso de crimes.
Ora, no caso sub judice, constando da matéria de facto provada na douta decisão, designadamente os factos provados nos pontos n° I a 7, 8 a 20, 25 a 32, 36 a 41,43 a 49, 63, 52 a 88, resulta que houve da parte do arguido várias resoluções ou desígnios criminosos, que ocorreram em datas distintas, embora pouco espaçados entre si, pelo que estaremos em presença de uma pluralidade de acções ilícitas reiteradas no tempo.
Mas não consta da matéria de facto dada como provada qualquer circunstância exterior que tenha diminuído consideravelmente a culpa do arguido e que lhe tenha potenciado o renovar do desígnio criminoso.
O facto de se dizer nos pontos 120 e 123 que os progenitores faleceram o que deixou o arguido muito desorientado e que o arguido sofre de consumo excessivo de álcool, não é, em nosso entender, uma circunstância exógena que lhe propicia a actuação e lhe diminui de forma acentuada a culpa.
No dizer do Prof Eduardo Correia, Direito Criminal II, 1965, pago 209, "Pressuposto da continuação criminosa será, verdadeiramente, a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigente ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito. (...) Ojúndamcn/o do crime continuado reside, essencialmente, na diminuição da culpa do agente em virtude da facilidade criada por determinadas circunstâncias exteriores para a prática de novos actos da mesma natureza".
Nesta perspectiva, estamos em crer, pois, que se deverá manter a condenação decretada, por um concurso real de crimes.

Medida da pena
Em face do acima exposto e concordando com cada uma das penas parcelares aplicadas ao arguido, por cada um dos crimes cometidos, atendendo à grande ilicitude dos factos e grau muito elevado de culpa do arguido, por razões de prevenção geral e especial, entendemos ser de manter a medida da pena única aplicada.
Assim, emitimos parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, o arguido não exerceu o direito de resposta.

Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos legais foi realizada conferência, cumprindo apreciar e decidir.
***
II. Fundamentos da decisão recorrida
A decisão recorrida encontra-se fundamentada de facto e de direito nos seguintes termos (transcrição):
MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Da discussão da causa, resultaram provados os seguintes factos:
1. No dia 20 de Julho de 2008, pelas 13h15m, o arguido parou junto a uma propriedade sita no lugar conhecido por Curvas da Bicha, freguesia de A…, neste concelho e comarca de Ourém;
2. Zona de alguma floresta e de mato;
3. Aí chegado, usando método que não se conseguiu apurar, no meio do mato seco, a fim de propagar o fogo a esse mato;
4. E, de seguida, a árvores que se encontravam no local;
5. O que se veio a verificar;
6. Na sequência da conduta do arguido, ardeu uma área de terreno correspondente a 0,03 ha de pinheiro bravo, a 0,02 ha de eucalipto e a 0,10 ha de mato;
7. O combate a este incêndio, mobilizou oito viaturas de combate a incêndios, duas avionetas; um helicóptero; 31 elementos dos Bombeiros Voluntários de Ourém e de Caxarias e dos Bombeiros Municipais de Tomar;
8. No dia 3 de Agosto de 2008, pelas 13h30m, o arguido dirigiu-se para a Mata da Caridade, freguesia de Nª Sª das Piedade, neste concelho e comarca;
9. E, daí, para a Rua do Aroeiro;
10. Zona de grande arvoredo e de mato;
11. Em tais circunstâncias de tempo e lugar, o arguido levava consigo um artefacto constituído por um cigarro “Marlboro” envolvido em quatro fósforos, tudo atado por arame;
12. A dado momento, o arguido acendeu o cigarro do artefacto;
13. Deu duas ou três passas para o atear;
14. Agachou-se junto a uma valeta à beira da estrada;
15. E colocou todo o referido engenho no meio de uns arbustos secos para lhes propagar o fogo;
16. E para que estes o comunicassem ao arvoredo existente nas imediações;
17. E perto do qual também existem casa de habitação;
18. Entretanto, como se aproximava do local A...;
19. O arguido, verificando esse facto, deixou o local, na sua motorizada de marca Gilera, modelo Stalker, de matrícula 53-DT-87;
20. O incêndio só não se propagou porque A... foi procurar o artefacto que o arguido havia largado no local;
21. Tendo conseguido detectá-lo;
22. E tendo-lhe retirado o borrão já incandescente;
23. E deixando ficar o aludido engenho incendiário, no local onde estava, quando o encontrou;
24. Na ocasião destes factos, o arguido vestia umas calças de cor cinzenta e uma camisa, de meia manga, com quadrados;
25. No dia 12 de Julho de 2009, pelas 13h29m, domingo, o arguido dirigiu-se ao Casal Castanheiro, neste concelho e comarca;
26. Entrou num caminho de serventia;
27. Onde percorreu cerca de 20 m;
28. Apeou-se da sua motorizada identificada em 19.;
29. E com um isqueiro em plástico de cor azul, de marca BIC, descartável, ateou fogo ao pasto que se propagou ao pinhal;
30. Este incêndio lavrou em eucaliptos, pinhal e mato adjacente numa área de cerca de 350 m2;
31. Um dos terrenos atingidos por este incêndio ateado pelo arguido pertence a E...;
32. No qual arderam pinheiros e mato;
33. Tendo, por ele, sido atribuído o valor de cerca de € 250,00 aos pinheiros que arderam;
34. O fogo foi combatido por 14 elementos dos Bombeiros Voluntários de Ourém, 5 dos Bombeiros Voluntários de Caxarias e 5 dos Bombeiros Municipais de Tomar, 7 veículos de combate a incêndio, um helicóptero e duas avionetas;
35. Para combate ao incêndio foi necessário cortar uma das vias de trânsito da E.N. nº 356;
36. No mesmo dia 12 de Julho de 2009, o arguido, conduzindo a sua motorizada identificada em 19., tomou a orientação de Casal Matos e Calços;
37. E dirigiu-se a um local conhecido por Casalinho, sito, na freguesia de Nª Sª da Piedade, nesta comarca;
38. Entrou numa outra serventia e junto a algum entulho aí depositado, composto de lixo, garrafas e vidros, parou a motorizada identificada em 19.;
39. E com o isqueiro mencionado em 29., ateou fogo que se propagou à mata;
40. Em consequência deste incêndio, que deflagrou pelas 13h31m, do mesmo dia, arderam cerca de 100 m2, incluindo pinheiros bravos pequenos, em regeneração e mato, para além de lixo e outras árvores;
41. Nas imediações desta propriedade existe um pavilhão industrial de transformação de madeiras;
42. Este incêndio foi combatido por 5 elementos dos BV de Caxarias, apoiados por uma viatura de combate a incêndios;
43. No dia 13 de Julho de 2009, após as 12h30m, mas antes das 13h26m, o dirigiu-se à localidade de Valados, Coroados, Seiça;
44. Fazendo-se transportar na sua motorizada mencionada em 19.;
45. Seguindo na estrada que liga Ourém a esta última localidade.
46. Quando ia a meio do caminho, entrou numa serventia;
47. Andou cerca de 50 m, parou a motorizada e apeou-se;
48. De seguida, com o isqueiro dito em 29., ateou fogo ao pasto existente na floresta;
49. Em consequência deste incêndio, que deflagrou pelas 13h26m, ardeu cerca de 250 m2 de mato, adjacente a arvoredo, 1 eucalipto e 4 pinheiros, pertencentes a G…;
50. Que atribuiu ao prejuízo por si sofrido o valor de € 200,00;
51. Para combate a este incêndio foram mobilizados 37 elementos dos BV de Ourém, Caxarias, GIPS e FEBE, 8 viaturas, 2 aerotanques ligeiros e 1 helicóptero médio;
52. No mesmo dia 13 de Julho de 2009, entre as 17h30m e as 18 horas, o arguido deslocou-se a um local conhecido por Louçãs;
53. Tendo reparado que junto à berma do caminho se encontrava uma ovelha morta e em decomposição;
54. Em face do que parou a sua motorizada;
55. E ateou outro incêndio.
56. Ainda nesse dia, após estes factos, o arguido abandonou o local;
57. Usando um caminho circundante à floresta em direcção à Rotunda do Olival;
58. Aí entrou de novo em direcção a Louçãs, tendo andado cerca de 30m;
59. Na estrada principal, tomou um caminho de serventia à esquerda;
60. Parou a motorizada referida em 19., apeou-se e andou uns metros pelo caminho referido.
61. Com o isqueiro referido em 29., ateou um outro incêndio na floresta, composta por pinhal.
62. Este incêndio, que deflagrou pelas 18h25m, consumiu 2 hectares de mato, pinheiros e eucaliptos;
63. Existentes próximo de casas de habitação;
64. Nas imediações da residência de H…, que reside na EN 349, nº 27, em Louças, em resultado dos factos descritos em 52. a 61., ardeu uma área de terreno com 1.700 m2, com mato e pasto;
65. A residência em apreço tinha valor não inferior a € 50.000,00;
66. Também em resultado dos factos descritos em 52. a 61., num terreno contíguo à residência de J... arderam 10 pinheiros pertencentes ao mesmo;
67. O qual lhes atribuiu o valor de € 500,00;
68. Este fogo ateado pelo arguido propagou-se igualmente a uma propriedade de E...;
69. Tendo consumido na mesma 2 ha de pinheiros adultos;
70. A que o seu dono atribuiu o valor de € 10.000,00;
71. O mesmo fogo lavrou igualmente num pinhal pertencente a I...;
72. No qual consumiu mais de 1.000 m2 de pinhal, com pinheiros adultos, que arderam na totalidade;
73. Tendo aquele atribuído aos prejuízos por si sofridos o valor de € 2.000,00;
74. O mesmo incêndio ateado pelo arguido propagou-se ainda a um terreno pertencente a K...;
75. Tendo aí queimado mato e pinheiros pequenos existentes numa área de 1.300 m2;
76. Também um pinhal de N... foi atingido pelo referido incêndio ateado pelo arguido, no qual ardeu uma área de 800 m2, com pinheiros adultos e eucaliptos;
77. Tendo-lhe sido causados prejuízos que estimou no valor de € 1.000,00;
78. O fogo produzido pelo arguido propagou-se ainda a um pinhal pertencente a O...;
79. No qual ardeu uma área de 2.000 m2 de pinheiros adultos e de mato;
80. Com o que aquele sofreu um prejuízo a que atribuiu o valor de € 2.000,00;
81. Ainda o mesmo fogo ateado pelo arguido atingiu o pinhal de Q...;
82. Consumindo-lhe pinheiros adultos existentes numa área de 2.000 m2;
83. E causando-lhe um prejuízo a que foi atribuído o valor de € 1.500,00;
84. Este mesmo incêndio atingiu um terreno, com 4.000 m2 de área, pertencente a R...;
85. No qual ele mesmo conseguiu circunscrever a propagação do fogo a pasto e uma macieira;
86. Tendo obstado a que se comunicasse a sua casa e aos anexos, onde, para além do mais, guarda o seu tractor e alfaias agrícolas;
87. A cujo conjunto aquele atribuiu valor não inferior a € 50.000,00;
88. Para combater este incêndio foram convocados os Bombeiros Voluntários de Ourém, de Caxarias, de Torres Novas, do Entroncamento, de Leiria, os Municipais de Tomar, num total de 63 homens, 18 viaturas, 2 aviões e 1 helicóptero;
89. No dia 15 de Julho de 2009, cerca das 19 horas, o arguido dirigiu-se a Seiça
90. Conduzindo a sua motorizada, identificada em 19.;
91. Na estrada que liga Seiça a Caxarias entrou num caminho de serventia, em Coroados, freguesia de Seiça, neste concelho e comarca;
92. Onde, numa mata conhecida pelo Casal Touro ou Vale Frade, neste concelho e comarca;
93. Com o isqueiro identificado em 29., ateou o fogo a mato existente nas imediações de pinheiros pequenos;
94. Criando dois focos de incêndio com uma distância de cerca de 50 metros, entre si;
95. Queimando uma área de cerca de 150 m2;
96. Este incêndio mobilizou 48 elementos dos Bombeiros Voluntários de Ourém, Fátima, Tomar, Barquinha, Caxarias, Constância, Entroncamento e Torres Novas, 12 viaturas, dois aerotanques ligeiros e um heli-médio;
97. O arguido sabia que com as descritas condutas ateava estes incêndios;
98. Estando ciente de que os mesmos se haviam de propagar a conjuntos de árvores de maior ou menor extensão e concentração, mormente a grupos de pinheiros e de eucaliptos, os quais não lhe pertenciam e seriam destruídos, em maior ou menor escala, pelo fogo;
99. Dependendo do modo como fossem detectados e pudessem ser combatidos;
100. Factos com os quais aquele se conformou e, ainda assim, quis atear este fogos e, conseguiu;
101. Apenas não tendo conseguido deflagrar o de dia 3 de Agosto de 2008, acima referido em 8. a 24., por vicissitudes alheias à vontade do mesmo;
102. O arguido sabia, pelo menos, na situação descrita em 52. a 88., da proximidade de maior número de árvores e vegetação comburente e de habitações ;
103. Cujo valor e significado económico e patrimonial, conhecia;
104. Estando, igualmente, ciente de que criava o risco de propagação e destruição desses bens;
105. Agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente;
106. E sabia que a sua conduta lhe estava vedada pela Lei Penal;
107. O arguido V... sofreu uma condenação, em 11 de Maio de 2001, no Tribunal Judicial de Ourém, processo comum colectivo nº 126/00.0PAVNO do 2º Juízo, na pena de quatro anos e seis meses de prisão, pela prática, em 15 de Junho de 2000, de um crime de incêndio;
108. Antes de preso, o arguido vivia sozinho, numa casa que pertenceu aos seus pais;
109. Tem duas filhas, com 22 anos e com 17 anos;
110. A filha mais velha do arguido vive com o seu companheiro e duas filhas do casal, com 4 e 2 anos de idade;
111. A filha mais nova vive com a sua mãe;
112. Antes de preso, trabalhava como cantoneiro, ao serviço da Câmara Municipal de Ourém, auferindo um vencimento mensal de € 640,00;
113. Completou a 4ª classe;
114. Agora, no estabelecimento prisional, trabalha na cozinha, todos os dias, entre as 7h30m e as 18 horas;
115. Recebe, com regularidade, as visitas das filhas;
116. Sendo a sua filha mais velha, quem lhe cuida da sua casa;
117. O arguido é considerado um trabalhador pontual e eficiente, enquanto trabalhou como cantoneiro;
118. E como uma pessoa, educada, calma, humilde e prestável para ajudar os outros;
119. E um pai responsável, tanto mais que ficou com as filhas à sua guarda e cuidados após a sua separação da mulher, em 2002;
120. Ambos os progenitores do arguido faleceram no período compreendido entre Fevereiro de 2008 e Março de 2009;
121. O que o deixou muito transtornado e desorientado;
122. O que, concomitantemente, com a saída das filhas, a mais velha, para ir viver com o seu companheiro, a mais nova, com a mãe, o deixou com um sentimento de perda e de abandono;
123. O arguido sofre de consumo excessivo de álcool.

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
A convicção do Tribunal, quanto aos factos considerados provados, teve por base os seguintes fundamentos:
No que se refere aos atinentes ao incêndio de 20 de Julho de 2008, a que se referem os pontos 1. a 7., a análise crítica e conjugada do depoimento da testemunha D…, militar da GNR que constatou o terreno, mato e pinheiros queimados, naquele dia e local referidos em 1., do que elaborou o auto de notícia de fls. 180, bem como o auto de notícia de fls. 185 e 186; as fotografias de fls. 415 e as fotografias de fls. 415 a 418, nas quais o arguido se deixou retratar, com seu expresso consentimento, prestado a fls. 413, a apontar o exacto local onde igniu o fogo, tudo conjugado, ainda, com o relato de diligência externa de fls. 414 e com os depoimentos das testemunhas B... e L…, Inspectores da Polícia Judiciária que intervieram, com o arguido, nesse reconhecimento de locais a que se refere aquele relato de diligência, tendo sido eles quem tirou tais fotografias, tendo, ainda, verificado, que o local indicado, em tal diligência externa, pelo arguido, coincide com o real foco de início do incêndio, tudo, por fim, valorado à luz das regras de experiência comum, uma vez que, não sendo possível adivinhar ou inventar o local do início do fogo, a circunstância de o arguido o ter indicado só pode significar que foi ele quem ateou este incêndio;
No que se refere aos descritos em 6. e 7., o auto de ocorrência do serviço nacional de protecção civil, elaborado com referência a este incêndio e junto a fls. 455.
No que se refere aos descritos em 8. a 21; 23. e 24., a análise conjugada do depoimento da testemunha A... que presenciou os factos a que se referem os pontos 8. a 19. e 24. e protagonizou os descritos em 20. a 23., conjugado, no que se refere ao facto de a pessoa que praticou os factos descritos em 8. a 19. ser o arguido, com as fotografias de fls. 402 e 403, efectuadas com o consentimento expresso do arguido, conforme termo de fls. 400, nas quais o mesmo aparece a indicar o local exacto onde colocou o artefacto composto pelo cigarro acesso atado a fósforos por arame; depoimento este, conjugado, ainda, com a recolha, pela polícia judiciária, no local, do mesmo artefacto incendiário como documentado a fls. 361, bem assim na fotografia de fls. 360 e, ainda, com as fotografias de fls. 356 a 359;
Ainda, quanto ao facto descrito em 19. de a motorizada do arguido ser de marca Gilera, modelo Stalker, de matrícula 53-DT-87, a fotografia de fls. 364, conjugada com a título de registo de propriedade da mesma, que está em nome do arguido, junto a fls. 365, conjugado com o mesmo depoimento da testemunha A... que esclareceu que a motorizada que viu, naquelas circunstâncias de tempo, modo e lugar, era idêntica;
Em relação aos descritos em 25. a 29.; 36. a 39.; 43. a 48., 52. a 61.; 63.; 89. a 94., o auto de reconhecimento de fls. 18 a 21, a análise crítica e conjugada das fotografias de fls. 22 a 28, nas quais o arguido surge indicando os locais onde igniu tais fogos, conjugadas com o depoimento da testemunha P…, Inspector da Polícia Judiciária que interveio em tais diligências e tirou as mencionadas fotografias, meios de prova estes analisados à luz das regras de experiência comum, a partir do facto relatado pela testemunha de que os locais assinalados pelo arguido como tendo sido aqueles em que ateou o fogo, coincidiam com os vestígios de ignição existentes no local e porque a circunstância de o arguido os ter indicado só pode significar que foi ele quem ateou estes incêndios;
Ainda, em relação aos descritos em 28.; 36.; 38.; 44.; 60., além dos meios de prova indicados, a fotografia de fls. 364, com o título de registo de propriedade de fls. 365;
No que se refere aos descritos em 29.; 39.; 48.; 61., o auto de reconhecimento de fls. 18 a 21, conjugado com as fotografias de fls. 22 a 28 e com o auto de exame directo e avaliação de fls. 731;
Quanto aos descritos em 31. a 33., o depoimento da testemunha E..., que depôs de forma clara, isenta e credível;
No que se refere ao descrito em 34., o relatório de ocorrência elaborado pela autoridade nacional de protecção civil de fls. 728 e também junto a fls. 966;
Em relação aos descritos em 30. e 35., o auto de notícia de fls. 106 e 107;
Em relação aos descritos em 40. e 41., o depoimento da testemunha F…, sobrinha dos proprietários do terreno em causa, que, não tendo presenciado os factos, constatou o terreno ardido e estimou o prejuízo sofrido, de forma isenta e credível, conjugados com o auto de notícia de fls. 82 e 83;
No que se refere ao descrito em 42., o auto de notícia de fls. 82 e 83;
Em relação aos descritos em 49. e 50., o depoimento da testemunha G…, proprietária do mato e árvores ardidas e que, de forma serena e ponderada, por isso que credível, estimou o valor dos seus prejuízos, depois de ter constatado as espécies e quantidades de vegetação ardidas, embora não tenha presenciado o incêndio;
Quanto ao descrito em 51., o auto de notícia de fls. 127 e 128;
Em relação aos descritos em 62. e 88., o relatório de ocorrência elaborado pela autoridade nacional de protecção civil de fls. 730;
No que se refere aos descritos em 64. e 65., o depoimento da testemunha H…;
No que se refere aos descritos em 66. e 67., o depoimento da testemunha J...;
No que se refere aos descritos em 68. a 70., o depoimento da testemunha E...;
No que se refere aos descritos em 71. a 73., o depoimento da testemunha I...;
No que se refere aos descritos em 74. e 75., o depoimento da testemunha K...;
No que se refere aos descritos em 76. e 77., o depoimento da testemunha N...;
No que se refere aos descritos em 78. a 80., o depoimento da testemunha O...;
No que se refere aos descritos em 81. a 83., o depoimento da testemunha Q...;
No que se refere aos descritos em 84. a 87., o depoimento da testemunha R...;
H…; J...; E...; I...; K...; R...; N...; O... e Q..., depuseram com clareza, de modo desinteressado e sincero, pelo que os seus depoimentos são credíveis;
Quanto aos descritos em 95. e 96., o relatório de ocorrência elaborado pela autoridade nacional da protecção civil de fls. 965 e verso;
No que se refere aos descritos em 97. a 106., por presunção judicial, com base na demonstração de todos os restantes descritos em 1. a 97. e, ainda, com base no teor das duas perícias às faculdades mentais do arguido já realizadas, de que estão juntos aos autos os relatórios de perícia psiquiátrica de fls. 703 e 704 e de fls. 1486 a 1491;
Destes relatórios, resulta que o mesmo arguido, não só tem capacidade de discernimento que lhe permite distinguir o bem do mal e adequar o seu comportamento com essa valoração, como, ainda, que tem consciência de que a ingestão excessiva de álcool lhe causa alterações comportamentais.
Conforme resulta do exame pericial, cujo relatório médico-legal de perícia psiquiátrica realizado a 03 de Julho de 2010 no Hospital Nossa Senhora da Graça de Tomar pelo médico psiquiatra AC…, "(...) relativamente aos factos descritos nos autos e examinando apresentou uma postura defensiva, evasiva, apresentando-se nitidamente desconfortável ao relatar o sucedido".
Para tais factos o mesmo apresenta total crítica, apresentando capacidade de se auto-determinar nas decisões tomadas. Por isso, mesmo que na altura estivesse sobre influência de bebidas alcoólicas, situação a que o examinando não respondeu e dado que conhece os efeitos maléficos que o consumo de tais bebidas exerce sobre o seu comportamento, tendo por isso opção de se abster ou não do seu consumo e influenciando o seu comportamento, nada obsta a que o mesmo seja considerado imputável para os factos que lhe são imputados.
Do mesmo modo, o relatório social para determinação da sanção, junto aos autos a fls. 1397 e seguintes em 25 de Fevereiro de 2010, refere a fls. 1400 o seguinte: "Confrontado com factos similares que deram origem ao presente processo, referiu que os considera censuráveis, não deixando contudo de transparecer qualquer emoção que nos permitisse perceber o grau de interiorização e censurabilidade dos mesmos".
Por fim transcreve-se o que consta do relatório agora junto a fls. 1487 e seguintes, especialmente a fls. 1489 onde se refere: "Interrogado pela motivação para o fazer (com referência ao incêndio que o Arguido confessou ter deflagrado em 2000), afirma que "O meu pai e a minha mãe tinham falecido há pouco tempo e andava desorientado. Bebi 10 a 15 cervejas e às vezes dá-me para fazer mal... como o incêndio, às vezes dá-me para partir louça e coisas assim".
No momento da entrevista mostra no entanto arrependimento quanto ao sucedido: "Acho que fiz mal! Não devia ter feito o que fiz, nunca mais faço!".
O mesmo relatório mostra que o Arguido tem um Q. I. dentro dos parâmetros normais, embora com baixo percentil, tendo o mesmo concluído que o Arguido tem crítica para o seu comportamento, ter noção que erra, tem capacidade para distinguir o bem do mal, o lícito do ilícito.
Destes três relatórios, sendo certo que dois deles são de especialidade de psiquiatria, resulta inequivocamente que, não só o arguido tem capacidade para distinguir o lícito do ilícito, como é igualmente conhecedor dos malefícios que o consumo excessivo de álcool no seu comportamento e sintomaticamente, ainda da conclusão de que o Arguido tem capacidade para optar entre beber e não beber, sendo a propósito elucidativa a afirmação da filha que o acompanhou neste último exame de que o pai exagera no consumo de álcool quando tem problemas pessoais.
Em relação ao descrito em 107., o certificado de registo criminal junto a fls. 499 a 501 e 1135 a 1137 e, ainda, a fls. 1435 a 1437;
Quanto aos descritos em 108. a 116., as declarações do próprio arguido;
No que se refere aos descritos em 117. e 118. os depoimentos das testemunhas JM..., sob cuja direcção, o arguido trabalhou, desde 2005, até à data em que foi preso; T…, irmão do companheiro da filha mais velha do arguido, a quem conhece e com quem convive, desde há cinco anos e MF..., companheiro da filha mais velha do arguido, com quem convive, desde há cerca de cinco anos;
Em relação aos descritos em 119. a 122., o relatório social de fls. 1397 a fls. 1401;
No que se refere ao descrito em 123., os relatórios periciais de fls. 703 e 704 e de fls. 1486 a 1491.

FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram quaisquer outros factos que não se compaginem, ou não estejam incluídos na matéria de facto acima dada como provada, designadamente, que:
A forma pela qual o arguido igniu o incêndio ocorrido em 20 de Julho de 2008, tenha sido com recurso a um artefacto feito por si mesmo, composto de um cigarro “Marlboro” envolvido em quatro fósforos, tudo atado por arame; que tenha acendido o dito cigarro; tenha dado duas ou três passas para o atear e, depois de aceso, tenha colocado esse artefacto no meio do mato, porque esta versão dos factos foi assim exarada, na acusação, com fundamento em confissão do arguido em interrogatório perante órgão de polícia criminal, durante o inquérito, sendo certo que em audiência de discussão e julgamento, usou do seu direito ao silêncio e que, quanto aos meios de prova acima enumerados que estribaram a convicção do Tribunal, nada resultou quanto ao modo de actuação do arguido, no que se refere à forma como o incêndio foi deflagrado;
No combate ao incêndio ocorrido em 20 de Julho de 2008, no lugar conhecido como Curvas da Bicha, em A…, a que aludem os pontos 1. a 7., tenha sido mobilizada «uma avioneta», porque o que resultou provado é o que consta descrito, no ponto 7., com base no que consta do auto de ocorrência de fls. 455;
Que, com referência ao incêndio de 3 de Agosto de 2008, na Mata da Caridade, a que se referem os pontos 8. a 24. da matéria de facto provada, A... tenha apagado com um ramo, o cigarro atado com fósforos e arame, porque o que resultou dos esclarecimentos prestados por esta testemunha é o que se encontra descrito nos pontos 22. e 23. da matéria de facto provada;
Que as calças e a camisa que o arguido vestia, aquando dos factos descritos em 8. a 24., fossem, respectivamente, de fazenda e de quadrados azuis e brancos, porque a testemunha A..., quando confrontado com as fotografias de fls. 397, que se referem a duas peças de roupa do arguido, apreendidas em 14 de Agosto de 2008, conforme auto de apreensão de fls. 387, não pôde garantir ao Tribunal, que fossem as que envergava, aquando dos mesmos factos;
Que, com referência ao incêndio de 12 de Julho de 2009, a que se referem os pontos 25. a 35., face ao que consta do ponto 34. da matéria de facto provada, não resulta demonstrado que o mesmo tenha sido combatido por cinco veículos de combate a incêndio;
Por falta de produção de meios de prova, esclarecedores e convincentes, nessa matéria também não resultou provado que, se incêndio descrito em 36. a 41., não tivesse sido controlado e apagado poderia ter ardido uma área de 15 ha de pinhal e eucaliptal; nem que, para além do que consta descrito em 40, tenham ardido mato e outras árvores; nem que, para além do descrito em 41., nas imediações do terreno em questão existissem «moradias e indústrias», até porque, quanto a este facto, resulta o contrário, no que se refere à proximidade de casas de habitação;
Que com referência ao incêndio de dia 13 de Julho de 2009, a que se referem os nºs 43. a 48. da matéria de facto, este incêndio tenha sido ateado pelo arguido nas imediações do fogo igualmente por si ateado em 11 de Julho de 2009, pelas 19h15m também no lugar de Coroados, freguesia de Seiça, até porque não se provou que este último incêndio tenha sido da autoria do arguido, além de que nenhuma prova se fez acerca da proximidade dos locais;
Que com referência ao incêndio ocorrido no dia 13 de Julho de 2009, a que se referem os pontos 52. a 62. e seguintes da matéria de facto provada, no que se refere ao terreno pertencente a I... tenham ardido 1.500 m2, porque o que se provou foi apenas o que consta do ponto 72. da matéria de facto provada;
Do mesmo modo, com referência ao mesmo incêndio quanto às consequências que teve para N..., não se provou que lhe tenham ardido 2.000 m2 e que os seus prejuízos tenham sido por ele estimados em € 2.000,00, porque o que se provou é apenas o que consta dos pontos 76. e 77.;
Ainda por referência ao mesmo incêndio, que R... tenha atribuído aos seus bens identificados em 86. um valor não inferior a € 150.000,00, porque o valor que a testemunha estimou é aquele que se encontra exarado no ponto 87. da matéria de facto provada;
Também porque o que resultou provado é o que consta do ponto 88. da matéria de facto provada, não se demonstrou que entre os meios de combate a este incêndio estivessem apenas 34 homens e 8 viaturas;
Ainda porque o que resulta demonstrado é o que consta dos pontos 94. e 95., da matéria de facto provada, não resulta de demonstrado que, no incêndio de 15 de Julho de 2009, tenham ardido 100 m2 de mato, nem que, dos meios de combate ao incêndio estivessem 47 elementos do bombeiros e 11 viaturas;
Por último não se provou qualquer facto, ou circunstância que tenha permitido imputar ao arguido a autoria dos incêndios ocorridos, no dia 31 de Maio de 2009, pelas 10h55m, no lugar de Ameal, freguesia de Nª Sª da Piedade, descrito sob o ponto III da acusação e a que se refere o NUIPC 343/09.8GAVNO; no dia 31 de Maio de 2009, pelas 12h27m, junto do Pinhal do Rei, sito no lugar de Carregal, freguesia de Nª Sª das Misericórdias, descrito no ponto IV da acusação e a que se refere o NUIPC 344/09.6GAVNO; No mesmo dia, pelas 14h36m, nas freguesias de Pêras Ruivas e de A…, descrito no ponto V da acusação e a que se refere o NUIPC 345/09.4GAVNO; no dia 7 de Julho de 2009, pelas 19h40m, em Vale Travesso, freguesia de Nª Sª da Piedade, descrito sob o ponto VI da acusação e a que se refere o NUIPC 424/09.8GAVNO e, no dia 11 de Julho de 2009, pelas 19h15m, em Valado, sito em Coroados, freguesia de Seiça, descrito sob o ponto VII da acusação e a que se refere o NUIPC 433/09.7GAVNO.
Com efeito, contra o silêncio do arguido, para além dos relatórios de ocorrência elaborados pela autoridade nacional de protecção civil, onde se relatam os meios humanos e logísticos postos no combate a estes incêndios, nenhum outro meio de prova foi produzido que permita, ainda que só por presunção judicial, concluir que o autor destes incêndios tenha sido o arguido, já que nenhuma das testemunhas inquiridas presenciou qualquer facto atinente à ignição destes fogos, nos locais não foram recolhidos quaisquer vestígios que permitissem, ainda que com recurso a prova pericial, apurar quem teria estado no local e, em relação a estes incêndios também não foi efectuada qualquer reconstituição ou reconhecimento, por parte do arguido.
Por isso, neste contexto probatório, tais factos perderam, supervenientemente, qualquer interesse ou relevância, para a decisão da causa, motivo por que, não podendo ser imputados ao arguido, não se lhes faz referência, na matéria de facto prova, embora tenha ficado demonstrada a sua verificação.
*
Na acusação, foram ainda proferidas outras afirmações irrelevantes, não constam, nem da matéria de facto provada, nem da matéria de facto não provada.
São elas, as seguintes:
Que o dia 12 de Julho de 2009, tenha sido um domingo;
Que o dia 13 de Julho de 2009 seja segunda-feira, assim como a menção «durante o período de almoço», reportada à mesma data;
Que o dia 15 de Julho de 2009 tenha sido uma quarta – feira, e que o arguido «depois de ter saído do trabalho, esteve algum tempo em Ourém»;
Que, depois de ter ateado o fogo descrito em 43. a 48., o arguido tenha voltado para o trabalho;

ASPECTO JURÍDICO DA CAUSA
ENQUADRAMENTO JURÍDICO – PENAL
Nos termos do art. 272º nº 1 al. a) do CP, segundo a revisão operada pelo D.L. 48/95 de 15.03 e com as alterações introduzidas pela Lei 65/98 de 02.09., quem provocar incêndio de relevo, nomeadamente pondo fogo a edifício ou construção, a meio de transporte, a floresta, mata, arvoredo ou seara (…) e criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos.
Os bens jurídicos protegidos com esta incriminação são, pois, a vida, a integridade física e bens patrimoniais de valor elevado (José Faria Costa, Comentário Conimbricense ao Código Penal, Vol. II, p. 869).
Vítima deste tipo de crimes pode ser, portanto, qualquer pessoa, não prévia e concretamente identificada.
Mas que, em todo o caso, se integre no mais ou menos vasto e, de antemão, não qualitativa ou quantitativamente determinável universo de pessoas, em relação às quais se pretende evitar o perigo, embora para a verificação do crime, baste que apenas uma delas fique exposta ao mesmo perigo.
A conduta tem um desvalor de acção pouco relevante, mas por si só, é susceptível de conduzir a resultados catastróficos. Porque envolve elevados riscos, concretamente, para a integridade física e a vida de terceiros, ou para bens patrimoniais de valor elevado pertencentes a outrem, a lei penal basta-se, para a incriminação, com a produção de um perigo de lesão dos bens jurídicos tutelados, abstraindo do dano ou efectiva lesão desses bens.
Com efeito, da perspectiva da actuação do agente sobre os bens jurídicos objecto da tutela, distingue-se entre os crimes de perigo e os crimes de dano.
Nos crimes de perigo, a realização do tipo tem por efeito, apenas a criação do perigo, ou seja, de «um estado invulgar, irregular (avaliado segundo as circunstâncias concretas), de acordo com o qual a verificação do dano se torna provável, sendo essa probabilidade avaliada segundo uma prognose posterior positiva» (Maurach, Deutsches Strafrecht, AT 255).
Nos crimes de dano, a sua consumação depende da efectiva destruição ou lesão dos bens jurídicos que visa proteger.
Por seu turno, os crimes de perigo são de perigo abstracto ou concreto, consoante, respectivamente, a lei apenas pressuponha o perigo e estabeleça, na sua previsão, os sinais ou indícios de perigosidade que fazem presumir o perigo, caso em que o perigo não é elemento constitutivo do tipo, mas se apresenta como o «motivo da proibição» (cfr. Lopes Rocha, Jornadas de Direito Penal, CEJ, 1983, p. 371), ou a lei exija, para a consumação do crime, a criação efectiva dessa probabilidade de dano, sendo, então, o perigo elemento constitutivo do tipo de ilícito penal, constituindo o seu resultado (No mesmo sentido, Faria Costa, O Perigo em Direito Penal, p. 567 e ss).
Face ao teor literal do art. 272º citado, o crime de incêndio é um crime de perigo comum e concreto.
De perigo, porque não existe ainda qualquer lesão efectiva para a vida, a integridade física ou para bens patrimoniais de grande valor.
De perigo comum, porque é susceptível de causar um dano incontrolável sobre bens juridicamente tutelados de natureza diversa.
E «de perigo concreto porque, na construção do tipo, o perigo vale o mesmo que o dano, porque é o perigo que constitui a forma de violação do bem jurídico; o perigo é elemento do tipo legal, sendo os bens jurídicos protegidos a vida, a integridade física e os bens patrimoniais de elevado valor» (Ac. do STJ de 12.09.2007. No mesmo sentido, Acs. do STJ de 24.04.2008; de 12.06.2008 e Ac. da Relação de Lisboa de 30.09.2009, todos in http://www.dgsi.pt e José Faria Costa, Comentário Conimbricense ao Código Penal, tomo II, pág. 875).
A nível objectivo, a consumação do crime de incêndio pressupõe uma conduta humana deflagradora de um incêndio.
Mas não é todo e qualquer incêndio que constitui objecto da punição. Apenas o incêndio de relevo merece a tutela do art. 272º do CP, ou seja, o fogo ateado terá de se traduzir num «incêndio com uma extensão ou com uma intensidade que se devem considerar, à luz das regras da experiência, como manifestas, indiscutíveis ou relevantes» (Faria Costa, Conimbricense ao Código Penal, Vol. II, p. pág. 871 e Acs. da Relação do Porto de 26.04.2006; de 31.10.2007, in http://www.dgsi.pt).
Nesta matéria, a Lei dá a possibilidade de o caracterizar, quando se refere a incêndio provocado em edifício ou construção, a meio de transporte, a floresta, mata, arvoredo ou seara. Trata-se, contudo, de uma enumeração meramente exemplificativa.
Não basta, pois, um mero atear de fogo, desencadeando uma combustão em materiais a tal adequados ou propensos a tal efeito, que, a qualquer momento, pode ser apagada ou, pelo menos, controlada, quer na duração, quer no objecto abrangido por tal combustão.
O acto de provocar um incêndio tem de representar mais do que um mero atear de fogo, tem de traduzir o abrasamento total ou parcial de edifício, mata, floresta, meio de transporte, de corresponder a um «(…) fogo que lavra com intensidade ou extensamente. Incêndio pressupõe, em definitivo, uma tónica de excesso. O fogo é, em princípio, e por seu turno, o resultado da combustão de certos corpos dentro de níveis aceitáveis de controlo e de domínio.» (José Faria Costa, Comentário Conimbricense ao Código Penal, Vol. II, p. 870).
Do ponto de vista subjectivo, o art. 272º prevê, no seu nº 1, um nexo de imputação a título doloso, tanto na conduta, quanto na criação do perigo, enquanto que, no nº 2 do mesmo preceito, esse nexo de imputação verifica-se com fundamento no dolo reportado à acção, mas na negligência em relação ao perigo, ao passo que o nº 3 pune apenas a negligência, quer no tocante à acção, quer no que se refere ao perigo (Acs. da Relação de Coimbra de 13.06.2001 e de 24.11.2004, in http://www.dgsi.pt e Acs. do STJ de 04.03.1999, CJSTJ 1999, Tomo I, p. 235; Ac. do STJ de 12.06.2008, in http://www.dgsi.pt).
O Código Penal foi revisto pela Lei 59/2007 de 04.09., que entrou em vigor em 15 de Setembro de 2007.
Na sequência da entrada em vigor desta Lei, o crime de incêndio tipificado no actual art. 272º mantém, na respectiva norma incriminadora, os mesmos elementos constitutivos daquele tipo, sendo iguais as molduras penais abstractas.
Apenas, na nova norma incriminadora, deixou de estar incluído o incêndio florestal que, à luz da lei nova é, agora, configurado como crime autónomo, no art. 274º.
De resto, a al. a) do nº 1 do art. 272º continua a tipificar como crime o «incêndio de relevo, nomeadamente, pondo fogo a edifício, construção ou meio de transporte (…), e criar deste modo, perigo para a vida, ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão de três a dez anos.
Mantêm-se, pois, intactos, os elementos constitutivos do tipo de incêndio, tanto do ponto de vista objectivo, como subjectivo, desde que objecto do fogo seja, um edifício, uma construção ou um meio de transporte.
No que se refere a incêndio em floresta, o art. 274º nº 1 pune quem provocar incêndio em floresta, mata, arvoredo ou seara, próprias ou alheias, com prisão de um a oito anos, agravando o nº 2 a moldura abstracta da pena de prisão, para três anos, quanto ao limite mínimo e para dez anos, quanto ao limite máximo, se se verificar alguma das circunstâncias previstas nas als. a) a c), ou seja, a criação de perigo para a vida ou para a integridade física de outrem ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, colocação da vítima em situação económica difícil ou, ainda se a deflagração do incêndio tive prosseguido fins de obtenção de benefícios económicos.
Tendo a consideração as previsões contidas nos nºs 3 e 4 do citado art. 274º, com referência aos nºs 1 e 2 a) e por comparação com estes, bem como em face do que acima ficou exposto acerca da distinção entre perigo concreto e abstracto, é lícito concluir, por um lado, que o incêndio previsto no nº 1 é um crime de perigo abstracto, punível, tanto com base no dolo, mas também, dada a disposição legal contida no nº 4, com fundamento na negligência, ao passo que a norma incriminadora do nº 2 já exige o perigo concreto e, por outro lado que, tal como na Lei antiga, também, a conformação do elemento subjectivo do tipo de incêndio florestal do art. 274º nº 2, quanto à circunstância contida na sua al. a) abrange um nexo de imputação a título doloso, tanto na conduta, quanto na criação do perigo, enquanto que, no nº 3 do mesmo preceito, esse nexo de imputação verifica-se com fundamento no dolo reportado à acção, mas na negligência em relação ao perigo.
Face à matéria de facto provada, sob os pontos 1. a 97., resulta que o arguido, nos dias 20 de Julho de 2008; 12; 13 e 15 de Julho de 2009, na primeira data, por método que não foi possível apurar, nas restantes situações, usando um isqueiro, igniu diversos fogos e, tendo-o feito, em zonas de floresta composta de pinheiros e eucaliptos.
Em todos eles, foi necessária a intervenção de mais do que uma corporação de bombeiros, além de viaturas de combate a incêndios e, inclusive, meios aéreos, o que ilustra bem a dimensão e eminência do perigo criado pelo arguido, para além do real dano, traduzido nas áreas de terreno, árvores e mato destruídos pelo fogo.
Como também resulta da decisão da matéria de facto, arderam diferentes áreas a quantidades de árvores, no caso do incêndio de 13 de Julho de 2009, a que se referem os pontos 52. a 88., com uma dimensão exponencialmente maior que nos restantes e também com prejuízos e números de pessoas lesadas de muito maior vulto, em termos comparativos, com as restantes situações, concretamente, porque estiveram em sério risco de serem consumidas pelo fogo, pelo menos duas casas de habitação de valores não inferiores, cada uma delas, a € 50.000,00.
Na medida em que o arguido sabia que com as descritas condutas ateava estes incêndios, estando ciente de que os mesmos se haviam de propagar a conjuntos de árvores de maior ou menor extensão e concentração, mormente a grupos de pinheiros e de eucaliptos, os quais não lhe pertenciam e seriam destruídos, em maior ou menor escala, pelo fogo, dependendo do modo como fossem detectados e pudessem ser combatidos, sendo certo que se conformou com tais factos e, ainda assim, quis atear este fogos o que conseguiu e, ainda, que sabia, pelo menos, na situação descrita em 52. a 88., da proximidade de maior número de árvores e vegetação comburente e de habitações, cujo valor e significado económico e patrimonial, conhecia, estando, igualmente, ciente de que criava o risco de propagação e destruição desses bens, tendo agido sempre de forma livre, deliberada e consciente, ciente de que a sua conduta é proibida por lei, o arguido praticou actos típicos, ilícitos e dolosos que integram, no caso dos incêndios descritos em 1. a 7.; 25. a 35.; 36. a 42.; 43. a 51. e 89. a 96., do crime de incêndio florestal, p. e p. pelo art. 274º nº 1 do CP, posto que se mostram verificados todos os elementos constitutivos do tipo e não concorrem quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa.
Quanto à conduta do arguido, tal como descrita sob os pontos 52. a 88. da matéria de facto provada, a mesma não pode deixar de ser jurídico-penalmente qualificada, como um crime de incêndio p. e p. pelo art. 274º nº 1 e nº 2 al. a) do CP, considerando a pluralidade de pessoas lesadas, sobretudo, a natureza dos prejuízos por elas sofridos, sobretudo, em consideração a bens patrimoniais de valor considerável, como são, indubitavelmente, as casas de habitação de H… e de R....
Nos termos do art. 30º nº 1 do Código Penal, o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
Ora, de acordo com o critério teleológico perfilhado naquele preceito para distinguir entre unidade e pluralidade de infracções, (Maia Gonçalves, Código Penal Português anotado e comentado, 8ª ed., p. 268 e Eduardo Correia, Direito Criminal, vol. II, 1971, p. 197 e seguintes e Unidade e Pluralidade de Infracções e, ainda, Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Geral, volumes I e II, edição da AAFD Lisboa), uma vez verificada a possibilidade de subsumir uma conduta a mais do que um preceito incriminador, ou diversas vezes ao mesmo preceito, nesta última hipótese, é apenas o juízo de censura que dirá se, efectivamente, foram cometidos vários crimes ou apenas um único, consoante se possa descortinar em tal conduta uma única ou várias resoluções criminosas, rejeitando o legislador penal português a teoria naturalista da infracção, de acordo com a qual, é o número de acções em que se pode desdobrar ou dividir a conduta que determina o número de crimes praticados pelo agente.
Considerando que, para que uma conduta seja considerada crime, se exige, que além de antijurídica, seja, igualmente, culposa, a culpa será sempre o elemento limite da unidade da infracção, em virtude de que, sendo vários os juízos de censura, outras tantas vezes o mesmo tipo legal de crime se torna aplicável, de onde resultará a pluralidade de infracções.
Por conseguinte, estando em causa a violação do mesmo tipo legal de crime, sempre que se verifique uma pluralidade de resoluções criminosas, se verifica uma pluralidade de juízos de censura, a dificuldade residirá, apenas, em verificar se numa determinada situação concreta existe pluralidade de resoluções criminosas ou se o agente age no desenvolvimento de uma única e mesma motivação.
Essencial para tal determinação será, sempre, a conexão temporal que liga as várias condutas do agente. Daí que «para afirmar a existência de uma unidade resolutiva é necessária uma conexão temporal que, em regra e de harmonia com os dados de experiência psicológica, leva a aceitar que o agente executou toda a sua actividade sem ter de renovar o respectivo processo de motivação» (Prof. Eduardo Correia, Direito Criminal, 1971, vol. II, p. 202).
Ora, estes incêndios foram ateados, em diferentes locais, em diferentes datas parte deles, sendo que em cada um dos dias 12 de Julho e 13 de Julho de 2009, o arguido, recorrendo a um isqueiro deu início a dois incêndios diferentes, a diferentes horas, pelo que se mostra que, de cada vez que se propôs ignir um incêndio teve de renovar a sua resolução criminosa, pelo que a censura jurídico-penal a fazer ao arguido terá de entrar em linha de conta com o concurso real de infracções.
Por referência aos factos ocorridos em 3 de Agosto de 2008, o Mº. Pº. imputou ao arguido a prática de um crime de incêndio na forma tentada.
De harmonia com o disposto no artigo 22º nº 1, do Código Penal, há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se.
Nos termos do art. 22º nº 2 do Código Penal, são actos de execução os que preenchem um elemento constitutivo de um tipo de crime, bem como os que forem idóneos a produzir o resultado típico, sendo-lhes equiparados aqueles que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos executivos.
O regime jurídico da tentativa orienta-se assim, numa direcção objectiva, centrada no conceito da punibilidade dos actos executivos da conduta típica.
Por outro lado, a seriação do que são actos de execução é efectuada por referência a critérios que assentam no pressuposto da causalidade adequada, aferido pela idoneidade ou capacidade potencial de produção do evento (Prof. Faria Costa, Jornadas de Direito Criminal, CEJ, p. 160. e Ac. Relação do Porto de 06.02.2002, in http://www.dgsi.pt).
«O resultado só é imputável a determinada conduta quando esta tenha criado (ou potenciado) um risco proibido para o bem jurídico protegido pelo tipo de ilícito e esse risco se tenha materializado no resultado: para além da criação (ou aumento) do risco, é essencial que esse risco tenha conduzido à produção do resultado concreto» (Ac. da Relação de Lisboa de 21.09.2005, in http://www.dgsi.pt. No mesmo sentido, Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, I, 313 e segs., e Claus Roxin, Derecho Penal, Parte General, Tomo I, 373 e segs.).
Isto implica que os actos de execução devem encerrar em si mesmos um momento de ilicitude, pois ainda que não produzam a lesão do bem jurídico tutelado pela norma incriminadora do crime consumado, produzem já uma situação de perigo para esse bem.
Nesta sequência, a imputação do resultado à conduta do agente será excluída sempre que o evento anti-jurídico se produz fora do “fim de protecção da norma” incriminadora, como acontece, quando é a própria vítima que cria ou incrementa o perigo que acaba por se concretizar no resultado.
Ora, tal como resulta da matéria de facto provada em 8. a 24., no dia 3 de Agosto de 2008, pelas 13h30m, o arguido dirigiu-se para a Mata da Caridade, freguesia de Nª Sª das Piedade, neste concelho e comarca e daí, para a Rua do Aroeiro, onde existem grande arvoredo e de mato.
Em tais circunstâncias de tempo e lugar, o arguido levava consigo um artefacto constituído por um cigarro “Marlboro” envolvido em quatro fósforos, tudo atado por arame, cigarro que acendeu, fumou-o, parcialmente, após o que o colocou, incandescente, no meio de uns arbustos secos, o que, objectivamente, constitui um meio apto a causar um incêndio, considerando a natureza comburente do artefacto assim criado e o carácter inflamável da erva seca, para mais, em pleno Verão.
Ora, o que também se apurou é que essa era, justamente, a intenção do arguido, ou seja, atear o fogo e causar um incêndio, o que só não conseguiu, devido à interferência de A..., nos termos descritos em 18. a 22. que acabou por interromper o processo executivo do incêndio projectado e querido pelo arguido.
Assim, que, além dos cinco crimes de incêndio florestal, p. e p. pelo art. 274º nº 1 do CP e do crime de incêndio florestal, p. e p. pelo art. 274º nº 1 e nº 2 al. a) do mesmo diploma, a censura ético-jurídica que se impõe fazer ao arguido, também inclui um crime de incêndio florestal, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 274º nº 1; 22º; 23º e 73º do CP, todos em concurso real de infracções.
Relativamente a todos os restantes crimes imputados ao arguido, na acusação, porque, em virtude da insuficiência da prova, nos termos já expostos, a propósito da decisão de facto «supra» não foi possível apurar se o arguido teve algum tipo de participação em tais crimes, por força do princípio «in dúbio pró réu», corolário do princípio constitucional da presunção de inocência do arguido, o mesmo terá de ser absolvido.

MEDIDA DA PENA
Feito o enquadramento jurídico-penal da matéria de facto provada, cumpre determinar qual a natureza da pena a aplicar ao arguido V... e fixar a respectiva medida concreta, dentro das molduras abstractamente previstas para os crimes de incêndio, p. e p. pelo art. 274º nº 1 e nº 2 al. a) do CP, por ele cometidos.
Assim:
Para cada um dos crimes de incêndio florestal, p. e p. pelo art. 274º nº 1 do CP – pena de prisão cujos limites mínimo e máximo são, respectivamente, um e oito anos
Para o crime de incêndio florestal, p. e p. pelo art. 274º nºs 1 e 2 al. a) do CP - pena de prisão, cujos limites mínimo e máximo são, três e doze anos.
Para o crime de incêndio florestal, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 274º nº1; 22º; 23º e 73º do CP, pena de prisão cujos limites mínimo e máximo são, respectivamente, um mês e cinco anos e quatro meses.
Na determinação concreta da pena, o Tribunal atenderá a todas as circunstâncias que contribuem para agravar ou atenuar a responsabilidade, enumeradas no art. 71º do Código Penal.
Dispõe este preceito, que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
O nº 2 do mesmo artigo enumera, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, a atender na determinação concreta da pena, dispondo o nº 3, que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, em correspondência com o artigo 375º nº 1 do CPP, que impõe que a sentença condenatória especifique os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.
Mas estas circunstâncias a que se refere o mencionado nº 2 do art. 71º, são aquelas que não integram os elementos constitutivos do tipo, sob pena de violação do princípio do «ne bis in idem».
No entanto, tais circunstâncias, na parte em que a sua intensidade concreta ultrapasse os limites necessários que a lei considera no tipo incriminador para a determinação da moldura penal abstracta, devam ser consideradas na fixação concreta dessa moldura.
Estas circunstâncias serão, ainda, valoradas de acordo com a teoria da margem da liberdade, segundo a qual os limites mínimo e máximo da sanção são ajustados à culpa, conjugada com os fins de prevenção geral e especial das penas.
Nos termos do art. 40º nº 1 do CP, é função da pena, salvaguardar a reposição e a integridade dos bens jurídicos violados com a prática dos crimes e, na medida do possível, assegurar a reintegração do agente na sociedade.
Isto, tendo em atenção, o fim público de prevenção geral e o fim particular, de prevenção especial, nos termos do art. 71º nºs 1 e 2 do CP, mas em todo o caso, sempre, proporcionada à culpa, já que esta, apreciada em concreto, constituí, a um tempo, o suporte axiológico-normativo da pena, não havendo pena sem culpa – nulla poena sine culpa – e também o limite que a pena nunca poderá exceder.
E a culpa terá de ser apreciada, na dupla perspectiva de culpa pelo facto e pela personalidade do agente, como se infere de várias disposições do CP, como por exemplo o art. 72º nº 2 al. f) antigo e o actual art. 71º nº 2 al. f) (no mesmo sentido, Robalo Cordeiro, Escolha e Medida da Pena, CEJ, I, p. 270).
O modelo de determinação da medida da pena que melhor combina os critérios da culpa e da prevenção é, como ensina o Prof. Figueiredo Dias, «aquele que comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma «moldura de prevenção», cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto de pena, dentro da referida «moldura de prevenção», que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente» (Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, Abril - Dezembro 1993, páginas 186 e 187. No mesmo sentido, Claus Roxin, Culpabilidad y Prevención en Derecho Penal, p. 113; Eduardo Correia, BMJ nº 149, p. 72 e Taipa de Carvalho, Condicionalidade Sócio-Cultural do Direito Penal, p. 96 e ss.; Anabela Miranda Rodrigues, O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, nº 2, Abril/Junho de 2002, pág. 147 e ss. Na jurisprudência, por todos, ver, Acs. do STJ de 07.06.2006; de 27.04.2006; de 02.05.2007; de 15.03.2007, de 17.10.2007; de 09.04.2008; de 19.03.2009; de 29.04.2009; de 10.02.2010 e de 28.04.2010, in http://www.dgsi.pt).
«As expectativas da comunidade ficam goradas, a confiança na validade das normas jurídicas esvai-se, o elemento dissuasor não passa de uma miragem, quando a medida concreta da pena não possui o rigor adequado à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade, respeitando o limite da culpa. Se uma pena de medida superior à culpa é injusta, uma pena insuficiente para satisfazer os fins da prevenção constitui um desperdício» (Ac. do STJ de 01.04.98 in CJ, AC. STJ, Tomo II, p. 175. No mesmo sentido, Ac. do STJ de 23.05.2007, in http://www.dgsi.pt).
No que concerne ao grau de culpa do arguido, refira-se que a intensidade dolosa, na modalidade de dolo directo terá sentido agravante, na medida em que se trata do tipo de dolo mais intenso das modalidades enunciadas no art. 14º do Código Penal.
E, no caso vertente, resulta muito intenso, do mesmo modo, acentuado o desvalor da conduta
Somam-se, com carácter agravante, as exigências de prevenção geral, que são fortes, em face da enorme proliferação de crimes de natureza idêntica, nesta comarca e por todo o país e pelo forte alarme social que a prática deste tipo de crimes acarreta, sendo do conhecimento geral a devastação que, nestes últimos anos, todo o território nacional tem sofrido, com os incêndios, com graves prejuízos, quer do ponto de vista ecológico e ambiental, quer ao nível patrimonial.
Ainda com carácter agravante as consequências desvantajosas da conduta, do ponto de vista patrimonial, para todas as vítimas, tendo em atenção as áreas ardidas e o tipo de vegetação queimada, bem assim, o modo de actuação, ignindo fogos mais do que uma vez por dia, em 12 e 13 de Julho de 2010 e a tal ponto que, só com intervenção de bombeiros, viaturas e meios aéreos foi possível controlar e debelar os incêndios causados pelo arguido.
Também em seu desfavor não pode deixar de se anotar que o primeiro incêndio de que há notícia, nestes autos, em 20 de Julho de 2008, foi cometido pelo arguido, passados apenas três anos sobre a data em que lhe havia sido concedida a liberdade definitiva, no âmbito do processo comum colectivo nº 126/00.0PAVNO do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Ourém, onde havia sido condenado na pena de quatro anos e seis meses de prisão por crime semelhante, o que revela o insucesso desta pena privativa de liberdade para dissuadir o arguido da prática de outros crimes.
Além do mais, padecendo de síndrome de dependência alcoólica que nada fez, enquanto em liberdade para tratar, apesar de estar bem ciente das alterações de comportamento que o consumo excessivo de bebidas alcoólicas lhe causa, há sério perigo de que continue a praticar crimes da mesma natureza, perigo esse reforçado, tendo em consideração a postura de total alheamento do arguido perante a gravidade destes crimes, a qual parece corresponder ao seu modo de ser, como o revela a expressiva afirmação que proferiu, quando examinado, pela última vez, no sentido de que quando bebe demais já sabe que lhe dá para fazer coisas como atear fogos e partir loiça, como se esses dois comportamentos fossem sequer passíveis de comparação.
Em abono do arguido, o facto de se dedicar ao trabalho, gozar de reputação de trabalhador pontual e eficiente e, a nível pessoal, de pessoa calma, humilde e educada.
Por todo o exposto, mostram-se adequadas as seguintes penas:
Para o crime de incêndio florestal p. e p. pelo art. 274º nº 1, com referência aos factos de dia 20 de Julho de 2008, descritos em 1. a 7., dezoito meses de prisão.
Para o crime de incêndio florestal, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 274º nº 1; 22º; 23º e 73º do CP, com referência aos factos de 3 de Agosto de 2008, descritos em 8. a 24., um ano de prisão;
Para o crime de incêndio florestal, p. e p. pelo art. 274º nº 1 do CP, com referência ao incêndio de 12 de Julho de 2009, no Casal Castanheiro, a que se referem os pontos 25. a 35., da matéria de facto provada, um ano e três meses de prisão;
Para o crime de incêndio florestal, p. e p. pelo art. 274º nº 1 do CP, com referência ao incêndio de 12 de Julho de 2009, no Casal Matos e Calços, a que se referem os pontos 36. a 42., pena de um ano e três meses de prisão;
Para o crime de incêndio florestal, p. e p. pelo art. 274º nº 1 do CP, com referência ao incêndio de 13 de Julho de 2009, em Valados Coroados, Seiça, a que se referem os pontos 43. a 51., pena um ano e dez meses de prisão;
Para o crime de incêndio florestal, p. e p. pelo art. 274º nºs 1 e 2 al. a) do CP, com referência ao incêndio de 13 de Julho de 2009, nas Louças, a que se referem os pontos 52. a 88., pena de quatro anos e nove meses de prisão;
Para o crime de incêndio florestal, p. e p. pelo art. 274º nº 1 do CP, com referência ao incêndio de 15 de Julho de 2009, em Coroados e Casal Touro, a que se referem os pontos 89. a 96., pena de dois anos e quatro meses de prisão.
Porque, como se disse, há que considerar que os crimes praticados se encontram numa relação de concurso real de infracções, uma vez determinadas as penas parcelares para cada um dos crimes cometidos pelo arguido, cumpre fixar, nos termos do art. 77º do Código Penal, a moldura do concurso.
Esta terá como limite máximo a pena de treze anos e onze meses de prisão, resultante da soma das penas concretamente aplicadas e como limite mínimo a pena mais grave, no caso, quatro anos e nove meses de prisão.
Para determinar a medida concreta da pena, dentro da mencionada moldura há a considerar, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
Na análise global dos factos, como já se referiu, as condutas do arguido assumem diferentes graus de ilicitude, seja do ponto de vista do desvalor da acção, seja do desvalor do resultado, este muito fruto do grau de prontidão e do tipo de recursos com que os bombeiros puderam acorrer a debelar os incêndios despoletados pelo arguido.
Ao nível da sua personalidade, além da postura de total alheamento e distanciamento perante os factos e respectivas consequências, sem qualquer sinal de arrependimento ou de retratação, a comparação que o arguido fez, no último exame a que foi submetido com vista ao apuramento de eventual piromania, entre atear o fogo, a ponto de criar um incêndio e partir loiça, é sintomática de características de personalidade relacionadas com falta de respeito pelo meio ambiente, em última análise, pelos bens patrimoniais e pela vida dos outros, considerando as consequências imprevisíveis e não poucas vezes, desastrosas dos incêndios ao nível da perda ou destruição de tais bens e a indiferença que o arguido revela, perante elas, com tal comparação.
Em contrapartida, parece querer associar a morte dos seus progenitores ao facto de ter praticado os crimes, sendo que no relatório social de fls. 1397 e seguintes, tal facto está relatado como tendo acontecido no período entre Fevereiro de 2008 e Março de 2009, mas aquando da perícia, cujo relatório está a fls. 1486 e seguintes, situa esse evento em 2000.
Em todo o caso, por muito trágico que seja e é tal evento, não pode servir de causa, nem de pretexto, nem para o arguido atear fogos, nem para ingerir álcool conhecedor, como é dos malefícios do mesmo, no seu comportamento.
De qualquer modo, não pode deixar de ser tida em atenção a sua reputação de trabalhador pontual e eficiente, associada à de que, no trato social, é uma pessoa educada, gentil e humilde.
Sopesados estes factores, mostra-se adequada à gravidade da conduta e grau de culpa do arguido e suficiente para assegurar as finalidades da punição, a fixação da pena única em nove anos de prisão.
*
Quanto ao pedido cível formulado por J..., improcede, por ausência de prova, considerando o que consta da matéria de facto provada em 66. e 67., ou dito, de outra forma, não é pelo facto de ter estimado o seu prejuízo em € 500,00, que o Tribunal pode dá-lo como provado, para mais, que nenhuma prova mais foi produzida, para além do depoimento do próprio.
***
III. Apreciação do Recurso
A documentação em acta das declarações e depoimentos prestados oralmente na audiência de julgamento determina que este Tribunal, em princípio, conheça de facto e de direito (cfr. artigos 363° e 428º nº 1 do Código de Processo Penal).
Mas o concreto objecto do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da correspondente motivação, sem prejuízo das questões do conhecimento oficioso.
E vistas as conclusões de recurso apresentadas, as questões que se colocam para apreciação deste Tribunal são as seguintes:
- Se ocorre erro de julgamento da matéria de facto, nomeadamente por terem sido considerados meios de prova em violação do disposto nos artigos 58º, nº 5 e 356º do Código de Processo Penal, devendo o arguido ser absolvido;
- Se as descritas condutas do arguido se devem integrar na figura jurídica do crime continuado;
- Se a pena de prisão em que foi condenado (nove anos de prisão) deve ser reduzida para pena não superior a seis anos.

Apreciando:

Do alegado erro de julgamento da matéria de facto
O recorrente impugna a decisão proferida sobre matéria de facto, entendendo que foram mal julgados os pontos 1 a 6, 8 a 20, 24, 25 a 29, 36 a 39, 43 a 48, 52 a 61, 68 74, 76, 78, 81 e 89 a 94 dos factos provados que constam do acórdão recorrido, ou seja, toda a factualidade que permitiu a sua condenação por crimes de incêndio, que estabelece que estes são da sua autoria.
Na sua perspectiva não podia o Tribunal a quo alicerçar a sua convicção no auto de reconhecimento de locais de incêndio de fls. 19 e segs., no relatório de diligência externa de fls. 401 e 414 e no depoimento das testemunhas que participaram nessas diligências pela seguinte ordem de razões:
- não estamos perante autos de reconstituição dos factos mas meros reconhecimentos dos locais onde o arguido cometeu os incêndios;
- tais autos não podiam ser lidos em audiência uma vez que o arguido se recusou a prestar declarações;
- os inspectores da polícia judiciária não podiam ser inquiridos sobre o conteúdo de tais autos;
- o arguido não foi regularmente constituído como tal antes da realização de tais diligências;
- o depoimento da testemunha J… não é suficiente para fundamentar a condenação do arguido;
Entende que tais factos devem ser considerados como não provados.

Embora integrando a alegação no título "da qualificação jurídica e da medida da pena" o recorrente pretende ainda que seja considerado provado o seu arrependimento que no seu entendimento resulta do relatório pericial de fls. 1487, do depoimento da testemunha P... e da própria actuação do arguido ao indicar os locais de incêndio. Tal constitui impugnação da matéria de facto provada e não questão de qualificação jurídica e de medida da pena. Para que o seja necessário é que passe a constar da factualidade provada, como é pretensão do recorrente.

Como constatamos, à excepção do que concerne ao arrependimento que o recorrente pretende que seja dado como provado, o cerne da questão proposta reside na legalidade da prova produzida através de "autos de reconhecimento" e dos depoimentos das testemunhas que participaram na realização dessas diligências probatórias.
Ainda assim, a inserção sistemática da legalidade da prova que fundamentou a convicção do Tribunal no fundamento de recurso impugnação da matéria de facto parece-nos correcta tendo em consideração que assim se permitirá a este Tribunal sanar eventual nulidade através da expurgação da matéria de facto provada dos factos que não poderiam ser dados como provados por falta de meio válido de prova.

A primeira questão a abordar será a da natureza do auto de fls. 18 a 21 denominado de auto de reconhecimento de locais de incêndios florestais, diligência de que fazem parte as fotografias de fls. 22 a 28, do auto de fls. 409, denominado de relato de diligência externa, diligência de que fazem parte as fotografias de fls. 402 a 403 e do auto de fls. 414 de que fazem parte as fotografias de fls. 415 a 419.
Como resulta da motivação expressa na sentença recorrida, esses foram os elementos probatórios determinantes, em conjugação com os depoimentos das testemunhas que, com o arguido, realizaram tais diligências, para estabelecer a autoria dos fogos descritos.
Na tese do recorrente tais autos não são de reconstituição dos factos mas sim meros reconhecimentos dos locais onde o arguido cometeu os crimes de incêndio.
A prova por reconhecimento vem prevista nos artigos 147º e 148º do Código de Processo Penal, referindo-se ao reconhecimento de pessoas e de objectos, já não ao reconhecimento de locais e dificilmente se pode vislumbrar que as regras específicas desses reconhecimentos pudessem ser transponíveis para o reconhecimento de locais da prática de crimes, na medida em que supõem, o reconhecimento de pessoas que a pessoa a identificar esteja a par de outras pessoas e o de objectos, no caso de deixar dúvidas, a exibição de objectos semelhantes.
O "reconhecimento de locais de crime" apenas se pode assimilar ao meio de prova denominado de reconstituição do facto que supõe precisamente a reprodução do acontecido da forma mais fiel possível, o que obviamente impõe a deslocação ao local onde o acontecimento a reconstituir se deu (cfr. artigo 150º do Código de Processo Penal).
Ora, os autos em causa retratam precisamente deslocação aos locais de incêndio indicados pelos arguido e a demonstração do modo e local onde os fogos foram ateados, o que apenas cabe na categoria do meio de prova "reconstituição do facto" prevista no artigo 150º do Código de Processo Penal.

No que concerne à legalidade desse meio de prova e dos depoimentos prestados pelos agentes da Polícia Judiciária que nele participaram, começaremos por analisar a última questão suscitada pelo recorrente e que diz respeito ao facto de o arguido nela eventualmente ter participado antes de ter sido constituído nessa qualidade.
Relativamente à diligência documentada a fls. 19 refere o recorrente que as testemunhas P... e C... mencionaram que o arguido foi verbalmente constituído arguido antes daquela e mais tarde é que foi formalizado o respectivo auto.
Mas se o próprio artigo 58º, nº 2 do Código de Processo Penal, invocado pelo recorrente, permite que a constituição de arguido se faça verbalmente, não se compreende em que possa consistir a mencionada irregularidade.
Para além do mais está documentado nos autos a fls. 17 a questionada constituição de arguido antes da realização da diligência e nem o recorrente contesta que assim tenha sido.
Ainda que o respectivo auto tenha sido lavrado posteriormente, o momento a considerar para a prática do acto é aquele em que efectivamente foi praticado e não o momento em que foi objecto de formalização escrita através de auto. O auto destina-se apenas a retratar a realização do acto e apenas o retratará fielmente se mencionar o momento em que ocorreu, ainda que lavrado posteriormente. Se nem o recorrente contesta que a materialidade do acto de constituição do arguido terá ocorrido antes da reconstituição, nem os depoimentos das testemunhas que constituíram o arguido nessa qualidade indicam o contrário, não contém, o alegado, o pretendido significado jurídico.
No que concerne à diligência documentada a fls. 401 refere o recorrente que também se verifica irregularidade na constituição de arguido porque no termo de consentimento de fls. 400 consta apenas que ao arguido fui dito que se devia considerar como tal, nada se referindo quanto à leitura dos direitos e deveres processuais. Do depoimento das testemunhas C... e L... não resulta que essa formalidade tenha sido observada e do depoimento da última até resulta que o recorrente era ainda suspeito.
Obviamente que se trata de uma referência descontextualizada ao depoimento desta última testemunha. Certo é que se encontra documentado a fls. 400 e 404 que o arguido foi constituído nessa qualidade antes da realização da diligência em questão, esquecendo novamente o recorrente que a constituição de arguido pode ser verbal e que, por consequência, não tinha de constar do termo de fls. 400, o específico conteúdo da constituição de arguido.
Assim não se vislumbra a existência de qualquer irregularidade na constituição de arguido que pudesse afectar a validade dos meios de prova consistentes na reconstituição do facto, documentados a fls. 17 e 401.

Analisemos agora o fulcro da questão que consiste em saber se os autos de reconstituição e os depoimentos das testemunhas que neles participaram podem ser valorados como meios de prova.
Vejamos em pormenor o preceituado no artigo 150º, nº 1 do Código de Processo Penal:
Quando houver necessidade de determinar se um facto poderia ter ocorrido de certa forma, é admissível a sua reconstituição. Esta consiste na reprodução, tão fiel quanto possível, das condições em que se afirma ou se supõe ter ocorrido o facto e na repetição do modo de realização do mesmo”.
Como se refere no Acórdão desta Relação de 22.9.2010, relatado pelo Desembargador ora Adjunto e que passamos a citar, publicado em www.dgsi.pt, do disposto neste preceito decorre:
"(…) que a reconstituição é uma aproximação ao real acontecido, através de uma tentativa de reconstrução do facto ilícito praticado com intuitos indiciários ou probatórios. É um meio de prova e, como tal, com objectivos potencialmente incriminatórios. Como se concilia a pretensão punitiva do Estado através do uso deste meio de prova e o privilégio contra a auto-incriminação? Como todos sabem, a reconstituição não é uma diligência em que o arguido tenha a obrigação de colaboração. E, precisamente, na medida em que supõe uma participação activa do arguido na reconstrução do ilícito, passa ser um facere que pode contrariar o privilégio contra a auto-incriminação, sendo certo que o mesmo se encontra na sua inteira disponibilidade.
Revertendo ao caso dos autos, bastante conciso sobre a questão suscitada no recurso, entendemos ser o Ac. do S.T.J. de 14/6/2006, Processo P06P1574, in www.dgsi.jstj, em que se considerou o que a seguir se transcreve:
Nos termos do n.º 1 do artigo 355.º do Código de Processo Penal, não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formar a convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência. O n.º 2 ressalva as provas contidas em actos processuais cuja leitura em audiência seja permitida, nos termos dos artigos seguintes. O artigo 356.º regula a leitura permitida de autos e declarações, estatuindo o n.º 7 que os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado da sua recolha, não podem ser inquiridas como testemunhas sobre o conteúdo daquelas.
No que concerne ao inspector da Polícia Judiciária e ao funcionário da Guarda Florestal, trata-se de depoimentos que, diversamente do que alega o recorrente, não reproduzem quaisquer declarações do recorrente prestadas em inquérito, antes incidem sobre a reconstituição dos factos, em que o recorrente colaborou, sendo um meio de prova que não se confunde com a prestação de declarações.
É inequívoco que as referidas testemunhas não podiam ser inquiridas sobre o conteúdo de quaisquer declarações do arguido prestadas na fase do inquérito, dado que a sua leitura não era permitida, face ao disposto no artigo 357.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, tendo o tribunal colectivo consignado no acórdão a impossibilidade de valoração dessas declarações. E, na mesma linha, estava vedada a valoração de revelações feitas pelo arguido em conversas informais, por decorrência do princípio da legalidade do processo consagrado no artigo 2.º do Código de Processo Penal. Mas nada impedia que as testemunhas fossem ouvidos sobre outras diligências realizadas no inquérito para apuramento da verdade, designadamente sobre a reconstituição dos factos, meio de prova admitido no artigo 150.º do Código de Processo Penal. A circunstância de o arguido ter participado na reconstituição dos factos não tem o efeito de fazer corresponder esse acto a declarações suas para se concluir pela impossibilidade de valoração daquele meio de prova.
Na verdade, a reconstituição dos factos, como meio de prova, tem por finalidade verificar se um facto poderia ter ocorrido nas condições em que se afirma ou supõe a sua ocorrência e na forma e na forma da sua execução – Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, pg. 196.
Ponto é que só fossem valorados como provas das testemunhas sobre o que observaram, e não as revelações do arguido feitas durante a realização dessas diligências, inculcando a fundamentação da decisão da matéria de facto que esse princípio foi observado. E não se diga que o direito de defesa do arguido sofreu qualquer redução com a produção da referida prova testemunhal, dado que esta teve lugar em audiência de julgamento, onde o arguido a poderia ter contrariado.
No sentido de que os agentes da Polícia Judiciária que procederam à reconstituição do crime podem depor como testemunhas sobre o que se terá passado nessa reconstituição, pronunciaram-se os acórdãos deste Supremo Tribunal de 11-12-1996, BMJ 462, pg. 299, de 22-4-2004, CJ, STJ, XII, tomo II, pg. 165, e de 30-03-2005, proc. n.º 552/05. Este, sendo do mesmo relator, foi seguido de perto. (…) Porque os depoimentos das referidas testemunhas não incidiram sobre declarações prestadas pelo arguido, não estava vedada pelo n.º 7 do artigo 356.º do Código de Processo Penal, a inquirição das mesmas e, consequentemente, a valoração dos depoimentos.” Aliás, tal acórdão encontra-se na esteira de um outro do S.T.J., de 20/4/2006, Processo n.º 06P363, in www.dgsi.jstj, em que pode ser lido o seguinte:
“…os órgãos de polícia criminal só não podem depor em julgamento relativamente ao conteúdo de declarações que tiverem recebido e cuja leitura não seja permitida, como será o caso das declarações anteriormente prestadas pelo arguido quando ele opte pelo silêncio no julgamento, tudo nos termos dos artigos 356.º, n.º 7, 357.º e 343.º, n.º 1, todos do CPP, mas não já relativamente a factos de que tenham conhecimento directo obtido por meios diferentes das declarações de arguido no decurso do processo.
Assim, entre outros, os Acórdãos de 11/12/96, Proc. n.º 780/96 - 3.ª (relator: Relator: Cons. Flores Ribeiro); de 22/5/97, Proc. n.º 152/97 - 3.ª (Cons. Abranches Martins); de 22/4/04, Proc. n.º 902/04 - 5ª (Relator: Cons. Pereira Madeira); de 15/1/05, Proc. n.º 3276/04 - 3.ª, este relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar, tendo já sido referido a propósito de recurso interlocutório da arguida e, na parte que aqui interessa, dizendo o seguinte: «Vista a dimensão da reconstituição do facto como meio de prova autonomamente adquirido para o processo, e a integração (ou confundibilidade) na concretização da reconstituição de todas as contribuições parcelares, incluindo do arguido, que permitiram, em concreto, os termos em que a reconstituição decorreu e os respectivos resultados, os órgãos de polícia criminal que tenham acompanhado a reconstituição podem prestar declarações sobre o modo e os termos em que decorreu; tais declarações referem-se a elementos que ganham autonomia, e como tal diversos das declarações do arguido ou de outros intervenientes no acto, não estando abrangidas na proibição do art. 356.º, n.º 7 do CPP.»
Não conhecemos jurisprudência do S.T.J mais recente que se desvie da orientação acima mencionada.
Mais recentemente, este Tribunal da Relação de Coimbra, por Acórdão de 2/4/2008, Processo n.º 1541/06.1PBAVR, relatado pelo Juiz Desembargador Fernando Ventura, in www.dgsi.pt, decidiu no mesmo sentido, conforme consta do respectivo Sumário: “(…) II. - Os órgãos de polícia criminal que recolham declarações cuja leitura não seja permitida não ficam inibidos de deporem como testemunhas mas sim, e apenas, relativamente ao conteúdo daquelas declarações. Excluídas do impedimento constante do artº 356º, nº7, do CPP ficam as percepções obtidas em todos os actos processuais que não sejam interrogatórios ou inquirições, mesmo que neles tenham participado arguidos ou testemunhas. Assim acontece, como tem reconhecido a jurisprudência do STJ, com a reconstituição do facto, em que o testemunho do referido agente da Polícia Judiciária resulta de conhecimento directo sobre o que se passou nesse acto, ganhando assim autonomia, pois nessa parte não envolve a repetição de declarações do arguido.
Por consequência, devemos afirmar que só nos casos em que tenha sido colocada em causa a legalidade da reconstituição dos factos é que esta não deverá ser valorada de modo positivo. Saliente-se que a defesa do arguido, ao longo do processo, nunca afirmou que este tivesse sido determinado a participar naquela “por qualquer forma de condicionamento ou perturbação da vontade, seja por meio de coacção física ou psicológica, que se possa enquadrar nas fórmulas referidas como métodos proibidos enunciados no artigo 126.º, do CPP”, pelo que nenhuma razão há para desvalorizar a reconstituição dos factos constante dos autos e o depoimento da testemunha M… .
(…)
É preciso ter presente que o processo penal não pode ser visto apenas sobre o prisma dos direitos do arguido, o que é, muitas vezes, esquecido. Tem de ser analisado, antes, como um todo, destinado à boa administração da justiça.
E aqui entronca o princípio de que os intervenientes na investigação criminal desempenham as suas funções com respeito pelo princípio da legalidade e de acordo com as regras deontológicas inerentes à sua função.
Tal é a regra, sob pena de nenhuma segurança existir no sistema jurídico e deste ser, por essa via, completamente desvalorizado.
Logo, a menos que seja demonstrado que a investigação se guiou por más práticas (leia-se, violação dos direitos do arguido, nomeadamente através de “prova fabricada”), não há razão para colocar em dúvida o depoimento de um agente da autoridade, ajuramentado nos termos legais, só porque o arguido, em julgamento, nega os factos ou se exprime com dificuldade" (fim de citação).
O mesmo se dirá relativamente ao caso dos autos em que o arguido não prestou declarações.
Na realidade o que as testemunhas reproduziram em julgamento não foi em sentido próprio declarações do arguido mas o conteúdo da reconstituição dos factos, ou seja, a forma como o arguido no locais por si indicados se comportou para demonstrar os locais e a forma como produziu os incêndios.
Pelas aduzidas razões já equacionadas com pormenor e proficiência pelo Supremo Tribunal os meios de prova de que o Tribunal a quo se serviu para formar a sua convicção são legais, não sendo aplicável o disposto no artigo 356º, nºs 7 e 8 do Código de Processo Penal invocado pelo recorrente, e o seu conteúdo permitia a formação de uma convicção positiva que se sintetiza no acórdão recorrido na justificação explanada no sentido de que as regras da experiência permitem concluir que a circunstância de o arguido ter indicado o local dos incêndios indica com segurança que foi ele o respectivo autor.
E despiciendo é abordar o depoimento da testemunha A... que, não sendo suficiente para fundamentar convicção positiva isoladamente, apenas foi meio probatório adjuvante da restante prova, essa decisiva.

Já no que respeita ao pretendido arrependimento embora efectivamente ele se pudesse deduzir de outros elementos probatórios constantes dos autos, essencial para a sua avaliação e existência seria o declarado pelo arguido em audiência de julgamento. Ocorre que o arguido não prestou declarações em audiência de julgamento nem os autos retratam qualquer actuação efectiva que demonstra tal constrição. Sendo o arrependimento do foro interno do agente, obviamente só poderá deduzir-se como real das suas próprias declarações, as que valem como meio de prova e de eventuais actos demonstrativos desse arrependimento, actos materiais ou simbólicos destinados a reparar o mal do crime ou a eliminar as condições pessoais que determinaram o seu cometimento. Nada disso se vislumbra da prova produzida, sendo certo que o arrependimento se não confunde com uma eventual admissão/confissão dos factos em determinada fase processual. São na verdade realidades bens distintas.
Também neste aspecto não vislumbramos motivo para alterar a decisão fáctica produzida na 1ª instância.

Em suma, porque a impugnação da matéria de facto não procede e a decisão recorrida não padece de vícios que por via do disposto no artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal impusessem a sua alteração, há que considerar definitivamente fixada a factualidade que consta do acórdão recorrido, com a consequente improcedência da pretensão de absolvição do recorrente posto que os factos provados integram a prática dos crimes por que foi condenado.

Da invocada continuação criminosa
O recorrente pretende que a sua conduta seja integrada na figura do crime continuado prevista no artigo 30º, nº 2 do Código Penal, agregando num crime de incêndio os factos praticados em 2008 e noutro crime de incêndio os factos praticados em 2009.
Para tanto alega:
- os crimes foram cometidos num curto espaço temporal, tratando-se do mesmo tipo de crime;
- no ano de 2009 os crimes foram cometidos no espaço de quatro dias, alguns no mesmo dia;
- todos foram cometidos durante o Verão, mantendo-se a mesma situação exterior que facilita a sua execução, nomeadamente ao nível das condições climatéricas;
- quando cometeu os crimes estava sob a influência do álcool e estava desorientado pelo falecimento dos progenitores e a saída da filha de casa.

Preceitua o artigo 30° n° 1 e nº 2 do Código Penal que:
1. O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número, de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
2. Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de urna mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
Assim, o normativo transcrito contempla, em matéria de unidade e pluralidade de infracções, três distintas situações:
- a unidade criminosa em sentido próprio, quando a um só desígnio criminoso corresponde o preenchimento de um único crime (nº 1, “à contrário sensu”);
- a unidade criminosa, juridicamente ficcionada, porque correspondente a pluralidade de resoluções e pluralidade de preenchimento de tipos de crime, do crime continuado quando toda a actuação não obedecer ao mesmo desígnio, mas estiver interligada por factores externos que arrastam o agente para a reiteração das condutas, ou seja, persistência de uma situação exterior que facilita a execução e que diminui consideravelmente a culpa do agente, com a conexão objectiva de ofensa do mesmo bem jurídico.
- a pluralidade criminosa em sentido próprio que pode corresponder a uma ou várias resoluções mas que sempre corresponderá ao preenchimento de vários tipos de crime.
É entendimento mais ou menos pacífico da doutrina e jurisprudência que os pressupostos essenciais do crime continuado são os seguintes:
- realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico;
- Homogeneidade da forma de execução;
- Unidade de dolo no sentido de que as diversas resoluções devem conservar-se dentro de uma "linha psicológica continuada";
- Persistência de uma situação exterior que facilita a continuação da execução e que diminui consideravelmente a culpa do agente.
Fundando-se a diminuição da culpa no circunstancialismo exógeno que precipita e facilita as sucessivas condutas do agente, o pressuposto da continuação criminosa deverá ser encontrado numa relação que, de modo considerável, e de fora, facilitou aquela repetição, conduzindo a que seja, a cada crime, menos exigível ao agente que se comporte de maneira diversa.
Importante, portanto, será determinar quando existiu um condicionalismo exterior ao agente que facilitou a acção daquele, facilitou a repetição da actividade criminosa (“tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito” - cfr. Eduardo Correia, Direito Criminal, II, 209) e, por isso, atenuante da culpa.
Não basta para a integração de uma pluralidade criminosa na figura do crime continuado que as condições que determinaram a prática do primeiro se mantenham, ou seja, no caso que se tenham mantido as condições climatéricas propícias à propagação do fogo, essa será uma circunstância normal nunca reveladora de uma diminuição de culpa e que não torna menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente. No crime continuado apenas estão em causa circunstâncias não comuns mas de ocorrência excepcional que compelem o agente à prática do crime e, como tal, tornam a sua acção menos culpável.
Menos que se vislumbrará que circunstâncias pessoais da vida do recorrente e especialmente o estado de alcoolizado (situação em que se coloca voluntariamente) possa qualificar-se como situação exterior que compele à repetição do crime.
Sobre a figura do crime continuado e respectivos requisitos vejam-se os Acórdãos do STJ de 19.3.2009, proferido no processo 09P0392, de 5.11.2008, proferido no processo 08P2861 e de 4.12.2008, proferido no processo 08P3275, e especificamente no que se refere ao crime de incêndio, o Acórdão do STJ de 14.6.2006, proferido no processo 06P1574, todos publicados em www.dgsi.pt.
Improcede, pois, a pretensão do recorrente no sentido de as suas mencionadas condutas serem integradas na figura jurídica do crime continuado, bem como a correspondente pretensão de desagravamento da pena com base nesse pressuposto.

Da pena
Para além do arrependimento que, por não provado, não pode ser considerado, o recorrente alega em favor da redução da pena concretamente aplicada a sua cooperação com as entidades policias na descoberta da verdade material.
Falando de pena no singular, parece querer referir-se à pena única aplicada. Não obstante a falta de clareza da pretensão exposta, sempre se apreciará da adequação de cada uma das penas parcelares aplicadas e finalmente da pena única.
Vejamos.
O arguido foi condenado pela prática dos seguintes crimes:
- Um crime de incêndio florestal p. e p. pelo artigo 274º nº 1, com referência aos factos de dia 20 de Julho de 2008, descritos em 1. a 7., na pena de dezoito meses de prisão (punível com pena de prisão de um a oito anos);
- Um crime de incêndio florestal, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 274º nº 1; 22º; 23º e 73º do Código Penal, com referência aos factos de 3 de Agosto de 2008, descritos em 8. a 24., na pena de um ano de prisão (punível com pena de prisão de 1 mês a 5 anos e 4 meses);
- Um crime de incêndio florestal, p. e p. pelo artigo 274º nº 1 do CP, com referência ao incêndio de 12 de Julho de 2009, no Casal Castanheiro, a que se referem os pontos 25. a 35., da matéria de facto provada, na pena de um ano e três meses de prisão;
- Um crime de incêndio florestal, p. e p. pelo art. 274º nº 1 do CP, com referência ao incêndio de 12 de Julho de 2009, no Casal Matos e Calços, a que se referem os pontos 36. a 42., na pena de um ano e três meses de prisão;
- Um crime de incêndio florestal, p. e p. pelo art. 274º nº 1 do CP, com referência ao incêndio de 13 de Julho de 2009, em Valados Coroados, Seiça, a que se referem os pontos 43. a 51., na pena um ano e dez meses de prisão;
- Um crime de incêndio florestal, p. e p. pelo art. 274º nºs 1 e 2 al. a) do CP, com referência ao incêndio de 13 de Julho de 2009, nas Louças, a que se referem os pontos 52. a 88., na pena de quatro anos e nove meses de prisão( punível com pena de prisão de três a doze anos);
- Um crime de incêndio florestal, p. e p. pelo art. 274º nº 1 do CP, com referência ao incêndio de 15 de Julho de 2009, em Coroados e Casal Touro, a que se referem os pontos 89. a 96., na pena de dois anos e quatro meses de prisão.
Em cúmulo jurídico destas penas foi o arguido condenado na pena única de nove anos de prisão, situando-se a moldura penal do cúmulo jurídico entre treze anos e onze meses de prisão, resultante da soma das penas concretamente aplicadas e como limite mínimo a pena mais grave, no caso, quatro anos e nove meses de prisão.
.
Atendendo ao critérios estatuídos nos artigos 40º e 71º do Código Penal no que concerne ao doseamento das penas e não sendo demais realçar, como o faz o acórdão recorrido, a premência das exigências de prevenção geral de integração existentes neste domínio, verificamos que as penas parcelares aplicadas estão longe de ofender o limite máximo oferecido pela culpa. Embora no acórdão recorrido se tenha acentuado a existência de um quadro agravante, desde logo ditado pela existência de antecedente na mesma área do ilícito que determinou cumprimento de pena de prisão e condições pessoais do arguido que impõem a ponderação de fortes exigências de prevenção especial, não se tendo referido expressamente como atenuante o facto da colaboração inicial do arguido ter sido de manifesto relevo para a descoberta da verdade, certo é que as penas aplicadas, diferenciadas em função da gravidade dos crimes e das respectivas consequências, se aproximam significativamente dos limites míninos legalmente previstos, tendo sido fixadas no liminar mínimo do que era exigido pela exigências irrenunciáveis de prevenção geral, sendo manifesto não ser possível no quadro circunstancial em causa qualquer desagravamento.
Já quanto à pena única em que o disposto no artigo 77º, nº 1 do Código Penal manda atender à personalidade do agente e aos factos considerados na sua globalidade, não obstante o grande número de crimes e a manifesta propensão do arguido para a prática deste tipo de crime, que, aliás, é repetido depois de condenação anterior com cumprimento de pena de prisão, impunha-se que fosse fixada num ponto médio da respectiva moldura, como de facto ocorreu, não se vislumbrando razões válidas para alterar o doseamento efectuado.
***
IV. Decisão
Nestes termos acordam em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e, em consequência, manter o acórdão recorrido.
Pelo seu decaimento condenam o recorrente em custas, fixando a taxa de justiça divida em cinco unidades de conta.
***
Coimbra, de 2010
(Texto elaborado e revisto pela relatora; a primeira signatária)
______________________________
(Maria Pilar Pereira de Oliveira)

______________________________

(José Eduardo Fernandes Martins)