Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4/13.3TBSEI-L.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: INSOLVÊNCIA
QUALIFICAÇÃO
INSOLVÊNCIA CULPOSA
ADMINISTRADOR
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 09/23/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: SEIA 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 186, 188, 189 CIRE
Sumário: 1.-Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham ocultado, no todo ou em parte considerável, o património daquele, disposto dos seus bens em proveito pessoal ou de terceiros ou tenham incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, e estes actos tenham sido realizados nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.

2.-Este requisito temporal mostra-se também preenchido no caso de alguns dos actos terem sido praticados já na pendência do processo.

3.-Os administradores implicados são as pessoas que têm a seu cargo a condução geral do património determinado.

4.-O limite indemnizatório legal, previsto no art.189º, nº2, e), do CIRE, é fixado no montante dos créditos não satisfeitos e não no valor dos actos culposos apurados em concreto.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

           

            J (…), credor reclamante no processo de insolvência de “S (…)Lda.”, iniciou incidente de qualificação daquela insolvência como culposa.

            O Sr. Administrador da mesma apresentou o parecer a que alude o artigo 188.º, n.º 2, do Código da Insolvência, referindo que os administradores daquela sociedade ocultaram bens e dispuseram de outros, em prejuízo dos credores, concluindo pelo preenchimento do disposto nas alíneas a), b), d), f), h) e i) do n.º 2 do art. 186º do referido Código e pela qualificação da insolvência como culposa.

            O Ministério Público e outros credores deram parecer no mesmo sentido.

            Citados, H (…) e M (…) vieram deduzir oposição, considerando:

Ao celebrarem a cessão de quotas gratuita, atuaram os aqui oponentes com perfeita transparência e boa fé e sem qualquer intenção dolosa ou qualquer culpa, para assim prejudicar os interesses patrimoniais dos credores, entre os quais se incluem os trabalhadores;

A cedência gratuita foi feita por os cessionários (…) terem dado a sua “palavra de honra”, aos oponentes H (…) e M (…) de que a sociedade era indiscutivelmente viável do ponto de vista económico, sendo a mesma recuperável, pelo que foi-lhes referido pelos mesmos (…) que iriam ser honrados os compromissos com os credores;

A partir de 21/12/2012 os cedentes foram completamente alheios a tudo o que se passou na sociedade; foram alheios e desconheciam os negócios de alienação do património mobiliário da sociedade;

Se o equipamento e veículos foram retirados da sede da empresa, tal facto só poderá ser imputado aos atuais sócios gerentes, (…)

Por sua vez, J (…) considerou:

Aceitou adquirir as quotas aos anteriores sócios e vendeu bens para conseguir angariar dinheiro para pôr em prática o projeto de viabilidade para a empresa prosseguir com a sua atividade.

            Concretizou-se a audiência de discussão e julgamento e foi decidido:

Qualificar a insolvência como culposa, considerando (…) afectados por esta qualificação, declarando-os inibidos para o exercício do comércio durante um período de 4 (quatro) anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa;

Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por aqueles, bem como a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos;

Condenar aqueles a indemnizarem os credores da sociedade S (…) Lda. no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças dos respetivos patrimónios, sendo solidária tal responsabilidade entre todos os afetados, a quantificar em liquidação de sentença, sendo o critério a utilizar no cálculo do montante dos prejuízos sofridos correspondente ao valor dos créditos julgados verificados (no apenso respetivo) não satisfeitos através dos pagamentos a efetuar no processo de insolvência.


*

Inconformados, os condenados identificados recorreram e apresentam as seguintes conclusões:

(…)


*

            Contra-alegou o Ministério Público, defendendo o bem fundado da decisão recorrida.

*

As questões que importa solucionar são:

            A) Nulidades da sentença.

            B) Deve ser alterada a matéria de facto fixada?

            C) A insolvência deve ser qualificada como culposa?

            D) J (...) não deve ser considerado gerente responsável pela insolvência?

           

E) Na consideração dos efeitos aplicáveis, a responsabilidade deve ser limitada ao valor dos actos prejudiciais concretamente apurados?


*

            Consideremos os factos provados:

1. A sociedade “S (…), Lda.” foi declarada insolvente a 21.03.2013, por sentença já transitada em julgado, tendo o processo de insolvência dado entrada em Tribunal a 4.01.2013, por requerimento do trabalhador J (…)

2. A sociedade “S (…)Lda.” foi constituída em 14.06.1982 e tinha por objeto social a atividade de montagem de instalações elétricas industriais, elaboração de projetos para esse fim e o comércio de material elétrico, tendo como sócios H (…) e M (…)

3. Desde o ano de 2000, a gerência da sociedade era levado a cabo por H (…) e M (…) (nomeados gerentes a 22.03.2000 e 8.11.2000, respetivamente), tendo a sócia M (…) deixado de figurar como gerente da sociedade a 29.10.2012, embora continuasse a acompanhar todos os negócios da sociedade, bem como toda a gestão da sociedade e a decidir o seu percurso e destino, ou seja, continuando a gerir de facto a sociedade, conjuntamente com o seu marido, H (…).

4. Por carta registada com aviso de receção datada de 16 de Novembro de 2012, o requerente da insolvência comunicou à mesma a suspensão do contrato de trabalho, em virtude desta não lhe haver pago com pontualidade a retribuição do mês de Outubro de 2012 e o subsídio de férias.

5. À semelhança do requerente, todos os demais trabalhadores, incluindo o encarregado e o engenheiro responsável pelas obras, suspenderam os contratos de trabalho, em virtude da falta de pagamento pontual de salários e demais retribuições, com exceção única da empregada de limpeza.

6. Em virtude da suspensão de todos os contratos de trabalho dos seus trabalhadores ficou a insolvente impedida, natural e objetivamente, de poder concretizar ou aceitar qualquer obra, deixando, assim, de exercer qualquer atividade.

7. À sociedade insolvente foram apreendidos os bens móveis e imóveis constantes do auto de apreensão de bens de fls. 60 a 63 do apenso B (com exceção do lote para construção, pertencente ao Município de Seia, o qual fora excluído do auto de apreensão, nos termos do disposto no art. 119.º, n.º 4, do C. Registo Predial), ou seja, um prédio urbano, correspondente às instalações da insolvente, no valor de € 160.406,06, mobiliário de escritório e materiais, no valor global de € 400,00, ações da “N (…), SA”, no valor de € 1.500,00, tendo o Sr. Administrador da Insolvência procedido à resolução de diversos negócios em benefício da massa insolvente, encontrando-se pendentes ações de impugnação de tais resoluções, não se tendo ainda logrado proceder à apreensão física de qualquer outro bem.

8. O passivo da sociedade devedora ascende a € 562.655,96 (cfr. lista de créditos reconhecidos, a fls. 6 do apenso F de reclamação de créditos).

9. Por escritura de cessão de quotas de 15.01.2013, ou seja, em data posterior à entrada em juízo do requerimento de insolvência, os sócios H (…) e M (…) s cederam as suas quotas na insolvente a (…)

10. Na verdade, o anterior sócio gerente H (…) cedeu a sua quota de € 14.963,94 a M (…) A anterior sócia M (…) dividiu e cedeu a sua quota de € 34.915,86 a M (…) (quota de € 24.441,10) e a J (…) (quota de € 4.987,98, quota de € 4.489,18 e duas quotas de € 498,80).

11. Em tal escritura de cessão de quotas, as partes declaram que a mesma era efetuada a título gratuito, ali constando também que H (…)renunciava às funções de gerente, que vinha exercendo na sociedade, e bem assim que era designado gerente da sociedade J (…); cessação de funções de gerente registada a 17.01.2013.

12. A cessão de quotas acima referida consubstancia um negócio meramente formal, tendo como ultima ratio arranjar um testa de ferro para, em consonância com os anteriores titulares da sociedade, sonegarem os bens, apropriarem-se deles e assim gorarem as legítimas expectativas dos credores no recebimento dos seus créditos. Também a referida cessão de quotas, atrasando a citação dos legais representantes da sociedade, permitiu aos anteriores e atuais sócios lograr alcançar o propósito de alienar em proveito próprio o património da

sociedade.

13. Quando o Sr. Administrador da Insolvência se dirigiu às instalações da insolvente, no próprio dia da declaração de insolvência, já o património móvel (designadamente equipamentos, materiais e veículos) da insolvente havia desaparecido, tendo sido dissipado pelos anteriores e atuais sócios da insolvente.

14. Na verdade, não foi possível proceder à apreensão de bens móveis (equipamentos, material e ferramentas próprias da sua atividade), uma vez que aquando as diligências de apreensão, na sede da insolvente apenas se encontravam alguns bens com reduzido valor, os quais foram de imediato apreendidos a favor da massa insolvente.

15. Com efeito, o Sr. Administrador da Insolvência não logrou proceder, no próprio dia da insolvência, à apreensão de nenhuma das viaturas acima elencadas, pois, nas instalações não se encontravam nenhuma de tais viaturas, tendo uma parte significativa destas sido alienadas no início do ano de 2013, já após a data da entrada da petição inicial através da qual se requereu a declaração de insolvência da devedora.

16. Nomeadamente, a transmissão/ venda, titulada pela fatura n.º 12 00058 (fls. 150, objeto de impugnação de resolução de negócio em benefício da massa insolvente operada pelo Sr. Administrador da Insolvência – Apenso H), de 21-01-2013, no montante global de 8.450,00 euros, montante que nunca dera entrada nos cofres da insolvente, e que teve por objeto os seguintes bens:

- quinadora hidráulica, pelo preço de € 1.200,00;

- guilhotina, pelo preço de € 1.000,00;

- betoneira, pelo preço de € 100,00;

- Veículo Toyota Dyna matrícula NQ (...), pelo preço de € 750,00;

- Veículo Toyota Dyna matrícula (...)AD, pelo preço de € 500,00;

- Veículo Volvo matrícula PQ (...), pelo preço de € 3.000,00;

- Veículo Iveco matrícula (...)RC, pelo preço de € 1.900,00;

17. A referida ação de impugnação de resolução de negócio em benefício da massa insolvente foi julgada improcedente, por sentença de 22.05.2014, ainda não transitada em julgado.

18. Os responsáveis da insolvente (anteriores gerentes conluiados com o atual sócio gerente da insolvente), já após a apresentação do pedido de declaração de insolvência, fizeram desaparecer a quase totalidade do património mobiliário, constituído por equipamentos e vários veículos automóveis, duas retroescavadoras uma modelo JCB e outra marca Komatsu, uma quinadora hidráulica marca Thomas e uma guilhotina hidráulica.

19. Os veículos automóveis são os que se identificam:

− Renault Kangoo - matrícula (...)UT

− Toyota Dyna - matrícula (...)BG

− Toyota Dina - matrícula NQ (...)

− Volvo - matrícula PQ (...)

− Seat Ibiza - matrícula IJ (...)

− Toyota Dina - matrícula (...)AD

− Iveco - matrícula (...)RC

20. As duas retroescavadoras foram vendidas pelo sócio gerente J (…) a J (…), residente em (...) Seia, por valor não concretamente apurado, não tendo o produto dessa venda alguma vez ingressado nos cofres da insolvente.

21. Os materiais e equipamentos da sociedade foram removidos da sede da insolvente, por ordem e no interesse dos seus representantes, na presença de

alguns dos seus extrabalhadores; designadamente, foi retirado do armazém da empresa todo o material próprio da sua atividade, nomeadamente, cobre, cabos, material elétrico e pequenas ferramentas, ao qual foi atribuído um valor estimado de € 50.000,00.

22. Do local foram retirados os seguintes bens:

Quinadora Hidráulica=4.000,00€

Guilhotina =3.500,00€

Serrote elétrico =1500,00€

Berbequim de coluna=1000,00€

Aparelhos de soldar=800,00€

Torno mecânico=1500,00€

Compressor de ar comprimido=2500,00€

Máquina de corte de pavimento= 600,00€

Betoneira=350,00€

Saltitão = 400,00€

Placa vibradora=300,00€

23. Aquando do carregamento de diversos equipamentos da sociedade para serem vendidos a terceiros, os trabalhadores da firma confrontaram o então sócio gerente J (…) da razão de ser desse esvaziamento da empresa de equipamentos, tendo também lhe avisado que estava pendente processo de insolvência. Porém, J (…) prosseguiu com os atos de alienação do património da sociedade.

24. A insolvente, com a prática de tais atos de dissipação/ alienação de património, frustrou a satisfação dos créditos da insolvente, levando-os a efeito não obstante a sua situação de insolvência, pois, há muito se encontrava impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas, uma vez que desde Setembro de 2012 que a devedora não pagava quaisquer vencimentos aos seus ex-trabalhadores.

25. A insolvente, bem como os seus sócios gerentes, ao praticar tais atos tinham pleno conhecimento de que estariam a diminuir a satisfação dos seus credores.

26. O veículo 69 – IJ – 68 foi adquirido pela insolvente, através de contrato de locação e com reserva de propriedade para a locadora “S (…)c” em Novembro de 2009, tendo sido a sociedade “S (…)” quem sempre liquidou o empréstimo.

27. Por declaração de fls. 267-verso de 2.11.2012, ocorreu uma cedência contratual da S (…), Lda, para a filha dos anteriores sócios H (…) e M (…), S (…), embora continuando a sociedade “S (…)r” a liquidar o empréstimo.

28. Na verdade, os sócios H (…) e M (…) usaram património societário em proveito exclusivo e individual dos sócios e da sua família, cedendo a posição contratual da “s (...)” no contrato de locação do referido veículo seat à sua filha e continuando a pagar o financiamento do veículo.

29. A empresa insolvente recebeu crédito/ reembolso de IVA no montante de € 16.502,31 a 8.01.2013. Tal montante fora transferido para a conta bancária da insolvente no Banco (...) com o NIB (...).

30. A empresa insolvente no ano de 2012 recebeu diversos montantes, designadamente das seguintes entidades e empresas:

- Município de Seia – no ano de 2012, o montante global de € 21.799,36

- Município de Sernancelhe – no ano de 2012, o montante global de € 21.361,63

- Sociedade (...), SA – no ano de 2012, o montante global de € 23.204,60, realçando-se pagamento de € 4.500,00 nos meses Outubro a Dezembro, diretamente à insolvente;

- C (...), SA) – no ano de 2012, o montante global de € 9.659,87, sendo de destacar que ocorreram pagamentos nos meses de Outubro e Novembro de 2012, no montante de € 2.000,00 e € 2.500,00, respetivamente, sendo que o último pagamento ocorrido em Dezembro, foi efetuado através de cheque direto à secção de processos de Execução da Guarda do ISS, por motivos de notificação para penhora de créditos;

- A (...)– no ano de 2012, o montante global de € 23.894,42 (através de cheques passados a 1.06.2012)

- P (...) – no ano de 2012, o montante global de € 7.500,00.

G (...) – no ano de 2012, o montante global de € 1.500,63, recebidos entre

31.10.2012 e 27.12.2012;

31. Os anteriores sócios da insolvente prepararam deliberadamente a insolvência da empresa recebendo créditos, delapidando património, não se coibindo de o fazer em flagrante prejuízo dos credores, nomeadamente dos trabalhadores, simulando cessão de quotas já depois de pedido de insolvência ser efetuado e engendrando um esquema, de modo a retirarem e a pôr a salvo todos os bens da insolvente constituídos por equipamento, máquinas, viaturas, matéria-prima, ferramentas.

32. Com todo este comportamento pretenderam os anteriores e atual sócios da insolvente prejudicar terceiros, mais concretamente os seus trabalhadores, visando rentabilizar o património que a sociedade ainda detinha em proveito dos seus representantes, e evitando que o mesmo satisfizesse, fosse de que forma fosse, os interesses dos seus credores.

33. A falta de trabalho durante o ano de 2012 esteve associada à constante ausência dos anteriores sócios das instalações da “S (...)” e a sua omissão na resolução de problemas.

34. O oponente H (...) optou por enveredar por outra atividade, a pecuária, descurando desde 2011 os contratos de empreitada e obras em curso.

35. A contabilidade da insolvente não se encontra organizada, ao contrário do que era devido, não tendo sido disponibilizados os elementos referentes ao ano de 2012. Na verdade, a partir da contabilidade da insolvente torna-se impossível compreender qual a atual situação patrimonial e financeira da empresa, não obedecendo às normas contabilísticas aplicáveis.

36. A gerência da insolvente jamais colaborou com o Administrador da Insolvência, nunca tendo entrado em contacto com o mesmo ou prestado qualquer esclarecimento ou informação ao longo de todo o processo de insolvência, incumprindo assim o dever de apresentação e colaboração plasmado no artigo 83º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

37. No ano de 2012, a sociedade “SS (…), Lda”, apresentava uma situação económica grave, já que para o efeito não tinha obras para realizar, a situação agravava-se dia para dia, durante todo o ano de 2012, sendo que a sociedade não gerava receitas, a fim de fazer face ás suas despesas e compromissos, designadamente o pagamento de salários dos trabalhadores.

38. A partir de Setembro do ano transato, a sociedade “S (…),Lda”, deixou de efetuar o pagamento dos salários, designadamente do subsidio de férias desse mesmo ano.

39. Consta de fls. 211, 212 e 215, o documento intitulado “contrato-promessa de cessão de quotas e declaração complementar de vontades” assinado por H (…) e M (…), M (…) e J (…), datado de 21.12.2012, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.

40. Os anteriores sócios H (…) e M (…) apresentavam a 2.10.2013 os problemas de saúde relatados nas declarações médicas de fls. 216 e 217, que se dão aqui por reproduzidas.

41. M (…) sofre de uma doença do foro cardíaco, tendo já sido submetida a uma intervenção cirúrgica em 2007. Em Agosto de 2012 sofreu um AVC que originou o seu internamento no momento.

42. H (…) sofre de doença do foro psíquico (depressão), sendo que em 2012 chegou a estar de baixa clínica.

43. As referidas doenças não foram, porém, impeditivas que os anteriores sócios da insolvente, em conluio com os atuais sócios, delapidassem o património da insolvente em proveito próprio.

44. As viaturas Renault com matricula (...)UI e Toyota com matricula (...)BG foram entregues para pagamento de uma alegada divida a Sr. (…) de “Pim-Peças”, tendo tal negócio sido resolvido pelo Sr. Administrador da Insolvência e estando pendente ação de impugnação dessa resolução (apenso I).

45. Quem tratava da organização da contabilidade da sociedade “S (…)” era a oponente M (…) tendo em Agosto de 2012, na sequência de AVC sofrido, deixado de organizar todos os documentos, tendo sido substituída nessa sua função pela sua filha S (...), também trabalhadora na insolvente e que enviava os documentos para o gabinete de contabilidade, sendo que o trabalhador Engenheiro (…) também auxiliava no tratamento dos documentos de contabilidade.

46. Pela circunstância de haver contas em atraso para com o gabinete de contabilidade, GATE21, esse gabinete de contabilidade comunicou à insolvente que não iria mais organizar esses documentos contabilísticos no ano de 2012.


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A) Sofre a sentença recorrida de nulidade, por violação do disposto nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 615º, por referência ao art.607º, nº3 e 4, do Código de Processo Civil?

            A sentença é nula quando os seus fundamentos estejam em oposição com a decisão e quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

            Os vícios que tornam a sentença nula decorrem de erros de construção ou de formação daquela e não se confundem com os da sentença injusta que é fruto de um erro de julgamento dos factos ou das normas jurídicas aplicáveis.

           

Ora, a sentença em análise fundamenta de facto e de direito, conhecendo apenas e só das questões colocadas, com um pertinente raciocínio lógico-dedutivo.

            A sentença recorrida em análise não padece de erros de construção.

            Alegam os recorrentes que a sentença não se pronuncia sobre o grau de culpa dos afetados pela declaração de insolvência culposa.

            Não é verdade, como resulta da leitura desta sua parte:

“Há, assim, primeiramente, que determinar o grau de culpa e o período de inibição para administração de patrimónios de terceiro e para o exercício do comércio. "Na ponderação do período de inibição a fixar nos termos de tal normativo legal deve levar-se em conta a gravidade da conduta da pessoa afetada com a qualificação culposa da insolvência" - cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 05/02/2013, P.380/ü9.2TBAVR-B.C1 (www.dgsi.pt). Aqui importa considerar, na medida da inibição a decretar, os atos de disposição, dissipação e ocultação do património praticados, os quais assumem elevada gravidade, sobretudo tendo em conta que ocorreram já na pendência do processo de insolvência, durante as diligências para citação dos legais representantes da sociedade, citação essa dificultada pela referida cessão de quotas; e também tendo em conta que praticamente todo o património mobiliário da sociedade, e de valor elevado, despareceu da esfera patrimonial da insolvente. Importa, ainda, atentar que as exigências de prevenção geral positiva são elevadíssimas para o tipo de condutas agora em causa, sendo, infelizmente, por demais frequentes estas condutas de “colocar a salvo o seu património” antes da declaração de insolvência. Releva, ainda, aqui o elevado montante dos créditos reclamados (€ 562.655,96) e que (face ao seu valor e valor dos bens apreendidos), em princípio, não obterão integral pagamento. Esta gravidade elevada também resulta do facto da qualificação da insolvência se verificar por via de diversas alíneas do artigo 186.º, n.º 2 do CIRE. Por outro lado, os factos sugerem que o prejuízo dos credores foi visado com um objetivo propositado (dolo direto), beneficiar em proveito próprio e detrimento dos credores do património da sociedade. Tudo factos reveladores de gravidade das condutas em causa e da elevada culpa dos sujeitos afetados pela qualificação, que devidamente ponderados, obriga o Tribunal a decretar a inibição dos sujeitos afetados  pela qualificação da insolvência, ao abrigo das al.s b) e c) supra referidas, pelo prazo de 4 anos.” (Fim da transcrição.)

Acrescentamos nós que o conluio (infra analisado) determina um grau de culpa idêntico e unitário para os Recorrentes.

            Por outro lado, os recorrentes pretendem assinalar a verificação, na sua perspectiva, de vícios na formação da convicção do julgador, para decidir a matéria de facto.

Estes vícios, a verificarem-se, aconteceram antes da própria sentença.

            Diz também o art.607º, nº4, do Código de Processo Civil, que na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras da experiência.

            Foi o que fez o tribunal recorrido. Faremos a seguir o controle dos arguidos vícios na formação da convicção do julgador.

Não se vislumbra também que os fundamentos da sentença estejam em oposição com a concreta decisão.

            Não ocorrem, portanto, as invocadas nulidades da sentença.


*

                B) Deve ser alterada a matéria de facto fixada?

(…)

            Pelo exposto, julgamos inexistirem vícios na formação da convicção do julgador e um mau uso das regras da experiência e das presunções, e decidimos manter a matéria de facto fixada.


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C) A insolvência deve ser qualificada como culposa?

            A definição desta encontra-se no art.186º do Código da Insolvência.

            Diz-nos a norma: “1 -A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do

devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.”

            “2 -Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham:

            a) Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor;

            b) Criado ou agravado artificialmente passivos ou prejuízos, ou reduzido lucros, causando, nomeadamente, a celebração pelo devedor de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com eles especialmente relacionadas; “

 (…)

            “d) Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros; “

(…)

            “f) Feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse directo ou indirecto;

            “h) Incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor;”

            “i)  Incumprido, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração até à data da elaboração do parecer referido no nº2 do artigo 188º.”

            Citámos apenas as alíneas utilizadas na sentença em crise.

            É uniforme a interpretação de que o n.º 2 da norma em análise elenca diversas situações em que o legislador presume, de forma taxativa e inilidível, ou seja, sem possibilidade de prova em contrário, que a insolvência é culposa. (ver Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, Quid Iuris Editora, 2009, pág. 610; entre muitos outros, acórdãos do STJ, de 6.10.2011, no processo 46/07.8TBSVC-D.L1.S1, da Relação de Coimbra de 7.12.2012, no processo 2273/10.1TBLRA-B.C1, em www.dgsi.pt.)

            E o legislador fê-lo porque a indagação do carácter doloso ou gravemente negligente da conduta do devedor, ou dos seus administradores, e da relação de causalidade entre essa conduta e o facto da insolvência ou do seu agravamento, de que depende a qualificação da insolvência como culposa, revela-se muitas vezes extraordinariamente difícil. Fê-lo para facilitar essa qualificação mas concretizou-o a partir de factos graves e de situações que exigem uma ponderação casuística, temporalmente balizadas pelo período correspondente aos três anos anteriores à entrada em juízo do processo de insolvência.

            Ali, a lei não presume apenas a existência de culpa, mas também a existência da causalidade entre a actuação e a criação ou o agravamento do estado de insolvência.

            O limite temporal legal (“nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência”) mostra-se preenchido apesar de alguns dos atos serem praticados já na pendência do processo. Ao contrário do defendido pelos Recorrentes, a preocupação da lei é com o limite temporal mais distante. Lidando com uma presunção, sabemos que ela vai perdendo sustentação com um tempo excessivo decorrido entre o ato e o processo. Já se o ato ocorre próximo do processo ou durante o mesmo, a sua ligação à criação ou agravamento da insolvência é mais forte, sustentando melhor a presunção de culpa e o nexo de causalidade.

De qualquer maneira, os atos infra analisados foram celebrados enquanto se realizavam as diligências tendentes à citação da sociedade. Esta citação significa também o início do processo.

O decisivo não é, como procuram defender os Recorrentes, saber do processo de insolvência mas, sim, saber da insolvência. (No caso, os Recorrentes sabem da insolvência e, por isso, invocam um pretenso projeto de viabilização.)

Feito este enquadramento, importa conferir o preenchimento das previsões legais.

           

Quanto à alínea a) em análise, resulta da factualidade provada que os anteriores gerentes conluiados com o atual sócio-gerente da insolvente são responsáveis pela ocultação ou desaparecimento da quase totalidade do património mobiliário da sociedade. Apura-se que materiais e equipamentos da sociedade foram removidos da sede da insolvente, por ordem e no interesse dos seus representantes, na presença de alguns dos seus ex-trabalhadores, material ao qual foi atribuído um valor estimado de € 50.000,00. Trata-se de “parte considerável” do património do devedor.

O desaparecimento não pode ser visto como um mero desaparecimento físico ou material. A lei não exigirá a ocultação total no sentido de se tornar impossível o acesso aos bens. Estará em causa uma ocultação jurídica, colocando o bem numa situação de difícil conhecimento e reação do credor.

            Quanto à alínea b) em análise, resulta da factualidade provada sob os pontos 9 a 12 (intuito da cessão de quotas) a celebração de negócio ruinoso, em proveito dos anteriores gerentes conluiados com o atual sócio-gerente da insolvente, gorando as legítimas expectativas dos credores no recebimento, pelo menos parcial, dos seus créditos.

Quanto à alínea d) em análise), resulta dos factos assentes sob os nº13 a 28 (alienações de bens em proveito próprio, não ingressando o correspondente produto das vendas nos cofres da sociedade; cedência de bem em proveito da filha, continuando a empresa a pagar o seu financiamento) que a devedora alienou bens seus, não integrando no seu património as contrapartidas monetárias dessas vendas, beneficiando anteriores e atual sócios e família.

Com isto agravou-se a sua situação de insolvência.

Quanto à alínea f) em análise), a mesma factualidade apurada também permite dizer que os anteriores e atual administradores da sociedade fizeram dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito deles.

Quanto à alínea h) em análise), resulta do facto 35 que a contabilidade da insolvente não se encontra organizada, ao contrário do que era devido, não tendo sido disponibilizados os elementos referentes ao ano de 2012, tornando-se impossível compreender qual a atual situação patrimonial e financeira da empresa.

O preenchimento desta norma não depende da verificação de efetivo prejuízo para os credores da insolvente.

Quanto à alínea i) em análise), ficou provado em 36 que a gerência da insolvente jamais colaborou com o Administrador da Insolvência, nunca tendo entrado em contacto com o mesmo ou prestado qualquer esclarecimento ou informação ao longo de todo o processo de insolvência, incumprindo assim o dever de apresentação e colaboração plasmado no artigo 83º do CIRE.

A previsão destas alíneas h) e i) incidem sobre formas de incumprimento que produzem ou podem produzir uma ocultação sobre a real situação patrimonial e financeira do devedor, com todos os riscos que isso envolve, dificultando uma atuação célere e eficaz do administrador da massa insolvente.

Também nos termos do art. 186º, nº 3, do CIRE, presume-se a existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular, tenham incumprido o dever de requerer a declaração de insolvência.

Dispõe o art. 18º, nº1, da mesma lei que o devedor deve requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 60 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no nº 1 do art. 3º, ou à data em que devesse conhecê-la.

            Por sua vez, preceitua o art.3º, nº 1, referido, que é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.

            “A razão do estabelecimento do dever de apresentação do insolvente é a de propiciar, o mais rapidamente possível, a solução da situação de acordo com os parâmetros legais, na convicção de que o seu arrastamento apenas pode gerar mais inconvenientes e prejuízos.” (C. Fernandes, J. Labareda, obra citada, página 125.)

            Ao contrário das presunções do nº2 do art.186 do Código da Insolvência, como supra analisado, as presunções consagradas no seu nº 3 são juris tantum, passíveis de ser ilididas.

            E, de forma que julgamos maioritária, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a interpretar esta presunção de existência de culpa grave no sentido de, sendo constatada a omissão do dever, a lei apenas faz presumir a culpa grave do respectivo administrador.

            Para qualificar a insolvência como culposa é ainda necessário, nos termos do no nº 1 do mesmo artigo, demonstrar o nexo de causalidade entre aquela omissão culposa e a criação ou o agravamento da situação de insolvência.

            (Ver acórdãos das Relações de Coimbra, Guimarães e Évora, respectivamente nos processos 1567/10.0TBVIS-C.C1, 172/08.6TBGMR-B.G1 e 2076/09.6TBSTR-A.E1, em www.dgsi.pt.)

            No caso, vejamos a questão do atraso na apresentação à insolvência:

            Pelo menos em Setembro de 2012 é segura a percepção da insolvência – já não se paga aos trabalhadores e o passivo ascende aos  562.655€.

            Por isso, os gerentes estavam obrigados à apresentação no início de Dezembro de 2012.

            Violado o dever de apresentação à insolvência, importará apurar do nexo de causalidade entre tal incumprimento e o agravamento da situação de insolvência.

            Ora, os factos são reveladores de um concreto agravamento da insolvência e do nexo de causalidade entre aquele incumprimento e esse concreto agravamento.

            O agravamento deverá corresponder ao que, nas concretas circunstâncias do caso, tenha sido efectivamente sofrido pelos credores em consequência do atraso na apresentação à insolvência e que não teria sido produzido se o devedor se tivesse apresentado à insolvência no momento oportuno.

           

Esse prejuízo deverá corresponder a uma impossibilidade ou dificuldade acrescida na satisfação dos créditos que existiam à data em que se verificou a insolvência.

O concreto agravamento ocorre com a prática dos atos de dissipação ou delapidação do património entre a verificação da insolvência e o momento em que um dos trabalhadores pediu a declaração da mesma.

            Se a insolvência tivesse sido declarada em momento oportuno, ter-se-ia evitado tais atos e os credores teriam mais e melhores hipóteses de obter a satisfação dos seus créditos.

            Neste particular, os Recorrentes não ilidiram a presunção legal de culpa grave e não afastaram o nexo que se consegue estabelecer entre o atraso e a perda dos bens móveis.

            Pelo exposto, mostram-se preenchidas as previsões normativas referidas e esta insolvência foi culposa.

(Mesmo que não ocorresse o conluio, seria possível destrinçar a culpa (o dano e o nexo de causalidade) de cada um dos gerentes da sociedade. Os anteriores gerentes procuraram fugir às suas responsabilidades, não acautelando a situação dos credores – pedindo e esclarecendo a insolvência – vindo a ser levianos na forma como deram por assente um projeto de viabilização e pagamento do passivo na mera palavra de desconhecidos. Aqueles gerentes deram destino a valores e bens de forma nada transparente, em prejuízo dos credores. O novo gerente, por seu lado, apenas se preocupou em dispor dos bens, agravando a situação de insolvência.)


*

D) J (…) não deve ser considerado gerente responsável pela insolvência?

Entende o Recorrente que nunca exerceu as funções de gerente, as quais só teriam o seu início em 15.1.2013, data em que o processo se iniciou.

Não tem razão.

Conforme a noção do art.6º do CIRE (cfr.anotação de C.Fernandes e J. Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, Quid Iuris Editora, 2009, pág. 85), os administradores implicados “são as pessoas que têm a seu cargo a condução geral de um determinado património”.

A concretizada cessão de quotas legitimou o Recorrente na condução do património da insolvente, tendo ele praticado atos efetivos sobre este património.

Estes atos, como vimos, conduziram a um agravamento do estado de insolvência já perceptível em Setembro de 2012 e conhecida de todos.

Por seu lado, como também já vimos, o limite temporal legal (“nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência”) mostra-se preenchido apesar de alguns dos atos terem sido praticados já na pendência do processo.


*

            E) Na consideração dos efeitos aplicáveis, a responsabilidade deve ser limitada ao valor dos actos prejudiciais concretamente apurados?

Esta qualificação da insolvência reporta-se a momento temporal posterior à entrada em vigor da Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril.

O artigo 189.º, n.º 2, na redação dada por esta lei, estabelece, quando a insolvência seja considerada culposa, o Juiz deve (na alínea que nos interessa à questão):

(…)

e) Condenar as pessoas afetadas a indemnizarem os credores do devedor declarado insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças dos respetivos patrimónios, sendo solidária tal responsabilidade entre todos os afetados.

Acrescenta o n.º 4 deste preceito legal que ao aplicar o disposto na alínea e) do n.º 2, o juiz deve fixar o valor das indemnizações devidas ou, caso tal não seja possível, em virtude de o tribunal não dispor dos elementos necessários para calcular o montante dos prejuízos sofridos, os critérios a utilizar para a sua quantificação, a efetuar em liquidação de sentença.

Resulta deste normativo que o efeito condenatório decorre diretamente da lei. Apenas a fixação do valor das indemnizações devidas é dependente do caso concreto. O limite indemnizatório legal é fixado no montante dos créditos não satisfeitos e não no valor dos actos individuais e culposos apurados em concreto.

A culpa apurada legitima a responsabilidade pelos créditos não satisfeitos, sendo esta solidária precisamente para melhor salvaguardar esse objectivo de ressarcimento.

Sem prejuízo de tudo isto, para além da responsabilidade específica por certos atos, no caso o conluio permite também unificar e determinar uma responsabilidade solidária por todo o montante de créditos não satisfeitos. Assim, porque também há bens e valores ocultados e há conluio no domínio dos bens, a responsabilidade do Recorrente não pode cingir-se ao valor dos bens por si vendidos.

A sentença recorrida respeitou este enquadramento jurídico, considerando que o estado atual do processo (porque o Administrador de Insolvência resolveu contratos celebrados pela insolvente, pendentes das ações de impugnação dessas resoluções), não permite definir desde já o valor que será obtido com a liquidação do ativo e o valor dos créditos por satisfazer.

Nessa medida, o tribunal recorrido, condenando, relegou para liquidação de sentença a concreta definição do valor dos créditos não satisfeitos, esclarecendo que o critério a utilizar corresponde ao valor dos créditos julgados verificados (no apenso respetivo) e não satisfeitos através dos pagamentos a efetuar no processo.

                E, por tudo isto, não nos merece censura a decisão recorrida.


*

            Decisão.

            Julga-se o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida.

            Custas pelos Recorrentes.

           

Coimbra, 2014-9-23


 (Fernando de Jesus Fonseca Monteiro - Relator )

 (Luís Filipe Dias Cravo)

 (António Carvalho Martins)