Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
243/09.1GAVZL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ESTEVES MARQUES
Descritores: CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
PENA DE PRISÃO
PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 09/29/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VOUZELA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS; 292º, 40º,44º E 50º DO CP
Sumário: É adequado a pena de prisão de 12 meses a cumprir em regime de permanência de habitação aplicada a arguido já condenado por quatro vezes pela prática de crime de condução de veículo em estando em embriaguez, estando na altura dos factos em cumprimento de pena de prisão por dias livres pela prática de um daqueles crimes.
Decisão Texto Integral: 8
Procº nº 243/09.1GAVZL.C1
RELATÓRIO

Em processo comum singular do Tribunal Judicial de Vouzela, foi condenado, como autor material e em concurso real, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez previsto e punido no artº 292º nº 1 e 69º nº 1 a) CP, na pena de doze meses de prisão e ainda na proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 13 meses.
Mais se consignou que a pena de prisão aplicada poderia ser executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, caso o arguido nisso expressa e pessoalmente consinta, até ao trânsito em julgado da decisão.
Inconformado, o arguido interpôs recurso da sentença, e em cuja motivação produziu as seguintes conclusões:
“ 1 - Pretende o arguido atacar a parte da sentença que entendeu pela aplicação de uma pena privativa da liberdade quando se defende que se deveria ter optado pela sua suspensão.
2 - Na verdade, em face dos factos provados em sede de audiência de julgamento, outra sentença não poderia resultar que não fosse a da aplicação de uma pena de prisão suspensa na sua execução.
3 - Salvo o devido respeito, os bens jurídicos que se pretendem salvaguardar com o tipo de crime em questão não se resolvem com a aplicação da pena de prisão em relação a arguidos com o perfil sócio-profissional do recorrente, seja em termos da prevenção geral, seja em termos de prevenção especial, na medida em que, quanto a esta última, a solução passará por um tratamento médico imposto ao arguido, não um isolamento imposto a quem sofre de uma doença: o alcoolismo.
4 - Cingindo-se apenas à reincidência do arguido, o tribunal a quo violou o disposto no art. 50º do Código Penal pois que os seus pressupostos se mostram preenchidos, quer quanto à personalidade do arguido, quanto à conduta do arguido anterior e posterior ao crime, quer quanto às circunstâncias do crime
5 - Por isto; e também pelo arrependimento demonstrado pelo arguido no decorrer da audiência de julgamento, haveria de se concluir ser bastante a suspensão da pena de prisão sujeita à obrigação do arguido frequentar um tratamento eficaz à dependência do álcool para que o arguido não mais voltasse a praticar tal crime.
6 - Não tendo aplicado tal suspensão, o Mmº Juiz '"a quo" violou o disposto no art. 50º, nº 1 do Código Penal, pois que se impunha tal regime no caso em apreciação.”.
Respondeu o Ministério Público, pugnando pela manutenção da douta sentença.
Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto é igualmente de parecer que o recurso não merece provimento.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO

Com relevância para a decisão do presente recurso, importa que se transcreva agora a matéria de facto que foi dada como provada na 1ª instância, a qual não vem posta em causa e a sentença não enferma de qualquer dos vícios do artº 410º nº 2 CPP, de que o tribunal conhece oficiosamente:

“1. No dia 6 de …. de 2009, pelas 19h45, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula 8..-…AA, pela estrada municipal 602, no lugar de…... freguesia de …, área desta comarca de Vouzela com uma taxa de álcool no sangue (TAS) de 3,52 gramas por litro.
2. Com efeito, antes de iniciar o exercício daquela condução, o arguido havia ingerido bebidas alcoólicas.
3. O arguido sabia que a quantidade de bebidas alcoólicas que havia ingerido lhe determinava necessariamente uma taxa de álcool no sangue superior a 1,20 g/l e, não obstante, não se absteve de conduzir a referida viatura naquele estado.
4. Ao conduzir com tal taxa de álcool no sangue o arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente.
5. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
Mais se provou que:
6. O arguido ingeriu bebidas alcoólicas em virtude de ter estado a festejar com amigos.
7. O arguido encontra-se aposentado desde 2008, tendo sido funcionário público, auferindo mensalmente pensão de reforma no valor de €646,00.
8. Vive em casa dos seus progenitores, já falecidos.
9. Tem o 6° ano de escolaridade.
10. Confessou os factos integralmente e sem reservas.
11. Assumiu uma postura de arrependimento.
12. Por sentença de 04…..2000, proferida no processo sumário nº …/99, que correu termos pelo Tribunal Judicial de S. Pedra do Sul, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292° e 69°, n. ° 1, al. a) do Código Penal, praticado em 21.12.1999, na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de 1750$00, o que perfaz a quantia de 87 500$00, e ainda na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 meses.
13. Por sentença de 13…..2003, proferida no processo abreviado nº …/02.5GASPS, que correu termos pela Secção Única do Tribunal Judicial de São Pedro do Sul, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292°, nº 1 e 69°, nº 1, al. a) do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos e ainda na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 5 meses, por factos praticados em 26.03.2002, cuja pena se encontra extinta, por despacho datado de 21.02.2007.
14. Por sentença de 19…..2005, proferida no processo comum singular nº … /04.3GAVZL, que correu termos pela Secção Única do Tribunal Judicial de Vouzela, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292°, nº 1 e 69°, nº 1, al. a) do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos, mediante a frequência do Programa de Responsabilidade e Segurança e ainda na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 20 meses, por factos praticados em 15.08.2004.
15. Por decisão datada de 28….2010 e transitada em julgado em 2.03.2010, aquela suspensão da execução da pena de prisão foi revogada, assim se condenando o arguido no cumprimento da pena de prisão fixada em 10 meses.
16. Por sentença de 12….2008, proferida no processo sumário nº …/08.8GASPS, que correu termos pela Secção Única do Tribunal Judicial de S. Pedro do Sul, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, nº 1 e 69º, nº 1, al. a) do Código Penal, na pena de 9 meses de prisão, com possibilidade de ser executada em regime de permanência na habitação e ainda na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 10 meses, por factos praticados em 12.04.2008.
17. A decisão referida em 16, veio a ser revogada no que à forma de cumprimento da pena de prisão concerne, por Acórdão da Relação de Coimbra transitado em julgado em 16.02.2009, tendo sido fixado aquele cumprimento em prisão por dias livres, num total de 54 períodos, cada um com a duração de 36 horas, que o arguido se encontra a cumprir.

*

Como resulta das conclusões da motivação, com o presente recurso pretende-se apenas que a pena de prisão que foi aplicada ao arguido lhe seja suspensa na sua execução.
Ora o que desde já se dirá é que não deixa de se estranhar que o arguido, que nem sequer apresentou contestação, venha agora alegar que padece de alcoolismo.
Só que o recorrente esquece que face à matéria que foi dada como provada, que não vem posta em causa, não resulta que o mesmo seja dependente em relação ao álcool e muito menos que necessite de fazer qualquer desintoxicação
Mas será que mesmo assim se justifica que a pena de prisão, cuja medida o recorrente não contesta, lhe seja suspensa na sua execução?
Como é sabido a suspensão da pena é uma medida de conteúdo pedagógico e reeducativo que deverá ser aplicada sempre que concorram os referidos requisitos.
Nos termos do disposto no artº 50º CP “ O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Deste modo, para que a suspensão da execução da pena seja possível, exigem-se dois pressupostos:
- Que a pena de prisão aplicada não ultrapasse os cinco anos (pressuposto formal).
- Que o tribunal no juízo de prognose feito, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, conclua que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (pressuposto material).
Como escreve Figueiredo Dias “ na formulação do aludido prognóstico, o tribunal reporta-se ao momento da decisão, não ao momento da prática do facto. Por isso crimes posteriores àquele que constitui objecto do processo, eventualmente cometidos pelo agente, podem e devem ser tomados em consideração e influenciar negativamente a prognose.” RLJ, Ano 124, pág. 68.
Também a propósito do pressuposto material referem Leal Henriques e Simas Santos “ Na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose social favorável ao réu (como lhe chama JESCHECK), ou seja, a esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime. O Tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que a esperança não é seguramente certeza, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do réu para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa” O Código Penal de 1982, Vol. I, pág. 291..
Ora no caso em análise dúvidas não há de que o pressuposto formal se encontra preenchido, uma vez que o arguido foi condenado na pena de doze meses de prisão.
Porém já o mesmo não se dirá relativamente ao pressuposto material, o qual, desde já se adiantará, não se verificar no caso vertente.
Na verdade com a presente condenação, esta é já a quarta vez que o arguido é condenado pela prática de crimes de condução de veículos em estado de embriaguez, tendo a último ocorrido em Maio de 2008 e tendo então o arguido sido condenado na pena de 9 meses de prisão e cuja forma de cumprimento foi estabelecida por Acórdão desta Relação transitado em julgado em 16.02.2009, através de prisão por dias livres, num total de 54 períodos e que o arguido se encontra a cumprir.
Ora com a punição deste tipo de crime protege-se o bem jurídico segurança da circulação rodoviária e indirectamente a segurança das pessoas face ao trânsito de veículos – vida, integridade física e bens patrimoniais.
Assim tendo em conta a elevada taxa de sinistralidade verificada nas estradas do nosso País, em grande parte devida à ingestão de bebidas alcoólicas, o referido bem jurídico carece hoje de uma particular protecção.
Ora a actuação do arguido na condução de veículo com tão elevada taxa de álcool no sangue num espaço de tempo relativamente curto e particularmente num período em que estava em pleno cumprimento da última das penas de prisão que lhe fora aplicada, mediante dias livres, não é de molde a permitir formular um juízo de prognóstico favorável relativamente ao seu comportamento.
Antes pelo contrário, revela bem que o mesmo desprezou por completo o aviso em que se traduziram as condenações anteriores, já que as mesmas não lograram obter qualquer efeito quanto à alteração do seu comportamento.
Quer dizer, nem a multa, nem a pena de prisão suspensa na sua execução, nem a pena de prisão suspensa mediante a frequência do programa de responsabilidade e segurança, nem a prisão por dias livres, dá qualquer resultado.
Para o arguido é-lhe completamente indiferente a aplicação das penas, pois este insiste em ingerir bebidas alcoólicas e de seguida conduzir veículos automóveis.
Ora com um quadro destes não pode o tribunal concluir que a simples censura e a ameaça da pena satisfaçam as necessidades de reprovação e prevenção de futuros crimes, maxime dos referentes à condução sob o efeito do álcool.
Impõe-se pois que, face ao insistente comportamento delituoso do arguido em conduzir viaturas automóveis, com grau de alcoolémia tão elevado, não obstante anteriores condenações, desprezando os perigos que daí advêm quer para si próprio quer pondo em risco a vida de terceiros, que o mesmo cumpra a pena de prisão efectiva que lhe foi aplicada.
Daí que se conclua que neste caso não se verificam os pressupostos exigidos no artº 50º nº 1 CP para a concessão da suspensão da execução da pena.
Improcede, por esta forma, a pretensão.

DECISÃO

Nestes termos, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso interposto, confirmando inteiramente a douta decisão recorrida.
Fixam a taxa de justiça devida pelo recorrente em quatro Ucs.
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (artº 94º nº 2 CPP).
Coimbra, 29 de Setembro de 2010.

Esteves Marques
Jorge Dias