Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
976/20.1T8ANS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: EXECUÇÃO
CRÉDITO DE TORNAS EM INVENTÁRIO
FORMA DE PROCESSO EXECUTIVO APLICÁVEL
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO A COMPENSAR
Data do Acordão: 05/18/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ANSIÃO – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 1377º, Nº 1, E 1378º, Nº 3 CPC/1961; 847º DO C. CIVIL.
Sumário: I – Do regime aplicável ao processo de inventário onde corre a execução de que a presente oposição emana, foram os interessados notificados para requererem a composição dos seus quinhões ou reclamarem o pagamento das tornas, concedendo-lhes a lei - art.º 1377º, n.º 1 do C. P. Civil - o direito de optar por uma das duas situações para o preencher o seu quinhão: receber tornas ou requerer a adjudicação das verbas licitadas em excesso pelo devedor de tornas.

II - No caso de não serem pagas as tornas devidas, o art.º 1378º, n.ºs 2 e 3, do C. P. Civil/61 preceitua:

2 - Não sendo efetuado o depósito, podem os requerentes pedir que das verbas destinadas ao devedor lhes sejam adjudicadas, pelo valor constante da informação prevista no artigo 1376.º, as que escolherem e sejam necessárias para preenchimento das suas quotas, contanto que depositem imediatamente a importância das tornas que, por virtude da adjudicação, tenham de pagar, sendo neste caso aplicável o disposto no n.º 4 do artigo anterior.

3 - Podem também os requerentes pedir que, tornando-se definitiva a decisão de partilha, se proceda no mesmo processo à venda dos bens adjudicados ao devedor até onde seja necessário para o pagamento das tornas.

III - Este procedimento para a obtenção da satisfação do crédito de tornas constitui uma forma de execução especial mais expedita e fácil, que apenas incide sobre os bens adjudicados em excesso ao devedor de tornas, evitando o recurso ao processo executivo comum, limitando, no entanto, o património que responde por essa dívida aos bens adjudicados ou ao seu valor.

IV - Esta forma de execução não é impositiva para o credor, podendo o mesmo optar entre esta forma executiva e a execução comum para pagamento de quantia certa.

V - Uma das formas de extinção das obrigações que a lei contempla é a compensação, estatuindo o artigo 847.º do Código Civil que quando duas pessoas estejam reciprocamente obrigadas a entregar coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade, é admissível que as respetivas obrigações sejam extintas, total ou parcialmente, pela dispensa de ambas de realizarem as suas prestações ou pela dedução a uma das prestações da prestação devida pela outra parte.

VI - A compensação traduz-se na extinção de duas obrigações, sendo o credor de uma delas devedor na outra e o credor desta última devedor na primeira.

VII - Diz-se judicialmente exigível a obrigação que, não sendo voluntariamente cumprida, dá direito à ação de cumprimento e à execução do património do devedor (artigo 817.º) requisito que não se verifica nas obrigações naturais (artigo 402.º), por uma razão, nem nas obrigações sob condição ou a termo, quando a condição ainda se não tenha verificado ou o prazo ainda se não tenha vencido, por outra.

VIII - O requisito da exigibilidade judicial do crédito não se reporta a créditos já reconhecidos por via judicial, bastando, desde logo, que o contra-crédito esteja reconhecido pela contraparte, ou que seja suscetível de ser reconhecido em ação de cumprimento, podendo vir a ser declarado na própria oposição à execução.

IX - Ou seja, exigibilidade judicial e reconhecimento judicial são realidades distintas, sendo apenas a primeiro requisito para a declaração de compensação.

Decisão Texto Integral:





Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra
O Executado deduziu oposição à execução e penhora movida pela Exequente, alegando em síntese:
- verifica-se erro na forma do processo porquanto esta execução teria de seguir a forma especial de execução prevista no artigo 1378.º do CPC e, por isso, todos os actos são nulos;
- só podem ser penhorados os bens que tenham sido adjudicados ao devedor de tornas em sede de inventário;
Requer ainda a compensação de créditos porquanto da sentença proferida em sede de inventário resulta que a Exequente foi condenada a pagar-lhe €12.053,00, ao qual acrescem juros desde a data da sentença de partilha; requer a substituição do bem penhorado por outros bens que indica.

A Exequente apresentou contestação sustentando, em síntese, que a execução se iniciou com a penhora do bem sobre o qual goza de hipoteca judicial e os prédios rústicos indicados pelo Executado não têm valor de mercado suficiente para o pagamento da quantia exequenda. Por outro lado, nem do mapa de partilha nem da sentença homologatória resulta qualquer contra crédito do Embargante e que possa constituir fundamento de oposição à execução.
O Embargante juntou certidão judicial com a qual pretende fazer prova de que a Exequente reclamou o pagamento de tornas no processo de inventario e que requereu a compensação de créditos no processo de inventário.
Foi fixado o valor à oposição e foi julgada improcedente a nulidade de erro na forma do processo.
No despacho saneador foi proferida decisão que julgou totalmente improcedentes os embargos.
O Embargante interpôs recurso, formulando, depois de convite para a sua sintetização, as seguintes conclusões:
...
Conclui pela procedência do recurso, pedindo que:
1- Se reconheça que a dívida de tornas está limitada na sua garantia patrimonial aos bens que constituem a meação do apelante, por ter sido constituída por causa da partilha do património comum.
2- E, consequentemente, que se ordene o levantamento da penhora sobre o bem descrito sob o nº ... da freguesia de ..., por ser bem próprio do apelante.
3- Se reconheça que não existe garantia real sobre o bem penhorado na descrição com o nº ... da freguesia de ...
4- Se reconheça que o apelante detém sobre a apelada um crédito no valor de €12.053,00 e, por via disso, seja ordenada a efetivação da compensação deste crédito pelo valor de igual montante na divida de tornas, fixando-se o crédito da apelada no montante de €18. 237,00.
5- Substituindo-se na penhora o bem próprio do apelante pelos bens que lhe foram adjudicados na composição da meação por terem valor comercial suficiente para assegurar o pagamento da divida e encargos com o processo.
A Exequente apresentou resposta, alegando que persiste a forma prolixa de conclusões em número de 38 alíneas e que as mesmas contêm matéria que não consta do corpo das alegações, concluindo pela improcedência do recurso.
1. Do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas, afirmação que se tem como indiscutível, partindo-se do pressuposto que essas conclusões obedecem ao imposto pelo art.º 639º do C. P. Civil.
As conclusões devem ser sintéticas e conter a indicação dos fundamentos que justifiquem a alteração ou a anulação da decisão recorrida, fundamentos esses que correspondem à síntese do expendido pelo recorrente no corpo alegatório, sendo a relação entre ambos em tudo semelhante àquela que existe entre a petição inicial e o pedido, não podendo, assim, as conclusões conterem fundamentos não invocados nas alegações.
A Recorrida coloca em crise o âmbito das conclusões formuladas sem, no entanto, concretizar em que é que as mesmas excedem a matéria que consta das alegações.
Analisado o recurso em apreço concluímos que as conclusões formuladas se contêm dentro daquelas, pelo que serão as mesmas a definir o objeto do recurso, no âmbito do qual serão apreciadas as seguintes questões:
- erro na forma do processo;
- impugnação da matéria de facto;
- da existência de um crédito do Embargante sobre a Embargada;
- substituição da penhora.
2. Erro na forma do processo
A Exequente, servindo-se de uma sentença homologatória de partilha prolatada num inventário para separação de meações que correu termos na sequência do divórcio decretado entre si e o Executado, instaurou execução dessa decisão com vista à obtenção do pagamento da quantia de €34.290,00, correspondendo ao capital o montante de €30.290,00, a juros moratórios €1.842,30 e a juros compulsórios €2.174,24, valor correspondente às tornas que lhe são devidas.
O Executado na sua oposição invocou o erro na forma do processo, defendendo que a Exequente só se poderia socorrer do mecanismo processual previsto no processo de inventário e nunca da execução sob a forma comum.
Na 1ª instância foi julgado que a existência de um procedimento especial para a satisfação das tornas devidas não impede o credor de se socorrer da ação executiva em detrimento daquele, com a limitação que ocorre na forma especial, de nesta forma só responderem os bens adjudicados ao executado no inventário.
Estamos perante uma execução de sentença para pagamento de quantia certa, com processo comum, que corre por apenso aos autos onde foi proferida a decisão a executar e que segue a forma ordinária prevista nos art.º 550º do C. P. Civil.
Do regime aplicável ao processo de inventário onde corre a execução de que a presente oposição resulta, foram os interessados notificados para requererem a composição dos seus quinhões ou reclamar o pagamento das tornas, concedendo-lhes a lei - art.º 1377º, n.º 1 do C. P. Civil   - o direito de optar por uma das duas situações para o preencher o seu quinhão: receber tornas ou a adjudicação das verbas licitadas em excesso pelo devedor de tornas.
No caso de não serem pagas as tornas devidas, o art.º 1378º, n.ºs 2 e 3, do C. P. Civil preceitua:
2 - Não sendo efectuado o depósito, podem os requerentes pedir que das verbas destinadas ao devedor lhes sejam adjudicadas, pelo valor constante da informação prevista no artigo 1376.º, as que escolherem e sejam necessárias para preenchimento das suas quotas, contanto que depositem imediatamente a importância das tornas que, por virtude da adjudicação, tenham de pagar, sendo neste caso aplicável o disposto no n.º 4 do artigo anterior.
3 - Podem também os requerentes pedir que, tornando-se definitiva a decisão de partilha, se proceda no mesmo processo à venda dos bens adjudicados ao devedor até onde seja necessário para o pagamento das tornas.
Este procedimento para a obtenção da satisfação do crédito de tornas constitui uma forma de execução especial mais expedita e fácil, que apenas incide sobre os bens adjudicados em excesso ao devedor de tornas, evitando o recurso ao processo executivo comum, limitando, no entanto, o património que responde por essa dívida aos bens adjudicados ou ao seu valor.
Esta forma de execução não é impositiva para o credor[1], podendo o mesmo optar entre esta e a execução comum para pagamento de quantia certa, merecendo a nossa concordância o quanto a este respeito consta da decisão recorrida.
A este respeito consta do já mencionado acórdão do S. T. J. que aqui se transcreve:
A função desse procedimento circunscreve-se ao processo de inventário, sem afectar nem o conteúdo nem o objecto do direito de crédito dos aqui AA., pelo que, na parte em que o mesmo não foi satisfeito (e sem embargo dos casos em que a dívida de tornas seja da responsabilidade de ambos os cônjuges), respondem todos os bens do devedor, no caso a aqui R. NN, incluindo os bens que integram a sua meação nos bens comuns do casal constituído pelos aqui RR.
Esta orientação é aquela que se entende ser compatível com o facto de o crédito de tornas resultar do reconhecimento pela sentença homologatória da partilha, sendo o procedimento executivo do referido nº 3 do art. 1376º do antigo CPC um procedimento incidental e simplificado que não preclude a possibilidade de lançar mão da execução comum nem dos meios de conservação da garantia patrimonial…
Sendo a execução especial prevista no processo de inventário facultativa para o credor, podendo optar pela execução comum, impõe-se a conclusão do acerto da decisão proferida a este respeito.
3. Os factos
 O Recorrente discorda do facto provado sob o n.º 5 e que é:
A Exequente procedeu à hipoteca judicial do prédio descrito sob a ficha ... da freguesia de ..., da CRP de ...
Analisando os documentos constantes do processo executivo constatámos que:
-  Com data de 20.9.2019 foi registada a favor da exequente hipoteca judicial sobre o prédio descrito sob a ficha ... da freguesia de ..., da CRP de ...   e para garantia do pagamento de tornas no valor de 30.290,00€, acrescido dos juros legais, registo que foi cancelado em 12.12.2019 por indevidamente lavrado.
- A penhora desse prédio a favor da Exequente foi registada em 25.6.2020.
Desta factualidade é evidente que não resulta o registo – pressupondo-se que era isso que o facto impugnado visa significar - de qualquer hipoteca a favor da Exequente, pelo que o mesmo não se pode manter como provado.
Quanto aos não provados pretende o Recorrente que seja julgado provado que:
O Embargante detém um crédito reconhecido judicialmente sobre a Embargada no montante de 12.053,00 euros.
Do mapa de partilha consta a existência de um crédito do Embargante sobre a Embargada, no montante de €24.106,02, valor que o Embargante terá a receber do devedor que neste caso é a Embargada. A relacionação deste direito de crédito do Embargante sobre a Embargada não permite a conclusão que o credor, neste caso o Embargante, recebeu o montante correspondente à partilha efetuado e que é de €12.053,00, permitindo tão só a sua existência e reconhecimento.
Tal facto não tem que ser aditado aos julgados provados porquanto resulta do mapa da partilha que foi homologado pela sentença exequenda.
Os factos provados são:
i. No processo de inventário que correu termos sob o n.º ... foi proferida, em 01 de Outubro de 2018, sentença que homologou o mapa de partilha constante de fls. 533 e 534 e adjudicou aos interessados os quinhões, nos seus precisos termos.
ii. Do referido mapa de partilha resulta que:
- Foram partilhados bens no valor total de €239.290,02, sendo a meação de cada um dos cônjuges no valor de €119.645,01, recebendo a interessada de tornas o valor de €30.290,00 a serem pagas pelo interessado que assume a responsabilidade de todo o passivo.
- Entre os bens a partilhar encontra-se relacionado como verba n.º 1 um direito de crédito dos interessados sobre a Exequente no valor de €24.106,02, tendo integrado o quinhão de cada um metade deste valor.
iii. No âmbito do processo de inventário o Embargante requereu, para além do mais que:
B)
Sob a verba n.º 1 foi relacionado o crédito a favor do dissolvido casal e em que é devedora a interessada M...
O ora requerente vem requerer que o pagamento de tal crédito, na parte que lhe diz respeito, seja efectuado através da compensação de igual valor de tornas de que seja credora a interessada M..., atento o disposto nos art.º 1689º, n.º 3 e 1697º, n.º 1, segunda parte do C. Civil.
iv. E sobre o requerido recaiu o seguinte despacho:
No que respeita à compensação de créditos do cabeça-casal tal matéria será ponderada na elaboração do mapa de partilha, o que ora se determina.
3. O direito aplicável
3.1  Da compensação
O Embargante na sua oposição exceciona a compensação de um crédito no valor de €12.053,00 sobre a Exequente.
Dispensámo-nos de discorrer sobre a possibilidade da dedução da compensação em sede de oposição à uma execução de sentença, remetendo para tudo a que este respeito foi expendido pela 1ª instância o que se transcreve na parte mais relevante:
Uma das formas de extinção das obrigações que a lei contempla é, precisamente, a compensação, estatuindo o artigo 847.º do Código Civil que quando duas pessoas estejam reciprocamente obrigadas a entregar coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade, é admissível que as respetivas obrigações sejam extintas, total ou parcialmente, pela dispensa de ambas de realizarem as suas prestações ou pela dedução a uma das prestações da prestação devida pela outra parte.
A compensação traduz-se na extinção de duas obrigações, sendo o credor de uma delas devedor na outra e o credor desta última devedor na primeira.
É um encontro de contas que se justifica pela conveniência de evitar pagamentos recíprocos, que acrescenta que se afigura equitativo não obrigar a cumprir quem seja ao mesmo tempo credor do seu credor, pois de outro modo correria o risco de não ver o respetivo crédito inteiramente satisfeito, caso se desse entretanto a insolvência da outra parte.
A compensação torna-se efetiva mediante declaração de uma parte à outra (artigo 848.º, nº 1 do Código Civil), sendo ineficaz se feita sob condição ou a termo (n.º 2 do mesmo artigo), consubstanciando, pois, um negócio jurídico unilateral, que tanto pode ser exercido extrajudicialmente como judicialmente, neste caso quer por via de ação, de reconvenção ou de defesa por exceção, conforme os casos.
Destarte, como direito potestativo extintivo que é, pode ser operada em sede de oposição à execução como facto extintivo da quantia exequenda, como exceção perentória.
Para que haja lugar à compensação exige o artigo 847.º do Código Civil que se mostrem preenchidos determinados requisitos entre os quais o de o crédito (do compensante) ser exigível judicialmente e não proceder contra ele exceção, perentória ou dilatória, de direito material n.º 1, al. a).
Como explica Antunes Varela, para que o devedor se possa livrar da obrigação por compensação é preciso que ele possa impor nesse momento ao notificado a realização coativa do crédito (contra crédito) que se arroga contra este.
E a alínea a) do n.º 1 do artigo 847.º concretiza esta ideia, explicitando os corolários que dela decorrem: o crédito do compensante tem de ser exigível judicialmente e não estar sujeito a nenhuma exceção, perentória ou dilatória, de direito material.
Ora, diz-se judicialmente exigível a obrigação que, não sendo voluntariamente cumprida, dá direito à ação de cumprimento e à execução do património do devedor (artigo 817.º) requisito que não se verifica nas obrigações naturais (artigo 402.º), por uma razão, nem nas obrigações sob condição ou a termo, quando a condição ainda se não tenha verificado ou o prazo ainda se não tenha vencido, por outra.
Como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 15 de dezembro de 2012 “Quanto ao requisito substantivo da exigibilidade judicial do crédito (art.º 847.º, n.º 1, al. a), do CCiv), uma corrente jurisprudencial – … – defende que só é judicialmente exigível o crédito já reconhecido, cujo credor esteja em condições de obter a sua realização coactiva, instaurando a respetiva execução. Em oposição a esta perspetiva, defende outra corrente jurisprudencial que o requisito substantivo da exigibilidade judicial do crédito nada tem a ver com um prévio reconhecimento judicial ou extrajudicial desse crédito, considerando que a exigibilidade em questão se reporta, diversamente, à possibilidade de o compensante impor à outra parte a realização coactiva do seu crédito”.
Assim, o requisito da exigibilidade judicial do crédito não se reporta a créditos já reconhecidos por via judicial, bastando, desde logo, que o contra-crédito esteja reconhecido pela contraparte, ou que seja suscetível de ser reconhecido em ação de cumprimento, podendo vir a ser declarado na própria oposição à execução.
Ou seja, exigibilidade judicial e reconhecimento judicial são realidades distintas, sendo apenas a primeiro requisito para a declaração de compensação.
O crédito do recorrente está reconhecido e é exigível.
Admitindo-se assim a compensação de um crédito reconhecido como forma de extinção parcial da dívida exequenda – art.º 729, g) do C. P. Civil – deve o montante do crédito de Embargante sobre a Embargada ser compensado com equivalente montante do crédito daquela sobre este, procedendo assim este fundamento do recurso.
3.3 Da substituição do bem penhorado
Pretende o Embargante que a penhora não tinha de ter inicio pelo prédio descrito sob o nº ... da freguesia de ... porque sobre este não incide qualquer garantia real, não lhe sendo aplicado o disposto no artigo 752º, nº 1 do C. Proc. C.
Nos termos do disposto no art.º 752º, n.º 1 do C. P. Civil executando-se dívida com garantia real que onere bens pertencentes ao devedor, a penhora incide pelos bens sobre que incida a garantia e só pode recair noutros quando se reconheça a insuficiência deles para conseguir o fim da execução.
Efetivamente sobre o imóvel penhorado, conforme decorre da matéria de facto, não incide qualquer garantia real pelo que não se poderia usar esse fundamento para a penhora se iniciar pelo mesmo.
A penhora desse imóvel como o valor de €44.959,79 foi efectuada em 29.6.2020 para garantir o valor total de €38.814,82, correspondente à quantia exequenda e despesas prováveis.
Considerando o valor de €12.053,00 correspondente ao crédito do Embargante sobre a Embargada a dívida Exequenda situar-se-á em cerca de €27.000,00, sendo o valor do imóvel penhorado superior a esse valor em €17.000,00.
Nos termos do art.º 751º do C. P. Civil a penhora começa pelos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostrem adequados ao montante do crédito do exequente – n.º 1.
Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo o agente de execução deve respeitar as indicações do exequente sobre os bens que este pretende ver prioritariamente penhorados, não podendo, no entanto, esta nomeação ser arbitrária.
 As indicações do exequente quanto aos bens a penhorar não vinculam o agente de execução caso violem normas legais imperativas, ofendam o princípio da proporcionalidade da penhora ou infringirem manifestamente a regra contida no n.º 1 do art.º 751º do C. P. Civil.
De acordo com o princípio da proporcionalidade devem ser penhorados apenas os bens suficientes para satisfazer a prestação exequenda.
A violação do princípio da proporcionalidade na penhora justifica a oposição do executado – art.º 784º, n.º 1, al. a) do C. P. Civil.
Os bens que o Embargante indica para serem penhorados em substituição do imóvel são prédios rústicos e partes de prédios rústicos dos quais se desconhece o seu valor individual, mas a que na partilha foi atribuído o valor de €60.525,00.
Há que ter presente que estes bens não são aqueles cujos valores pecuniários serão de mais fácil realização e se mostram adequados ao montante do crédito do exequente, sendo  admissível a penhora efectuada sobre o imóvel pois, a penhora dos indicados pelo Executado, atenta a natureza dos mesmos e inerente dificuldade de venda, presumivelmente não permitirá a satisfação integral do credor no prazo de seis meses – art.º 751º, n.º 3 do C. P. Civil – uma vez que não se encontra provado que seja esse imóvel seja a habitação própria permanente do executado.
 Mesmo a admitir-se que o bem penhorado fosse a habitação própria permanente do executado a satisfação do crédito da Exequente não ocorreria presumivelmente no prazo de 12 meses - art.º 751º, n.º 4, b) do C. P. Civil.
Assim, mantêm-se a penhora efetuada.
Decisão:
Nos termos acima expostos, julga-se parcialmente procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida na parte em que julgou improcedente a compensação do crédito do Embargante sobre a Embargada, no montante de €12.053,00 valor em que se reduz a quantia exequenda.
Custas por Embargante e Embragada na proporção do decaimento.
                                                 Coimbra, em 18/05/2021


***


[1]
Neste sentido:
 Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres in O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, ed. 2020, pág. 133- 134, Almedina.

E os seguintes Acórdãos:
Do S. T. J de 23.1.2020 acessível no ECLI, relatado por Maria da Graça Trigo que revogou a decisão proferida pelo T. R. P. em 9.5.2019 no processo 798.18.0T8PNF.P1. e referida pelo recorrente na motivação do seu recurso.
T. R. G. de 28.10.2010 relatado por Antero Veiga
T. R. P. de:
 10.10.2019 relatado por Carlos Portela
 11.5.2020 relatado por Manuel Domingos Fernandes, todos acessíveis em ww.dgsi.pt .