Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5755/19.3T8CBR-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
CRÉDITO AGRÍCOLA
CONTRATO DE MÚTUO
RESOLUÇÃO
JUROS REMUNERATÓRIOS
JUROS MORATÓRIOS
JUROS COMERCIAIS
Data do Acordão: 05/28/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - SOURE - JUÍZO EXECUÇÃO - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTS.10 CPC, 433, 434, 781, 806, 1142 CC, 102 C COMERCIAL, DL Nº 24/91 DE 11/1
Sumário: 1.- O novo CPC, aprovado pela Lei nº 41/2013 de 26/6, não revogou a norma do art.33 do DL nº 24/91 de 11/1 ( regime jurídico do crédito agrícola mútuo) – “ para efeito de cobrança coerciva de empréstimos vencidos e não pagos, seja qual for o seu montante, servem de prova a título executivo as escrituras, os títulos particulares, as letras, as livranças e os documentos congéneres apresentados pela caixa agrícola exequente, desde que assinados por aquele contra quem a acção é proposta, nos termos previstos no Código de Processo Civil”.

2.- No caso de resolução do contrato de mútuo por falta de pagamento de prestações e na ausência de normas contratuais em contrário, sendo o título executivo constituído pelo contrato de mútuo, celebrado entre a entidade bancária como mutuante e o devedor como mutuário, o mutuante apenas tem direito ao capital ainda em dívida, aos juros contratuais vencidos e não pagos até à data da resolução e aos juros de mora vencidos após a resolução do contrato, estes à taxa prevista para os juros de mora comerciais.
Decisão Texto Integral:







I. Relatório

a) O presente recurso insere-se numa ação executiva e vem interposto do despacho de 7 de dezembro de 2018, que se passa a reproduzir:

«Face ao teor do requerimento que antecede, verificamos que a exequente considera que a partir de 17/10/2017 o contrato de mútuo com fiança e hipoteca celebrado em Setembro de 2012 se considera resolvido.

Ora, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico (v. artº. 433, do Código Civil). E nos contratos de execução continuada ou periódica, a resolução não abrange as prestações já efectuadas (cfr. artº. 434, nº. 2, do Código Civil).

Deste modo, os juros moratórios peticionados após a data de resolução (17/10/2017) já não podem ser os contratualizados (pois o contrato de mútuo, através da resolução, ficou sem efeito), passando a calcular-se essa mora à taxa legal dos juros civis, ou seja, 4% unicamente.

Por outro lado, quanto aos juros remuneratórios, é preciso atender ao Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (AUJ), de 25-03-2009, que decidiu que «No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados».

Deste modo, devem igualmente ser expurgados os juros remuneratórios das prestações vencidas após a resolução contratual e o vencimento antecipado da dívida total.

Assim sendo, deverá a exequente, em 10 dias, apresentar nova liquidação da dívida de capital e juros nos moldes antes determinados – contabilizando os juros moratórios, após 17-10-2017, à taxa de 4% ao ano e retirando das prestações vencidas após 17-10-2017 o valor dos juros remuneratórios e comissões.

Notifique e comunique».

b) Como se disse, é desta decisão que vem interposto o recurso pela Exequente, a qual concluiu deste modo:

«A- a Exequente comporta os riscos inerentes à actividade bancária de concessão de crédito;

B- foi convencionado que o capital venceria juros à taxa nominal de 7,932%, composta do indexante EURIBOR a três meses + margem ou spread de 7,60% (mercê da evolução do indexante a mais recente taxa de juros é de 7,2710%); acrescia a sobretaxa de 4% em caso de mora e incumprimento (a partir de 05/09/2013, com a entrada em vigor do D.L. nº 58/2013 de 08 de Maio, a sobretaxa moratória foi reduzida a 3%);

C)- a vingar o entendimento do Tribunal a quo (após resolução a Exequente não pode exigir juros além da taxa civil de 4%), o contraente inadimplente veria o seu incumprimento fazer tábua rasa da penalidade prevista na cláusula 3ª, nº 5 do contrato de mútuo e, paradoxalmente, seria premiado com a menor onerosidade do capital mantido em dívida, ficando substancialmente melhor que contraentes que, em igualdade de circunstâncias, se mantiveram adimplentes;

D- a resolução tem efeito retroactivo, mas o próprio artº. 434º, nº1 do C.C. previne soluções aberrantes ao exceptuar os casos em que tal efeito retroactivo contrarie a vontade das partes ou a finalidade da resolução - quem fundadamente resolve um contrato não espera que o contraente faltoso veja a sua conduta contratual colher benefícios, antes pelo contrário;

E- neste sentido e a propósito do artigo 434º do Código Civil, ensina Menezes Cordeiro que esta norma é de aplicação supletiva; também Vaz Serra defende que não se deve exagerar no alcance da retroactividade, não podendo as coisas passar-se inteiramente como se nunca tivesse existido o contrato, contrato sempre subsistirá, não obstante a resolução;

F- alinhando pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo 02B4467 de 29/01/2003, a Recorrente aqui vem sustentar que, haja ou não resolução do contrato, a taxa de juros aplicável é sempre a contratualmente ajustada – no caso 7,2710%, com o acréscimo da penalidade de 3%, solução que, ademais, está conforme aos usos do comércio bancário;

G- sempre e em todo o caso, estando em causa financiamento bancário a sociedade mercantil, estaríamos perante negócio subjectiva e objectivamente comercial, pelo que, ainda que a resolução tivesse o efeito de apagar a taxa e penalidade convencionadas, a taxa de juros moratórios a aplicar supletivamente deveria ser a taxa mercantil actual de 8%, nunca a taxa civil;

H- nem após 25/06/2017, menos ainda após 17/10/2017 a Exequente peticionou qualquer valor de juros remuneratórios; isto é o vencimento antecipado não implicou a incorporação de qualquer valor de juros remuneratórios/comissões nas prestações vincendas, não tendo a injunção formulada pelo Tribunal a quo neste particular qualquer cabimento no caso sub judice;

I)- nenhum ajuste deverá a Exequente fazer à liquidação por si efectuada (exceptuando aquele que resulta da ordenada expurgação das quantias reclamadas a título de despesas, segmento decisório com que a Exequente se conformou, sendo certo que, quanto a estas, nenhuns juros se contabilizaram).

Estes os termos em que, e com outros, melhores de direito que esse Venerando Tribunal provirá, se roga total revogação da decisão (tal como acima delimitada) ora colocada em crise. Assim se cumprirá desígnio de JUSTIÇA!».

c) Os recorridos não contra-alegaram.

II. Objeto do recurso

Tendo em consideração que o âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o presente recurso coloca a questão de saber que quantias a Recorrente mutuante pode exigir dos mutuários após a resolução do contrato de mútuo, além do capital em dívida, designadamente, se pode exigir os juros previstos no contrato e a sobretaxa de 3% prevista para a mora ou, pelo menos, os juros à taxa comercial.

III. Fundamentação

a) Matéria de facto

Os factos a considerar são os que resultam do relatório que antecede a que acresce o teor do requerimento executivo que a seguir se reproduz.

«1- A Exequente é uma cooperativa de responsabilidade limitada que se dedica às funções típicas do crédito agrícola e demais actividade bancária.

Nos termos do disposto no Decreto-Lei nº 24/91 (regime jurídico do crédito agrícola mútuo), na redacção mais actual introduzida pelos Decretos-Lei nºs 230/95, de 12 de Setembro, 320/97, de 25 de Novembro e 102/99, de 31 de Março de 11 de Janeiro, destacadamente do artigo 33º, “para efeito de cobrança coerciva de empréstimos vencidos e não pagos, seja qual for o seu montante, servem de prova a título executivo as escrituras, os títulos particulares, as letras, as livranças e os documentos congéneres apresentados pela caixa agrícola exequente, desde que assinados por aquele contra quem a acção é proposta, nos termos previstos no Código de Processo Civil”. Este normativo não foi revogado pelo NCPC e, sendo norma específica do crédito agrícola, prevalece sobre o regime geral – lex specialis derrogat lex generalis; Por outro lado “a norma que elimina os documentos particulares, constitutivos de obrigações, assinados pelo devedor do elenco de títulos executivos (artigo 703º do novo CPC), quando conjugada com o artigo 6º, nº3 da Lei nº41/2013, e interpretada no sentido de se aplicar a documentos particulares dotados anteriormente da característica da exequibilidade, conferida pela alínea c) do nº1 do artigo 46º do anterior Código de Processo Civil, é manifestamente inconstitucional por violação do princípio da segurança e proteção da confiança integrador do princípio do Estado de Direito Democrático” – Acordão da Relação de Évora de 27/02/2014, Proc. nº 374/13.3TUEVR.E1.

Mais recentemente, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 847/2014, de 3 de Dezembro de 2014 julgou inconstitucional a norma resultante dos artigos 703.º do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 3 da Lei n.º 41/2013, de 26 de Julho – que aprovou o novo Código – na interpretação de que aquele artigo 703.º se aplica a documentos particulares emitidos em data anterior à entrada em vigor do novo Código de Processo Civil e então exequíveis por força do artigo 46º, nº 1, alínea c), do C.P.C. de 1961;

As garantias reais abaixo convocadas, com a demais causa de pedir exequenda, legitimam, activamente, a propositura da Acção Executiva, que vai proposta sob a forma sumária.

2- No exercício da sua actividade, conforme “CONTRATO DE MÚTUO COM FIANÇA E HIPOTECA AUTÓNOMA” levado a escrito particular outorgado em 25/09/2012, a Exequente celebrou com a Mutuária G (…), LDA., um contrato de mútuo garantido por fiança e hipotecas autónomas – Vide contrato de empréstimo garantido por fiança e hipoteca autónoma que se junta como Doc. nº1 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

3- O empréstimo assumiu o nº 56053707172;

4- Por um tal contrato e para financiar a liquidação dos empréstimos nºs 56025930020, 59067303494, 59066533921 e a liquidação da prestação de 22/09/2012 do empréstimo nº 56043650257, a Exequente emprestou a quantia de 502.000,00 € (quinhentos e dois mil euros) que a Mutuária, ora Executada, efectivamente recebeu mediante entrega e logo se confessou devedora;

5- Foi convencionado que o capital venceria juros à taxa nominal de 7,932%, composta do indexante EURIBOR a três meses + margem ou spread de 7,60%; acrescia a sobretaxa de 4% em caso de mora e incumprimento (a partir de 05/09/2013, com a entrada em vigor do D.L. nº 58/2013 de 08 de Maio, a sobretaxa moratória foi reduzida a 3%, sendo esta redução considerada na contabilização infra); mercê da evolução do indexante a taxa de juros remuneratórios actual é de 7,2710%;

6- Num prazo concedido de 240 meses, o capital mutuado deveria ser restituído em 72 prestações trimestrais constantes e sucessivas de capital e juros, vencendo-se a primeira prestação três meses após um período de carência de 24 meses contados a partir da data do contrato e as demais no mesmo dia do trimestre subsequente; os juros venciam-se postcipadamente com contagem dia a dia;

7- Acarretava o imediato vencimento e exigibilidade de todas as obrigações então assumidas pela Mutuária o não cumprimento pontual de quaisquer obrigações para com a Caixa Agrícola, ainda que decorrentes de outros actos e títulos, o não pagamento de alguma das prestações de capital ou de juros, no respectivo prazo, ou os juros moratórios, as comissões, encargos e despesas, ou outras quantias devidas, nas datas estabelecidas ou indicadas pela Caixa Agrícola e o facto de os bens dados em garantia conhecerem a afectação de qualquer apreensão ou providência, judicial, administrativa ou extra-judicial ou, sempre e em todo o caso, a superveniência de facto que afectasse o seu valor, integralidade e livre disponibilidade;

8- Atento o facto deste empréstimo não conhecer cumprimento desde 25/06/2017 (volveu mais de um ano) é convenção que, não obstante suplementares admonições, aqui expressamente se invoca para todos os efeitos que decorrem - vencimento e exigibilidade de todas as obrigações da Mutuária e demais Executados;

9- A esta data, 11/07/2018, pelo empréstimo supra, estão em dívida as seguintes importâncias:

- 465.556,43€ de capital (36.443,57€ amortizados);

- 8.462,65€ de juros remuneratórios vencidos transitoriamente entre a última prestação paga e a primeira prestação não paga;

- 338,51€ de imposto de selo s/ juros remuneratórios;

- 5,00€ de comissão de processamento;

- 0,20€ de imposto de sêlo s/ comissão de processamento;

- 50.606,64€ de juros moratórios;

- 2.024,27€ de imposto de sêlo s/ juros moratórios;

- 46.555,64€ de despesas de contencioso nas condições contratualizadas.

Tudo num total de 573.549,34€. (…)».

b) Apreciação da questão objeto do recurso

Vejamos então que prestações poderá a Recorrente mutuante exigir aos mutuários após a resolução do contrato de mútuo.

Não está em causa o capital em dívida.

Questionam-se sim os juros, ou melhor, a taxa de juros que o capital ainda em dívida poderá vencer até ser pago.

Na decisão recorrida considerou-se que destruído o contrato pela declaração de resolução, os juros remuneratórios aí previstos deixam de ser devidos, tal como os juros moratórios contratualmente previstos, sendo devidos apenas os juros de mora civis.

A Recorrente argumenta que haja ou não haja resolução são sempre devidos os juros previstos no contrato porque é essa a disciplina que resulta do contrato e corresponde à vontade dos contraentes nele expressa.

De qualquer modo, os juros devidos sempre seriam os comerciais e não os civis.

Assiste razão, em parte, à Recorrente.

(I) Em primeiro lugar, cumpre ter em consideração que estamos perante uma ação executiva, na qual o título executivo assume importância fundamental, pois, como se determina no n.º 5 do artigo 10.º do CPC, é pelo título executivo que se «determinam o fim e os limites da ação executiva».

 Por conseguinte, é pelo teor do contrato de mútuo e outros documentos conexos que se define aquilo que pode ser exigido na ação executiva.

Ou seja, é pelo contrato de mútuo e documentos produzidos durante a sua execução ou acordo entre as partes, que se sabe que prestações foram pagas e que capital falta pagar.

Quanto ao capital, como se disse, não se colocam dúvidas.

Com efeito, nos termos do artigo 433.º do Código Civil, «Na falta de disposição especial, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, com ressalva do disposto nos artigos seguintes».

Nas palavras de J. C. Brandão Proença «O exercício fundado do direito de resolução origina à luz de certos dados normativos gerais (arts. 433.º, 289.º e 434.º, 1, 1.ª parte, do C.C.) uma eficácia retroactiva entre as partes contratantes (e atingindo eventualmente terceiros), consubstanciada (sobretudo quando a resolução assume uma finalidade recuperatória) numa “relação de liquidação”» ([1]).

É esta relação de liquidação que aqui está em causa.

Face ao disposto no n.º 1 do artigo 289.º do Código Civil, «Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição não for possível, o valor correspondente», mas, nos termos do n.º 2 do artigo 434.º (retroatividade) do mesmo código, «Nos contratos de execução continuada ou periódica, a resolução não abrange as prestações já efetuadas, exceto se entre estas e a causa da resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas».

No caso dos autos estamos perante um contrato de mútuo, que é o contrato «…pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade» - artigo 1142.º do Código Civil.

No caso, o objeto do contrato foi uma soma em dinheiro, entendendo-se por «dinheiro» a moeda que tem curso legal no país, a que serve de meio de pagamento e que não pode validamente ser recusada com tal função (pagamento).

Estamos perante uma obrigação pecuniária, que Manuel de Andrade definiu como «… aquelas em que a prestação debitória tem por objecto dinheiro» ([2]).

Como se disse, a questão colocada no recurso refere-se a outras quantias diversas do capital.

Nesta parte, o contrato de mútuo pode conter previsões contratuais, ou pode não conter, para o caso de vir a ocorrer resolução do contrato, definindo-se nele, neste caso, o que poderá ser exigível pelo credor em caso de resolução.

Face ao que fica exposto, cumpre concluir que face à resolução do contrato de mútuo a mutuante tem direito:

(a) A receber o capital ainda em dívida;

(b) A exigir os juros contratuais vencidos e não pagos até à data da resolução.

(c) A exigir outras prestações previstas contratualmente para o caso de resolução.

Resta apenas saber se serão devidos os juros remuneratórios previstos no contrato

Vejamos.

Num contrato de mútuo oneroso entrega-se um capital e fixa-se uma remuneração (juro remuneratório) de acordo, entre outras circunstâncias, com o período durante o qual o devedor conservará o capital em seu poder, antes de o devolver ao credor.

Portanto, se a resolução implicar a perda desta remuneração, sendo devido apenas o capital mutuado e os juros de mora relativamente à demora havida na restituição do capital, então parece que a resolução converte um mútuo oneroso num mútuo gratuito.

Isto parece implicar que economicamente é mais vantajoso para o devedor não cumprir o contrato de mútuo, que cumpri-lo, pois os juros remuneratórios superam, em regra, os juros moratórios.

Mas também é certo que o credor mutuante obteria um ganho se fossem antecipados os juros remuneratórios que só seriam por si percebidos de acordo com o escalonamento no tempo das prestações, sendo estas, justamente, compostas por capital e juros remuneratórios.

Parece, pois, que a resolução poderá, por um lado, beneficiar o credor mutuante, se lhe for permitido antecipar o recebimento dos juros remuneratórios que só receberia ao longo do tempo previsto no programa contratual e, por outro, prejudicá-lo se for privado do ganho que obteria com o vencimento dos juros remuneratórios que se vão vencendo durante o cumprimento do contrato.

Seja como for, esta questão encontra-se presentemente solucionada pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 25 de Março de 2009, n.º 7/2009, (D.R. n.º 86, Série I de 2009-05-05), de cujo texto se estrai o seguinte:

«VII — De tudo o que precede, impõe-se destacar e articular os pontos ou premissas nucleares que suportam o entendimento amplamente maioritário senão mesmo uniforme deste Supremo Tribunal sobre a questão objecto do presente recurso de revista ampliada para uniformização de jurisprudência:

1) A obrigação de capital constitui nos contratos de mútuo oneroso, comercial ou bancário, liquidável em prestações, uma obrigação de prestação fraccionada ou repartida, efectuando -se o seu cumprimento por partes, ter por objecto uma só prestação inicialmente estipulada, a realizar em fracções;

2) Diversamente, os juros remuneratórios enquanto rendimento de uma obrigação de capital, proporcional ao valor desse mesmo capital e ao tempo pelo qual o mutuante dele está privado, cumpre a sua função na medida em que exista e enquanto exista a obrigação de capital;

3) A obrigação de juros remuneratórios só se vai vencendo à medida em que o tempo a faz nascer pela disponibilidade do capital;

4) Se o mutuante, face ao não pagamento de uma prestação, encurta o período de tempo pelo qual disponibilizou o capital e pretende recuperá-lo, de imediato e na totalidade o que subsistir, só receberá o capital emprestado e a remuneração desse empréstimo através dos juros, até ao momento em que o recuperar, por via do accionamento do mecanismo previsto no artigo 781.º do Código Civil;

5) Não pode, assim, ver-se o mutuante investido no direito a receber juros remuneratórios do mutuário faltoso, porque tais juros se não venceram e, consequentemente, não existem;

6) O mutuante, caso opte pela percepção dos juros remuneratórios convencionados, terá de aguardar pelo decurso do tempo previsto para a duração do contrato e, como tal, abster-se de fazer uso da faculdade prevista no artigo 781.º do Código Civil, por directa referência à lei ou a cláusula de teor idêntico inserida no contrato;

7) Prevalecendo-se do vencimento imediato, o ressarcimento do mutuante ficará confinado aos juros moratórios, conforme as taxas acordadas e com respeito ao seu limite legal e à cláusula penal que haja sido convencionada;

8) O artigo 781.º do Código Civil e logo a cláusula que para ele remeta ou o reproduza tem apenas que ver com a capital emprestado, não com os juros remuneratórios, ainda que incorporados estes nas sucessivas prestações;

9) A razão de ser do mencionado preceito legal prende-se com a perda de confiança que se produz no mutuante/credor quanto ao cumprimento futuro da restituição do capital, face ao incumprimento da obrigação de pagamento das respectivas prestações;

10) As partes no âmbito da sua liberdade contratual podem convencionar, contudo, regime diferente do que resulta da mera aplicação do princípio definido no artigo 781.º do Código Civil.

De rejeitar é, portanto, a tese propugnada pelo recorrente, sustentada nos acórdãos fundamento e com base na qual estruturou as suas alegações, pelo que nenhuma censura merece o decidido pelas instâncias.

VIII — Por todo o exposto, acordam, em plenário das secções, em «negar a revista», mantendo -se, consequentemente, na sua integralidade, a decisão das instâncias, com condenação do recorrente nas custas e uniformiza-se a jurisprudência nos seguintes termos:

«No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados».

Verifica-se, por conseguinte, de acordo com o exposto, que o credor mutuário, após a data da resolução do contrato de mútuo, não tem direito aos juros remuneratórios que se venceriam com as prestações previstas para futuro, como se o contrato continuasse em vigor.

Face ao que acaba de ser referido, improcede a argumentação do recorrente quando apela para o disposto no n.º 5 da cláusula 3.ª do contrato.

Esta cláusula dispõe o seguinte: «Os Juros são pagos postecipadamente, vencendo-se a primeira prestação três meses a contar da data deste contrato, e cada uma das demais no correspondente dia de cada trimestre subsequente».

Verifica-se que esta norma contratual dispõe para os casos em que há mora durante a vigência do contrato, pressupondo que ele irá continuar em vigor, e não para os casos em que ocorreu resolução do contrato, como é o caso dos autos.

A Recorrente apela também para o disposto no artigo 8.º (Juros moratórios), do DL n.º 58/2013, de 8 de maio, onde se determina:

«1 - Em caso de mora do devedor e enquanto a mesma se mantiver, as instituições podem cobrar juros moratórios, mediante a aplicação de uma sobretaxa anual máxima de 3%, a acrescer à taxa de juros remuneratórios aplicável à operação, considerando-se, na parte em que a exceda, reduzida a esse limite máximo.

2 - A taxa de juros moratórios a que se refere o número anterior incide sobre o capital vencido e não pago, podendo incluir-se neste os juros remuneratórios capitalizados, nos termos do artigo anterior».

Verifica-se, neste caso, que a taxa de 3% está prevista para a mora, mas para a mora que possa ocorrer sem que a mesma conduza à resolução do contrato.

No caso dos autos não estamos perante uma situação de mora, mas sim perante a resolução do contrato, da sua extinção por falta de pagamento pontual das prestações contratuais.

A norma em questão aplica-se à mora que ocorre em contratos em vigor e não, como neste caso, a contratos resolvidos e em liquidação.

O recorrente cita ainda o acórdão do S.T.J. de 9-01-2003 (Joaquim de Matos) onde se ponderou que «…haja ou não resolução do contrato, a taxa aplicável é sempre a contratualmente ajustada - 25,66%, com o acréscimo de 4 pontos percentuais da mora - e não qualquer outra».

O devedor defendia aí que o banco não podia após a resolução do contrato exigir juros à taxa contratual, mas à taxa legal, ao menos a partir do momento em que houve resolução do contrato.

Justificou-se a posição seguida no acórdão referindo-se que estando também em apreciação a capitalização dos juros, o regime em causa era o «…mais consentâneo com o risco da actividade da A. - sociedade financeira para aquisições a crédito - como tal sujeita às regras contidas nos D.Leis nºs 344/78, de 17/11, 83/86, de 6/05 e 204/87, de 18/05 e, em manifesta conformidade com o disposto no art. 560º, nº 3, do CCivil, que prevê a não aplicação das restrições contidas nos seus nº s 1 e 2 "se forem contrárias a regras ou usos particulares do comércio", à luz das quais é permitida a capitalização de juros tal como esta se processou no caso vertente».

Não se afigura aplicável este entendimento, mas sim o que resulta do artigo 806.º, n.º 1 e 2, do Código Civil, onde se determina que a indemnização corresponde nas obrigações pecuniárias, como é o caso, em caso de mora, aos juros e estes são os legais, «salvo se antes da mora for devido um juro mais elevado ou as partes houverem estipulado um juro moratório diferente do legal».

Ora, o contrato não prevê juros de mora diversos dos legais para o caso da resolução do contrato de mútuo.

Os juros moratórios que o contrato prevê estão previstos, como se tem vindo a referir, para os casos de mora durante a execução do contrato.

Por conseguinte, prevendo a lei uma indemnização específica para o caso da mora nas obrigações pecuniárias e não existindo norma contratual que disponha de modo diverso, a indemnização coincide com os juros legais.

Por conseguinte, não se ajusta ao caso aplicar a taxa de juros moratórios prevista no contrato para a mora de uma ou algumas prestações à quantia global resultante da resolução contratual.

Conclui-se, por conseguinte, que o exequente face ao título executivo tem direito ao seguinte:

(a) Capital ainda em dívida;

(b) Juros contratuais vencidos e não pagos até à data da resolução.

(c) Juros de mora após a data da resolução.

[Um parêntesis.

Face à jurisprudência do acórdão uniformizador, o credor não terá direito à indemnização integral da perspetiva do interesse contratual positivo.

A doutrina dominante tem entendido que o exercício do direito de resolução não é compatível com o direito à indemnização pelo interesse positivo (Mota Pinto, Cessão da Posição Contratual, pág. 412, em nota; Antunes Varela, quando refere que «A indemnização a que o credor tem direito, quando opte pela resolução do contrato, refere-se obviamente ao dano da confiança, ou seja, ao interesse contratual negativo, nomeadamente ao lucro que o credor teria tido, se não fora a celebração do contrato resolvido» - Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. II, pág. 60, 3.ª edição; J. Almeida Costa, direito das Obrigações, 3ª Ed, pág. 763)

 Mas esta posição tem vindo a ser contrariada recentemente por Paulo Mota Pinto ([3]), Nuno M. Pinto Oliveira ([4]) e Jorge L. A. Ribeiro de Faria ([5]), e anteriormente por Vaz Serra ([6]) e Batista Machado ([7]), afigurando-se ser esta a solução mais adequada.

De acordo com este entendimento, o credor tem direito a ser indemnizado dos valores que teria auferido caso o contrato tivesse sido cumprido.

Verifica-se que no caso, o credor ao entregar o capital mutuado cumpriu integralmente a sua prestação.

Poderá ter direito, por isso, aos lucros que obteria se o contrato tivesse sido cumprido, descontando algum benefício que possa obter pela antecipação do recebimento das quantias mutuadas, se efetivamente as vier a receber no futuro, tudo dependendo do sucesso da execução.

Seja como for, estas contas não poderiam ser feitas antes de instaurada a execução, nem o título executivo habilitaria a fazê-las].

(II) Quanto à natureza dos juros de mora afigura-se que assiste razão ao Recorrente.

O contrato de mútuo faz parte do exercício do comércio bancário que o Recorrente exerce como sociedade bancária.

Por conseguinte, face ao disposto no artigo 2.º do Código Comercial, «Serão considerados atos de comércio todos aqueles que se acharem especialmente regulados neste código, e, além, deles, todos os contratos e obrigações dos comerciantes, que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio ato não resultar», encontrando-se entre estes «atos de comércio» as «operações de banco» mencionadas no artigo 362.º do mesmo código, onde se refere que «São comerciais todas as operações de bancos tendentes a realizar lucros sobre numerário, fundos públicos ou títulos negociáveis, e em especial as de câmbio, os arbítrios, empréstimos, descontos, cobranças, aberturas de créditos, emissões e circulação de notas ou títulos fiduciários, pagáveis à vista e ao portador».

O mútuo em questão insere-se, pois, neste conceito de «operação de banco».

Ressalvando a hipótese do contrato dispor de outro modo, face ao princípio da liberdade contratual consagrado no artigo 405.º do Código Civil, resulta do disposto no 806.º, n.º 1 e 2, do Código Civil, que «1 - Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora.

2 - Os juros devidos são os juros legais, salvo se antes da mora for devido um juro mais elevado ou as partes houverem estipulado um juro moratório diferente do legal».

Por conseguinte, após a resolução do contrato de mútuo as quantias a restituir vencem juros.

Estes juros podem estar previstos antecipadamente no contrato.

Não estando, são os legais.

Por conseguinte, os juros de mora a considerar são os juros de mora comerciais que estão estabelecidos no artigo 102.º do Código Comercial.

Cumpre, por conseguinte, revogar a decisão recorrida na parte em que determinou que os juros a que o credor tem direito eram os juros de mora civis, porquanto se deve entender que são os juros de mora são os comerciais

IV. Decisão

Considerando o exposto:

(1) Julga-se o recurso parcialmente procedente e revoga-se a decisão recorrida na parte relativa aos juros de mora civis, decidindo-se que os juros de mora a que o credor tem direito são os comerciais estabelecidos no artigo 102.º do Código Comercial.

(2) Mantém-se a decisão no restante.

(3) Custas pelo recorrente e recorridos na proporção de metade para cada parte.


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Coimbra, 28 de maio de 2019

Alberto Ruço ( Relator)

Vítor Amaral

Luís Cravo


[1] A Resolução do Contrato no Direito Civil, Coimbra Editora, 1996, pág. 160.
[2] Teoria Geral das Obrigações, Vol. I. Coimbra, Livraria Almedina, 1958, pág. 215.
[3] Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, Vol. II. Coimbra Editora, 2008, pág. 1702: «E concluímos pela posição, a nosso ver mais “amiga” do credor e da circulação económica, que confere àquele uma tutela integral, permitindo-lhe libertar-se do contrato e reaver (ou manter) a sua contraprestação sem ter que renunciar aos lucros frustrados pelo não cumprimento».
[4] Princípios de Direito dos Contratos. Coimbra Editora, 2011, pág. 890.
[5] Estudos de Direito das Obrigações e Discursos Académicos (A Natureza da Indemnização no Caso de Resolução do Contrato. Novamente a Questão). Porto, U. Porto Editorial, 2009, pág. 139-199.
[6] Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 104, pág. 205 e segts., em nota.
[7] João Batista Machado – Obra Dispersa, Vol. I (A resolução por incumprimento e a indemnização). Braga, Scientia Iuridica, 1991, pág. 195-213.