Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1169/12.7TTCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: SUSPENSÃO DO DESPEDIMENTO
REQUISITOS
PRESUNÇÃO JURIS TANTUM
ACEITAÇÃO
TRABALHADOR
COMPENSAÇÃO
Data do Acordão: 03/21/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE COIMBRA – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 39º, Nº 1 DO CPT; 366º, NºS 4 E 5 DO CÓDIGO DO TRABALHO DE 2009.
Sumário: I – Nos termos do disposto no artº 39º, nº 1 do CPT, a suspensão do despedimento só deve ser decretada se o tribunal, ponderadas todas as circunstâncias relevantes, concluir pela possibilidade séria de ilicitude do despedimento.

II – O nº 4 do artº 366º do Código do Trabalho de 2009 estatui que se presume que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe a compensação a que alude esse mesmo artigo.

III – Trata-se de uma presunção ilidível, mas nas concretas condições a que alude o nº 5 – desde que, em simultâneo, o trabalhador entregue ou ponha, por qualquer forma, à disposição do empregador a totalidade da compensação pecuniária recebida.

IV – Tendo o trabalhador recebido a compensação e não estando provado que tenha entregue ou colocado, por qualquer forma, à disposição do empregador a totalidade da compensação pecuniária recebida, tudo indica que a presunção de aceitação do despedimento prevista no artº 366º, nº 4 opera, o que pode e deve ser tido em consideração no âmbito de um procedimento cautelar de suspensão de despedimento desse trabalhador.

Decisão Texto Integral:    Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. A requerente instaurou procedimento cautelar contra a requerida, pedindo que seja decretada a suspensão do seu despedimento por extinção do seu posto de trabalho.

Alegou, em síntese, não se verificarem os requisitos de que depende o despedimento por extinção do posto de trabalho, mormente porque não se verificam os motivos de mercado – decréscimo da procura de serviços de manicura – invocados pela requerida até porque, em Maio de 2012, a mesma contratou duas pessoas para exercer as mesmas funções.

Citada, a requerida deduziu oposição, na qual impugnou a factualidade alegada, defendeu o indeferimento do procedimento cautelar por ter havido aceitação da requerente de tal despedimento (porquanto recebeu e não devolveu indemnização pela cessação do contrato de trabalho) e reafirmou a verificação dos fundamentos do despedimento.

                                                     *

Procedeu-se audiência e, no final, foi decidido decretar a suspensão do despedimento da requerente, devendo a requerida recolocar aquela no seu posto de trabalho e proceder ao pagamento das retribuições em dívida.

É desta decisão que a requerida vem agora recorrer, apresentando as seguintes conclusões:

[…]

A apelada contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:

[…]


*

II- OS FACTOS:

Do despacho que fixou a matéria de facto é a seguinte a factualidade que vem dada como provada:

[…]


*

III. Apreciação

As conclusões da alegação da recorrente delimitam o objecto do recurso, não podendo o tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso.

Decorre do exposto que as questões que importam dilucidar e resolver, o objecto do recurso, são as de saber:

- se se justifica a alteração da decisão sobre a matéria de facto;

- se opera a presunção de aceitação do despedimento impugnado prevista no n.º 4 do artigo 366.º do Código do Trabalho, aplicável por força do art. 372.º desse mesmo Código;

- se, em qualquer caso, se se justificava perante a matéria de facto estabelecida a decisão de suspensão do despedimento.

         

Vejamos, então:

Começaremos por analisar a questão sobre a operação da presunção estatuída no n.º 4 do artigo 366.º do Código do Trabalho, uma vez que procedendo ela de imediato ficará prejudicada a apreciação das demais questões.

Nos termos do disposto no art. 39.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho a suspensão do despedimento só deve ser decretada se o tribunal, ponderadas todas as circunstâncias relevantes, concluir pela probabilidade séria de ilicitude do despedimento.

Os motivos que podem determinar a ilicitude do despedimento por extinção do posto de trabalho são os constantes dos arts. 381.º e 384.º do Código do Trabalho.

Todavia, o n.º 4 do art. 366.º desse Código (aplicável por força do art. 372.º) estatui que se presume que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe a compensação a que alude esse mesmo artigo. Trata-se de uma presunção ilidível, mas nas concretas condições a que alude o n.º 5: desde que, em simultâneo, o trabalhador entregue ou ponha, por qualquer forma, à disposição do empregador a totalidade da compensação pecuniária recebida.

De acordo com os factos estabelecidos – não impugnados no recurso - (factos 4. e 5. acima descritos), a apelante, através da carta datada de 08/08/2012, comunicou à trabalhadora apelada a decisão de despedimento por extinção do posto de trabalho com efeitos a partir de 10/09/2012. Nessa mesma comunicação era referido que a autora tinha direito a uma compensação correspondente à quantia líquida de € 1.455,00, bem como à a quantia ilíquida de € 1.010,01 a título de créditos laborais vencidos e exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho. E que até ao dia 10 de Setembro de 2012 (data dos efeitos do despedimento) receberia a quantia anunciada “através de transferência bancária, sujeita aos respectivos descontos legais”.

Mais se provou que a trabalhadora recebeu a carta e a decisão de despedimento a ela anexa na data de 27/08/2012 (facto 6.).

E ainda (facto 16.) que a mesma no dia 10/09/2012 recebeu da apelante, através de transferência bancária, a importância de € 1.652,44 correspondente à importância líquida constante do recibo de fls. 89, na qual estão incluídas retribuições, indemnização pela cessação do contrato de trabalho e a dedução de € 488,50, a título de “adiantamentos”.

A compensação tinha de ser paga até à data indicada pela apelante, nos termos do disposto no art. 371.º n.º 4 do Código do Trabalho.

Ou seja, a trabalhadora recebeu a compensação anunciada que, no caso e considerando a retribuição da trabalhadora (€ 485,00, conforme o facto 7.), bem como a sua antiguidade (foi admitida em 17/03/2011, conforme o facto 1.), não poderia ser superior a € 1.455,00 (três meses de retribuição, nos termos do disposto no art. 366.º n.º 3, ex vi art. 372.º, ambos do Código do Trabalho).

Tendo recebido a compensação e não estando provado que a trabalhadora tenha entregue ou colocado, por qualquer forma, à disposição do empregador a totalidade da compensação pecuniária recebida, tudo indica que a presunção de aceitação do despedimento prevista no já referido art. 366.º n.º 4 opera, não tendo essa presunção sido ilidida.

A decisão recorrida, todavia, a propósito desta questão discorreu o seguinte:

“(…) cumpre analisar, em primeiro lugar, se a Requerente está impedida de invocar a ilicitude do seu despedimento por ter aceitado, como alega a Requerida, a compensação pela cessação do contrato de trabalho.

Resultou indiciariamente provado que, no dia 10/09/2012, a Requerente recebeu da Requerida, através de transferência bancária, a importância de € 1.652,44 correspondente à importância líquida constante do recibo de fls. 89, na qual estão incluídas retribuições, indemnização pela cessação do contrato de trabalho e a dedução de € 488,50, a título de “adiantamentos”.

Afigura-se, contudo, que a presunção prevista no art.º 366.º, n.º 5, do CT, não pode ser tida em consideração no âmbito do procedimento cautelar de suspensão do despedimento.

Em primeiro lugar, porque o trabalhador só impugna o seu despedimento e, portanto só se insurge verdadeiramente contra o mesmo, quando intenta a acção especial de impugnação da regularidade e licitude do seu despedimento. Tendo recebido a referida indemnização e não ilidindo a referida presunção não pode o trabalhador impugnar o seu despedimento, porque a lei presume que o aceita.

No procedimento de suspensão do despedimento, o tribunal não formula um juízo definitivo sobre a ilicitude ou a licitude do despedimento. Embora pressuponha um juízo de probabilidade (séria) da ilicitude do despedimento para o seu decretamento, tal procedimento não tem como finalidade a declaração da ilicitude do despedimento, mas antes recolocar provisoriamente o trabalhador no seu posto de trabalho e obrigar provisoriamente o empregador a retomar o pagamento das retribuições, ou seja, tal procedimento tem por finalidade - e, sendo decretado, tem como efeito - a suspensão da decisão do empregador de despedir o trabalhador até ser decidida de forma definitiva, na acção principal, a questão da regularidade e licitude do despedimento.

Por outro lado, o curto prazo (de 5 dias) para requerer a suspensão do despedimento (cfr. art.º 386.º do CT), na medida em que implica que tal suspensão tenha de ser requerida antes de o contrato cessar (antes de o despedimento produzir os seus efeitos) e antes até de o trabalhador receber a referida compensação (que apenas tem de ser colocada à disposição deste até ao termo do prazo de aviso prévio), reforça o entendimento de que a presunção da aceitação do despedimento não pode valer na suspensão do despedimento e não obsta a que o tribunal, mesmo que o trabalhador não tenha ainda colocado à disposição do empregador a compensação devida, decrete a suspensão.

O recebimento pela Requerente da compensação pela cessação do seu contrato de trabalho (que aliás foi transferida para a sua conta bancária em data posterior à instauração do presente procedimento cautelar) e o facto de a mesma não ter ainda colocado tal compensação à disposição da Requerida não impede, assim, a apreciação e o decretamento, se se verificarem os respectivos pressupostos, da suspensão do despedimento da Requerente.

Improcede, assim, a questão prévia suscitada pela Requerida.

Discordamos desta fundamentação quando nela se salienta que a presunção prevista no art.º 366.º, n.º 4 não pode ser tida em consideração no âmbito do procedimento cautelar de suspensão do despedimento.

Não só pode, como deve, a nosso ver. Na verdade seria estranho decretar-se a suspensão de despedimento quando se pudesse concluir, com toda a probabilidade, que a trabalhadora despedida tinha aceite o despedimento e, portanto, não podia impugnar a sua licitude. Tal solução afastaria, de forma desproporcional, a medida cautelar do provável resultado da decisão definitiva e é contrária ao objectivo de garantia das providências cautelares que é, em geral, o de tutelar apenas os direitos cuja existência se possa concluir com sério grau de probabilidade.

Como refere a apelante, citando Pedro Furtado Martins (in Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª edição revista e actualizada, pág. 360 e segs.), a origem na presunção encontra-se na antiga Lei dos Despedimentos e da Contratação a Termo (LCCT), aprovada pelo DL n.º 64-A/89, de 27/2, (e até às alterações introduzidas pela Lei n.º 32/99, de 18 de Maio) na regulação do despedimento colectivo, prevendo mesmo o seu art. 25.º n.º 1 que apenas os trabalhadores que não aceitassem o despedimento podiam requer a sua suspensão judicial e deduzir a sua impugnação.

Mais tarde o artigo 401.º, n.º 4 do Código do Trabalho de 2003 consagrou de novo a presunção e alargou-a ao despedimento por extinção do posto de trabalho, situação mantida no Código do Trabalho de 2009, com a expressa previsão do modo como pode ser ilidida a presunção (isto é, desde que o trabalhador entregue ou ponha, por qualquer forma, à disposição do empregador a totalidade da compensação pecuniária recebida).

É certo que, quer o Código do Trabalho, quer o Código de Processo do Trabalho, não referem expressamente que o trabalhador que aceite o despedimento não pode requerer a sua suspensão cautelar e deduzir a sua impugnação.

Mas não pode haver dúvidas que o efeito útil da operação da presunção de aceitação (sob pena de não ser nenhum) é o de retirar ao trabalhador o direito de colocar judicialmente em causa o despedimento, seja por via do procedimento cautelar, seja por via da impugnação judicial da sua licitude.

Assim, tendo o trabalhador recebido a compensação pecuniária indicada como tal pelo empregador, não a devolvendo ou, de qualquer modo, colocado à sua disposição, presume-se que aceitou o despedimento, não tendo o direito de requerer a sua suspensão cautelar. Essa realidade deve ser apreciada pelo tribunal a quem é requerido o despedimento, tal como sucede, por exemplo, com outra situação de perda do direito de acção relacionada com a sua caducidade por não a ter intentado no prazo de cinco dias previsto no art. 386.º do Código do Trabalho.

Não sendo reconhecível o direito de acção no procedimento cautelar, o pedido de providência cautelar tem de ser indeferido.

Não podemos acolher também o argumento enunciado na decisão recorrida de acordo com o qual o curto prazo (de 5 dias) para requerer a suspensão do despedimento, “na medida em que implica que tal suspensão tenha de ser requerida antes de o contrato cessar (antes de o despedimento produzir os seus efeitos) e antes até de o trabalhador receber a referida compensação (que apenas tem de ser colocada à disposição deste até ao termo do prazo de aviso prévio), reforça o entendimento de que a presunção da aceitação do despedimento não pode valer na suspensão do despedimento”.

Com efeito, o que está em causa é o efectivo recebimento da compensação. Se o trabalhador (ainda) não a recebeu não funciona sequer a presunção de aceitação e não está em causa a perda do direito de acção. Mas se a recebeu, mesmo que no decurso do procedimento, a presunção pode ser arguida pelo empregador não havendo razão alguma para que tal não suceda, numa aproximação da realidade ao regime substantivo regulatório.

No caso, verifica-se que a compensação foi paga em data posterior à data do requerimento inicial do procedimento cautelar. Este requerimento deu entrada em 4/09/2012 e o pagamento foi feito a 10/09/2012.

Mas à trabalhadora já fora comunicado que o pagamento seria feito, por transferência bancária, até àquele dia 10/09/2012. A oposição da requerida/apelante deu entrada em 18/9/2012 e nela foi arguida a excepção decorrente da aplicabilidade da presunção de aceitação. No dia seguinte, teve lugar audiência de julgamento em que as partes requereram suspensão da instância para tentarem acordo, o que foi deferido. E a audiência final teve lugar quase dois meses depois do recebimento da compensação, em 09-11-2012, sem que a autora tenha feito prova de ter entregue ou colocado, por qualquer forma, à disposição do empregador a totalidade da compensação pecuniária recebida – o que poderia até ter feito em acto no processo, perante a requerida.

Julgamos assim que dispôs de tempo suficiente para devolver ou colocar à disposição do empregador a compensação e demonstrá-lo nos autos, ilidindo a presunção.

Não o tendo feito, não pode ser-lhe reconhecido o direito de obter a suspensão do despedimento.

Resta referir que a apelada sustenta nas contra-alegações de recurso que tentou obter o NIB da apelante para restituir a compensação e, não o conseguindo porque não lhe foi facultado, “resolveu então conservar disponível na sua conta bancária a totalidade da indemnização paga pela Apelante e não assinar qualquer recibo de quitação”. Todavia, tais factos não estão provados e, ainda que o estivessem, não demonstram que a autora tenha colocado à disposição da apelante, por meio declarativo idóneo, a compensação que recebera.

Das conclusões acima enunciadas terá de resultar a improcedência do pedido de suspensão do despedimento, pelo que o conhecimento das restantes questões levantadas pela apelante carecem de qualquer utilidade, estando elas numa relação de prejudicialidade relativamente à que mereceu acolhimento.


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IV- DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, delibera-se julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, não se decretando a suspensão do despedimento.

Custas pela apelada.


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Luís Azevedo Mendes (Relator)

Felizardo Paiva

Jorge Loureiro