Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
12/14.7TBCLD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS RAMOS
Descritores: TAXA SANCIONATÓRIA EXCEPCIONAL
Data do Acordão: 05/04/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (INSTÂNCIA LOCAL DE CALDAS DA RAINHA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 521.º E 524.º DO CPP; ART. 531.º DO CPC; ART. 10 DO RCJ
Sumário: I - Com este normativo [521.º do CPP e art. 531.º do CPC] acentua-se a necessidade de sancionar o mau cumprimento do dever de cooperação e diligência das partes, penalizando o uso indevido do processo com expedientes meramente dilatórios.

II - Sendo tão genéricos os pressupostos do art.º 531.º do Código de Processo Civil, cabe ao juiz limitar a sua utilização discricionária de modo a salvaguardar o direito das partes à defesa dos seus interesses pela via processual, bem como, ainda que em face de algum excesso, limitar o sancionamento a situações que tenham algum relevo na normal marcha processual.

III - Uma vez que o “estorvo processual” se limitou a uma mera declaração ditada para a ata com ocupação reduzida de tempo e ainda mais reduzida ocupação de meios do tribunal, e não esquecendo que tendo os factos ocorrido durante a audiência, sempre o tribunal poderia ter lançado mão dos poderes que lhe são atribuídos no art.º 322.º, pelo que temos de considerar que deve ser revogado o despacho recorrido.

Decisão Texto Integral:


Acordam em conferência na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

Em sede de audiência de julgamento o mandatário da arguida/recorrente ditou o seguinte requerimento:

“Por se afigurar útil à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, requer-se que, ao abrigo do disposto no artigo 340°, n.º 1 do Código de Processo Penal, seja admitida a junção aos autos de modelo A de Guia de Acompanhamento de Resíduos n.º 14495186, datado de 25-09-2010 do Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do De­senvolvimento Regional respeitante ao momento em que ocorreram os factos em nome de A... , como proprietário detentor, tendo e como destinatário e trans­portador B... , Lda., com domícilio profissional na Rua (...) Marinha Grande sob doc. n.º 1.

Mais se requer a junção aos autos da guia de transporte n.º 3360 igualmente também datado de 25-09-2010, data da ocorrência dos factos, emitida pelo destinatário e transporta­dor da mercadora B... , Lda. acima identificado, em nome de A... , com domicílio na Quinta (...) , Caldas da Rainha, sob doc. n.º 2.

E bem assim, de doc n.º 516000000092738 comprovativo da inscrição de A... no SIREP, instituição referente ao registo das entidades exploradoras de gestão de resíduos, cujo período que comprova que nos períodos de 10-06-2010 a 09-06- 2011 se encontrou registada no SIREP, na actividade de gestão de resíduos sob o código APA00111880 a supra identificada A... sob doc. N.º 3.

Estes documentos comprovam inequivocamente que a responsabilidade pelo esta­belecimento comercial de gestão de resíduos e que possuía o respectivo estabelecimento industrial á data da ocorrência dos factos em 25-09-2010, não era a arguida C... mas sim, A... ., aliás em consonância com a respectiva inscrição desta, A... no Serviço de Finanças/Autoridade Tributária e Aduaneira no comércio por grosso de sucatas e respectivo CAE correspondente à gestão de resíduos no estabelecimento em causa, (...) , em Caldas da Rainha, cujo documento de declaração de início de actividade em sede de IRS e IVA referentes a essa supra mencionada actividade, se encontram já juntos aos autos com a contestação sob doc n.º 1 e 2, sendo o doc. 1, comprovativo de que C... ora arguida, apenas exerceu no referido estabelecimento e local, a activi­dade de gestão de resíduos no período compreendido entre 01 -01-2003 até 31 -12-2005.

Aliás à data da ocorrência dos factos, que não se compreende como possam ser imputados aqui à arguida C... , eram exigidas para além das guias de transporte, as guias de pagamento de taxas ao SIREP e a inscrição no referido organis­mo do Ambiente, sendo que à data do exercício da actividade de gestão de resíduos mesmo estabelecimento e instalações, em momento muito anterior à ocorrência dos factos aqui em apreço, apenas eram igualmente exigidas e necessárias, meras guias de transporte dos resíduos e não qualquer inscrição no SIREP e o pagamento de quaisquer taxas relati­vas ao ambiente pelo exercício de tal actividade e transporte dos resíduos.”

Na sequência, o Meritíssimo Juiz proferiu o seguinte despacho:

“Por se afigurar útil à boa decisão da causa, defere-se a junção dos referidos docu­mentos ao abrigo do disposto no artigo 340.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.

Quanto ao mais, resulta que o Ilustre Mandatário da recorrente, num requerimento que se destinava a juntar documentos, acabou por tecer várias conclusões que extravasam por completo o âmbito desse mesmo requerimento.

Nos termos da lei processual, é exigível a todos os intervenientes que procedam sempre com a diligência devida, evitando tudo quando é meramente dilatório e que injustiti­cadamente protele o normal andamento do processo.

Ora, a recorrente terá oportunidade, em sede de alegações orais, para extrair todas as conclusões que entenda por convenientes, pelo que, repete-se, o requerimento em causa não é o momento para o efeito.

Face ao exposto e abrigo do disposto no artigo 531º do Código de Processo Civil ex vi do artigo 521.º n.º 1 do Código de Processo Penal (subsidiariamente aplicável ao presen­te procedimento) condena-se a recorrente na taxa sancionatória excecional de 3 UCs.

Notifique.”

Inconformada, a arguida recorreu, tendo apresentado as seguintes conclusões (transcrição):

“A- o requerimento objecto do presente recurso, e sobre o qual recaiu o despacho sob censura, foi apresentado em plena audiência de Discussão e Julgamento e, nessa justa medida, não poderá ser desligado ou desinserido do contexto próprio em que foi produzido;

B- com o respeito que é devido, parece-nos que o sr. Juiz “a quo” interpretou tal requerimento de junção, fora do contexto próprio em que o mesmo se inseria;

C- em tal requerimento, o mandatário da arguida, e ora recorrente, requereu a junção aos autos de dois documentos, sendo estes o modela A da guia de acompanhamento de resíduos n.º 14495186, datada de 25.9.2010 do Ministério do Ambiente e a guia de transporte n.º 3360, datada igualmente de 25.9.2010; D- a arguida exerceu o seu direito de defesa e a contribuir para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, como bem reconhece o sr. Juiz “a quo”;

E- procurou a arguida, através do seu mandatário, esclarecer o tribunal acerca de alguns procedimentos de natureza legal, técnica e fiscal, obrigatórios na ramo de actividade do tratamento e transporte de resíduos, ramo esse que tem as suas especificidades;

F- nomeadamente o sistema “SIRAPA”, Sistema Integrado de Registo do Ambiente, portal internet de comunicações reservado a entidades,

G- Tudo isto na decorrência do depoimento da testemunha e militar da GNR, E... que exerce funções no núcleo ambiental das Caldas da Rainha, e que não explicou nem esclareceu as questões de natureza técnica, - que eram fundamentais, quanto a nós, para a descoberta da verdade e da boa decisão da causa-

H- -entre as quais as guias do SIRAPA, que acompanhavam a carga que foi interceptada pelos agentes de autoridade da GNR, e que deu origem aos presentes autos de contraordenação;

I- guias essas que não continham nelas aposto o nome da arguida, mas sim o nome da sua irmã, A... , que era quem explorava a actividade e estava colectada em sede de IVA e IRS,

J- Ora, nesse particular, e mais uma vez, e ao ser inquirida pela defesa, a senhora agente da GNR E... , nada explicou, nomeadamente a razão da divergência de nomes e a razão de não estar a arguida inscrita no SIRAPA,

K- pelo que, e sem dúvida, se justificava que algumas respostas e explicações/esclarecimentos fossem trazidas à audiência de Discussão e Julgamento, como se impunha, por parte da sr. Agente da GNR E... ,

L- A INSTÂNCIAS DO MANDATÁRIO DA ARGUIDA, preferiu dizer que “não se recordava em nome de quem estavam as guias passadas”, e “quem é que estava inscrito/registado no SIRAPA ...” “se a arguida, se a irmã A... ...” “e que não tinha confrontado o teor das guias com os autos de contraordenação ...”

M- e que “nem sequer tinha ouvido a arguida em auto de declarações”, contrariamente aquilo que a lei impõe;

N- Ora, aquelas questões de índole técnico atrás mencionadas, e que haviam sido colocadas pela defesa à sr”. Agente da GNR do Núcleo da Ambiente, não foram sequer respondidas por quem tinha o dever de o fazer;

O- Daí que, o mandatário da arguida, não usando do direito de protesto em acta, para não atrasar o andamento dos autos, requereu, por isso, a junção aos autos dos dois documentos referidos acima, e que constam da ACTA em apreço - o que foi deferido-

P- Ora, foi apenas e tão só no quadro e no contexto das questões (técnicas) acabadas de referir, e que integram o puro direito de defesa da arguida, que surgiu o requerimento dos autos e sobre o qual incidiu despacho de condenação em multa de 3 UC's;

Q- Ao invés do entendimento e interpretação do Mº “Juiz a quo”, - que levou à condenação da arguida em 3 UC's - a arguida e seu mandatário nunca tiveram intenção de usar de “meios ou expedientes dilatórios”, antes pelo contrário, como decorre do acima expendido e que corresponde à inteira e absoluta verdade;

R- Isto é, contribuir para o cabal esclarecimento das questões suscitadas em juízo, e mormente quando se trata de questões de índole técnica e muito específicas não pode, com o devido respeito- ser considerado um expediente “dilatório e que protele injustificadamente o normal andamento do processo.” 

S- contribuir para a descoberta da verdade e boa decisão da causa não pode, nem deve, ser confundido com o uso de meios /expedientes dilatórios, sob pena de se estar a subverter a ordem jurídica no seu todo;

T- e a coarctar de forma inusitada e ilegal os meios de defesa dos arguidos em geral, e da arguida em concreto nos presentes autos;

U- Além da violação dos normativos atinentes ao exercício do direito de defesa e do princípio do contaditório, em que se traduziu a condenação ínsita no despacho ora atacado, nomeadamente a violação dos artigos 32 da CRP e 60 e 327 do CPP, entre outros;

V- verifica-se uma total desproporcionalidade da decisão tomada em Acta, e de que se recorre, e que aplicou a multa,

W- é que, sem conceder, a meia UC seria mais que suficiente, daí a desproporcionalidade resultante do despacho em crise,

X-, e que consubstancia, uma violação manifesta do princípio da proporcionalidade, que impera no direito criminal e no direito am geral; “ -

Y- Padece, por isso, a decisão recorrida, entre outros vícios, do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, e de erro notório na apreciação da prova, nos termos do n.º. 2 alinea a) e c) do artigo 410° do CPP,

Z- No caso concreto, e uma vez que não existiu qualquer intenção de usar os chamados “expedientes dilatórios”, em nosso modesto entendimento, também não existe justificação para a multa aplicada.

AA- Por outro lado, a foi absolvida por não ter praticado os factos de que vinha acusada, o que também traduz a sua inocência e a sua colaboração com a justiça;

BB- o que sucedeu sem qualquer necessidade de uso de “expedientes dilatórios” ou outros;

Termos em que nos demais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência:

I- A pena de multa ser dada sem efeito, absolvendo a arguida do seu pagamento, por ser de inteira justiça”

Respondeu o Ministério Público, tendo concluído pela seguinte forma (transcrição):

“1. Do teor do requerimento que motivou a condenação da arguida na taxa sancionatória agora em recurso verifica-se que o mesmo extravasa o âmbito próprio de um simples requerimento a solicitar a junção de documentos.

2. É certo que tal requerimento poderia justificar sinteticamente o que se pretendia provar com a requerida junção.

3. Não pode, todavia, como entendemos ser o caso dos autos, extravasar o objectivo em causa com conclusões e considerações que são antes próprias das alegações finais porquanto tal se mostra, nessa parte, inapropriado, por não ter lugar no momento devido para o efeito considerando-se, nessa medida, retardador do bom andamento da diligência em causa.

4. Nem se diga, como o faz a recorrente, que os documentos foram admitidos e que tal demonstra que nada de dilatório ocorreu porquanto tais documentos foram entendidos como relevantes uma vez que a sua junção foi admitida.

5. Na verdade, uma coisa é a relevância da requerida junção para o apuramento da verdade dos factos. Quanto a isso dúvidas não há de que a junção dos documentos em causa se mostrou relevante. A isso mesmo não nos opusemos. Isso mesmo foi deferido pelo Mmo.Juiz no despacho recorrido.

6. Outra coisa, porém, tem que ver com as considerações proferidas no requerimento a pedir a sua junção aos autos. E é justamente porque as mesmas ultrapassam a mera justificação da necessidade da junção, entrando, já em considerações próprias do momento seguinte das alegações orais e não da produção de prova onde nos situávamos aquando do requerimento em causa, que considerou, e bem, o Mmo. Juiz que as mesmas deviam ser sancionadas com taxa de justiça cujo valor situou nas 3 unidades de conta.

7. Aliás, a invocação da arguida quanto à violação, no despacho recorrido, do exercício do direito de defesa não poderá ser atendida porquanto, como decorre do já mencionado, a junção aos autos dos documentos em causa foi admitida. Importante é balizar a mera justificação da requerida junção, que deve e foi admitida, das considerações inoportunas quanto à prova em curso, que foi sancionada.

8. Mas tal sancionamento nada tem de violador do direito de defesa porquanto o momento próprio para tais considerações viria a ocorrer depois em momento processual a tal destinado, o qual foi devidamente conferido ao mandatário da arguida que assim pode tecer as suas alegações orais.

9. Não padece, pelo exposto, o despacho em recurso do vício da insuficiência para a matéria de facto provada, nem de erro notório na apreciação da prova, nos termos do disposto no art.410°, n.º 2, als.a) e e), do Código de Processo Penal, nem tão pouco de qualquer violação do disposto nos arts. 32° da Constituição da República Portuguesa, nem ainda do invocado art. 327° do Código de Processo Penal.

Nestes termos, e com o douto suprimento desse Venerando Tribunal, negando provimento ao recurso e, em consequência, mantendo, na íntegra, a douta decisão recorrida, vaso Ex's, farão, como sempre, a costumada JUSTIÇA.”

Nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer que passamos a transcrever na parte relevante:

“(...)

3. Quanto ao mérito do recurso, dir-se-á que nos parece não assistir razão à recorrente, sendo certo que o Ministério Público na 1 a instância apresenta resposta que, de forma clara, explicita a falta de razão da recorrente, aqui a dando por reproduzida.

3.1 - Com efeito, apenas se acrescentará à argumentação já expendido pelo Ministério Público que, quanto às questões levantadas pela recorrente relativas à fundamentação e decisão, configurando-as como vícios do art.º 410° do CPP o seguinte:

Desde logo importa anotar que de acordo com n.º 1 do art.º 97° do CPP os actos decisórios assumem a natureza sentenças (al. a) quando conhecerem a final do objecto do processo e de

despachos (al, b) quando conhecerem de qualquer questão interlocutória ou quando puserem termo ao processo fora do caso previsto na anterior alínea a).

Na medida desta distinção, assim também existem diferentes regimes legais, desde logo quanto à omissão de fundamentação das sentenças ou de outros despachos.

Da mesma forma, entendemos que o disposto no art.º 410° do CPP apenas se aplica às decisões finais, sentenças ou acórdãos, na medida em que se reportam à produção e avaliação da prova que conduza a uma decisão final.

Neste sentido, nomeadamente, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 15-02-2012, que considerou que “os vicios do art.º 410º, n.º 2 são vícios relativos à sentença e não à decisão instrutória”. No mesmo sentido, de que os vícios do art.° 410° respeitam à sentença, decidiu o Tribunal da Relação de Évora, a 03-07-2012.

Para concluir, nesta parte, defendendo que não é aplicável ao despacho recorrido a argumentação expendida no sentido de que se verificam os vícios previstos no art.” 410°, n.º 2 als. a) e c) do CPP.

Porém, se se pretendesse alegar que existiria nulidade por falta de fundamentação da decisão recorrida, haverá que dizer que para as sentenças vigora uma expressa previsão legal no art.” 379° do CPP que a qualifica como nulidade, mas para os restantes despachos uma omissão de fundamentação constitui uma mera irregularidade.

Esta mesma questão foi objecto de discussão na Comissão de revisão do CPP, tendo sido rejeitada a corrente que defendia que deveria consagrar-se legalmente a figura da nulidade para a falta de fundamentação dos actos decisórios que não fossem sentenças finais. Também a jurisprudência sobre esta matéria tem considerado tratar-se de mera irregularidade, aplicando-se o regime legal de previsto no art.º 123° do CPP, tudo conforme anota Paulo P. de Albuquerque no Comentário do Código de Processo Penal, 4a edição, pág. 282, anot. 10ª e não o regime das nulidades que pudesse eventualmente ser considerado.

A arguida não arguiu atempadamente qualquer irregularidade respeitante ao mesmo despacho.

3.2 - Subsidiariamente, se o recurso for apreciado e quanto à substância da questão apresentada no recurso relativa à fundamentação da decisão recorrida, acompanhando a resposta do Ministério Publico na'l a instância, consideramos que o recurso não merece procedência.

Assim, sem necessidade de outras considerações, acompanhando o Ministério Público na 1ª instância, somos de parecer que o seu recurso não deverá ser merecedor de provimento.”

No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal a arguida manteve a posição anterior.

Os autos tiveram os legais vistos após o que se realizou a conferência.

Cumpre conhecer do recurso

Constitui entendimento pacífico que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objeto e o âmbito dos mesmos, exceto quanto àqueles casos que sejam de conhecimento oficioso.

É dentro de tal âmbito que o tribunal deve resolver as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (exceto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras)[[1]].

Cumpre ainda referir que é também entendimento pacífico que o termo “questões” a quer se refere o artº 379º, nº 1, alínea c., do Código de Processo Penal, não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integra

Questão a decidir: condenação em taxa sancionatória excepcional

Vejamos:

Determina o art.º 521º do Código de Processo Penal[[2]] que “à prática de quaisquer actos em processo penal é aplicável o disposto no Código de Processo Civil quanto à condenação no pagamento de taxa sancionatória excecional”, a qual pode ser fixada pelo juiz entre 2 e 15 UC (art.ºs 524º do Código de Processo Penal e 10º do RCJ).

Por seu turno, diz-nos o art.º 531º do Código de Processo Civil que esta sanção é aplicada por despacho fundamentado “quando a ação, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida”.

Estamos assim perante “um mecanismo de penalização dos intervenientes processuais que, por motivos dilatórios, «bloqueiam» os tribunais com recursos e requerimentos manifestamente infundados”, pelo que é atribuído ao juiz do processo o poder-dever de, em tais situações, “fixar uma taxa sancionatória especial, com carácter penalizador” (extrato do preâmbulo do Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro), ou seja, com este normativo acentua-se a necessidade de sancionar o mau cumprimento do dever de cooperação e diligência das partes, penalizando o uso indevido do processo com expedientes meramente dilatórios.

A este respeito, podemos ler no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22 de janeiro de 2013 que "a taxa sancionatória em causa – de seu nome, “excepcional” – aplica-se a condutas que entorpeçam o andamento do processo ou impliquem a disposição substancial de tempo e meios injustificadamente, no sentido de ausência de motivo atendível para tal comportamento processual" e no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 6 de fevereiro de 2012 que “os pressupostos de aplicação de tal preceito são de tal forma genéricos que cabe ao julgador a preocupação de limitar a sua utilização discricionária de modo a salvaguardar o direito das partes à defesa dos seus interesses pela via processual e, apenas sancionar o que está para lá dessa defesa. Assim, as questões processuais têm de ser manifestamente improcedentes ou dilatórias, ou seja, despidas de qualquer interesse atendível na prática do acto. E, as questões de mérito hão-de ser manifestamente improcedentes, não apenas por inexistir qualquer jurisprudência que as suporte, pois que, quantas vezes, novas posições se tomam nos tribunais com base na sua defesa pelas partes, apoiadas em outra sustentação que não apenas a jurisprudência, mas porque não há leitura possível para as mesmas, e quando ainda, resultarem exclusivamente da falta de prudência e diligência da parte.

No caso “sub judice” o mandatário da recorrente aproveitou o momento em que requeria a junção de determinados documentos ao processo para fazer uma espécie de mini alegações para a ata, o que evidencia o propósito de praticar um acto que, necessariamente, sabia não lhe ser permitido.

Com tal comportamento processual, não podemos deixar de dizer que com este mau cumprimento das regras processuais foi feito um uso indevido do processo que estorvou o seu andamento normal.

No entanto, há que ter em mente que estando afastada pela jurisprudência a figura da má-fé em processo penal (figura próxima, mas mais grave)[[3]], a figura da taxa sancionatória excecional tem, em tal caso, de ser usada com muito critério e parcimónia de modo a evitar o sancionamento de situações que o legislador pretendeu proteger com esse afastamento.

Por isso, sendo tão genéricos os pressupostos do art.º 531º do Código de Processo Civil, cabe ao juiz limitar a sua utilização discricionária de modo a salvaguardar o direito das partes à defesa dos seus interesses pela via processual, bem como, ainda que em face de algum excesso, limitar o sancionamento a situações que tenham algum relevo na normal marcha processual.

No caso sob apreciação, estamos perante uma situação onde, como se disse, o mandatário da recorrente aproveitou o momento em que requeria a junção de determinados documentos ao processo para fazer uma espécie de mini alegações para a ata, evidenciando assim o propósito de praticar um acto processual que sabia não poder praticar, ou seja, com este deliberado mau cumprimento das regras processuais estorvou o normal andamento do processo.

Porém, uma vez que o “estorvo processual” se limitou a uma mera declaração ditada para a ata com ocupação reduzida de tempo e ainda mais reduzida ocupação de meios do tribunal, e não esquecendo que tendo os factos ocorrido durante a audiência, sempre o tribunal poderia ter lançado mão dos poderes que lhe são atribuídos no art.º 322º, temos de considerar que deve ser revogado o despacho recorrido (em sentido idêntico, v.g., Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12 de novembro de 2013).

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Face ao exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso e consequentemente revoga-se o despacho recorrido, ficando por isso sem efeito a condenação da arguida em taxa sancionatória excepcional.

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Sem tributação.

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Coimbra, 4 de maio de 2016

(Luís Ramos – relator)

(Olga Maurício - adjunta)


[1] Neste sentido, v.g., Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23 de Maio de 2012 (acessível in www.dgsi.pt, tal como todos os demais arestos citados neste acórdão cuja acessibilidade não esteja localmente indicada).
[2] Diploma a que pertencerão, doravante, todos os normativos sem indicação da sua origem
[3] Neste sentido, v.g., Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de outubro de 1992, in BMJ 420/406, de 26 de fevereiro de 2002, in CJ (STJ) II/227, de 9 de março de 2005, in www.dgsi.pt e de 14 de fevereiro de 2007, in CJ (STJ) I/187, do Tribunal da Relação de Coimbra de 11 de outubro de 1995, in CJ IV/51, Tribunal da Relação do Porto de 20 de dezembro de 1995, in CJ V/261 e de 20 de novembro de 2002 e do Tribunal da Relação de Évora de 7 de fevereiro de 2006, in CJ I/262