Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
196/10.3PTLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: ALCOOLÍMETROS QUANTITATIVOS
VERIFICAÇÃO PERIÓDICA
Data do Acordão: 01/30/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1º JUÍZO CRIMINAL DO TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.ºS 5º, 6º E 7º, N.º 2 DA PORTARIA N.º 1556/2007, DE 10/12 E 4º, N.º 5, DO DECRETO-LEI N.º 291/90, DE 20 DE SETEMBRO)
Sumário: No que aos alcoolímetros quantitativos respeita, valem as seguintes regras:
- O controlo metrológico dos alcoolímetros é da competência do Instituto Português da Qualidade, I. P. — IPQ;
- Os alcoolímetros estão sujeitos a aprovação de modelo, que é válida por 10 anos;
- Estão sujeitos a uma verificação periódica anual, isto é, a realizar todos os anos civis;
- Cada verificação periódica é válida até ao dia 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização.
Decisão Texto Integral: No processo Abreviado, supra identificado, após a realização audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que julgou a acusação pública procedente e consequentemente condenou o arguido A..., pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez p. e p. pelo art 292º, nº 1 do CPenal na pena de 70 (setenta) dias de multa à taxa diária de € 5.00 (cinco euros), no montante global de € 350.00 (trezentos e cinquenta euros), correspondente, por seu turno, a 46 (quarenta e seis) dias de prisão subsidiária.
            - Condenou, ainda, o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 4 (quatro) meses e 10 (dez) dias.

Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o arguido, que na respectiva motivação concluiu:
l) Conforme resulta de fls. 69 a 71, foi deduzida acusação contra o Arguido imputando-lhe a prática de factos susceptíveis de o constituírem, corno autor material de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punível pelos artigos nºs 292º nº 1 e 69º nº 1 alínea a ) ambos do Código Penal;
2) O Arguido veio apresentar Contestação, alegando o que acima se transcreveu e aqui se requer a sua apreciação;
3) Por Sentença de fls, decidiu a Meritíssima Juiz o que acima se transcreveu e aqui se requer a sua apreciação;
4) vinha o arguido acusado pela prática de crime de condução de veículo em estado de embriaguez:
5) Nos termos do disposto no artigo 292° nº 1 do Código de Penal, quem, pelo menos por negligência conduzir veiculo, com ou sem moto, em via publica ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l…;
6) Da prova produzida em sede de Audiência de Julgamento, não ficou provado que era o Arguido que conduzia o veículo;
7) O presente recurso tem como objecto toda a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos que condenou o recorrente pele prática do crime de condução de veículo sob estado de embriaguez. p. e p. pelo art,292,º do CP;
8) Um dos princípios em que assenta o processo penal e o princípio do acusatório ou da acusação consagrado no art. 32,°. n.º 5. da CRP, nos termos do qual o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao principio do contraditório;
9) De qualquer forma e sem prescindir sempre se diga que no que concerne ao episódio ocorrido no dia 17 de Dezembro de 2010, pelas 00h35, mais uma vez o tribunal baseou a sua convicção apenas nos depoimentos dos agentes da PSP, desconsiderando por completo o depoimento que parece pouco coerente, impreciso e vago, prestado em audiência de julgamento e gravado através do sistema integrado de gravação digital;
10) Tal convicção assentou apenas no depoimento de duas testemunhas que não presenciaram nem investigaram devidamente a autoria dos factos em questão;
11) As testemunhas referiram ainda que tomaram declarações ao Arguido, no entanto referiram ainda que o Arguido se encontrava com um colega;
12) E mesmo assim, não indagaram quem era o verdadeiro condutor do veículo;
13) Tal depoimento demonstrou que não houve qualquer averiguação sumária para identificar o condutor;
14) O tribunal a quo ao dar como provados os factos por que vem acusado o Arguido, nas versões que constam da fundamentação da sentença, violou, entre outros, o principio da livre apreciação da prova, consagrado no artº, 127º, do CPP.
15) Ao dar como provados factos que não resultaram da prova produzida cm audiência de julgamento, violou, ainda, o disposto no art. 355º nº 1, do CPP;
16) Neste mesmo sentido, HENRIQUES EIRAS in "Processo Penal Elementar", Ouid Iuris. 2003, 4,º edição. p. 102, refere que este princípio "… não significa que o tribunal possa utilizar essa liberdade à sua vontade, de modo discricionário e arbitrário, decidindo como entender, sem fundamentação;
17) O juiz tem de orientar a produção de prova para a busca da verdade material e, ao decidir, há-de fundamentar as suas decisões: a apreciação da prova que faz reconduz-se a critérios objectivos, controláveis através da motivação;
18) A sua convicção, que o levará a decidir de certa maneira e não de outra, embora pessoal, é objectivável.";
19) Não restam dúvidas que o recorrente não praticou o crime em que foi condenado;
20) Nos termos do supra alegado e não tendo o recorrente praticado o crime em que foi condenado deve o mesmo ser absolvido;
21) E para se chegar a esta conclusão, basta analisar o depoimento das testemunhas de acusação, acima identificadas;
22) Nenhuma destas testemunhas, questionadas se viram o Arguido conduzir, por ambas foi dito que: "... Não, quando chegamos ao local, deparamo-nos com um carro despistado e duas pessoas à beira da estrada, sendo o arguido o e um colega…”;
23) O crime de que o Arguido foi acusado e condenado, tem como elemento objectivo, a condução de veículos a motor ou não, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l no sangue;
24) Nunca poderia ter sido dado como provado o facto 1), 2), 4) e 5) da Sentença recorrida;
25) Também não se pode dar como provado que o acidente decorreu conforme o descrito na participação elaborado pela testemunha Filipe Vieira, visto que foi feita com base nas impressões e presunções da testemunha e não em factos concretos;
26) Não se podia ter dado como provado que o arguido foi o responsável pelo acidente, uma vez que não houve factos concretos que indicasse tal responsabilidade;
27) Dúvidas não restam, nem que seja, pelo princípio constitucionalmente consagrado "lN DUBIO PRO REO'", que o Recorrente tem de ser absolvido, com todas as consequências legais daí resultantes;
28) Notificado o Arguido do relatório de inspecção periódica do alcoolímetro, verificou o mesmo que, no momento da fiscalização de álcool no sangue ao arguido que este não possuía a inspecção periódica anual;
29) Tal facto constitui nulidade insanável, sendo que a prova constante dos autos é nula, nulidade que desde já se requer a sua apreciação;
30) Nos termos do disposto no artigo 7º n° 2 do Regulamento de Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, a verificação periódica a que devem ser obrigatoriamente sujeitos os alcoolímetros é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação do modelo;
31) Relativamente ao modelo de alcoolímetro quantitativo utilizado nos presentes autos, foi o mesmo - aprovado por Despacho nº 19684/2009 do IPQ, do qual não consta qualquer indicação específica relativamente à periodicidade das inspecções periódicas, aplicando-se-lhe assim a regra geral das verificações periódicas anuais;
32) Contrariamente ao entendimento sufragado na douta decisão recorrida, não poderá considerar-se válida a verificação periódica até 31 de Dezembro do ano seguinte àquela em que foi efectuada;
33) Na realidade, o artigo 5º do Decreto-Lei n° 291/90 de 20/09, estabelece a regra geral quanto ao controlo metrológico de todos os aparelhos a ele sujeitos, sendo certo que a Portaria 1556/2007 de 10/12, aprovou o Regulamento de Controlo Metrológico dos Alcoolímetros (RCMA), e, portanto, é norma específica nesta área, estabelecendo regime especial quanto ao controlo metrológico dos alcoolímetros;
34) Nos presentes autos, o aparelho utilizado para a realização do teste quantitativo de álcool no sangue havia sido sujeito a verificação periódica em 10/12/2009, pela última vez;
35) Por imperativo legal, a verificação periódica do mesmo aparelho deveria ter sido efectuada até 10 dia 10/12/2010, condição imprescindível e essencial para que o alcoolímetro em questão estivesse em condições de ser utilizado para fiscalização na data a que se reportam os presentes autos 17/12/2010;
36) Resulta, assim, demonstrado não terem sido observadas as formalidades legais imperativas relativamente ao alcoolímetro utilizado para fiscalização do arguido nos presentes autos, pelo que, não pode dar-se como provada a concreta taxa de álcool no sangue, devendo o arguido ser absolvido do crime pelo qual vem condenado;
37) A prova obtida através do sobredito aparelho é nula e “A consequência essencial que a obtenção de uma prova proibida provoca vem a ser a sua não utilização, trata-se de não a tomar em conta para qualquer fim processual é como se a referida prova não existisse". cfr Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal II, pag. 126, 3. a Edição. sob pena de violação do disposto no artigo 170º nº 4 do Código da Estrada;
38) No controlo metrológico dos alcoolímetros (aprovado pela Portaria 1556/2007) estabelece-se a necessidade de verificação periódica dos aparelhos num período mais curto - a verificação periódica é anual;
39) O alcoolímetro usado no exame de pesquisa de álcool no ar expirado não respeitava as condições legais de verificação do mesmo;
40) Também por esta razão, tem a Sentença recorrida ser revogada, com todas as consequências legais daí resultantes;
41) Quanto à medida da pena, esta não encontra justificação legal, sendo desproporcionada e arbitrária, não revelando a sentença recorrida de que forma foram aplicados os critérios do artigo nº 70º do CP, nem fundamenta a escolha da medida da pena nos termos exigidos pelo nº 3, do artigo nº 71º do C.P. o que é causa de nulidade pelas disposições conjugadas do artigo nº 374°, nº 2 e 379°, nº  1, al a) ambos do C. P. P.;
42) A aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade não podendo, em caso algum, a pena ultrapassar a culpa art.º 40.º. n. 1 e 2, do Código Penal. veja-se o) Acórdão da RC de 17.1.96. in CJ, 40;
43) Dispõe o n.º 1 do artigo 71º que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. E o nº 2 manda atender àquelas circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente.
44) No sistema juridico-penal português, as reacções penais não privativas da liberdade assumem preferência sobre as penas detentivas, desde que as primeiras satisfaçam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, isto é a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente de um crime na sociedade - artigos 40º e 70º do Código Penal;
45) Importa ter em conta, dentro dos limites abstractos definidos pela lei, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, deponham a favor ou contra o arguido, na medida em que se mostrem relevantes para a culpa ou para as exigências preventivas;
46) Caso se venha a entender que a conduta do arguido é subsumível à norma incriminadora do artigo 292º do CP, foi a mesma praticada apenas a título de negligência, pelo que a moldura penal abstracta aplicável deve ser a prevista no nº 4 da mesma disposição legal;
47) Não foi feita prova de qualquer tipo de dolo, logo, nunca poderia a Meritíssima Juiz alegar e fundamentar que a conduta do arguido era dolosa;
48) A Meritíssima Juiz fundamenta o comportamento doloso do arguido no consumo de álcool;
49) Este facto não poderia ter sido dado como provado, uma vez que foi obtida ilegalmente e, consequentemente nula;
50) A Meritíssima Juiz nunca poderia ter aplicado a medida de pena que aplicou, com base na conduta dolosa do arguido, visto que não houve dolo;
51) A medida de pena aplicada é excessiva;
52) Nesta modalidade de imputação subjectiva - negligência - basta que o agente “não proceda com o cuidado, a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz", nomeadamente, "representar corno possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas actuar sem se conformar com essa realização", ou "não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto" conforme dispõe o artigo 15º do Código Penal;
53) A ser imputado o dito crime ao arguido deveria ter sido a título de negligência inconsciente;
54) Não poderia a Meritíssima Juiz dar como provado as als. 1), 4) e 5) da Sentença Recorrida;
55) Tanto a pena principal, como a pena acessória fixadas ao arguido, por serem manifestamente excessivas, não satisfazem, de per si, as necessidades de prevenção, tendo o tribunal a quo decidido em desconformidade com o disposto nos artigos 400, nº 2 e 410 do CP, devendo ambas ser superiormente reduzidas em conformidade com o exposto;
56) A Meritíssima Juiz não teve em conta os factos abonatórios do arguido, quer o registo criminal, quer o registo individual de condutor, quer o depoimento das testemunhas acima transcritos, quer o facto do arguido estar socialmente inserido;
57) Deve a Sentença Recorrida ser revogada quanto a esta questão, que desde já e aqui se Requer;
58) A Sentença recorrida é nula nos termos do artigo 379º do Código do Processo Penal.
59) Na Sentença recorrida, embora se faça essa referência, porém, pelas declarações das testemunhas inquiridas, não se poderia efectivamente condenar o Arguido, pois nenhuma das testemunhas viu o embate, conforme já se disse, e portanto não se pode de forma alguma condenar o arguido deste modo.
60) Dizer-se como se disse na Sentença recorrida, é o mesmo que nada se dizer, pois fartamente se verifica que pelo depoimento das testemunhas, não se pode aferir que o Arguido tenha cometido os factos dados como provados e que são referidos na Sentença;
61) Tem forçosamente a Sentença recorrida de ser Revogada com todas as
consequências legais para a acusação, por erro de apreciação das provas inquiridas em audiência de julgamento, bem como de todos os elementos juntos, ao processo, nomeadamente o relatório hospitalar já junto aos autos;
 62) Na Sentença recorrida: Existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, a ilegalidade da prova, erro notório na apreciação da prova:
63) Lendo, atentamente, a Sentença recorrida, nesta parte, ou noutra parte qualquer, verifica-se que não se indica nela um único facto concreto susceptível de revelar, informar, e fundamentar, a real e efectiva situação, do verdadeiro motivo da condenação do arguido;
64) Sendo o arguido primário, conforme resultou provado no Sentença recorrida, como nunca poderia aplicar-se uma condenação da forma e modo como foi;
65) O nosso Código é no sentido de recuperar os arguidos primários, e apenas se podem condenar os arguidos, quando a conduta destes não reúnem os requisitos para a absolvição, o que não é o caso;
66) A Sentença é nula, por interpretação e aplicação deficiente das normas legais citadas, conforme já acima se disse e provou;
67) A Sentença recorrida viola:
            a) Artigo 125º, 126º, 127º, 355º, 359, nº 1 e 2; 374º, 375º, 377º, 379º e 410º do CPP;
            b) Artigos 13º, 32º, 205º, 207º e 208º da CRP;
            c) Artigos 40º, 70º. 71º do CP;
            d) Artigos 152º, nº 3, 153º, nº 8 e 156º, nº 2 do Código da Estrada;
            e) Artigo 4º da lei nº 18/2007, de 17 de Maio.
Termos em que, se requer, V. Exas.. a REVOGAÇÃO da Sentença recorrida, absolvendo o arguido dos crimes de que foi condenado, por ser de LEI, DIREITO E JUSTIÇA.

            Foi admitido o recurso a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.

Respondeu o Digno Procurador Adjunto manifestando-se pela improcedência do recurso defendendo a manutenção da decisão recorrida.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência, cumpre agora decidir.

O recurso abrange matéria de direito e de facto já que a prova se encontra documentada.

Da discussão da causa resultaram provados os factos seguintes constantes da decisão recorrida:
           

1. No dia 17.12.2010, pelas 00h35m, na Avenida da Comunidade Europeia, nesta cidade, o Arguido conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca BMW,  … , e despistou-se.

2. No circunstancialismo temporal e espacial descrito em 1. e por efeito do referido na parte final, elementos da Esquadra de Trânsito da Polícia de Segurança Pública de Leiria deslocaram-se àquele local, após o que o Arguido foi submetido ao teste de controlo de alcoolemia, através do aparelho de marca DRAGER, modelo 7110 MKIII P, evidenciando a presença de uma taxa de álcool no sangue de 1,77 g/l.

3. Notificado para o efeito, o Arguido declarou expressamente não pretender a realização de contraprova.

4. No circunstancialismo temporal e espacial descrito em 1., o Arguido agiu livre, consciente e deliberadamente, bem sabendo que não podia conduzir veículos a motor na via pública após ter ingerido bebidas alcoólicas e, portanto, em estado de embriaguez.

5. No circunstancialismo temporal e espacial descrito em 1., o Arguido sabia que o comportamento supra descrito era proibido por lei.

Mais se apurou que:

6. O Arguido é estudante, frequentando um curso técnico-profissional de banca e seguros, com equivalência ao 12.º ano de escolaridade.

7. O Arguido não aufere quaisquer rendimentos.

8. O Arguido vive com os seus pais, que providenciam pelo seu sustento.

9. O Arguido não tem antecedentes criminais.


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Não se provou que:

a) o Arguido, no dia e hora indicado nos autos não conduzia com a taxa indicada na acusação;

b) o Arguido não conduzia o veículo referido na acusação;                

c) o Arguido está bem visto na terra onde vive e é bem-educado.


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MOTIVAÇÃO


A convicção do Tribunal, sempre norteada por uma ponderação à luz das regras da experiência comum, baseou-se, desde logo no que respeita à conduta descrita em 1. – ou seja, à condução, pelo Arguido, naquelas circunstâncias, do veículo identificado e sequente despiste –, no «Auto de Notícia», outrossim na «Participação de Acidente» (juntos, respectivamente, a fls.2 e a fls.5-7 dos autos, que se dão aqui por integralmente reproduzidos), cujo teor foi confirmado pelo agente da P.S.P. a exercer funções na Esquadra de Trânsito de Leiria há cerca de 10 anos, de nome B..., de 37 anos de idade, que, espontaneamente, e ainda antes de confrontado, em audiência, com os referidos auto e participação (por ter sido o agente autuante e participante), localizou espacialmente os factos, mais explicando que ali se deslocou – acompanhado do igualmente agente da P.S.P., a exercer funções na Esquadra de Trânsito de Leiria há cerca de cinco anos, de nome C..., de 47 anos de idade – por força de uma chamada do 112 e, uma vez chegado ao local, verificou que o veículo havia saído da Avenida em que circulava, numa inclinação de cerca de cinco metros, e que ambos Arguido e colega que com este se encontrava estavam já fora do mesmo, tendo o primeiro, sem hesitação aparente, se identificado como sendo o condutor. O mesmo deveio corroborado pelo depoimento prestado pelo agente C... – nas palavras de quem “se ele [entenda-se, o Arguido] diz que é o condutor, não vamos pôr isso em causa” –, e pelo conteúdo da «DECLARAÇÃO» datada, justamente, de 17.12.2010 e assinada pelo Arguido (junta a fls.8 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida), onde, na identificação do condutor, se lê o seu nome, afigurando-se, da conjugação de todos estes elementos, ser contrário ao normal acontecer que alguém que não o condutor se assuma como tal perante as autoridades, declarando-o expressamente e, inclusivamente, sujeitando-se a um teste de despistagem de álcool.

No que à taxa de álcool no sangue de que o Arguido era portador se refere (facto 2.), teve-se em consideração a descrição dos factos, conforme ao teor do «Auto de Notícia», pelo agente B...: inicialmente, o Arguido foi sujeito a um teste de teor qualitativo e, seguidamente, conduzido à Esquadra, onde realizou o teste de cariz quantitativo, evidenciando a presença de uma taxa de álcool de 1,77g/l de sangue, de que é demonstrativo o correspondente talão n.º714 (junto a fls.3 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

A propósito da distância temporal que é possível verificar entre a hora da ocorrência da condução e ulterior despiste (00h35m) e a da análise quantitativa do álcool (02h55m, segundo o referido talão), dir-se-á que o «facto do arguido ser submetido ao teste quantitativo, mais de 2 horas após a realização do teste qualitativo, não obsta a que a taxa de alcoolemia acusada releve para efeitos penais», pois que o «artigo 2º nº 1 da lei 18/2007, de 17/5, ao estabelecer que, sempre que possível, o intervalo entre os dois testes não pode ser superior a 30 minutos, indicia que se trata de uma orientação, não de vinculação, pelo que aquela referência não constitui um limite inultrapassável cuja violação integre o conceito de proibição de prova» (assim, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18.04.2012, processo n.º33/10.9GAVNO.C1, Olga Maurício[i], acompanhado, inter alia, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, na decisão de 18.02.2009, processo n.º12/05.8GTCSC -3, Carlos Almeida; pelo Tribunal da Relação de Évora, no seu aresto de 04.05.2010, processo n.º337/08.0GTBJA.E1, José António Penetra Lúcio, onde se lê que «esta referência aos 30 minutos não se encontra prevista a propósito da contraprova (esta tem necessariamente de se suceder a um exame realizado em aparelho quantitativo), e para o desrespeito desse intervalo não está prevista qualquer consequência como a desejada»; e pelo Tribunal da Relação do Porto, na sua decisão de 24.04.2002, processo n.º0111636, Esteves Marques, onde se concluiu que, «sendo o exame realizado após o decurso do prazo de duas horas quem beneficia é o arguido, mas o exame é válido»).

Na verdade, o «que o legislador pretende é, essencialmente, que os testes traduzam ou se aproximem tanto quanto possível, do valor real de álcool no sangue de qualquer condutor. Segundo o saber científico, após a ingestão de álcool, o organismo inicia o processo de metabolismo e eliminação desse mesmo álcool no sangue. E para além de outros factores a ter em conta, um deles é aceite e pacífico: o tempo, no sentido de, com o decurso dos minutos e das horas, o organismo vai eliminando a quantidade de álcool que existe no sangue. Pelo que, é provável, natural e praticamente um facto assente, que feito um teste a determinada hora e feito outro duas horas depois, este segundo teste dará um resultado inevitavelmente inferior, se não houver qualquer factor anómalo a viciar esta regra. O que o legislador pretende é uniformizar critérios na medição de álcool ao condutor, uniformizando assim a aplicação da lei aos diferentes intervenientes, não criando desigualdades com a realização dos testes, em diferentes horas, beneficiando os que realizem os testes muito tempo depois do acidente» (segundo o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24.09.2008, processo n.º0813775, Luís Teixeira). O mesmo será dizer que a «referência temporal contida no normativo não constitui, de forma alguma, um limite inultrapassável, cuja violação integre o conceito de proibição de prova, mas tão somente uma regra que poderá ser ultrapassada quando as circunstâncias não permitirem o respeito daquele intervalo temporal. Aliás, tal ultrapassagem só pode reverter em favor do arguido, pois que os efeitos do álcool se vão dissipando com o decurso do tempo. (…) Esta conclusão impõe-se, em face da referida evolução de absorção do álcool pelo sangue e em face das regras gerais da experiência comum» (de acordo com o aresto do Tribunal da Relação do Porto de 08.06.2005, processo n.º0446667, Brízida Martins, por referência, também, ao aresto, que cita, do Tribunal da Relação de Coimbra de 23.04.2003).

Ademais, e conforme resultou provado sob o ponto 3., o Arguido declarou não pretender a realização de contraprova (cfr. a «NOTIFICAÇÃO» junta a fls.4 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, com a data dos factos sub judice e assinada pelo próprio, à qual igualmente se referiu, no contexto do seu depoimento, o agente B...), o que consolida a versão dos factos aduzida pela Acusação – isto é, de que era o Arguido o condutor do veículo identificado; evidenciando, além do mais, que aquele «teve oportunidade de pôr em causa a fiabilidade do referido alcoolímetro quando foi efectuado o respectivo teste, declarando não desejar ser submetido ao exame de contraprova» (assim, e adaptando ao caso dos autos, a conclusão retirada pelo Tribunal da Relação de Lisboa na sua decisão de 20.06.2007, processo n.º3552/2007-3, Carlos de Sousa, partilhada, entre outros, pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no seu aresto de 30.01.2008, processo n.º295/07.9GTLRA.C1, Vasco Osório, onde se lê que o «condutor que tendo sido sujeito a fiscalização para verificação da taxa de álcool no sangue e a quem tenha sido detectada uma taxa superior à legalmente pretendida deve, para infirmar e poder afastar o valor indicado no aparelho utilizado na medição, solicitar a realização de contraprova, em qualquer das modalidades previstas no nº3 do artigo 153º, do Código da Estrada»). Nesta ordem de ideias, «não pode agora o arguido vir dizer que é duvidosa a qualidade do aparelho, sendo certo que não lhe apontou em concreto qualquer deficiência de funcionamento, nem pretendeu a contraprova, sendo certo que teve essa possibilidade» (aqui, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24.01.2008, processo n.º2285/07-1, Tomé Branco).
Acresce, no que respeita à necessária verificação periódica do alcoolímetro usado para realização do exame ao Arguido, que se encontra junto aos autos cópia do respectivo certificado (a fls.141 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida), com menção de «APROVADO», reportada a 10.12.2009, ou seja, ao ano civil imediatamente anterior ao do exame em causa nos autos, este datado de 17.12.2010. Com interesse para a presente decisão – e para que não subsistam dúvidas acerca da validade do dito exame e, consequentemente, da sua consideração pelo Tribunal, neste processo de formação da convicção, quanto à concreta TAS de que o arguido era portador –, há-de ter-se presente que os «alcoolímetros quantitativos estão sujeitos a uma verificação periódica anual», sendo esta «válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização» (assim, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13.12.2011, processo n.º89/11.7GCGRD.C1, Vasques Osório). Com efeito, o «termo "anual" usado no artigo 7.º, n.º 2, da Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro, não contraria o disposto no artigo 4.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 291/90, de 20 de Setembro, significando, apenas, que os aparelhos têm de ser sujeitos a, pelo menos, uma verificação em cada ano civil» (aqui, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27.04.2011, processo n.º242/10.0GAALJ.P1, Álvaro Melo, onde se decidiu que, tendo «o aparelho em questão sido objecto de verificação em 13-05-2009 (…) a validade da verificação, manteve-se até 31-12-2010, pelo que tendo a utilização do aparelho no caso sub judice ocorrido em 02-09-2010, encontrava-se o mesmo perfeitamente dentro do período de validade da verificação efectuada, pelo que nenhuma objecção deve colocar-se ao valor obtido no acto de fiscalização efectuado», perfilhando, deste modo, o entendimento de grande parte dos nossos tribunais e de que são, do mesmo modo, exemplo os arestos do Tribunal da Relação do Porto de 06.04.2011, processo n.º270/10.6GAALJ.P1, Olga Maurício, de 18.01.2012, processo n.º273/10.0GAALJ.P1, Joaquim Gomes, e de 14.12.2011, processo n.º63/10.0GASBR.P1, Ricardo Costa e Silva, lendo-se, neste último, que a «expressão a verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação de modelo” (Artigo 7º/2 Portaria 1556/2007) tem de ser interpretada com o sentido de periodicidade anual, dizer não uma verificação em cada 365 dias mas uma verificação em cada ano civil, compatibilizando-se tal expressão com o disposto no artigo 4º/5 do DL 291/90»). Concretizando, tendo o aparelho sido verificado em 10.12.2009, a validade dessa verificação manteve-se até 31.12.2010, de modo que a sua utilização, no exame ao Arguido, em 17.12.2010, teve lugar naquele período de validade, não havendo qualquer objecção à consideração, in casu, do resultado obtido.
Nesta sequência, bem se compreende a factualidade provada sob os pontos 4. e 5., que constitui, afinal, a conclusão que se impõe retirar, à luz das regras da experiência, do facto de o Arguido conduzir nas circunstâncias acima descritas, portador, portanto, de uma taxa de álcool no sangue superior ao permitido por lei: necessariamente, e na falta de elementos que o contrariem, agiu livremente e ciente de que, tendo em conta a quantidade de bebidas alcoólicas que havia ingerido, não podia, conforme fez, ter encetado a condução de um veículo a motor em via pública.

No que concerne à situação pessoal do Arguido (factos 6. a 8.), e na falta de outros elementos, o Tribunal atendeu às declarações do próprio, não contendo os autos elementos que as contrariem.

Por fim, quanto aos antecedentes criminais do Arguido (facto 9.), atendeu-se ao conteúdo do respectivo certificado de registo criminal junto a fls.114 dos autos.


*

Quanto aos factos considerados não provados, ou se encontram em oposição com os factos julgados provados (alíneas a) e b), com relação aos factos constantes dos pontos 1. e 2.), ou não se produziu prova em julgamento que os sustentassem (alínea c)).



            Cumpre, agora, conhecer do recurso interposto.

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. Portanto, são apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar.

Questões a decidir:
- Se foram incorrectamente julgados os factos dados como provados;
- Não verificação periódica, atempada, do aparelho controlador do álcool no sangue;
- Excessividade das penas aplicadas;

As declarações prestadas em audiência de discussão e julgamento, encontram-se documentadas conforme o disposto no art 363º do Código Processo Penal. Assim, toda a prova produzida em julgamento encontra-se devidamente gravada.
No entanto, o recorrente e apesar de pretender impugnar a matéria de facto dada como provada em julgamento não fez a especificação por referência concreta aos suportes técnicos.
 Ora, dispõe o art 412 nº 3 do Código Processo Penal:
“Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar.
 a) Os concretos pontos de facto que considere incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.”
            E o nº4 “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do art 364, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”.
Portanto, quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto deve especificar, além do mais “as provas que impõem decisão diversa da recorrida”, devendo tal especificação fazer-se “por referência ao consignado na acta” em conformidade com o preceituado no nº 2 do art 364.
O recorrente não deu satisfação a tal ónus, quer na motivação, quer nas conclusões não especificou, por referência ao consignado na acta, as provas que, na sua perspectiva, impõem decisão diversa da impugnada, não indicou os pontos incorrectamente julgados e não indicou com referência às actas os excertos que, em seu entender, impõe uma decisão diversa. O recorrente quer na motivação, quer nas conclusões, limita-se a dizer de forma genérica que das declarações das testemunhas não poderiam ter sido dados como provados os factos nºs 1, 2, 3, 4, e 5.
O recorrente limita-se a criticar a forma como o tribunal apreciou os depoimentos das testemunhas.
Assim sendo, o incumprimento daquele ónus acarreta a impossibilidade de o tribunal de recurso modificar a decisão proferida sobre a matéria de facto.
Aliás, neste sentido decidiu o acórdão nº 140/2004, processo nº 565/2003 de 10/3/2004 (DR II série, nº 91 de 17/4/2004), ainda Ac RLx de 20/10/99, in CJ, XXIV, 4, 153 e Ac RC de 30/1/02, in CJ XXVII, 1, 44 e 45.
É verdade que o art 417 nº 3 do CPP estipula que se a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos nºs 2 a 5 do art 412º, o relator convida a recorrente a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado ou não ser conhecido na parte afectada.
No entanto, o aperfeiçoamento não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação (art 417 nº 4 do CPP).
Ou seja, só é possível o convite para a correcção quando essa correcção se processa dentro dos termos da própria motivação e não constitua uma substituição, mesmo que parcial da motivação.
Como vem referido no Ac desta Relação de 2 de Abril de 2008 no processo 604/05.5PBVIS.C1 “quando o recorrente expõe consistentemente as razões concretas da sua discordância, mas depois, por lapso, não as assinala devidamente nas conclusões existem razões que se fundamentam na proibição de excesso, no princípio da proporcionalidade constitucionalmente consagrado no art 18º nº 2 da CRP que justificam a convite e a consequente possibilidade de correcção.
Porém, quando o recorrente no corpo da motivação do recurso não enunciou as especificações, o convite à correcção não se justifica porque para se obter a harmonização entre as conclusões, o corpo da motivação e a obrigação legal de especificação seria necessária uma reformulação substancial das motivações e das conclusões, o que significaria a concessão da possibilidade de um novo recurso, com novas conclusões e inovação da motivação, precludindo a peremptoriedade de prazo de apresentação do recurso.
No caso vertente, nem na motivação, nem nas conclusões existe qualquer menção ás provas que impõem decisão diversa e nem de forma genérica se faz referência aos pontos de factos considerados incorrectamente julgados, pelo que não se justifica o convite ao aperfeiçoamento.
Aliás, do recurso interposto, nomeadamente, das conclusões verifica-se que o recorrente apenas pretende atacar a forma como o tribunal a quo valorou a prova produzida.
Assim, tem-se como assente a matéria de facto.
No entanto sempre se dirá e como já foi referido, que o que afinal o recorrente faz é impugnar a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos em contraposição com a que sobre os mesmos ele adquiriu em julgamento, esquecendo a regra da livre apreciação da prova inserta no art 127.
De acordo com o disposto no art 127 a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
“O art 127 do Código Processo Penal estabelece três tipos de critérios para avaliação da prova, com características e naturezas completamente diferentes: uma avaliação da prova inteiramente objectiva quando a lei assim o determinar; outra também objectiva, quando for imposta pelas regras da experiência; finalmente, uma outra, eminentemente subjectiva, que resulte da livre convicção do julgador.
A prova resultante da livre convicção do julgador pode ser motivada e fundamentada mas, neste caso, a motivação tem de se alicerçar em critérios subjectivos, embora explicitados para serem objecto de compreensão” (Ac STJ de 18/1/2001, proc nº 3105/00-5ª, SASTJ, nº 47,88).
Tal como refere o Prof Germano Marques da Silva no Curso de Processo Penal, Vol II, pg 131 “... a liberdade que aqui importa é a liberdade para a objectividade, aquela que se concede e que se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objectiva, isto é, uma verdade que transcende a pura subjectividade e que se comunique e imponha aos outros. Isto significa, por um lado, que a exigência de objectividade é ela própria um princípio de direito, ainda no domínio da convicção probatória, e implica, por outro lado, que essa convicção só será válida se for fundamentada, já que de outro modo não poderá ser objectiva”.
Ou seja, a livre apreciação da prova realiza-se de acordo com critérios lógicos e objectivos.
Sobre a livre convicção refere o Professor Cavaleiro de Ferreira que esta « é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundada da verdade» -Cfr. "Curso de Processo Penal", Vol. II , pág.30. Por outras palavras, diz o Prof. Figueiredo Dias que a convicção do juiz é "... uma convicção pessoal -até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais -, mas em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros ."- Cfr., in "Direito Processual Penal", 1º Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 203 a 205.
O princípio da livre apreciação da prova assume especial relevância na audiência de julgamento, encontrando afloramento, nomeadamente, no art. 355 do Código de Processo Penal. É ai que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na recepção directa de prova.
No dizer do Prof. Germano Marques da Silva "... a oralidade permite que as relações entre os participantes no processo sejam mais vivas e mais directas, facilitando o contraditório e, por isso, a defesa, e contribuindo para alcançar a verdade material através de um sistema de prova objectiva, atípica, e de valoração pela intima convicção do julgador (prova moral), gerada em face do material probatório e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens". -Cfr. "Do Processo Penal Preliminar", Lisboa, 1990, pág. 68”.
O princípio da imediação diz-nos que deve existir uma relação de contacto directo, pessoal, entre o julgador e as pessoas cujas declarações irá valorar, e com as coisas e documentos que servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto.
Citando ainda o Prof. Figueiredo Dias, ao referir-se aos princípios da oralidade e imediação diz o mesmo:
«Por toda a parte se considera hoje a aceitação dos princípios da oralidade e da imediação como um dos progressos mais efectivos e estáveis na história do direito processual penal. Já de há muito, na realidade, que em definitivo se reconheciam os defeitos de processo penal submetido predominantemente ao principio da escrita, desde a sua falta de flexibilidade até à vasta possibilidade de erros que nele se continha, e que derivava sobretudo de com ele se tomar absolutamente impossível avaliar da credibilidade de um depoimento. (...). Só estes princípios, com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais ". -In "Direito Processual Penal", 10 Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 233 a 234 .
Assim, e para respeitarmos estes princípios se a decisão do julgador, estiver fundamentada na sua livre convicção e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso. Como se diz no acórdão da Relação de Coimbra, de 6 de Março de_2002 (C.J., ano XXV|II, 20, página 44) "quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum".
Ora, se atentarmos aos factos apurados e compulsada a fundamentação temos de concluir que os juízos lógico-dedutivos aí efectuados são acertados, designadamente no que se refere aos factos apurados e postos em questão pelo recorrente.
            O Sr juiz na decisão recorrida, nomeadamente, em sede de convicção probatória, explica de forma clara e coerente os seus juízos lógico-dedutivos, analisando cada uma das diversas provas tidas em consideração.
O recorrente com a sua argumentação apenas pretende e com já se referiu extrair dos elementos analisados uma diferente convicção.
O recorrente fez o seu próprio julgamento pretendendo, agora impor o seu próprio raciocínio.
A decisão recorrida encontra-se devidamente fundamentada, não apontando o recorrente qualquer fundamento válido que a possa abalar.
O recorrente ao impugnar a matéria de facto esquece elementos de prova nos quais o tribunal se baseou. É no conjunto de todos esses elementos que se fundamenta a convicção e não, apenas, num ou noutro dos mesmos elementos” (Rec nº 2541/2003).
É o que acontece no caso dos autos.
A crítica do recorrente, patenteia a sua discordância com a opção do Sr Juiz ao dar crédito aos depoimentos dos agentes da PSP da forma como o fez.
Ora, a matéria apurada baseia-se na prova testemunhal e documental produzida em julgamento. Tendo a factualidade apurada apoio na prova produzida e encontrando-se devidamente fundamentada, nada há a alterar. Na verdade, é o juiz de julgamento que tem em virtude da oralidade e da imediação, uma percepção própria do material probatório que nós, neste Tribunal, não temos. O juiz do julgamento tem um contacto vivo e imediato com todas as partes, ele questiona, ele recolhe todas as impressões e está atento a todos os pormenores.
O juiz perante dois depoimentos contraditórios por qual deve optar? “Esta é uma decisão do juiz do julgamento. “Uma decisão pessoal possibilitada pela sua actividade congnitiva, mas também por elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais.
Como refere Damião da Cunha (RPCC, 8º, 2º pg 259) os princípios do processo penal, a imediação e a oralidade, implicam que deve ser dada prevalência às decisões da 1ª instância” (Ac RP nº 6862/05).
Ora, analisando a decisão recorrida encontra-se devidamente fundamentada e, de forma exaustiva faz uma exposição dos motivos de facto que fundamentaram a decisão e faz um exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. A sentença recorrida indica de forma clara e na medida do que é necessário, as provas que serviram para a formação da convicção do tribunal.
O que o recorrente pretende é que o tribunal aprecie o depoimento dos agentes da PSP de acordo com a sua convicção. No entanto, da prova apurada, nomeadamente, conjugando os depoimentos destas testemunhas, bem como dos documentos junto aos autos, retira-se, sem qualquer dúvida, que o arguido praticou o crime que lhe é imputado.
O tribunal considerou o depoimento dos agentes isento e credível, que mostraram conhecimento dos factos.
            Estas duas testemunhas referiram que chegados ao local do acidente, logo após a ocorrência do mesmo, o arguido afirmou, sem dúvidas, ser o condutor do veículo em causa naquele momento e, desse modo, prontificou-se a efectuar o teste de alcoolemia, conforme resulta da notificação de fls 8 e declaração de fls 8, que se encontra assinado pelo arguido.
O facto de o arguido não se encontrar a conduzir o veículo, não é sinónimo de que o não fizesse.
O recorrente não prestou declarações e um arguido que mantém o silêncio em audiência não pode ser prejudicado, mas, também é certo que prescinde de dar a sua visão pessoal dos factos e de esclarecer pontos de que tem um conhecimento pessoal. Assim, não pode, depois, reclamar que foi prejudicado pelo seu silêncio.
            Portanto, tudo conjugado com as regras da experiência comum, a prova produzida em audiência de julgamento, quer prova testemunhal, quer a prova documental não poderia conduzir a outra apreciação e decisão senão aquela que foi proferida pela Meritíssima Juiz" a quo ".
            E este Tribunal da Relação apenas pode controlar e sindicar a razoabilidade da opção tomada pelo tribunal “a quo”, o bom uso do princípio da livre convicção, com base na motivação da sua escolha.
Ora, da motivação resulta que a convicção do tribunal não é puramente subjectiva, intuitiva e imotivável, mas antes resultou da livre apreciação da prova, da análise objectiva e critica da prova. A solução a que chegou o tribunal é razoável atendendo á prova produzida e está fundamentada. Na verdade, face a todo o material probatório tudo indica que o tribunal recorrido captou a verdade material.

O recorrente alega que existe insuficiência de prova para a decisão de facto proferida, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova, esquecendo-se que de acordo com o artº 410 do CPP, qualquer dos vícios consignados naquele nº 2 para relevar, têm que resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, ou seja, está vedada a possibilidade de consulta de outros elementos constantes do processo.
O recorrente frisa que o acórdão padece dos vícios constantes do art 410 nº 2 do CPP, no entanto, o que o recorrente faz é manifestar-se contra o modo como o tribunal fixou a matéria de facto.
Atento o que dispõe o art 339 nº 4 do CPP a discussão da causa tem por objecto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência.
Ora, só há insuficiência para a decisão da matéria de facto quando existe uma lacuna no apuramento da matéria de facto, necessária para a decisão de direito (proc. 48531 de 8/2/96); ou quando há uma lacuna por não se apurar o que é evidente que se podia apurar, ou quando o tribunal não investiga a totalidade da matéria de facto, podendo fazê-lo (proc. 147/96 de 23/10/96).
Esta insuficiência não se confunde com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida, a qual resulta da convicção do julgador e das regras de experiência.
No caso vertente, o tribunal apreciou os factos constantes da acusação que enumerou nos termos exigidos pelo art 374 nº 2 do CPP e os factos provados permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento.
A decisão recorrida é coerente, lógica, está bem estruturada e devidamente fundamentada.

Portanto, um tal vício só pode ter-se como evidente quando os factos provados forem insuficientes para justificar a decisão assumida.

Analisando os factos apurados temos de concluir que tudo o que era essencial foi devidamente apurado e são suficientes para se decidir.

Aliás, o recorrente, nem na motivação, nem nas conclusões refere quais os factos ou os elementos de onde, no texto da decisão recorrida, este vício resulta, nomeadamente, não diz o que falta, ou que devia ser investigado para decidir. Apenas refere que existe insuficiência.

Por outro lado, só há contradição insanável da fundamentação quando:
- se afirma e se nega ao mesmo tempo uma coisa ou uma emissão de duas proposições contraditórias que não podem ser simultaneamente verdadeiras e falsas.
            - sobre o mesmo facto ou sobre a mesma questão, constam, do texto da decisão posições antagónicas e inconciliáveis (Proc. 306/96 de 22/5/96);
            - haja oposição entre factos que mutuamente se excluem por impossibilidade lógica ou de outra ordem versarem a mesma realidade (proc. 48731 de 25/9/96);
            - tanto pode respeitar à fundamentação da matéria de facto como à contradição na própria matéria de facto (Proc. 440/96 de 3/10/96).
Ora, não se verifica qualquer contradição e muito menos insanável e só neste caso é que estaríamos perante um vício da sentença (art 410 nº 2 al b) do Código Processo Penal).

O recorrente frisa, ainda, que existe erro na apreciação da prova, no entanto, e como já se referiu, o que a recorrente faz é manifestar-se contra o modo como o tribunal fixou a matéria de facto.
Ora, vejamos:
Só há erro na apreciação da prova, quando:
- “há erro na crítica dos factos. Não se confunde com erro na sua apreciação em ordem a aplicar o direito;
- se decide contra o que resulta de elementos que constam dos autos e cuja força probatória não foi infirmada, ou de dados de conhecimento público generalizado;
- se emite juízo sobre a verificação ou não de certa matéria de facto e se torne incontestável a existência de tal erro de julgamento sobre a prova produzida;
- se afirma algo que se não pode ter verificado;
- se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável;
- se valoriza prova contra regras da experiência comum ou critérios legalmente fixados
- é um erro de raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da sentença. As provas revelam, claramente um sentido e a decisão extrai ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria de facto ou excluindo dela, algum facto essencial.
- Dá-se como provado o que notoriamente está errado, não pode ser.
No caso vertente não se verifica a existência deste vício.
O tribunal foi claro quanto à formação da sua convicção e que não nos merece qualquer dúvida ou censura.
Atento os factos apurados e compulsada a fundamentação do Tribunal não se vislumbra qualquer erro na apreciação da prova.
O que recorrente faz é a sua interpretação dos factos o que não corresponde ao que a sentença recorrida deu como provado.
Aliás, o Tribunal foi minucioso e cuidadoso no apuramento da matéria de facto, fez um exame crítico das provas e indicou as provas em que se fundou para formar a sua convicção, indicando a razão de ciência de cada uma das pessoas cujos depoimentos tomou em consideração.

Sustenta o recorrente que atendendo aos depoimentos das testemunhas, paira a dúvida sobre a imparcialidade e isenção da prova testemunhal. Assim, a única certeza que o julgador deve ter é a da existência e da obrigatoriedade da aplicação do princípio constitucionalmente assegurado da presunção da inocência e do “in dubio pro reo”.
A presunção da inocência é identificada com o princípio “in dubio pro reo”, “no sentido de que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido”.
O Tribunal de recurso apenas pode censurar o uso feito desse principio se da decisão recorrida resultar que o Tribunal a quo chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a ele, escolheu a tese desfavorável ao arguido (Ac STJ de 2/5/996 in CJ, ASTJ, Ano VI, 1º, pg, 177).
No caso “sub judice”, não há lugar a aplicação de tal princípio. Na verdade, as provas existentes nos autos são deveras convincentes e não criaram ao tribunal recorrido qualquer dúvida que levasse o mesmo a socorrer-se do referido princípio, de molde a proferir um juízo decisório favorável ao arguido.


Sustenta, o recorrente que o alcoolímetro com que efectuou o exame de pesquisa de álcool no sangue através do ar expirado não foi sujeito a verificação dentro de prazo imposto por lei. Assim, existe inobservância de formalidades legais imperativas relativas à operação de fiscalização a que foi sujeito, que determinam a nulidade daquele meio de prova, com a sua consequente absolvição, por não se poder atender àquela concreta taxa de álcool no sangue (TAS), ou seja, 1,77.
A questão, agora levantada, já foi amplamente estudada, existindo já jurisprudência que resolve a discussão em análise. Assim e a título de exemplo temos os Acórdãos desta Relação recurso nº 89/11.7GCGRD.C1, nº 191/11.5PAPBL.C1, 135/11.4GCPMS.C1de 26/9/2012 e 396/10.6GAPMS.C1 (www.dgsi,pt) e que seguiremos de perto.
Estatui o art. 152.º, n.º 1, al. a) do Código da Estrada (versão do DL n.º 44/2005, de 23-02):
«1 - Devem submeter-se às provas estabelecidas para a detecção dos estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas:
a) Os condutores;

(...)».
E dispõem os artigos 1.º, 2.º e 4.º do Regulamento de fiscalização da condução sob influência do álcool ou de substâncias psicotrópicas, anexo à Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio:
Art. 1.º:
«1 - A presença de álcool no sangue pode ser indiciada por meio de teste no ar expirado, efectuado em analisador qualitativo.
2 - A quantificação da taxa de álcool no sangue é feita por meio de teste no ar expirado, efectuado em analisador quantitativo, ou por análise de sangue.
3 - A análise de sangue é efectuada quando não for possível realizar o teste em analisador quantitativo».
Artigo 2.º:
«1 - Quanto o teste realizado em analisador qualitativo indicie a presença de álcool no sangue, o examinando é submetido a novo teste, a realizar em analisador quantitativo (...).
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o agente de autoridade acompanha o examinando ao local em que o teste possa ser efectuado, assegurando o seu transporte, quando necessário.
(...)».

Artigo 4.º:
«1 - Quando, após três tentativas sucessivas, o examinando não conseguir expelir ar em quantidade suficiente para a realização do teste em analisador quantitativo, ou quando as condições físicas em que se encontra não lhe permitam a realização de teste, é realizada análise de sangue.
(…)».

A análise complexiva dos preceitos supra citados, por si e na sua interligação, desde logo permite ver o alcance e a teleologia que lhe estão subjacentes.
Esquematicamente, e na vertente correlacionada com o caso dos autos, a detecção qualitativa de álcool no sangue pode fazer-se com recurso ao teste de ar expirado, com utilização de aparelho aprovado para o efeito.
Quando qualitativamente indiciada a presença de álcool no sangue, o examinando é submetido a novo teste, este destinado a determinar o valor daquela substância no sangue.
Em consonância com o prescrito no artigo 153.º do Código da Estrada, estabelece o artigo 14.º, n.º 1, do dito Regulamento: «nos testes quantitativos do álcool no ar expirado só devem ser utilizados analisadores que obedeçam às características fixadas em regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária». Perante o disposto no n.º 2 da mesma norma, tal aprovação é precedida de homologação de modelo pelo IPQ, nos termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros.
O regime legal do controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição envolvidos em «operações comerciais, fiscais ou salariais, ou utilizados nos domínios da segurança, da saúde ou da economia de energia, bem como das quantidades dos produtos pré-embalados e, ainda, dos bancos de ensaio e demais meios de medição abrangidos no artigo 6.º», está previsto no DL n.º 291/90, de 20 de Setembro.
À luz deste diploma, os alcoolímetros quantitativos dever ser sujeitos às seguintes operações de controlo: aprovação de modelo”, “primeira verificação”, “verificação periódica” e “verificação extraordinária” (artigo 1.º, n.º 3).
A configuração do caso concreto remete-nos para a “verificação periódica”, que consiste no «conjunto de operações destinadas a constatar se os instrumentos de medição mantêm a qualidade metrológica dentro das tolerâncias admissíveis relativamente ao modelo respectivo (…)» (artigo 4.º, n.º 1).
«A verificação periódica é válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização, salvo regulamentação específica em contrário» (artigo 4.º, n.º 5).
No que concerne aos alcoolímetros quantitativos ou analisadores quantitativos, entendendo-se estes como «os instrumentos destinados a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado» (artigo 2.º, n.º 1, da Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro), o controle metrológico é da competência do Instituto Português da Qualidade, I.P. - IPQ (artigo 5.º, n.º 1) e compreende as operações de aprovação de modelo, primeira verificação, verificação periódica e verificação extraordinária (artigo 5.º, n.º 2), sendo que, em conformidade com o artigo 7.º, n.º 2, «a verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação do modelo».
No Ac. desta Relação de Coimbra, de 13-12-2011 (processo n.º 89/11.7GCGRD.C1, in www.dgsi.pt), está consignado:

«O Dec. Lei n.º 291/90, de 20 de Setembro, como já tivemos oportunidade de referir, estabelece o regime de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição em Portugal. Por isso, o seu universo de aplicação, quanto aos instrumentos de medição, é muitíssimo mais vasto do que o campo específico dos analisadores quantitativos, razão pela qual nenhum sentido faria que um diploma legal com tal amplitude, estabelecesse a frequência temporal da verificação periódica especificamente aplicável a cada grupo de aparelhos abrangido pelo seu vasto campo de aplicação. Daí que se tenha limitado a fixar o termo do período de validade de cada verificação periódica, fazendo-o coincidir com o último dia do ano seguinte ao da sua realização (art. 4.º, n.º 5).
Já o RCMA, como aliás, seria expectável, estabeleceu a frequência temporal da verificação periódica para os únicos aparelhos abrangidos pelo seu campo de aplicação, os analisadores quantitativos (art. 7.º, n.º 2), sem fixar, por outro lado, qualquer prazo de validade da mesma [o que bem se compreende, pois o diploma regulamentado já o havia fixado]. Ou seja, enquanto o Dec. Lei n.º 291/90, de 20 de Setembro fixou o termo do período de validade de cada verificação periódica, relativamente a todos os aparelhos de medição, o RCMA fixou apenas a frequência temporal da verificação periódica dos alcoolímetros quantitativos, o que vale dizer que não existe sequer intersecção parcial entre o âmbito de previsão das duas normas referidas.

Daí que, o art. 7.º, n.º 2 do RCMA, não constitua uma regulamentação específica em contrário, relativamente ao art. 4.º, n.º 5, do Dec. Lei n.º 291/90, de 20 de Setembro.
E por isso, quando no art. 7.º, n.º 2, do RCMA se lê que a verificação periódica é anual, o sentido a extrair da frase, tendo em conta a presunção do art. 9.º, n.º 3 do C. Civil, é o de que a verificação periódica tem lugar todos os anos ou seja, que os alcoolímetros a ela têm que ser submetidos, pelo menos uma vez, em cada ano civil. Com efeito, pretender ler na norma, como faz o recorrente, que entre as sucessivas verificações periódicas do mesmo alcoolímetro não pode decorrer mais de um ano ou seja, não podem decorrer mais de 365 dias contados dia a dia, é dar-lhe, ressalvado sempre o devido respeito, interpretação que ela, manifestamente, não comporta pois não tem na letra da lei um mínimo de correspondência verbal.
Desta forma, no que aos alcoolímetros quantitativos respeita, podemos fixar as seguintes regras:
- Estão sujeitos a uma verificação periódica anual, isto é, a realizar todos os anos civis (art. 7.º, n.º 2, do RCMA, aprovado pela Portaria 1556/2007, de 10 de Dezembro);
- Cada verificação periódica é válida até ao dia 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização (art. 4.º, n.º 5, do Dec. Lei n.º 291/90, de 20 de Setembro)».
Perante a argumentação supra exposta, que temos como particularmente explícita e convincente, apenas nos resta dizer que, sem qualquer restrição, com ela concordamos.
Assim, tendo o alcoolímetro quantitativo, Drager 7110 MK III, com o qual o arguido foi submetido a exame de pesquisa de álcool, sido submetido a verificação periódica em 10 de Dezembro de 2009, quando aquele exame teve lugar, em 17 de Dezembro de 2010, estava em curso o período de validade da verificação, o qual só terminaria em 31 de Dezembro de 2010.
Portanto, a verificação anual é uma verificação em cada ano civil.
Assim, estava a vigorar a verificação periódica.

No que aos alcoolímetros quantitativos respeita, podemos fixar as seguintes regras:
- O controlo metrológico dos alcoolímetros é da competência do Instituto Português da Qualidade, I. P. — IPQ (art. 5 dp RCMA, aprovado pela Portaria 1556/2007, de 10 de Dezembro);
- Os alcoolímetros estão sujeitos a aprovação de modelo, que é válida por 10 anos (art. 6 do RCMA);
- Estão sujeitos a uma verificação periódica anual, isto é, a realizar todos os anos civis (art. 7, nº 2, do RCMA);
- Cada verificação periódica é válida até ao dia 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização (art. 4, nº 5, do Dec. Lei nº 291/90, de 20 de Setembro).
Logo, a valoração pelo tribunal a quo do resultado do exame não significou valoração de prova proibida, podendo e devendo, ao invés, a prova (documento e auto de notícia, manifestamente elucidativos, já acima indicados) ser valorada, como sucedeu, nos termos dos arts. 125.º e 127.º, do C. Processo Penal.
No trabalho “A ALCOOLEMIA E O CONTROLO METROLÓGICO DOS ALCOOLÍMETROS”, por António Cruz, Maria do Céu Ferreira e Andreia Furtado (respetivamente, Diretor do Departamento de Metrologia do IPQ, Responsável pelo Laboratório de Química-Física do IPQ e Técnica Superior do Laboratório de Química-Física do IPQ) refere-se:
 “De acordo com a regulamentação geral e específica do Controlo Metrológico dos Instrumentos de Medição, regulados pelo Decreto-Lei 291/90, de 20 de Setembro e pela Portaria 962/90, de 9 de Outubro, os alcoolímetros são submetidos a um conjunto de operações. Previamente à sua colocação no mercado, uma Aprovação de Modelo (AM) é efetuada pelo IPQ. Antes de serem colocados em serviço, ou após uma avaria, uma Primeira Verificação (PV) é efetuada e, durante toda a sua vida útil, uma Verificação Periódica (VP) anual é efetuada. O ano de realização da PV dispensa a da VP. Uma VP é válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização. Uma Verificação Extraordinária (VE) pode também ser solicitada a qualquer momento, nomeadamente por um particular e, no caso do resultado ser conforme à legislação em vigor, dispensa a realização da VP no mesmo ano. Com efeito, tem os mesmos ensaios e a mesma validade que a VP. No caso do resultado não ser conforme à legislação, é anulada a sanção originada pelo alcoolímetro correspondente que, para ser utilizado novamente deverá ser reparado e submetido a uma PV. Qualquer operação do Controlo Metrológico é objeto da emissão dum Certificado de Verificação pelo IPQ e pela colocação de selos que tornam o instrumento inviolável, correspondentes ao tipo da operação e ao ano da sua realização. (…) Todo este quadro regulamentar, de acordo com os princípios gerais do Controlo Metrológico, proporciona às partes envolvidas na utilização dos aparelhos uma garantia do Estado de que funcionam adequadamente para os fins respetivos e as respetivas indicações são suficientemente rigorosas para a determinação dos valores legalmente estabelecidos”.
Logo, a valoração pelo tribunal a quo do resultado do exame não significou valoração de prova proibida nem determinou a verificação de qualquer nulidade, podendo e devendo ser valorada, como foi, nos termos dos arts. 125 e 127, do C. P.P..
O arguido, embora pudesse ter questionado o resultado do teste, solicitando a realização de contraprova, por análise sanguínea, também, não o fez.

Sustenta ainda, o recorrente, que não agiu com dolo e como tal, o tribunal não poderia ter aplicado a medida da pena com base na conduta dolosa do arguido, visto que não houve dolo, sendo que a pena aplicada é excessiva.

No que respeito ao elemento subjectivo é de notar que este, não é susceptível de apreensão directa por pertencer ao foro íntimo de cada um, pelo que só pode ser captado através de presunções legais, em conexão com o princípio da normalidade e as regras da experiência que permitam inferi-lo a partir de factos materiais comuns entre os quais avulta o preenchimento da materialidade da infracção.
Portanto, a partir de determinados factos e à luz das regras da experiência podemos concluir pela intencionalidade pela forma como agiu o arguido. Portanto, a intenção com que o recorrente agiu retira-se, extrai-se, da matéria de facto. É através da realidade factual que lhe está subjacente que o Tribunal e recorrendo às regras da experiência tem de concluir pela intencionalidade ou não do agente.
E é óbvio que alguém que actua na forma e nas circunstâncias em que o arguido o fez, o fez de forma livre, voluntária e consciente. O arguido conduzia um veículo e, para tal, estava devidamente habilitado, por isso tinha de saber as regras que norteiam a condução de um veículo, nomeadamente, que a condução sob o efeito de álcool não é permitida e é um dos factores mais relevantes da sinistralidade automóvel. O arguido sabia que bebendo, não podia conduzir.
Na aplicação da medida da pena deve ter-se em conta o disposto no art. 71 do C. Penal.
Aí se diz – no seu nº 1 – que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (geral e especial).
Visando-se, com a aplicação das penas, a proteção de bens jurídicos e a reintegração social do agente, art. 40 nº1 do Cód. Penal.
No que se refere à prevenção geral, haverá que dizer que esta radica no significado que a "gravidade do facto" assume perante a comunidade, isto é, importa aferir do significado que a violação de determinados bens jurídico penais tem para a comunidade e satisfazer as exigências de proteção desses bens na medida do necessário para assegurar a estabilização das expectativas na validade do direito (cfr. ANABELA RODRIGUES, A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade, Coimbra, 1995, págs. 371 e 374) ou, por outra forma, a consideração da prevenção geral procura dar "satisfação à necessidade comunitária de punição do caso concreto, tendo-se em conta de igual modo a premência da tutela dos respetivos bens jurídicos" (Ac. STJ de 4-7-1996, CJSTJ, II, p. 225).
Sendo que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa, art. 40 nº 2 do C. Penal.
Decorre, assim, de tais normativos que a culpa e a prevenção constituem os parâmetros que importa ter em apreço na determinação da medida da pena.
Na determinação concreta da pena, o tribunal atende a todas as circunstâncias, que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele – art. 71 nº 2 do C. Penal.
Enunciando-se, de forma exemplificativa, no mesmo nº 2 quais as circunstâncias que podem ter tal função.
Há que ter em conta as finalidades da prevenção, quer geral, quer especial, incentivar nos cidadãos a convicção que comportamentos deste jaez são punidos, assim como há que dissuadir o arguido para que não volte a prevaricar.
A pena só cumpre a sua finalidade enquanto sentida como tal pelo seu destinatário – cfr. Ac. desta Relação de 7-11-1996, in Col. jurisp. tomo V, 47.
Atenta a natureza de uma pena ou sanção, o condenado tem de senti-la sob pena de se poder traduzir em “absolvição encapotada”, e não surtir o efeito pretendido pela lei. As penas têm essa designação, de outro modo não o seriam, nem constituiriam dissuasor necessário para prevenir as infrações, se não forem sentidas como tal, quer pelo agente, quer pela comunidade em geral.
O Tribunal atendeu à taxa de álcool apresentada pelo arguido, à gravidade média dos factos e ás fortes exigências de prevenção, assim como, teve em atenção a ausência de antecedentes criminais, a inserção familiar e escolar do arguido.
Face ao exposto, temos que a pena aplicada não se mostra nada exagerada, mas antes bem doseada e bem merecida e adequada à culpa do arguido.
Sendo a pena de multa até 120 dias, pena de 70 dias não é exagerada, tendo em conta a taxa de alcoolemia e o facto de ser interveniente em acidente de viação.

Por outro lado, entende o recorrente que a sanção da inibição aplicada se encontra desajustada, por exagerada.
O período de inibição será fixado entre o período de 3 meses e 3 anos –art. 69 do CP.
Tendo em conta o teor de álcool no sangue do arguido quando conduzia, e as necessidades de prevenção da perigosidade, bem como a culpa, temos como nada exagerada (podendo até considerar-se branda) a sanção de inibição aplicada em concreto.
O exercício da condução, só por si já encerra perigo, sendo desnecessário potenciar esse perigo, nomeadamente através da ingestão de bebidas alcoólicas que determinem taxa de álcool no sangue superior ao legalmente estabelecido.
Visando-se com a aplicação das penas a proteção de bens jurídicos e a reintegração social do agente, art. 40 nº1 do Cód. Penal, quanto á sanção de inibição deve ter-se, ainda, em conta a perigosidade do agente.
Sendo que, em caso algum, a pena (sanção) pode ultrapassar a medida da culpa, art. 40 nº 2 do C. Penal.
Tendo em conta estes considerandos, importa ponderar que as exigências de prevenção neste tipo de situações demandam uma severa punição (para os casos graves e não no limiar mínimo como pretende o recorrente), atento o número de sinistros rodoviários em Portugal, onde anualmente são ceifadas número elevado de vidas, muitas vezes causados pelo excesso de álcool.
Há que ter em conta as finalidades da prevenção, quer geral, quer especial, incentivar nos cidadãos a convicção que comportamentos deste jaez são punidos e que também visam diminuir o índice de sinistralidade rodoviária, que é elevadíssimo e preocupante, assim como há que dissuadir o arguido para que não volte a prevaricar.
Tem de se ter em conta o grau de alcoolemia.
A pena acessória só faz sentido enquanto sentida como tal pelo seu destinatário, e visa essencialmente prevenir a perigosidade do agente – cfr. Ac. desta Relação de 7-11-1996, in Col. jurisp. tomo V, 47.
Como salienta o prof. Figueiredo Dias in Direito Penal Português- As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 165, a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados tem como pressuposto material “a circunstancia de, consideradas as circunstâncias do facto e da personalidade do agente, o exercício da condução se revelar especialmente censurável”, donde que “então essa circunstância vai elevar o limite da culpa do (ou pelo) facto”, acrescentando, “por isso, à proibição de conduzir deve também assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa".
O crime cometido pelo arguido é punível com pena de inibição (corresponde uma sanção abstrata de proibição de conduzir veículos com motor), por um período entre 3 meses e 3 anos.
Também a inserção familiar e social são tidos em conta na medida da sanção a aplicar.
A medida da inibição oscila entre 3 meses e 3 anos.
Tem de ter-se em conta a taxa de alcoolemia apurada, 1,77g/l.
Tem de se ter em conta a necessidade de, ponderando as especificidades de cada caso, aplicar sanção equivalente para taxas de alcoolemia equivalente, e não haver grande disparidade na jurisprudência.

Tendo em conta as várias situações com que já nos deparamos, ponderando a culpa do agente bem como as necessidades de prevenção, temos que não é nada exagerada a sanção da inibição de conduzir veículos motorizados aplicada na sentença, e face aos factos apurados.
Já foi decidido por esta Relação:
Recurso 1611/04, taxa de 1,67g/l, sanção de inibição por 6 meses (confirmação);
Recurso 2420/04, taxa de 1,54g/l, sanção de inibição por 4,5 meses (confirmação);
Recurso 3457/04, taxa de 1,81g/l, sanção de inibição por 5 meses e 15 dias (confirmação);
Recurso 3108/05, taxa de 1,84g/l, sanção de inibição por 6 meses;
Recurso 2617/05, taxa de 2,76g/l, sanção de inibição por 8 meses (na 1ª instância havia sido condenado em 4 meses e 15 dias!!!);
Recurso 1992/05, taxa de 1,44g/l, sanção de inibição por 6 meses (na 1ª instância havia sido condenado em 7 meses);
Assim, entendemos como sanção acessória adequada aos factos apurados na audiência de julgamento a medida de inibição de condução de veículos motorizados a aplicada na sentença e em nada exagerada.
***
Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida.

Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 4 uc (artº 513 do CPP e artº 8º nº 5 e tabela III do RCP)                               
                                              
                                                                                 

                                                           Coimbra,
                                                          
                                                                                              Alice Santos

                                                                                              Belmiro Andrade



[i] A Jurisprudência citada sem menção de origem encontra-se disponível em www.dgsi.pt.