Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
85/11.4YRCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: INSOLVÊNCIA
APENSAÇÃO
CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Data do Acordão: 06/13/2011
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: COIMBRA - PROCURADORIA-GERAL DISTRITAL
Texto Integral: S
Meio Processual: CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Decisão: DECLARAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA
Legislação Nacional: ARTS.85, 90, 128 CIRE, 98, 111, 121 CPC
Sumário: I - Nos termos do artigo 85.º do CIRE, quem decide sobre a conveniência da apensação de um outro processo ao processo de insolvência é o juiz deste último processo.

II - Se a decisão for tomada pelo juiz do processo que se pretende apensar ao processo de insolvência, esta decisão não vincula o juiz da insolvência.

III - Se o juiz do processo de insolvência não receber o processo e ambas as decisões transitarem em julgado, o conflito resolve-se no sentido da acção continuar a correr termos no tribunal onde havia sido instaurada.

Decisão Texto Integral: *
A questão a decidir reveste simplicidade não se justificando a intervenção do colectivo de juízes. Por conseguinte, ao abrigo do disposto nos artigos 700.º, n.º1, al. g) e 705 do Código de Processo Civil, decide-se o conflito negativo de competência sumariamente.

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Sumário:

I - Nos termos do artigo 85.º do CIRE, quem decide sobre a conveniência da apensação de um outro processo ao processo de insolvência é o juiz deste último processo.

II - Se a decisão for tomada pelo juiz do processo que se pretende apensar ao processo de insolvência, esta decisão não vincula o juiz da insolvência.

III - Se o juiz do processo de insolvência não receber o processo e ambas as decisões transitarem em julgado, o conflito resolve-se no sentido da acção continuar a correr termos no tribunal onde havia sido instaurada.


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Requerente……………………Ministério Público.

Entidades em Conflito…….Juízo de Comércio da Comarca do Baixo-Vouga (Proc. n.º 1889/08.0TBOVR) e Juízo de Grande Instância Cível de Aveiro – juiz 2 (Proc. n.º 1314/07.4TBOVR)


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I. Relatório.

a) Através do presente processo o Ministério Público vem requerer a resolução de um conflito negativo de competência que existe entre o Juízo de Comércio da Comarca do Baixo-Vouga e o Juízo de Grande Instância Cível de Aveiro – juiz 2.

b) O conflito consiste no seguinte:

No decurso da audiência de julgamento do processo n.º 1314/07.4TBOVR, uma acção com processo ordinário, pendente no Juízo de Grande Instância Cível de Aveiro – juiz 2, em que é autora (…) Lda., e Ré a sociedade (…) Lda., soube-se que a autora tinha sido declarada em situação de insolvência e colocou-se a questão da eventual inutilidade da lide, razão que levou a dar sem efeito a continuação da audiência (acta do dia 15 de Dezembro de 2009 – fls. 804).

Mais tarde, em 2 de Junho de 2009, o Sr. administrador da massa insolvente relativa à autora requereu no processo n.º 1314/07.4TBOVR a apensação deste processo ao processo de insolvência da autora, que corria, sob o n.º 1889/08.0TBOVR, no Juízo de Comércio da Comarca do Baixo -Vouga, alegando que no processo n.º 1314/07.4TBOVR se apreciavam questões que podiam afectar o valor da massa insolvente.

Entretanto, como a ré também se encontrasse em estado de insolvência, no despacho de 8 de Setembro de 2010 considerou-se que o crédito invocado pela autora neste processo n.º 1314/07.4TBOVR não tinha sido reclamado no processo de insolvência relativo à ré.

Verifica-se, ainda, que a ora ré deduziu nos presentes autos pedido reconvencional contra a autora.

No despacho de 14 de Outubro de 2010 considerou-se que na presente acção a autora pede, no confronto com a ré, que se declare que a autora é proprietária de bens que podem integrar a massa insolvente da autora e que tais bens sejam devolvidos a esta massa insolvente.

 Decidiu-se: «…atento o requerido pelo ex.mo administrador da insolvência, ao abrigo do disposto no artigo 85.º do Código da Insolvência e da recuperação de Empresas, determina-se a remessa dos presentes autos para apensação ao processo n.º 1889/08.0TBOVR, a correr termos pelo Juízo de Comércio desta Comarca».

Recebido o processo no Juízo do Comércio de Aveiro foi proferida decisão no sentido deste tribunal não ter competência em razão da matéria para a tramitação do processo e realização do respectivo julgamento.

Argumentou-se, em síntese, que a audiência iniciada no processo n.º 1314/07.4TBOVR tinha de ser concluída pelo mesmo juiz que a havia começado, como dispõem os artigos 654.º e 656.º do Código de Processo Civil e, por outro lado, o artigo 85.º do CIRE reserva ao juiz da insolvência a competência para decidir sobre a conveniência da apensação das acções onde se discutam questões que possam influenciar o valor da massa.

Tendo transitada ambas as decisões a acção ficou paralisada por se encontrar submetida a decisões contraditórias, no que respeita ao tribunal onde deve correr termos.

II. Objecto do processo.

Como resulta do exposto, o presente processo respeita à resolução do conflito de competência existente entre os dois tribunais com o fim de definir em qual deles deve prosseguir a tramitação do processo.

Não se trata de um conflito genuíno de competência, pois o tribunal da insolvência é competente para conhecer de qualquer processo de natureza patrimonial onde se apreciem questões relativas à massa insolvente, como resulta do disposto no artigo 85.º do CIRE.

E resulta deste mesmo artigo que o tribunal da acção tem competência para continuar a tramitar a acção até a mesma ser solicitada, se o for, pelo tribunal da insolvência.

Porém, como se vê pelo disposto no artigo 121.º do Código de Processo Civil, as regras dos conflitos de competência aplicam-se a quaisquer casos em que surja um conflito entre tribunais relativamente à questão de saber qual deles deve tramitar certo processo.

E no presente caso existe efectivamente um conflito que cumpre dirimir.

III. Fundamentação.

1. A matéria factual relevante para a questão a decidir é a que fica descrita no relatório que antecede.

2 - Passando à análise da questão objecto do processo.

A questão que se suscita neste processo insere-se na problemática geral do regime processual a que devem ser submetidas as acções declarativas em que uma das partes foi declarada insolvente.

No n.º 1 do artigo 85.º do CIRE incluem-se quer as acções em que o insolvente é réu, quer aquelas em que é autor, apenas interessando que o administrador da insolvência requeira a sua apensação ao processo de insolvência com fundamento na conveniência da apensação para os fins do processo de insolvência.

São possíveis dois tipos de hipóteses, consoante o insolvente seja autor ou réu.

Se o insolvente é réu, cumpre ainda distinguir os casos em que a acção declarativa (a apensar) é anterior e os casos em que ela é posterior à declaração de insolvência.

Com efeito, o regime não é exactamente o mesmo no aspecto processual.

Se a acção declarativa já estava pendente antes de declarada a insolvência aplicam-se fundamentalmente as normas dos artigos 85.º a 88.º, 90.º e 128.º do CIRE.

Se a acção foi instaurada após o réu ter sido declarado insolvente, apenas se aplicam as normas dos artigos 90.º e 128.º do CIRE, já não as dos artigos 85.º a 88.º do CIRE.

A diferença entre ambas situações resulta do facto de que, estando a acção declarativa pendente quando o processo de insolvência foi instaurado, tal acção, quando foi instaurada, não infringiu quaisquer regras processuais atinentes à situação.

Porém, se o processo de insolvência já estava pendente quando a acção declarativa foi instaurada, o Autor dessa acção infringiu o disposto no artigo 90.º do CIRE, preceito onde de proclama que «Os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência».

Sendo as situações diferentes, uma violadora da lei e a outra conforme a ela, as soluções jurídicas tenderão a reflectir esta diversidade.

Porém, como no caso presente o insolvente ocupa a posição de autor, não cumpre ir mais além do já dito em relação às hipóteses em que o insolvente é réu, pois não é o caso que interessa a este processo.

No caso, a parte insolvente tem a posição de autora.

E, frisa-se, a remessa do processo ao tribunal do comércio baseou-se no facto da autora ter sido declarada insolvente e não no facto de haver um pedido reconvencional contra a autora que, por ter sido declarada insolvente tinha de ser conhecido no tribunal da insolvência.

Cumpre referir que num processo em que há reconvenção, esta fica subordinada à sorte da acção, regra que se retira do disposto no n.º 1 do artigo 98.º do Código de Processo Civil, onde se determina que «O tribunal da acção é competente para as questões deduzidas por via de reconvenção, desde que tenha competência para elas em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia; se a não tiver, é o reconvindo absolvido da instância».
Face a esta norma, verifica-se, efectivamente, que é o pedido da acção que determina a competência do tribunal e não o inverso, pois se não houver compatibilidade entre eles em termos de competência do tribunal o pedido reconvencional não segue.

No presente caso, como a insolvente tem o estatuto de autora, a acção pode perfeitamente continuar a correr termos no tribunal onde foi instaurada, já que nenhuma razão em especial implica que deva ser apensada aos autos de insolvência, como ocorre nos casos em que a insolvente é ré, pois, nestes casos, a lei obriga o titular do crédito contra o insolvente a reclamá-lo no processo de insolvência, ainda que conste já de uma sentença transitada em julgado, o que se compreende, já que o caso julgado formado por essa sentença não é oponível aos restantes credores do insolvente e daí que careça de ser reclamado na insolvência para poder ser submetido à impugnação dos demais credores e oposto a estes.

Acresce que, nos termos do artigo 85.º do CIRE, quem decide da conveniência da apensação é o juiz do processo de insolvência, claro está, depois de isso ter sido solicitado pelo administrador.

Por conseguinte, o despacho proferido no processo em que a insolvente é autora não vincula o juiz do processo de insolvência.

Os tribunais são órgãos de soberania, como proclama o n.º1 do artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, o que implica que a decisão tomada por um tribunal só se imponha a outro tribunal quando isso mesmo é declarado na lei.

Ora, nesta matéria, não existe uma norma como a que consta do n.º 2 do artigo 111.º do Código de Processo Civil, onde se dispõe que suscitada a excepção da incompetência territorial de um tribunal em certo processo, «A decisão transitada em julgado resolve definitivamente a questão da competência, mesmo que esta tenha sido oficiosamente suscitada», o que significa que quando um tribunal declara territorialmente competente outro tribunal e a decisão transita em julgado, este último não possa suscitar de novo a questão da (sua) (in)competência territorial.

Chegando-se a este resultado, nada mais se torna necessário dizer para concluir que a decisão tomada no processo n.º 1314/07.4TBOVR não pode produzir definitivamente os efeitos aí declarados, por não ser vinculativa para o tribunal da insolvência e por competir a este tomar a decisão sobre a conveniência ou inconveniência da apensação da acção ao processo de insolvência.

Por conseguinte, se o tribunal da insolvência decide não admitir a apensação do processo, este tem de continuar no tribunal onde foi instaurado, sem prejuízo de, a todo o tempo, o tribunal da insolvência poder vir a entender que há conveniência na apensação.

Não estamos, por isso, como acima se referiu, perante um verdadeiro conflito de competência.

O que sucede é que o poder de ordenar a apensação do processo n.º 1314/07.4TBOVR ao processo de insolvência da ora autora pertence apenas ao juiz deste processo e a decisão tomada sobre esta matéria noutro tribunal não o vincula.

IV. Decisão.

Considerando o exposto, decide-se o conflito no sentido do processo prosseguir os seus termos no Juízo de Grande Instância Cível de Aveiro – juiz 2 (Proc. n.º 1314/07.4TBOVR)

Sem custas.


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Alberto Ruço ( Relator )