Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4/02.9IDMGR.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS TEIXEIRA
Descritores: ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
CONTAGEM DOS PRAZOS
Data do Acordão: 05/30/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA MARINHA GRANDE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ALTERADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 21º Nº 1 E 105º Nº 4 DO RGIT
Sumário: 1- O prazo de 90 dias a que alude o artº 105º nº 4 do RGIT, não deve ser tido em conta para efeitos de contagem do prazo de prescrição do procedimento criminal, pois aquele constitui uma condição objetiva de punibi­lidade que não impede o exercício da ação penal, apenas impedindo que possa ter lugar a punição;
2- Tal prazo de prescrição inicia-se na data em que o crime se consumou, isto é em que termina o prazo para o cumprimento dos respetivos deveres tributários.
Decisão Texto Integral: 1. No processo nº 4/02.9IDMGR do Tribunal Judicial da Marinha Grande em que, entre outros, são arguidos,
A... e
W..., Ldª, melhor ids. nos autos,
procedeu-se a julgamento e a final foi decidido:
1.1. Condenar a arguida W..., Ldª, nas seguintes penas:
- pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada pp. pelo artigo 105º, n.º 1 e 15º, nº 1, do RGIT, na pena de 360 dias de multa à taxa diária de 7,00 euros.
- pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social na forma continuada pp. pelo artigo 105º, n.º 1 do RGIT, ex vi do artigo 107º, nº 1 e 15º, nº 1, do RGIT, na pena de 480 dias de multa à taxa diária de 7,00 euros.
Em cúmulo, na pena única de 700 dias de multa à taxa diária de 7,00 euros.

1.2. Condenar o arguido A... nas seguintes penas:
- pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada pp. pelo artigo 105º, n.º 1 do RGIT, na pena de 180 dias de multa à taxa diária de 5,00 euros.
- pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social na forma continuada pp. pelo artigo 105º, n.º 1 do RGIT, ex vi do artigo 107º, nº 1 do RGIT, na pena de 240 dias de multa à taxa diária de 5,00 euros.
Em cúmulo, na pena única de 350 dias de multa à taxa diária de 5,00 euros.

1.3. Condenar os demandados W..., Ldª. e A..., solidariamente, a pagar ao Instituto de Segurança Social, I.P., as quantias referidas no quadro inserto no ponto 10 dos factos provados, as quais totalizam € 68.862,85, bem como os juros de mora vencidos e vincendos à taxa prevista pela aplicação conjugada dos artigos 805º, nº 2, al. a) e 806º, nº 1, do Código Civil, 5º, nº 3, do DL nº 103/80, de 9 de Maio, 16º, nºs 1 e 2 do DL nº 411/91 de 17 de Outubro e 10º, nº 2, do DL nº 199/99, de 8 de Junho, até efectivo e integral pagamento.

2. Da sentença recorreu o arguido A..., que suscitou as seguintes questões:

2.1. A não exigência ou ilegalidade do pedido de indemnização civil contra o recorrente no processo-crime.

2.2. A prescrição dos juros.

3. Foi proferido acórdão por este Tribunal da Relação de Coimbra – fls. 1396 a 1409 -, que julgou improcedente o recurso no que respeita às questões suscitadas no mesmo.

4. Notificado que foi deste acórdão, vem agora o recorrente suscitar a nulidade de omissão de pronúncia com o fundamento de que deveria este Tribunal ter apreciado a questão da prescrição do procedimento criminal, ex officio, pois o prazo máximo para o efeito é de 10 anos e 6 meses, a saber: 5 anos do prazo normal de prescrição, mais 3 anos do tempo de suspensão do prazo de prescrição, a que acresce mais metade do prazo de prescrição, ou seja, 2 anos e 6 meses.

Pelo que, quer a prescrição do IVA quer do IRS, estão verificadas.

Quanto às prestações para a Segurança social estarão prescritas quanto às prestações calculadas até Setembro de 2001.

Por sua vez, morrendo o crime, também se extinguirá o pedido de indemnização civil dada a conexão entre um e outro.

5. Respondeu o Ministério Público, dizendo:

Concorda com o prazo de prescrição indicado pelo recorrente, ou seja, de 10 anos e 6 meses.

No entanto, está em desacordo quanto às datas da prática dos factos.

Trata-se de crimes na forma continuada, o que, nos termos do artigo 119º, nº2, alínea b), do Código Penal leva a que a data da prática do crime é a data da prática do último acto.

Contudo, os crimes só se consumam decorridos que sejam 90 dias após a data em que deveria ser cumprida a obrigação e ainda depois da notificação para o seu pagamento em 30 dias.

Só depois de verificados todos estes prazos que respeitam a condições objectivas de punibilidade se pode falar da sua consumação.

Assim sendo, à data em que foi proferido este acórdão do Tribunal da Relação não se encontravam ainda decorridos os prazos indicados pelo arguido recorrente pelo que não tinha a decisão que se pronunciar sobre a prescrição, não existindo, consequentemente, a invocada nulidade por omissão de pronúncia.

Pelo que deve ser mantida a decisão proferida.

6. Colhidos novos vistos, cumpre decidir, de novo, em conferência.


II

Apreciando:
Prescrição do procedimento criminal.
1. A questão da prescrição está inevitavelmente ligada ao decurso do tempo, estabelecendo a lei determinados prazos a partir dos quais se entende que o “poder punitivo” do Estado já não se justifica, deixou de ter sentido.
Quanto à essência da prescrição, diz o Prof. Figueiredo Dias in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pg. 699:

“ A prescrição justifica-se, desde logo, por razões de natureza jurídico-penal substantiva. É óbvio que o mero decurso do tempo sobre a prática de um facto não constitui motivo para que tudo se passe como se ele não houvesse ocorrido; considera-se, porém, que uma tal circunstância é, sob certas condições, razão bastante para que o direito penal se abstenha de intervir ou de efectivar a sua reacção. Por um lado, a censura comunitária traduzida no juízo de culpa esbate-se, se não chega mesmo a desaparecer. Por outro lado, e com maior importância, as exigências de prevenção especial, porventura muito fortes logo a seguir ao cometimento do facto, tornam-se progressivamente sem sentido e podem mesmo falhar completamente os seus objectivos: quem fosse sentenciado por um facto há muito tempo cometido e mesmo porventura esquecido, ou quem sofresse execução de uma reacção criminal há muito tempo já ditada, correria o sério risco de ser sujeito a uma sanção que não cumpriria já quaisquer finalidades de socialização ou de segurança. Finalmente e sobretudo, o instituto da prescrição justifica-se do ponto de vista da prevenção geral positiva: o decurso de um largo período sobre a prática de um crime ou sobre o decretamento de uma sanção não executada faz com que possa falar-se de uma estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, já apaziguadas ou definitivamente frustradas.

Por todas estas razões, a limitação temporal da perseguibilidade do facto ou da execução da sanção liga-se a exigências político-criminais claramente ancoradas na teoria das finalidades das sanções criminais e correspondentes, além do mais, à consciência jurídica da comunidade”.

2. A razão de ser da prescrição mostra-se igualmente bem justificada no ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 14.12.2011, proferido no proc. nº 712/00.9JFLSB-Q.L1-3, consultável na base de dados do ITIJ, onde se firma, a propósito, o seguinte:

I No Estado Democrático de Direito, é dever estatal e, portanto, do Poder Judicial, conferir a devida eficiência ao Direito Penal, para que possa desenvolver com plenitude a sua missão fundamental de protecção social.
II Há ao lado do direito fundamental do arguido de se ver julgado em prazo razoável um direito fundamental da sociedade de obter o resultado deste julgamento em prazo que não torne inócua a tutela penal dos bens jurídicos que a incriminação da conduta almeja salvaguardar. A prescrição penal, resultante da demora na persecução penal.
III O fenómeno prescritivo apresenta idiossincrasias e consequências negativas: a impunidade, a selectividade da justiça penal, a violação do princípio da igualdade e, com particular relevo, a insuficiência na protecção e garantia de direitos fundamentais diante das ameaças e lesões decorrentes de condutas tipificadas na lei como crime.

V Não se mostra razoável sustentar que o titular originário do jus puniendi (a sociedade) não dispõe de meios eficazes de exercer este direito em relação ao Estado-Ministério Público ( …) ou ao Estado-Juiz e que a demora do processo penal, com a consequente impunidade, é irrelevante à sociedade e somente interessa às partes formais do processo.

IX A demora do processo penal, além dos funestos prejuízos para o arguido, abala a eficiência do Direito Penal, na medida em que frustra os seus principais objectivos, comprometendo a legitimidade social e a credibilidade do Poder Judicial ao disseminar um senso de descrédito na actuação da justiça penal.
X O dever de protecção jurídico-penal impõe ao Tribunal criminal a prestação de uma tutela judicial efectiva, consistente na apreciação da causa em tempo hábil e razoável.
XI Praticado o ilícito penal, nasce para o Estado, em nome da sociedade, o direito de punir o infractor. Este direito tem o seu exercício condicionado no tempo. Se dentro de certo lapso temporal, que varia em razão da pena máxima abstractamente prevista para o crime ou da pena concretamente aplicada na sentença, o Estado não exercer a sua pretensão punitiva ou executória, ocorre a prescrição, que é a perda do direito de punir ou executar a pena aplicada.
XII O instituto da prescrição funda-se no princípio da segurança jurídica e traduz instrumento jurídico destinado a reforçar o aspecto preventivo da pena e a evitar a eternização do clamor social em relação à prática delituosa, é a prescrição imprescindível ao Direito Penal de todos os Estados Democráticos de Direito, sendo admitida desde o berço das instituições jurídicas e assim exercida pelos povos antigos, com relevo especial entre os romanos, que conheciam as duas espécies de prescrição (da acção penal e da pena).
XIII Mais relevante do que o aspecto do esquecimento e da expiação vale destacar a perspectiva funcional do instituto da prescrição, enquanto instrumento tendente a evitar que a pena seja utilizada com fins distorcidos do seu mais importante desiderato que é o preventivo. Se o decurso de tempo não permite que se consagre este fim, passa a pena a ser desnecessária, pois que assume uma feição meramente retributiva, incompatível com os ideais do Estado Democrático de Direito e com o seu valor supremo que é a dignidade da pessoa humana.
XIV A prescrição penal é um instituto que se vincula directamente ao direito fundamental ao prazo razoável do processo constitucionalmente reconhecido no nosso sistema.
3. Reconhecido o direito da prescrição e consequentemente o direito de a ver declarada, com as consequências legais, uma outra questão logo se coloca: quando e por quem deve ser apreciada e declarada.
A resposta mais óbvia é a de que, sendo a prescrição matéria de ordem pública e de interesse social, a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição, pode e deve ser declarada, inclusive ex officio.
Todavia, também é entendimento jurisprudencial de que “ num Tribunal Superior, como o Tribunal de Relação, deve ter-se presente que, como regra, qualquer decisão que encerre questão nova não pode ferir um grau de jurisdição e a mesma deve ser tomada, livremente, pelo Tribunal de 1.ª instância, pois caso contrário tal decisão transforma-se-ia em decisão insindicável (cf. art. 32.º, n.º 1 da C.R.P.)” in ac. TRL de 14.12.2011, supra citado. Também o STJ entendeu já que esta questão da prescrição deve ser apreciada, ab initio, em primeira instância V. ac. do STJ de 14.12.2011, proferido no proc. nº 712/00.9GFLSB-Q.L1-3..
4. Sem prejuízo de, se a questão for colocada ou apreciada, em primeiro lugar, pela primeira instância, ser assegurado ao arguido um segundo grau de jurisdição, nada impede, maxime se é o próprio arguido a requerê-lo, que a questão da prescrição seja desde já apreciada por este Tribunal de Recurso, sendo certo que, sobre a mesma, impedido fica o recorrente de interpor recurso, caso discorde da decisão proferida.
Nesta medida e nesta perspectiva, face ao pedido expresso do recorrente a este Tribunal, passaremos a apreciar a questão da prescrição, desde já se esclarecendo que, dada a sua natureza e o decurso permanente e ininterrupto do tempo, desde a interposição do primeiro recurso em primeira instância até ao presente momento, a questão da prescrição já evoluiu, sofre metamorfoses, o mesmo é dizer que, se porventura ainda não tinha decorrido todo o tempo da prescrição, natural é que neste momento, quanto a determinados factos, o mesmo já tenha decorrido, estando ainda tal solução/decisão sujeita a algumas variáveis, nomeadamente sobre a posição da contagem do início do prazo.

5. Tratando-se, no presente caso, de dois crimes:
- um de abuso de confiança fiscal na forma continuada pp. pelo artigo 105º, n.º 1 do RGIT;
- outro abuso de confiança contra a segurança social na forma continuada pp. pelo artigo 105º, n.º 1 do RGIT, ex vi do artigo 107º, nº 1 do RGIT,
Significa que quanto a ambos se aplica a regra do disposto no artigo 119º, nº 2, alínea b), do código Penal, ou seja, o prazo só se inicia a partir da prática do último acto.
Quanto ao crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada, a última não entrega do IVA respeita ao mês de Novembro de 2000 e a do IRS ao mês de Dezembro de 2000.
Já quanto à não entrega das quotizações da Segurança Social a última não entrega respeita ao mês de Dezembro de 2001.

Tendo por base estas datas, cumpre averiguar agora o momento em que se iniciou a contagem do prazo de prescrição.
Assim:
- Nos termos do artigo 41º, nº1, alínea b), do CIVA o imposto (IVA) deve ser entregue até ao dia 15 do segundo mês seguinte ao trimestre do ano civil, o que no presente caso seria até ao dia 15 de Fevereiro de 2001 (2º mês do 1º trimestre a seguir ao trimestre a que se refere o mês de Novembro de 2000).
- Nos termos do artigo 98º, nº 3, do Código do IRS, o imposto retido deve ser entregue até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que for deduzido, o que no presente caso seria até ao dia 20 de Janeiro de 2001.
- Nos termos do artigo 10º, nº2, do DL nº 199/99, de 8.6, conjugado com o artigo 5º, nº2, do DL nº 103/80, de 9.5, as quotizações à Segurança Social deveria ser entregues até ao dia 15 do mês seguinte a que disserem respeito, o que no caso deveria sê-lo até ao dia 15 de Janeiro de 2002.

6. Dispunha, no entanto, o nº 4 do art.º 105º do RGIT, aplicável também ex vi ao art.º 107º do mesmo diploma, que os factos só são puníveis se tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação - actualmente o teor desta disposição corresponde à al. a) do referido nº4.

Pelo que se coloca a questão de saber se este prazo não deve ser tido em conta no prazo da prescrição que se inicia com a prática do crime, o qual se tem por consumado na data em que termina o prazo para o cumprimento dos respectivos deveres tributários ou se, pelo contrário, deverá tal prazo de 90 dias ser tido em conta, só devendo contar-se o início do prazo de cinco anos de prescrição do procedimento criminal a partir do termo de tal prazo.

Ora, este prazo de 90 dias tem sido considerado, à semelhança do prazo estabelecido na actual al. b) do nº4 do art.º 105º do RGIT, relativamente ao qual incidiu o acórdão de fixação de jurisprudência nº6/2008 de 9.04.2008, uma condição objectiva de punibilidade.
E no ac. da Relação de Lisboa de 24.2.2010, da, proferido no processo n.º 2191/08.3 LSB-A.L1-3, decidiu-se que:
“O prazo de 90 dias previsto no nº 4 do artº 105º do RGIT, sendo uma condição objectiva de punibilidade que não impede que possa ser exercida a acção penal, apenas impede que possa ter lugar a punição, em nada interfere no decurso do prazo de prescrição do procedimento criminal que, nos crimes de abuso de confiança contra a segurança social se inicia na data em que o crime se consumou, isto é, na data em que nos termos do nº 2 do artº 5º do RGIT terminou o prazo para o cumprimento da entrega das contribuições à segurança social”.
Esta jurisprudência merece a nossa aceitação, posição que é também sufragada no ac. daquela Relação de Lisboa de 20.3.2012, proferido no proc. nº 5209/04.5TDLSB.L1-5.
7. Face a esta posição e tendo como correcto que o prazo máximo de prescrição no presente caso é de 10 anos e 6 meses, a saber: 5 anos do prazo normal de prescrição, mais 3 anos do tempo de suspensão do prazo de prescrição, a que acresce mais metade do prazo de prescrição, ou seja, 2 anos e 6 meses, tais prazos completam-se:
7.1. Quanto ao crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada pp. pelo artigo 105º, n.º 1 do RGIT;
7.1.1. No que respeita ao IVA, cuja data da última entrega terminava no dia 15 de Fevereiro de 2001, o prazo de prescrição completou-se a 15 de Agosto de 2011 (10 anos e 6 meses depois).
7.1.2. No que respeita ao IRS, cuja data da última entrega terminava no dia 20 de Janeiro de 2001, o prazo de prescrição completou-se a 20 de Julho de 2011 (10 anos e 6 meses depois).
7.2. Quanto ao crime de abuso de confiança contra a segurança social na forma continuada:
As quotizações à Segurança Social que deveriam ter sido entregues (as últimas), até ao dia 15 de Janeiro de 2002, completa-se no próximo dia 15 de Julho de 2012 (10 anos e 6 meses depois).
7.3. Do exposto resulta que o procedimento criminal se deve considerar extinto pelo decurso do prazo de prescrição relativamente ao crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada mas ainda não quanto ao crime de abuso de confiança contra a segurança social na forma continuada.
Esta prescrição aproveita a ambos os arguidos, nomeadamente por força do artigo 402º, nº2m alínea a), do CPP e determina a extinção da pena em que os arguidos foram condenados por este crime em concreto, subsistindo apenas a pena relativamente ao crime ainda não prescrito.

8. Cumpre agora apreciar o efeito da prescrição do procedimento criminal quanto ao crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada sobre a condenação no pedido de indemnização civil ou seja, cumpre averiguar se tal extinção acarreta, como pretende o recorrente, a extinção do pedido civil.
Decididamente, a resposta é negativa.
Com certeza que existe alguma conexão entre a prática do crime e o pedido de indemnização civil.
Desde logo o legislador impõe que tal pedido seja formulado no processo penal, com base no princípio da adesão do artigo 71º, do CPP, definindo o artigo 72º as situações em que o pode ser em separado.
Mas como se viu e apreciou no acórdão deste Tribunal sobre a questão da prescrição dos juros, quer estes quer o pedido de indemnização civil têm natureza e prazos diferentes da prescrição do procedimento criminal, fundando-se aquele pedido na verificação dos pressupostos da responsabilidade civil definidos no art. 483º do C. Civil.
O que significa que, mesmo que não tivesse sido instaurado o procedimento criminal ou que este tivesse outro destino que não a condenação dos arguidos, tal facto não afastaria a sua eventual responsabilidade civil com base naquele preceito.
Manda o princípio da economia processual que, tendo tal responsabilidade sido apurada neste processo-crime e não tendo a mesma prescrito, como se decidiu, que a condenação no pedido de indemnização civil não sofra qualquer alteração perante o decurso do prazo de prescrição do procedimento criminal por este crime em análise.
Neste sentido aqui se cita o ac. do STJ de 10.11.2010, proferido no proc. nº 3891/03.0TDPRT.S1, onde se decidiu:
VI -Mas mesmo declarado prescrito, amnistiado ou descriminalizado nem por isso o facto deixa de ser fundante de responsabilidade por facto ilícito extracontratual ou aquiliana, pois continua a subsistir a sua individualidade histórica, o seu acontecer ofensivo, ainda, de direitos de vária índole, a que se não associa já uma reacção penal, que pode desembocar na privação de liberdade, como é timbre do facto penal, mas enquanto constituinte de ilícito civil, tendo este como timbre a obrigação de indemnizar.
VII - E, nessa ordem de considerações e de hipóteses extintivas da acção penal, se aceita, associadamente a uma razão de justiça e de economia processual, que, em caso de absolvição, o tribunal, no enxerto cível deduzido, possa conhecer da responsabilidade civil por facto ilícito extracontratual ou pelo risco art. 377.º, n.º 1, do CPP (como se decidiu no Ac. do STJ, de 17-04-2002, in CJ, Acs. do STJ, XI, T II, pág. 171).

III

DECISÃO
Por todo o exposto, decide-se:
1. Declarar extinto o procedimento criminal quanto ao crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada pp. pelo artigo 105º, n.º 1 do RGIT e, consequentemente, declara-se extinta a pena em que ambos os arguido foram condenados relativamente a este crime.
2. Declarar não prescrito o procedimento criminal quanto ao crime de abuso de confiança contra a segurança social na forma continuada pp. pelo artigo 105º, n.º 1 do RGIT, ex vi do artigo 107º, nº 1 do RGIT.
3. Manter as condenações no pedido de indemnização civil relativamente a ambos os arguidos quanto aos factos conexos com o crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada (pois quanto ao outro crime a questão nem se coloca uma vez que não é declarada a prescrição do procedimento criminal).


Sem custas.

Luís Teixeira (Relator)
Calvário Antunes