Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
538-E/1999.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
EXECUÇÃO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
ACÇÃO DECLARATIVA
Data do Acordão: 03/15/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA – 1º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 279º, Nº 1; 668º, Nº 1, ALS. B), C) E D) DO CPC
Sumário: I – A nulidade cominada na al. b) do nº 1 do artº 668º do CPC só se pode basear em falta absoluta de fundamentação, pois que a fundamentação deficiente, medíocre ou errada não gera tal nulidade, o que, a verificar-se, apenas afecta o valor doutrinal da sentença/despacho.

II – A nulidade prevista na al. c) do nº 1 do artº 668º do CPC (fundamentos em oposição com a decisão) verifica-se quando os fundamentos de facto e de direito invocados pelo julgador deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao expresso na decisão.

III – A nulidade prevista na al. d) do nº 1 do artº 668º do CPC (por omissão de pronúncia) traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do dever prescrito no artº 660º, nº 2, do CPC, que é o de serem resolvidas todas as questões submetidas a apreciação do julgador, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras.

IV – A 1ª parte do nº 1 do artº 279º do CPC (causa prejudicial) não é aplicável à acção executiva.

V – Muito embora a norma do artº 279º do CPC seja de carácter geral, não distinguindo entre acções declarativas e acções executivas, a verdade é que a suspensão com fundamento em causa prejudicial não se aplica à execução, pois nesta não há que proferir decisão sobre o fundo da causa, visto que o direito que se pretende efectivar já está declarado.

VI – Admite-se a suspensão da instância executiva com fundamento na 2ª parte do nº 1 do artº 279º do CPC (por outro motivo justificado), desde que não se trate do caso de ter havido oposição à execução, pois a execução só pode ser suspensa mediante prestação de caução.

VII – Porém, a 2ª parte do nº 1 do artº 279º tem âmbito de previsão diferente da sua 1ª parte (…) não podendo nela fundar-se a suspensão da acção executiva por pendência de acção autónoma.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra


I – RELATÓRIO

         1.1. - Os exequentes – A..., B..., C... – instauraram na Comarca de Leiria acção executiva para entrega de coisa certa, com forma de processo comum, contra os executados – D..., E..., F..., G....

         Com fundamento na sentença de 6 de Fevereiro de 2007, transitada em julgado ( fls.780 e segs.), pediram a entrega do prédio urbano, sito na ..., que faz parte da herança aberta por óbito de H....

         1.2. - Os executados E... e mulher F... deduziram ( 29/9/2009 ) oposição à execução ( fls. 38 e segs.) e nela requereram a suspensão da instância da acção executiva, alegando, em resumo:

         No mesmo dia em que deduziram a oposição, instauraram acção declarativa, pedindo a anulação de todas as escrituras e registos efectuadas sobre o prédio urbano, objecto da presente execução, prejudicando o respectivo título, constituindo, por isso, uma acção prejudicial.

         Por outro lado, está pendente acção nº 8109/03, na qual os Autores demandam os aqui exequentes, peticionando a nulidade do contrato ou em alternativa a resolução do contrato, constituindo também questão prejudicial.

        

         Contestaram os exequentes, pugnando pela inadmissibilidade da suspensão da instância.

         1.4. – Por despacho de 20/7/2010 ( fls.56 e segs.) decidiu-se indeferir o pedido de suspensão da instância.

         Argumentou-se inexistir fundamento para a prejudicialidade, nos termos do art.279 CPC.

         1.5. – Inconformados, os executados/oponentes recorreram de agravo, com as seguintes conclusões:

[…]

         Não houve contra-alegações.


II – FUNDAMENTAÇÃO

2.1. - As nulidades do despacho:

Para justificar as pretensas nulidades do despacho, os agravantes afirmam que o tribunal não fundamentou, nem se pronunciou sobre “estas questões”, mas não concretizam, limitando-se a considerações vagas e genéricas.
Sobre a nulidade cominada na alínea b) do nº1 do art.668 CPC, como repetidamente tem dito a jurisprudência, só a falta absoluta de fundamentação gera a nulidade e já não a fundamentação deficiente, medíocre ou errada, que apenas afecta o valor doutrinal da sentença ou despacho ( cf., por ex, A. REIS, Código de Processo Civil Anotado, V, pág. 140, e A. VARELA, RLJ ano 121, pág. 311; Ac do STJ de 22/1/04 e de 16/12/04, em www dgsi.pt/jstj ).

Basta uma simples leitura do despacho para se constatar que contém suficiente fundamentação, que, aliás, foi perceptível pelos recorrentes.

A nulidade prevista no art.668 nº1 c) do CPC ( fundamentos em oposição com a decisão ) verifica-se quando os fundamentos de facto e de direito invocados pelo julgador deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao expresso na decisão. Trata-se de um vício estrutural da sentença, por contradição entre as suas premissas, de facto e de direito, e a conclusão, de tal modo que esta deveria seguir um resultado diverso ( cf. A.VARELA, Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág.686, A. REIS, Código de Processo Civil Anotado, vol.V, pág.141. Porém, esta nulidade não abrange o erro de julgamento, seja de facto ou de direito, designadamente a não conformidade da sentença ou despacho com o direito substantivo ( cf., por ex., Ac STJ de 21/5/98, C.J. ano VI, tomo II, pág.95 ).

         Ora, é inequívoco que a fundamentação aduzida no despacho ( inexistência de prejudicialidade e a circunstância de a acção haver sido intentada para tentar obter a suspensão ) conduzem lógica e inevitavelmente à decisão do indeferimento

         Por fim, a nulidade por omissão de pronúncia, prevista no art.668 nº1 alínea d) do CPC, traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do dever prescrito no art.660 nº2 do CPC, que é o de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras. Mas, conforme entendimento jurisprudencial uniforme, a nulidade consiste apenas na falta de apreciação de questões que o tribunal devesse apreciar, sendo irrelevante o conhecimento das razões ou argumentos aduzidos pelas partes ( cf., por ex., Ac STJ de 11/11/87, BMJ 371, pág.374, de 7/7/94, BMJ 439, pág.526 ).

O despacho pronunciou-se justificadamente sobre a questão ( suspensão da instância executiva ), logo é por demais evidente não ocorrer tal nulidade.

         Improcedem as nulidades do despacho.

         2.2. – A suspensão da instância:

         Está pendente na Comarca de Leiria acção declarativa, com forma de processo ordinário ( nº5303/09.6TBLRA ) que os Autores ( aqui executados ) E... e mulher F...– instauram, em 29/9/2009, contra os Réus identificados na petição inicial, entre os quais os aqui exequentes ( nºs 6, 7, e 8 ), e pediram, além do mais, que se reconheça que os Autores são legítimos proprietários e possuidores do imóvel identificado nos arts.1º e 4º e declaradas nulas as escrituras mencionadas, conforme certidão de fls.83 e segs. e  cópia da petição inicial de fls.134 a 205, que se dá por integralmente reproduzida.

A questão submetida a recurso consiste em saber se a pendência da acção declarativa na Comarca de Leiria ( proc. nº5303/09.6TBLRA ) constitui fundamento legal para a suspensão da instância executiva, nos termos do art.279 nº1 do CPC.

Determina o art. 279 nº 1 do CPC, “ o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado “.

A primeira parte da norma estabelece a suspensão da instância com fundamento em “causa prejudicial”.

Pode sintetizar-se hoje, a partir dos ensinamentos doutrinários e jurisprudenciais, que uma causa é prejudicial em relação a outra quando o julgamento ou decisão da questão a apreciar na primeira possa influir ou afectar o julgamento ou decisão da segunda, nomeadamente modificando ou inutilizando os seus efeitos ou mesmo tirando razão de ser à mesma. ( cf., por ex., ALBERTO DOS REIS, Comentário, vol.3º, pág.206, TEIXEIRA DE SOUSA, Revista de Direito e Estudos Sociais, ano XXIV, nº4, pág.306, Ac do STJ de 18/2/93, BMJ 424, pág.587, de 1/2/95, C,J, ano III, tomo I, pág.265, Ac. RC de 7/7/2004, e 15/2/2005, www dgsi.pt ).

         Contudo, a 1ª parte do nº1 do art.279 ( causa prejudicial ) não é aplicável à acção executiva.

Esta norma corresponde ao art.284 do CPC/1939 e já então se colocou o problema de saber se a execução podia ou não ser suspensa com fundamento em causa prejudicial pendente, cuja divergência foi dirimida pelo Assento de 24/5/60 ( BMJ nº 97, pág.163 ) ao fixar a seguinte jurisprudência – “ A execução propriamente dita não pode ser suspensa pelo primeiro fundamento pelo primeiro fundamento do art.284 do Código de Processo Civil “.

A doutrina do Assento, agora transformado em acórdão uniformizador de jurisprudência (art.17 nº2 do DL nº329-A/95 de 12/12), mantém-se em vigor, dado não caducar pelo simples facto de ser revogada a legislação vigente quando foram proferidos: se essa legislação foi substituída por outra que contenha textos idênticos, não havendo razões para excluir que o sentido dos novos textos seja igual ao dos antigos, a doutrina do assento será de manter e de considerar em vigor ( cf., por ex., VAZ SERRA, RLJ ano 96, pág.366, Ac do STJ de 14/1/93, C.J. ano I, tomo I, pág.59 ).

Muito embora a norma do art.279 do CPC seja de carácter geral, não distinguindo entre acções declarativas e acções executivas, a verdade é que a suspensão com fundamento em causa prejudicial não se aplica à execução, pois nesta não há que proferir decisão sobre o fundo da causa, visto que o direito que se pretende efectivar já está declarado.

Neste sentido, já ALBERTO DOS REIS ( Comentário, vol.3º, pág.274 ) ensinava que a 1ª parte do art.284º (actual 279 nº1, 1ª parte) não pode aplicar-se ao processo de execução, porque o fim deste processo não é decidir uma causa, mas dar satisfação efectiva a um direito já declarado por sentença ou constante de título com força executiva. Não se verifica assim o requisito de estar a decisão da causa dependente do julgamento de outra já proposta.

Também RODRIGUES BASTOS (Notas ao Código de Processo Civil, vol. II, pág. 45) refere que, desde que a suspensão resulta de estar a decisão da causa dependente do julgamento de outra já proposta, parece clara a sua inaplicabilidade ao processo de execução, em que não há que proferir decisão sobre o fundo da causa, visto o direito que se pretende efectivar já estar declarado. E para LOPES DO REGO (Comentários ao Código de Processo Civil, 2ª ed., pág. 281/282), mantém actualidade o assento do STJ de 24/05/1960, segundo o qual a execução propriamente dita não pode ser suspensa pelo primeiro fundamento deste preceito.

A Jurisprudência tem acolhido esta posição de forma praticamente uniforme, no sentido de que a execução não pode ser suspensa com fundamento na existência de causa prejudicial ( cf., por ex., Ac do STJ de 4/6/80, BMJ 298, pág.232, de 14/1/93, C.J. ano I, tomo I, pág.59, de 18/6/96, C.J. ano IV, tomo II, pág.149, de 14/10/04, www dgsi.pt ).

Admite-se, no entanto, a suspensão da instância executiva com fundamento na 2ª parte do nº1 do art.279 do CPC ( “por outro motivo justificado” ), desde que não se trate do caso de ter havido oposição à execução, pois a execução só pode ser suspensa mediante prestação de caução.

Porém, como adverte LEBRE DE FREITAS ( Código de Processo Civil Anotado, vol.1º, pág.503 ) “ a 2ª parte do nº1 ( do citado art.279) tem âmbito de previsão diferente da sua 1ª parte (…) não podendo nela fundar-se a suspensão da acção executiva por pendência de acção autónoma”.

Daqui resulta que a suspensão de uma acção executiva com base na 2ª parte do nº 1 ao art.279 ( ocorrência de outro motivo justificado ) exige que o motivo invocado seja diferente, não podendo reconduzir-se à pendência de qualquer outra acção, já que de contrário estaria a mesma a funcionar como verdadeira causa prejudicial, o que a lei não permite, como, aliás, decorre da verificação de “ outro motivo “ ( cf., neste sentido, Ac RC de 7/7/04, proferido no processo nº2000/04, relatado pelo Des. Isaías Pádua, disponível em www dgsi.pt ).

Na situação sub judice, o outro motivo invocado pela agravante está relacionado ainda com a pendência da referida acção declarativa, onde se os agora executados pretendem, além do mais, o reconhecimento do direito de propriedade sobre o imóvel, pelo que também não é aqui aplicável a 2ª parte do nº1 do art.279 do CPC.

Acresce que a circunstância de a acção declarativa haver sido proposta precisamente no mesmo dia em os executados deduziram oposição e requereram a suspensão da instância executiva legitima a inferência de que foi utilizada para obter a suspensão, o que também por aqui sempre seria inviável a preconizada suspensão ( art.279 nº2 CPC ).

Improcede o recurso, confirmando-se o despacho recorrido.


III – DECISÃO

Pelo exposto, decidem:


1)

         Julgar não provido o agravo e confirmar o despacho recorrido.

2)

Condenar os agravantes nas custas.


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Jorge Arcanjo (Relator)
Isaías Pádua
Teles Pereira