Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2531/13.3TALRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS TEIXEIRA
Descritores: TIPO SUBJECTIVO DE CRIME
DOLO
Data do Acordão: 01/25/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (JUÍZO LOCAL DE LEIRIA – SECÇÃO CRIMINAL J3)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.14º DO CP
Sumário: I - A intenção (no caso, de prejudicar a assistente), como subjetiva que é, cai no foro íntimo do agente. Pelo que, ou o mesmo confessa expressamente essa sua intenção ou a mesma terá que resultar, inferir-se, de algum modo, através de outro mecanismo que dê garantias ao julgador que a intenção do agente era num determinado sentido.

II - Concluindo-se dos factos objectivos que a intenção dos arguidos visava a extinção da sociedade, dos mesmos não se pode intuir que tal extinção era para obstar ao pagamento da dívida à assistente.

III - Até porque estava em causa um valor reduzido, diminuto na atividade empresarial de uma sociedade, €264,20.

Decisão Texto Integral:

           

Acordam em conferência, na 4ª Secção (competência criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra.

            1. Nos autos de processo de instrução supra identificados, findo o inquérito, pelo Ministério Público foi proferido despacho no qual determinou o seu arquivamento por ter concluído que após a realização das diligências, não foi possível obter indícios suficientes da prática do crime de falsificação de documento p. e pelo artigo 256º, nº 1 do Código Penal.

            2. Face a este arquivamento, requereu a assistente “A... Lda.” a abertura de instrução, requerendo que os arguidos B... e C... sejam pronunciados, em coautoria, pela prática de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo artigo 256º, nº 1, al. d) do Código Penal.

            3. Declarada aberta a instrução, foram realizadas as diligências tidas por conveniente, nomeadamente procedeu-se ao interrogatório dos arguidos B... e C... e à inquirição da testemunha D... .

            4. Procedeu-se à realização do debate instrutório.

            5. Por fim foi proferida decisão de não pronúncia da arguida C... e do arguido B... pela prática do crime de falsificação de documento p. e p. pelo artigo 256º nº. 1 do Código Penal.

 

            6. Deste despacho de não pronúncia recorre agora a assistente “ A... Lda.”, que formula as seguintes conclusões:

            1. A... LDA., participou criminalmente no passado dia 18 de Dezembro de 2013 contra os ora Recorridos B... e C... , imputando-lhes a prática de diversos factos, os quais consubstanciam na ótica da Assistente ora Recorrente a prática do crime de falsificação de documento.

            2. Contudo, foi o proferido Despacho Final que determinou o arquivamento dos autos, inconformada a Assistente ora Recorrente, requereu a abertura de instrução, pois no entendimento da ora Recorrente haviam sido recolhidos indícios bastantes e suficientes da prática do crime de falsificação de documentos. - Os quais constam da prova documental, que acompanhou a queixa-crime que deu início aos presentes autos.

            3. Os Recorridos B... e C... , eram os únicos sócios da sociedade comercial por quotas ‘D... Lda.”, pessoa coletiva n° (...) , com sede no (...) Leiria — cf. doc. n° 1, que acompanhou a queixa crime que deu início aos autos.

            4. Sendo que o Recorrido, B... , era ainda o único gerente daquela sociedade — cf. doc. n° 1, que acompanhou a queixa crime que deu início aos autos.
            5. Aquela sociedade — “ E... , Lda.” — tinha por objeto comercial serralharia civil de alumínio e ferro, comércio e transformação de alumínio e construção civil. — cf. doc. n° 1, que acompanhou a queixa-crime que deu início aos autos.
            6. Por sua vez, a Recorrente dedica-se ao comércio de perfis de alumínio, painel e acessórios, no exercício da atividade comercial de ambas, e a pedido daquela sociedade “ E... ”, a Recorrente vendeu àquela diversa mercadoria melhor especificada na sua qualidade e quantidade na Venda a Dinheiro n° 5294-8, no valor de 264,20 €, datada de 23/11/2007 — cf. doc. n° 2, que acompanhou a queixa crime que deu início aos presentes autos.

            7. Todavia, para pagamento daquela Venda a Dinheiro, a Sociedade E... nunca entregou à Recorrente qualquer valor.

            8. Pelo que, a Recorrente, após sucessivas  interpelações extrajudiciais frustradas, não teve outra alternativa que não fosse a apresentação de um requerimento de injunção para pagamento da quantia em dívida, bem como dos juros de mora até então vencidos cf. doc. n° 3, que acompanhou a queixa-crime que deu início aos presentes autos.

            9. O requerimento de injunção foi apresentado a 10-04-2012, a peticionar a quantia total de 477,88 € (quatrocentos e setenta e sete euros e oitenta e oito cêntimos), tendo sido indicados como requeridos a sociedade comercial por quotas “ E... , Lda.” e o sócio gerente B... , denunciado no âmbito dos presentes autos.
            10. Aquela injunção foi enviada à distribuição em 27-05-2012, por ter sido deduzida oposição à injunção pelo Requerido B... , ora denunciado, tendo dado origem ao processo nº 65236/12.6YIPRT, que correu termos no 4° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Leiria - cf. doc. n° 4 que acompanhou a queixa-crime que deu início aos presentes autos.

            11. Foi alegado pelo Recorrido Marido, na sua oposição, entre outros factos, que a quantia em causa na Venda a Dinheiro n° 5294-8, no valor de 264,20 €, foi integralmente paga a dinheiro, após entrega da mercadoria, o que não correspondia, nem corresponde à verdade conforme se veio a provar

judicialmente.
            12. Em sede de audiência de julgamento pelo Recorrente B... o teor de matrícula e todas as inscrições em vigor respeitantes à sociedade “ E... , Lda.” - cf. doc. n° 5 que acompanhou a queixa crime que deu inicio aos presentes autos.

            13. Nos termos de tal documento a sociedade foi dissolvida e liquidada em 07/09/2012, tendo também, na mesma data, se procedido ao cancelamento da sua matrícula. - cf. doc. nº 5 que acompanhou a queixa-crime que deu início aos presentes autos.

            14. Mais juntou o Recorrido, em sede de audiência de julgamento, a ata que esteve na origem do referido registo de dissolução e liquidação da sociedade E... - cf. doc. n° 6 que acompanhou a queixa-crime que deu início aos presentes autos.

            15. Ora, nos termos dessa ata (ata nº 10), a assembleia geral da sociedade (composta por ambos os Recorridos) aprovou por unanimidade a proposta de dissolução da sociedade. - cf. doc. n° 6 que acompanhou a queixa-crime que deu início aos presentes autos.

            16. Os Recorridos sabiam que tais declarações não correspondiam à verdade, já que sabiam que a sociedade mantinha passivo, consubstanciado, pelo menos, na dívida para com a Requerente no valor de 264,20 € - dívida que foi dada como provada na sentença proferida no processo n° 65236/12.6YIPRT - cf. doc. n° 7 que acompanhou a queixa-crime que deu início aos presentes autos.

            17. Os Recorridos B... e C... agiram tendo em vista a extinção da sociedade, deixando deste modo a credora ora Requerente sem possibilidade de ver cobrado o seu crédito.

            18. Foi precisamente o que veio a ocorrer no processo de injunção supra identificado. pois apesar de ter ficado provado que “para pagamento da mercadoria constante da Venda a Dinheiro n°5294-8, E... não entregou à Autora qualquer valor”, a verdade é que a sociedade devedora encontrando-se dissolvida e. portanto, extinta, carece de personalidade jurídica e judiciária para ser demandada em acção, pelo que foi determinada a sua absolvição na instância. - cf. doc. n° 7 que acompanhou a queixa-crime que deu início aos presentes autos.

            19. Todavia, ficou provado que a sociedade E... detinha passivo para com a ora Recorrente.

            20. Pelo que, os Recorridos, ao prestarem aquelas declarações para dissolução e liquidação e ao terem votado no sentido em que o fizeram, prestaram falsas declarações, pois bem sabiam que a sociedade detinha passivo, nomeadamente para com a ora Recorrente.
            21. Dúvidas não poderiam restar, de que estava preenchido o elemento objetivo do crime de falsificação de documentos, já que, existe uma manifesta falsificação intelectual, uma vez que foi emitida uma declaração inverídica através de um documento verdadeiro, que integra um facto juridicamente relevante.
            22. De facto, dispõe o art.° 256° do CP engloba tanto a falsidade material, ou seja, quando o documento é total ou parcialmente alterado, quando se imitam elementos de um documento que já existe, como a
falsidade intelectual, ou seja, quando o documento é verdadeiro, genuíno mas não traduz a verdade por haver uma desconformidade entre a declaração e o que dele consta.

            23. Por outro lado, estamos perante um documento, já que nos termos do art.° 255° do CP, constitui documento “a declaração corporizada em escrito, ou registada em disco, fita gravada ou qualquer outro meio técnico, inteligível para a generalidade das pessoas ou para um certo círculo de pessoas, que, permitindo reconhecer o emitente, é idónea para provar facto juridicamente relevante, quer tal destino lhe seja dado no momento da sua emissão quer posteriormente; e bem assim o sinal materialmente feito, dado ou posto numa coisa para provar facto juridicamente relevante e que permite reconhecer à generalidade das pessoas ou a um certo círculo de pessoas o seu destino e a prova que dele resulta.”
            24. Ou seja, no presente caso, estamos perante uma falsificação intelectual de um documento: a declaração é conforme com a vontade, todavia contra a verdade dos factos — contra a vontade real — corno ensina Helena Moniz (O Crime de Falsificação de Documentos, pág. 191).- cfr. neste sentido Ac. TRCoimbra de 20-12-2011, processo n° 40/08.ITAPNH.C1, disponível em
vww.dsij.

            25. Desta forma, através de tal declaração falsa aposta naquele documento, lograram os Recorridos cessar a atividade da sociedade E... , declarando também, que todo o ativo e passivo da referida sociedade, se encontrava já, liquidado.         26. Tal declaração teve como efeito imediato a perda de personalidade jurídica da referida sociedade. pelo que, a mesma se encontrava já extinta. Desta forma, sabendo os Recorridos B... e C... que a sociedade, cuja atividade cessaram. era devedora de 264,20 € à aqui Recorrente. fecharam todas as portas para que se operasse a cobrança da referida divida pela via judicial.
            27. Com efeito, tal declaração inverídica alterou a relação jurídica existente entre os denunciados e a ora Recorrente. na medida da qual, esta passou a estar impossibilitada de cobrar os seus créditos judicialmente.

            28. O que é demonstrativo que tal declaração inverídica integra um facto juridicamente relevante, pelo que, a sua emissão e utilização alterou, modificou uma relação que se regia pelo Mundo do Direito. Neste sentido, se encontra preenchido o elemento objetivo do crime de falsificação de documento preenchido, verificada e provada que está a conduta ilícita dos denunciados, suscetível de enquadrar a configuração jurídica patente na aI. d) do n° 1 do art.° 256° do CP.

            29. Sendo que, importa alertar, que para a verificação deste tipo de ilícito, é bastante observar um crime formal, um crime de perigo abstrato, não sendo necessário a concreta violação do bem jurídico tutelado pelo crime.

            30. De qualquer forma, sempre se dirá, que in casu, para além da verificação formal do crime de falsificação de documento, ocorre uma brusca violação do bem jurídico tutelado pelo art.° 256° da CP. ou seja, a segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório.

            31. Na verdade, a declaração inverídica utilizada pelos denunciados, permite-lhes uma fuga ao pagamento do seu passivo para com a Denunciante. Tal situação, revela-se insustentável, pois é inadmissível, que alguém use e abuse de um documento verdadeiro, dotado de uma desconformidade com a realidade bem conhecida, para que possa assim exonerar-se do cumprimento das suas obrigações e prestações.

            32. Assim sendo, nunca o bem jurídico da segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório pode estar salvaguardado.

            33. Por outro lado, também o elemento subjetivo se preenche, já que. havia nos Recorridos uma plena intenção em obterem para a sociedade E... um benefício ilegítimo.

            34. Os Recorridos, diretamente ou indiretamente, conheciam que o que ficou declarado na ata que serviu de base ao registo de dissolução e liquidação (cfr. doc. a° 5 e 6 que acompanharam a queixa crime que deu inicio aos autos) não correspondia à verdade, sendo que, tais falsidades tinham como objetivo cessar a atividade daquela empresa e assim não permitir a cobrança da divida pela Requerente pela via Judicial.

            35. Aliás, se repararmos na data em que foi elaborada a ata - 31/08/2012 (Doc. 6) - e depois o registo da dissolução - a 07/09/2012 (Doc. 7) - reparamos que tanto a ata como o registo só foram elaborados já depois de os Recorridos terem sido notificados do requerimento de injunção subscrito pela ora denunciante e, inclusive, já depois de o 1° denunciado se ter oposto àquela injunção. Ou seja, há, na conduta dos Recorridos, uma intenção em prejudicar a Recorrente.

            36. Acresce que, os Recorridos conheciam perfeitamente que tais declarações em nada correspondiam à verdade da empresa, mas no entanto, tal não os impediu de as prestarem e depois terem as mesmas servido de base ao registo de dissolução e liquidação. Portanto, o conhecimento da falsidade de tais declarações é notório e foi dado como provado na sentença do processo n° 65236/12.6YIPRT, que correu termos no 4° Juízo Cível do Extinto Tribunal Judicial de Leiria.
            37. Ou seja, o ato praticado pelos Recorridos — falsificação de documento - permitiu uma alteração no mundo do Direito, traduzida na
extinção de uma pessoa coletiva, com o consequente beneficio, que no caso não tem relevância patrimonial direta, traduzido no próprio encerramento, gerador de aparência perante terceiros de urna realidade diferente da existente, suscetível de gerar inação daqueles na reclamação de créditos.

            38. Desta forma, operou-se ainda a cessação das responsabilidades dos denunciados enquanto sócios e gerentes, impedindo que terceiros e, designadamente a Recorrente, pudessem requerer a insolvência da sociedade, o que teria consequências diretas para as pessoas dos gerentes. Conclui-se assim, que a influência de um ato destes no mundo do Direito é de tal ordem, que a simples extinção da sociedade, quando havia património e dívidas por cobrar, se traduziu num benefício que, de outra forma não lograriam e, logo, injusta e legalmente não tutelada.

            39. De notar que o art.° 1°, n° 1 do Código de Registo Comercial dispõe que “O registo comercial destina-se a r publicidade à Situação jurídica dos comerciantes individuais, das sociedades comerciais, das sociedades civis sob forma comercial e dos estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, tendo em vista a segurança do comércio jurídico.”

            40. Ora, a Recorrente não se conforma com a Decisão de Não Pronuncia proferida, pois como supra se demonstrou, existem nos autos indícios suficientes e bastantes da prática do crime pelos Recorridos.
            41. Indícios, esses, constantes da prova documental junta aos autos, nomeadamente, da sentença proferida no âmbito do processo de injunção, na qual resultou provado que não foi paga à ora Requerente a quantia de 264,20 €. E que os Recorridos aquando a dissolução da Sociedade E... . bem sabiam que estavam a prestar falsas declarações e que a Sociedade em causa tinha passivo.

            42. O crime de falsificação de documento é um crime comum, de mera atividade, e de perigo abstracto, que tutela a segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório relativo à prova documental. - (cfr. Helena Moniz, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo 11, 680 e ss.).

            43. As alíneas a) a d), inclusive, do n°1 do artigo 256 ‘ do Código Penal, preveem as várias modalidades que pode assumir a falsificação de um documento e as alíneas e) e f) tipificam como crime a circulação do documento falso.

            44. Assim, o tipo objetivo do tipo de crime em análise pode assumir as seguintes modalidades: - A fabricação ex-novo de documento; - A integração no documento de uma assinatura de outra pessoa; - A declaração de um facto falso juridicamente relevante; - A integração no documento de uma declaração distinta daquela que foi prestada; - A circulação do documento falso.

            45. São, assim, elementos constitutivos deste tipo-de-ilícito um comportamento do agente concretizado em qualquer uma das atividades enumeradas nas alíneas do n°1 do citado artigo 256° e, quanto ao elemento subjetivo, a vontade de praticar o facto e, ainda, a intenção de causar prejuízo ao Estado ou a terceiro, ou de alcançar para si ou para terceiro um benefício ilegítimo.

            46. Assim, no crime de falsificação exige-se o dolo específico ou seja a intenção de causar prejuízo ou de obter benefício ilegítimo. Contudo, a consumação do prejuízo patrimonial é indiferente no crime de falsificação.»

            47. No nosso caso ficou provado que os arguidos, enquanto legais representantes da Sociedade fizeram constar falsamente declarações na ata de dissolução da sociedade. Na sequência dessa declaração e com base na mesma, foi dissolvida e encerrada a liquidação da sociedade por quotas acima referida.

            48. Cremos, no entanto que a Decisão de Não Pronuncia, lavra em confusão. Com efeito, o que está aqui em causa não é o valor probatório daquela declaração

relativamente à inexistência de passivo da sociedade, mas isso sim, o seu mero valor declarativo, para efeitos de extinção imediata da sociedade comercial.

            49. Tal declaração não tem como virtualidade a prova da inexistência de dívidas da sociedade, que até podem existir. e existiam no nosso caso, mas apenas tem valor declarativo para, verificados os pressupostos legais, permitir o acesso à dissolução da Sociedade.

            50. Ou seja: inicialmente o documento em questão. a referida ata n° 10, só por si, seria anódino. apesar de dele terem os arguidos feito constar facto falso. Vejamos a inexistência de passivo, pois que essa declaração não tinha a virtualidade de liberar a sociedade perante os seus credores, fossem eles quem fossem.

            51. Só a intenção, concretizada pelos arguidos, de usar tal declaração, inserta na ata, com a finalidade de assim obstarem ao procedimento de liquidação da sociedade, obtendo a imediata dissolução e liquidação da mesma, sem passar por tal procedimento, transformaram tal declaração — que, não fora tal uso, apenas integraria um falso não punível - em declaração expressa de «facto juridicamente relevante» para aquele efeito.

            52. Aquele art.° 27° n° 1. atribui relevância ao facto declarado, na medida em que não existindo a referida declaração de inexistência de passivo, não poderia ter lugar tal procedimento especial (al. b)). E este conduziu à imediata extinção da sociedade.

            53. A declaração da inexistência de passivo tem a relevância que lhe atribuímos e em nada fica prejudicada pela inexistência de ativo, ou pelo facto de ter há muito ter encerrado porta.

            54. Basta atentar em que a norma da alínea b) daquele art.° 27°, 1, usa a disjuntiva ‘ou’ e não a conjuntiva ‘e’, o que inculca a ideia de que o procedimento em causa só pode ter lugar se inexistir ativo e passivo a liquidar.

            55. E o Arguido bem sabia que tal passivo existia, uma vez que, foi por diversas vezes interpelado para proceder ao pagamento da quantia. E ainda que existisse divergência, a verdade é que o passivo existia até decisão em contrário.

            56. Não é aqui pertinente fazer apelo à circunstância da sociedade já ter encerrado portas, e o não pagamento da coima e da dívida não ser consequência direta da extinção da sociedade devedora mas, isso sim, da inexistência de ativo que respondesse pelas dívidas.

            57. E isto porque o elemento subjetivo do tipo se traduz na exigência de um dolo específico, consistente na intenção de causar prejuízo a outrem ou ao Estado ou de obter para si ou outra pessoa benefício ilegítimo.

            58. E no caso em apreço tal dolo existiu, contrariamente ao disposto na Decisão ora em crise, tal dolo existiu.

            59. Não se exige, para a perfeição do crime, a efetiva ocorrência desse prejuízo ou benefício, bastando que haja sido aquele propósito a presidir à manobra de fraudatória praticada pelo agente ou agentes. Foi o que aconteceu no nosso caso.

            60. Em abono da posição por nós aqui assumida, é pertinente fazer também apelo à jurisprudência.
            61. Perante tal conjunto de circunstâncias, fácil é concluir que o tipo em estudo, de falsificação de documento, p.p. pelo art°256° 1, d), do CP, está consumado, quer na sua perspetiva típica subjetiva, quer objetiva.

            62. Contrariamente ao afirmado na Douta Decisão de não Pronuncia da qual se recorre nesta sede, o que torna inócua a declaração em causa da ausência de passivo, o que se verifica é que esta é relevante, pois constituiu o suporte bastante para a extinção imediata da sociedade sem que houvesse liquidação, ou seja, foi essencial o declarado pelos Arguidos e este foi tomado como verdadeiro para os fins para que serviu a ata - dissolução da Sociedade, radicando aqui, em termos criminais, a importância do que ali foi dito, já que põe em causa a segurança das relações jurídicas, possibilitando a aludida extinção sem aquela fase prévia.

            63. No mesmo sentido, foi recentemente proferido Acórdão também pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em 02 de Março de 2016, no âmbito do Processo n° 2 125/13.3 TAVIS.C1

            64. Nestes termos, há que necessariamente concluir, que foram recolhidos indícios suficientes e bastantes de que os Recorridos [. B... e C... , praticaram factos suscitáveis de integrarem a prática de um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo art.° 256º n° 1 al. d) do Código Penal.

            65. Face ao supra exposto deverá ser proferida a final DECISÃO QUE REVOGUE

            A DECISÃO PROFERIDA E DECIDA PRONUNCIAR OS ARGUIDOS B... . e C... . ora Recorridos para serem Julgados pela prática do crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo art.° 256° n° 1 al. d) do Código Penal.

            DAS NORMAS VIOLADAS:

            V. Art.° 256° n° 1 al. d) do Código Penal.

            Nestes termos, e nos mais em Direito consentidos que vós, Venerandos Juízes Desembargadores, muito doutamente suprireis, se requer SEJA O PRESENTE RECURSO JULGADO PROCEDENTE nos exatos termos supra expostos, e, a final, SER A DECISÃO INSTRUTÓRIA DE NÃO PRONUNCIA REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE PRONUNCIE OS ARGUIDOS B... . e C... . ora Recorridos para serem Julgados pela prática do crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo art.° 256° n° 1 al. d) do Código Penal.
            Para que, pela vossa douta palavra, se cumpra a consueta.

            7. O Ministério Público respondeu, concluindo do seguinte modo:

                1º - Tendo a A... sido notificada do arquivamento do inquérito e não se conformando com o mesmo, na qualidade de assistente veio requerer a abertura da instrução, defendendo que os arguidos deviam ser acusados pela prática do crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256°, n°1, ai. d), do Código Penal, pelo que, requer que seja proferido despacho de pronúncia nesse sentido.

                2° - Em 20 de junho de 2016 foi exarada a decisão instrutória, decidindo-se não pronunciar os arguidos C... e B... pela prática do crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256° n°1, do Código Penal, por se considerar que não existem indícios suficientes da prática deste ilícito criminal.

                3° - Em nosso entender, compulsados os autos, tal resulta da análise da prova existente no inquérito, mais concretamente do estudo da prova documental e testemunhal aí realizada e ainda da prova recolhida em sede de instrução.

                4° - No âmbito da instrução foi ouvida a arguida C... , a qual declarou em síntese que apesar de ser sócia da sociedade “ E... ” nunca acompanhou a atividade desenvolvida pela sociedade, referindo que o arguido B... , seu marido, é que se ocupava desses assuntos. Referiu também que na ocasião em que foi decidido o encerramento e liquidação da sociedade a mesma foi informada pelo marido e pela pessoa que tratava da contabilidade que essa era a melhor opção, pois a sociedade estava sem atividade há mais de um ano. Por seu turno, o arguido B... declarou que o valor em causa foi por si pago, mediante a entrega de um valor em dinheiro. Mais alegou que a elaboração da ata n°. 10, datada de 31 de Agosto de 2012, na qual foi declarado que a” E... ” não tinha passivo, nem ativo, foi feita por entender que, de facto, a sociedade não tinha ativo, nem passivo. A testemunha D... , funcionária na “ A... Lda.”, esclareceu que no âmbito das funções que desempenhava e desempenha na assistente é do seu conhecimento que o valor correspondente à venda a dinheiro n°5294-8 não foi pago.

                5º - Atendeu-se ainda à prova documental, sendo que como bem salienta a Mma. Juíza apenas em 13 de Março de 2013 foi proferida decisão na ação n° 65236/12.6 YIPRT, constando da mesma que para pagamento da venda a dinheiro n° 5294-8 não teria sido entregue qualquer valor. No entanto, até à data da decisão exarada na ação n° 65236/12.6 YIPRT (13 de Março de 2013) a questão não era pacífica, sendo divergente a posição assumida pela assistente e pelo arguido, reforçando essa divergência a circunstância de o aqui arguido (réu na referida ação) ter deduzido oposição, na qual o mesmo afirmou que o valor reclamado já se encontrava pago. Assim, considerando-se que a questão do pagamento do valor que constava na venda a dinheiro n°. 5294, datada de 23.11.2007, era controvertida, concluiu-se que não se encontra suficientemente indiciado que a elaboração da ata e as declarações que dela constam foram feitas pelos arguidos com o propósito de obstar a que assistente fosse ressarcida de qualquer prejuízo sofrido, consciente da falsidade dos mesmos.

                6° -A estes argumentos acresceu ainda o facto do valor em dívida, corresponder a € 264,20, valor que de acordo com as regras da experiência comum não justifica a elaboração de um plano por parte dos arguidos, conducente ao encerramento e liquidação da sociedade e visando diretamente obstar ao pagamento dessa importância.

                7° - Assim, concordando-se na íntegra com os factos dados como indiciados e não indiciados no despacho de não pronúncia, os quais se dão aqui por reproduzidos, bem como com a fundamentação aí explanada, defendemos que a prova carreada no âmbito da instrução não veio afastar a convicção já criada e exposta no despacho exarado pelo Ministério Público tutelar do inquérito que determinou o arquivamento do inquérito (cfr. artigo 277.°, n.°2, do C. P. P.)    

            8° - Deste modo, com o devido respeito cremos dever ser negado provimento ao recurso, mantendo-se o despacho de não pronúncia nos seus precisos termos, sendo que não se verifica a violação de quaisquer normas legais, designadamente do citado artigo 256°, n°1, ai. d) do C.Penal. Porém, decidindo, V. Exa farão a costumada  JUSTIÇA.  

            8. Nesta instância, o Ministério Público emitiu parecer no sentido de que o recurso deve ser julgado improcedente.

            9. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.

III

            Questão a apreciar:

            A verificação ou não do elemento subjetivo do crime de falsificação ou seja, a intenção de causar prejuízo a terceiro, no caso à assistente.

                       

IV

1. A decisão recorrida tem o seguinte teor[1]:

            B) Feita a análise crítica da decisão final do inquérito, designadamente por referência às diligências realizadas em inquérito e na instrução, consideram-se suficientemente indiciados os seguintes factos:

            1 - Os arguidos B... e C... eram os únicos sócios da sociedade comercial por quotas ” E... , Lda.”, pessoa colectiva nº. (...) , com sede no (...) Leiria.

            2 – O arguido B... era o único gerente daquela sociedade.

            3 – A sociedade “ E... , Lda.” tinha como objecto comercial a serralharia civil de alumínio e ferro, comércio e transformação de alumínio e construção civil.

            4 - A assistente “ A... Lda.” dedica-se ao comércio de perfis de alumínio, painel e acessórios.

            5 - No exercício da actividade comercial da assistente e da “ E... , Lda.” e a pedido desta, a primeira vendeu à segunda a mercadoria discriminada na Venda a Dinheiro nº. 5294-8, no valor de €264,20, datada de 23/11/2007.

            6 - A assistente apresentou requerimento de injunção contra a “ E... Lda.” e B... , em 10.04.2012, com vista à condenação dos requeridos no pagamento da quantia de € 264, 20, referente a um fornecimento de mercadorias; de € 162,68 a título de juros de mora vencidos e de € 51,00 a título de taxa de justiça com a apresentação da injunção, acrescidos dos juros de mora vincendos até efectivo e integral pagamento, tendo dado origem ao processo n° 65236/12.6YIPRT, que correu termos no 4° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Leiria

            7 - O arguido B... deduziu oposição à injunção alegando que a quantia reclamada foi integralmente paga.

            8 – Foi designada data para a realização da audiência de discussão e julgamento, a qual se realizou a 6 de Março de 2013, tendo sido junta em audiência de julgamento, pelo arguido B... , cópia da certidão de registo comercial da sociedade “ E... ”, da qual constava a sua dissolução e encerramento da liquidação, bem assim o cancelamento da matrícula em 07.09.2012, acompanhada com o requerimento para registo da dita dissolução e encerramento da liquidação e ainda da acta nº. 10, onde se decidiu naquele sentido, reportando-se à inexistência de activo e de passivo.

            9- Da acta nº.10 datada de 31 de Agosto de 2012 consta que foi colocada à discussão e votação a proposta de dissolução da sociedade, tendo a mesma sido aprovada por unanimidade e que pelo sócio e gerente B... foi afirmado que “em virtude de a sociedade, na presente data, já não ter qualquer activo ou passivo, se encontra em condições de poder ser dada como liquidada”.

            10- E ainda que “postas à votação, foram aprovadas, por unanimidade, as contas e o respectivo balanço de exercício final assim como a declaração de encerramento da liquidação por inexistência de activo e passivo”.

            11- Por sentença proferida em 13.03.2013 no processo nº. 65236/12.6 YIPRT foi dado como provado que “ Para pagamento da mercadoria referente à Venda a Dinheiro nº. 5294-8 no valor de € 264,20 e datada de 23.11.2007 não foi entregue qualquer valor pela E... ”.

***

            Factos não indiciados: Todos os restantes factos constantes do requerimento apresentado para a abertura de instrução por parte da assistente, nomeadamente e com relevância para a decisão a proferir, não se encontra suficientemente indiciado que:

            1- Os arguidos sabiam que tais declarações não correspondiam à verdade, já que sabiam que a sociedade mantinha passivo, consubstanciado, pelo menos, na dívida para com a denunciante no valor de 264,20 €.

            2 – Os arguidos agiram tendo em vista a extinção da sociedade, deixando deste modo a credora sem possibilidade de ver cobrado o seu crédito.

            3 - Os arguidos, ao prestarem aquelas declarações, para dissolução e liquidação e ao terem votado no sentido em que o fizeram, prestaram falsas declarações, pois bem sabiam que a sociedade detinha passivo, nomeadamente para com a assistente.

            4 - Os arguidos, directamente ou indirectamente, conheciam que o que ficou declarado na acta que serviu de base ao registo de dissolução e liquidação correspondia à verdade, sendo que, tais falsidades tinham como objectivo cessar a actividade daquela empresa e assim não permitir a cobrança da dívida pela assistente pela via judicial.

            5 - Os arguidos conheciam perfeitamente que tais declarações em nada correspondiam à verdade da empresa, mas no entanto, tal não os impediu de as prestarem e depois terem as mesmas servido de base ao registo de dissolução e liquidação.

            6 - Os arguidos agiram de forma livre, consciente, e voluntária, bem sabendo que tais declarações lhes trariam um benefício ilegítimo, assim como prejuízo para a assistente.

            7 – Os arguidos sabiam que a sua conduta era proibida e punida por Lei.

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            C) Motivação:

            Os factos indicados como “indiciados” resultam da prova existente no inquérito, concretamente da análise da prova documental e testemunhal e ainda da prova recolhida em sede de instrução e que consistiu no interrogatório dos arguidos e na inquirição da testemunha D... .

            Da conjugação da referida prova não se suscita qualquer dúvida de que no período a que se reporta a venda a dinheiro nº.5294-8, datada de 23.11.2007, a “ A... , Lda. e a “ E... , Lda.” mantinham relações comerciais, tendo a primeira fornecido à segunda e pelo valor de € 264,20 as mercadorias que se encontram identificadas na venda a dinheiro nº. 5294-8 (fls.15).

            Tal factualidade foi integralmente confirmada pelas declarações prestadas pelo arguido B... e ainda pelas declarações prestadas pela testemunha D... .

            Cumpre ainda referir que a factualidade em causa encontra-se ainda indiciada em função da prova documental junta aos autos, concretamente em função da cópia da referida venda a dinheiro e que se encontra a fls.15 dos autos.

            No que concerne ao objecto social de ambas as sociedades e ainda no que concerne à qualidade que os arguidos B... e C... assumiam na sociedade “ E... ”, tal resulta indiciado em função da prova documental, concretamente da cópia da certidão da matrícula da sociedade “ E... ”, junta a fls. 11 a 13 dos autos, e ainda em função das declarações prestadas pelos arguidos e pela testemunha D... , os quais confirmaram tal factualidade.

            Relativamente à factualidade indicada sob os pontos nº. 6 a 11 dos factos indiciados a mesma resulta da análise da documentação apresentada nos autos, concretamente de fls.20 a 32 e referente à acção intentada pela “ A... Lda.” contra “ E... Lda.” e contra o arguido B... , tendo tal factualidade sido confirmada em função das declarações prestadas pelos arguidos e pela testemunha D... em sede de instrução.

            Relativamente à factualidade indicada como “não indiciada” tal resulta da ausência de prova relativamente à mesma.

            Cumpre a este propósito referir e citando aqui Germano Marques da Silva (in Curso de Processo Penal, Faculdade de Direito, editora Verbo, tomo III, pág. 183) que “ Na pronúncia o juiz não julga a causa; verifica se se justifica que com as provas recolhidas no inquérito e na instrução que o arguido seja submetido a julgamento para ser julgado pelos factos da acusação. A Lei só admite a submissão a julgamento desde que a prova dos autos resulte uma probabilidade razoável de ao arguido ser aplicada, por força delas, uma pena ou medida de segurança”.

            Como aí se refere para tal “ Não se basta a lei, porém, com um mero juízo subjectivo, mas antes exige um juízo objectivo e fundamentado nas provas dos autos. Da apreciação crítica das provas recolhidas no inquérito e na instrução há-de resultar a convicção da forte probabilidade ou possibilidade razoável de que o arguido seja responsável pelos factos da acusação”.

            Ao juiz de instrução exige-se pois que formule um prognóstico, uma previsão sobre o que acontecerá em julgamento.

            A este respeito a jurisprudência tem vindo a admitir a aplicação do princípio “ in dúbio pro reo” em todas as fases do processo (neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16.11.2010, disponível in www.dgsi.pt, no qual se mencionam ainda os acórdãos da Relação de Lisboa de 28.02.1996 e de 02.05.2006 e o Acórdão do Tribunal Constitucional nº. 439/02, no qual se considerou que a “ interpretação normativa dos artigos citados – 286º, nº. 1, 298º e 308º, nº. 1 do Código de Processo Penal – que exclui o princípio in dubio pro reo da valoração da prova que subjaz à decisão de pronúncia reduz desproporcionada e injustificadamente as garantias de defesa, nomeadamente a presunção de inocência do arguido, prevista no artigo 32º, nº. 2 da Constituição”.

            Assim, impõe-se uma apreciação crítica da prova já produzida e em caso de dúvida razoável e insanável sobre os factos descritos na acusação, o tribunal deve decidir a favor do arguido.

            No entanto não é toda a dúvida que legítima o funcionamento deste princípio, mas apenas a dúvida argumentada que, em concreto e após a produção e análise crítica da prova deixa o julgador num estado em que permanece como razoável e possível mais do que uma versão sobre o mesmo facto.

            Ora regressando ao caso concreto esta é a situação que se verifica no caso concreto e no que concerne aos factos que foram indicados como não indiciados, factos estes integradores do elemento subjectivo do crime de falsificação de documento.

            Em instrução foi ouvida a arguida C... a qual declarou que apesar de ser sócia da sociedade “ E... ” nunca acompanhou a actividade desenvolvida pela sociedade, referindo que o arguido B... , seu marido, é que se ocupava desses assuntos. A arguida declarou ter a sua ocupação profissional, como ortopedista, sendo que nunca desempenhou qualquer actividade na “ E... ”, nem contactou com clientes, nem com fornecedores, limitando-se a ter conhecimento do que lhe era relatado pelo seu marido. A arguida esclareceu ainda que na ocasião em que foi decidido o encerramento e liquidação da sociedade a mesma foi informada pelo marido e pela pessoa que tratava da contabilidade que essa era a melhor opção, pois a sociedade estava sem actividade há mais de um ano. A arguida declarou ainda que o seu marido, o arguido B... , nessa ocasião, já se encontrava a trabalhar por conta de outra pessoa. A arguida por último afirmou que desconhecia se existia algum valor por pagar e que fosse decorrente da actividade desenvolvida pela sociedade “ E... ”.

            O arguido B... foi interrogado e declarou que adquiriu à “ A... ” a mercadoria identificada na venda a dinheiro, tendo referido que esse valor foi pago por si e mediante a entrega de um valor em dinheiro. O mesmo referiu que a elaboração da acta nº. 10, datada de 31 de Agosto de 2012, na qual foi declarado que a “ E... ” não tinha passivo, nem activo, foi feita a conselho da pessoa que tratava da contabilidade, sendo que a sociedade não tinha activo, nem passivo e por essa razão prestou as declarações que constam nessa acta, referindo ainda o arguido que não podia garantir se nessa data já tinha conhecimento de que a assistente teria intentado contra si uma acção em Tribunal. No entanto o arguido declarou que não se encontrava qualquer valor em divida. A testemunha D... declarou que é funcionária na “ A... Lda.” e que no âmbito das funções que desempenhava e desempenha na assistente é do seu conhecimento que o valor correspondente à venda a dinheiro nº. 5294-8 não foi pago. A mesma referiu que por diversas vezes contactou com o arguido e pediu ao mesmo que efectuasse o pagamento do valor em dívida. A testemunha declarou igualmente que teve conhecimento que a sociedade “ E... ” fechou as portas e que deixou de ter actividade no ano de 2008. A testemunha esclareceu que desconhece se a E... em 2012 teria quaisquer bens, referindo ainda ser do seu conhecimento que nesse ano, ou seja, em 2012, o arguido já estaria a trabalhar por conta de outra pessoa. A testemunha referiu ainda que em nenhuma ocasião contactou com a arguida C... , nem na sequência de assuntos relacionados com o pagamento do valor em dívida, nem por qualquer outro assunto relacionado com as relações comerciais que existiam entre a “ A... ” e a “ E... ”.

            Importa ainda referir que de acordo com a versão apresentada pelo arguido B... na ocasião em que foi elaborada a acta em análise não existia qualquer valor por pagar e da responsabilidade da sociedade da qual era sócio e gerente.

            A arguida C... , foi sócia da “ E... ”, mas para além de assumir essa qualidade não contactou com nenhum representante da “ A... Lda.”, concretamente no que respeita à aquisição do material que se encontra descrito na venda a dinheiro.

O arguido B... era a pessoa que desempenhava as funções de gerente e era a pessoa que contactava directamente quer com os clientes, quer com os fornecedores e geria a vida da sociedade.

            No entanto o arguido declarou que para si não se encontrava qualquer valor em dívida, concretamente o valor a que se reporta a venda a dinheiro nº. 5294-8.

            O mesmo declarou que a elaboração da acta nº. 10 e as declarações que fizeram constar na mesma correspondem à verdade, sendo que a referida acta foi elaborada seguindo os conselhos da contabilista e dado que a “ E... ” já não tinha actividade há mais de um ano.

            Apenas em 13 de Março de 2013 foi proferida decisão na acção nº. 65236/12.6 YIPRT, constando da mesma que para pagamento da venda a dinheiro nº. 5294-8 não teria sido entregue qualquer valor.

            No entanto e até essa data a questão não era pacífica, sendo divergente a posição assumida pela assistente e pelo arguido no âmbito da acção nº. 65236/12.6 YIPRT, reforçando essa divergência a circunstância de o aqui arguido (réu na referida acção) ter deduzido oposição na qual o mesmo afirmou que o valor reclamado já se encontrava pago.

            Assim e face ao exposto considera-se que a questão do pagamento do valor que constava na venda a dinheiro nº. 5294, datada de 23.11.2007, era controvertida, sendo que face à prova produzida não se encontra suficientemente indiciado que a elaboração da acta e as declarações que dela constam foram feitas pelos arguidos com o propósito de obstar a que assistente fosse ressarcida de qualquer prejuízo sofrido.

            Da prova produzida resulta indiciado que a “ E... ” já não tinha na data da elaboração da acta, ou seja, em 31 de Agosto de 2012, qualquer actividade, tendo já encerrado as suas instalações. Nessa ocasião o arguido B... encontrava-se já a trabalhar para terceiros. A arguida C... tinha, como sempre teve, outra actividade profissional, sendo pessoa alheia à vida da “ E... ”.

            Acresce ao exposto que o valor em dívida, correspondente em singelo a € 264,20, não surge como um valor que de acordo com as regras da experiência comum justifique a elaboração de um plano por parte dos arguidos e conducente ao encerramento e liquidação da sociedade visando directamente obstar ao pagamento dessa importância.

            Assim e sem esquecer que em 10 de Abril de 2012 tinha dado entrada em tribunal o requerimento apresentado pela “ A... “, nos termos do qual se reclamava o pagamento do valor de € 264,20 e legais acréscimos, não se considera que tenha sido produzida prova suficiente no sentido de indiciar que em Agosto de 2012, os arguidos e de comum acordo decidiram elaborar a acta nº. 10, fazendo constar da mesma as declarações que dela constam, as quais sabiam não corresponder à verdade e que os arguidos actuaram com o objectivo de causar à aqui assistente um prejuízo de natureza patrimonial.

            Face ao exposto o tribunal considerou não indiciados os factos supra referidos.

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D) Do Direito.

A assistente imputa aos arguidos a prática, em co-autoria, de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo artigo 256º do Código Penal.

No que respeita ao crime de falsificação de documento, dispõe o artigo 256.º do Código Penal:

1 - Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime:

a) Fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo;

b) Falsificar ou alterar documento ou qualquer dos componentes que o integram;

c) Abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento;

d) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante;

e) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores; ou f) Por qualquer meio, facultar ou detiver documento falsificado ou contrafeito; é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.

2 - A tentativa é punível.

3 - Se os factos referidos no n.º 1 disserem respeito a documento autêntico ou com igual força, a testamento cerrado, a vale do correio, a letra de câmbio, a cheque ou a outro documento comercial transmissível por endosso, ou a qualquer outro título de crédito não compreendido no artigo 267.º, o agente é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias.

4 - Se os factos referidos nos n.os 1 e 3 forem praticados por funcionário, no exercício das suas funções, o agente é punido com pena de prisão de um a cinco anos.”

O crime de falsificação de documento visa proteger a verdade intrínseca do documento enquanto tal, por outras palavras, visa proteger a segurança no tráfico jurídico relacionada com os documentos (neste sentido veja-se Helena Moniz em Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo III, pág. 680, Matos Fernandes, in Falsificação de Documentos, Moeda, Pesos e Medidas, CJ ano IX, Tomo IV, pág. 31).

Acentua-se, deste modo, as duas funções que o documento pode ter: função de perpetuação que todo o documento tem em relação a uma declaração humana e função de garantia, pois cada autor do documento tem a garantia de que as suas palavras não serão desvirtuadas e apresentar-se-ão tal qual como ele num certo momento e local as expôs.

A simples falsificação do documento é suficiente para preencher a conduta objectivamente típica, uma vez que o legislador presume ser a mesma potencialmente lesiva do bem jurídico protegido com o preceito incriminador (crime de perigo abstracto).

Porém, só se verifica a efectiva lesão daquele quando o documento falso é apresentado, utilizado como meio de prova de algum facto, isto é, quando o documento é colocado no tráfico jurídico. Antes disso, existe apenas perigo de lesão do bem jurídico, e não ainda, lesão daquele.

Para o preenchimento do tipo objectivo deverá o arguido praticar para além do acto de falsificação, um dos tipos de actividades previstas nas alíneas a), b) ou c).

Ao nível do tipo subjectivo de ilícito, estando em causa o crime de falsificação de documento, a lei não se basta com o conhecimento da factualidade típica e da vontade de realização do tipo legal de crime (dolo, enquanto elemento subjectivo geral da ilicitude), exigindo, ainda, uma particular intenção de praticar o crime, o chamado elemento subjectivo específico do ilícito, no caso, uma especial “intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo”.

Assim sendo, só é punível pelo crime de falsificação de documento o que agiu com aquele dolo específico. Estamos, então, perante aquilo que a doutrina designa como crime intencional, em que basta a intenção de atingir um determinado resultado para preencher o tipo de ilícito, não sendo necessário o efectivo alcance ou verificação para que o agente seja punido.

No entanto e no caso concreto o que verdadeiramente está em causa são as declarações feitas pelos arguidos, enquanto sócios da “ E... ”, declarações consignadas na acta nº.10, elaborada em 31 de Agosto de 2012 e que consistiram na declaração de inexistência de activo e de passivo da responsabilidade da referida sociedade, sendo que de acordo com a assistente os arguidos sabiam que tais declarações não correspondiam à verdade e que ao actuarem da forma descrita conduziram à extinção da sociedade e inviabilizaram a cobrança por parte da assistente do valor que lhe era devido.

Como já se deixou exposto no caso concreto não resultou suficientemente indiciado que na data da elaboração da referida acta os arguidos assumissem que a sociedade da qual eram sócios fosse devedora do valor reclamado pela assistente, nem resultou indiciado que ambos os arguidos e de comum acordo tenham decidido fazer constar qualquer declaração nessa mesma acta com a intenção e vontade de causar prejuízo à assistente, obtendo um benefício ilegítimo.

Assim sendo terá que ser proferido despacho de não pronúncia.

**

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V) Decisão:

Face ao exposto decide-se não pronunciar a arguida C... e o arguido B... e pela prática de crime de falsificação de documento p. e p. pelo artigo 256º nº. 1 do Código Penal.

V

Apreciando:

1. Está em causa a apreciação de eventual pronúncia dos dois arguidos pela prática do crime de falsificação de documento previsto pelo art.° 256º n° 1 al. d) do Código Penal.

É esta a pretensão da recorrente/assistente “ A... Lda.”.

Diz o respetivo artigo 256º, nº 1, alínea d), do Código Penal:

            “1 - Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime,

            …

            d) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante,

é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa”.

Todo o crime, para ser legalmente punível, para além da identificação do seu agente ou autor, integra dois elementos essenciais: o elemento objetivo e o elemento subjetivo.

De um modo muito simplificado, pode afirmar-se que no caso em análise, o elemento objetivo se traduz na “afirmação” ou declaração feita pelos dois arguidos em ata de dissolução da sociedade “ E... ”, de que esta não tinha qualquer passivo, nomeadamente a dívida para com a assistente no valor de €264,20, correspondente ao fornecimento de bens por esta àquela.

Foi na sequência desta ata, aprovada por ambos os sócios – ora arguidos -, que esta sociedade “ E... ” foi dissolvida.

Já o elemento subjetivo consiste em apurar – no caso, indiciar-se -, que com esta declaração na respetiva ata, visaram ou tiveram os arguidos a intenção de causar à assistente “ A... Lda.” um prejuízo daquele montante, o correspondente ao valor do fornecimento da mercadoria (acrescido de eventuais juros e acréscimos legais decorrentes do cumprimento tardio da obrigação).

 O Tribunal recorrido deu como assente – indiciado -, o elemento objetivo mas já não o elemento subjetivo.

A decisão recorrida é sobremaneira esclarecedora e convincente da bondade do decidido. Na decisão recorrida estão descritos todos os factos – que nos dispensamos de repetir -, com base nos quais o julgador a quo entende que esta exigida intenção legal de causar um prejuízo à assistente, não está ínsita na declaração feita pelos arguidos na ata de dissolução da sociedade.

Conforme se explicita na decisão recorrida, o tipo de crime em causa, não se satisfaz com um dolo qualquer. Ou seja, não basta que, perante o teor da afirmação/declaração feita pelos arguidos na respetiva ata, era de concluir, para o normal/médio cidadão, que a assistente não seria ressarcida do valor respeitante à mercadoria fornecida à sociedade “ E... ”. Exige este tipo de crime que a declaração em si mesma, feita pelos arguidos, tenha subjacente o conhecimento pelos arguidos dessa dívida e que a declaração tenha como intenção direta o não pagamento dessa mesma dívida. É o designado dolo específico por contraposição ao dolo genérico[2].

Não tendo o julgador a quo dado por indiciado este dolo, esta intenção dos arguidos em causar um prejuízo direto à assistente com a afirmação que ficou a constar da ata (inexistência de ativo e passivo), é precisamente esta decisão que deve ser sindicada.

2. A intenção (no caso, de prejudicar a assistente), como subjetiva que é, cai no foro íntimo do agente. Pelo que, ou o mesmo confessa expressamente essa sua intenção ou a mesma terá que resultar, inferir-se, de algum modo, através de outro mecanismo que dê garantias ao julgador que a intenção do agente era num determinado sentido.

É esta a solução jurisprudencial conhecida:

- Ac. deste TRC de 21-01-2015, proferido no proc. nº 15/12.6GAMMV.C1:

            III - O dolo – o conhecimento e vontade de praticar o facto com consciência da sua censurabilidade [em qualquer das modalidades previstas no art. 14º do C. Penal] – é sempre um facto da vida interior do agente, um facto subjectivo, não directamente apreensível por terceiro e por isso, a sua demonstração probatória, quando não exista confissão, não pode ser feita directamente, designadamente, através de prova testemunhal. Nestes casos, a prova do dolo só pode ser feita por inferência, terá que resultar da conjugação da prova de factos objectivos – em especial, dos que integram o tipo objectivo de ilícito – com as regras de normalidade e da experiência comum.

            - Ac. do S.T.J. de 01.04.93 in BMJ n.º 426, pág. 154:

            "Dado que o dolo pertence à vida interior e afectiva de cada um e, é portanto, de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão, só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns, de que o mesmo possa concluir-se, entre os quais surge, com a maior representação, o preenchimento dos elementos materiais integrantes da infracção. Pode, de facto, comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções materiais ligadas ao princípio da normalidade ou da regra geral de experiência.”

3. Os factos objetivos existem nos autos e foram em nosso entender, devidamente avaliados.

Estamos a falar de uma dívida no valor de €264,20, ou seja, um valor reduzido, diminuto na atividade empresarial de uma sociedade. Pelo que, segunda as regras da experiência, nada aponta para que uma sociedade decidisse dissolver-se para obstar ao pagamento desta dívida!!!

Por outro lado, esta sociedade, a “ E... ”, há mais de um ano que não tinha atividade. Tendo sido a “conselho” da contabilista que foi elaborada a ata com vista à dissolução.

E aceita-se esta deliberação de dissolução, perante a sua inatividade, pois enquanto tal não acontecesse, a mesma (sociedade), continuaria a ser sujeito ativo de obrigações, nomeadamente perante a Fazenda Nacional, sob diferentes perspetivas.

Poder-se-á argumentar que esta decisão de dissolução não impedia o reconhecimento da dívida perante a assistente.

Sendo esta a essência da questão, mostra-se a mesma explicitada no teor da decisão:

Trata-se de uma dívida que remonta ao ano de 2007. Dívida esta que o arguido B... , na qualidade de sócio gerente responsável pela gerência efetiva da sociedade, não reconhecia/reconheceu mesmo perante o processo de injunção que deu entrada em Tribunal uns meses antes[3] da elaboração da ata de dissolução. De tal modo que foi deduzida oposição judicial a esta dívida com o fundamento de que a quantia reclamada havia sido integralmente paga.

A ata nº10 é datada de 31 de Agosto de 2012.

A sociedade “ E... ”, veio mesmo a ser dissolvida com encerramento da liquidação e cancelamento da matrícula em 07.09.2012.

De onde se conclui que a intenção dos arguidos visava a extinção última desta sociedade, não sendo de intuir que tal extinção era para obstar ao pagamento da dívida à assistente.

Apenas por sentença proferida em 13.03.2013 no processo nº. 65236/12.6 YIPRT foi dado como provado que “ para pagamento da mercadoria referente à Venda a Dinheiro nº. 5294-8 no valor de € 264,20 e datada de 23.11.2007 não foi entregue qualquer valor pela E... ”.  Ou seja, muito tempo depois da elaboração da ata em questão e da dissolução da sociedade.

No seu juízo de apreciação e valoração dos factos, concorda-se pois, com a posição do julgador a quo quanto aos factos que julgou não indiciados, a saber:

            - Os arguidos sabiam que tais declarações não correspondiam à verdade, já que sabiam que a sociedade mantinha passivo, consubstanciado, pelo menos, na dívida para com a denunciante no valor de 264,20 €.

            - Os arguidos, ao prestarem aquelas declarações, para dissolução e liquidação e ao terem votado no sentido em que o fizeram, prestaram falsas declarações, pois bem sabiam que a sociedade detinha passivo, nomeadamente para com a assistente.

            - Os arguidos, directamente ou indirectamente, conheciam que o que ficou declarado na acta que serviu de base ao registo de dissolução e liquidação correspondia à verdade, sendo que, tais falsidades tinham como objectivo cessar a actividade daquela empresa e assim não permitir a cobrança da dívida pela assistente pela via judicial.

            - Os arguidos conheciam perfeitamente que tais declarações em nada correspondiam à verdade da empresa, mas no entanto, tal não os impediu de as prestarem e depois terem as mesmas servido de base ao registo de dissolução e liquidação.

            - Os arguidos agiram de forma livre, consciente, e voluntária, bem sabendo que tais declarações lhes trariam um benefício ilegítimo, assim como prejuízo para a assistente.

            – Os arguidos sabiam que a sua conduta era proibida e punida por Lei.

Estes factos não indiciados harmonizam-se e são o resultado lógico e racional dos demais factos indiciados, numa interpretação e valoração segundo as normais regras da experiência.

Importa dizer ou vincar, que não está em causa a dívida da sociedade “ E... ” que veio a ser reconhecida judicialmente pelo tribunal no processo identificado. O resultado deste reconhecimento é o funcionamento normal das regras jurídicas aplicáveis, maxime quanto ao ónus da prova, pois à assistente competia provar o fornecimento e à “ E... ” competia provar o pagamento, o que, pelos vistos, não conseguiu provar.

Outra coisa diferente é a apreciação que deve ser feita desta dívida quanto a eventual crime de falsificação nos termos pretendidos pela assistente.

O reconhecimento e a constatação desta dívida cível, não significa, sem mais, a presença de um crime de falsificação. São situações jurídicas diferentes. Com certeza que o direito penal é mais exigente que o reconhecimento da dívida civil. Não se basta com a constatação de que a dívida efetivamente existe. O relevante é a conduta dos arguidos no momento da elaboração da ata com vista à dissolução da sociedade “ E... ”. E neste aspecto já vimos que não se vislumbra existir qualquer intenção dos arguidos, ao fazerem a declaração em ata, de que a sociedade não tinha qualquer passivo com a intenção de obstar ao pagamento da dívida para com a assistente que, naquele concreto momento, não só não era reconhecida pelo gerente B... como não estava reconhecida judicialmente.    Situação bem diferente seria se porventura o reconhecimento desta dívida, o mesmo é dizer, a data da sentença, fosse anterior à elaboração da ata em causa. Mas não é o caso.

Por todos estes considerandos, não existe qualquer fundamento válido para se poder afirmar com o mínimo de certeza legal e necessariamente exigível, que os arguidos agiram com a intenção de prejudicar ou causar um prejuízo à assistente, por mais diminuto que seja.

Quanto à arguida C... , desde logo, porque a mesma não tinha qualquer gerência efetiva da sociedade, pelo que dificilmente lhe seria exigível que soubesse da existência de qualquer dívida.

Quanto ao arguido B... , pelos fundamentos já invocados, onde se conta essencialmente todo o desenrolar processual e jurídico do apuramento da dívida, que se iniciou com a sua oposição expressa à mesma.

Finalmente, porque tudo indicia que a elaboração da ata não teve nem visava qualquer posição sobre a dívida que veio a ser reconhecida à assistente – curiosamente, sem qualquer condenação legal na sentença.

            Nos termos do artigo 308º, nº 1, do mesmo diploma, se tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia.

            Para que se verifiquem tais pressupostos de aplicação de uma pena, com certeza que terão de se mostrar indiciados os factos integrantes de um crime e o seu autor.

            No caso, falta manifestamente um elemento essencial que é o elemento subjetivo do crime em causa ou seja, a intenção de os arguidos com a sua conduta pretenderem causar um prejuízo à assistente.

            O que justifica não merecer a decisão recorrida qualquer censura.

VI

Decisão

Por todo o exposto, decide-se julgar improcedente o recurso da recorrente/assistente “ A... Lda.”, mantendo-se a decisão recorrida.

            Custas a cargo da recorrente com a taxa de justiça que se fixa em 5 (cinco) UCs.

Coimbra, 25 de Janeiro de 2017

(Luís Teixeira – relator)

(Vasques Osório - adjunto)


[1] No que releva para a apreciação do recurso.
[2] Sobre este aspecto v. FIGUEIREDO DIAS, in Direito Penal, Parte Geral, Tomo 1, Questões fundamentais, A doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, 2. Edição, pág. 380:

“…Casos há, porém, que «o tipo de ilícito é construído de tal forma que uma certa intenção surge como uma exigência subjectiva que concorre com o dolo do tipo ou a ele se adiciona e dele se autonomiza», que é o caso, por excelência, dos doutrinalmente chamados crimes de intenção ou de resultado cortado”.

[3] Em 10.04.2012.