Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
114/20.0T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: INVENTÁRIO
MAPA DA PARTILHA
RECLAMAÇÃO
COMPOSIÇÃO DOS QUINHÕES
Data do Acordão: 05/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE FIGUEIRÓ DOS VINHOS DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGOS 1117.º E 1120.º, N.ºS 1 E 5, AMBOS DO CPC
Sumário: Na fase das reclamações contra o mapa da partilha não assiste aos interessados a faculdade de requerem a composição dos quinhões em contradição com o despacho determinativo da partilha.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]                                                                                   *

1 – RELATÓRIO

Foi instaurado em 19.05.2016 no Cartório Notarial ... – Notária em ..., inventário para partilha das heranças de AA e BB (cumulado), nos quais figuravam como interessados CC, DD e EE, e sendo o primeiro destes interessados o cabeça-de-casal.

O processo correu os seus trâmites, sendo que ainda em sede desse inventário notarial, procedeu-se a conferência de interessados, no âmbito da qual se adjudicou ao interessado CC a verba n.º 45, por ter oferecido proposta de maior valor, bem como lhe foram adjudicados todos os restantes bens constantes da sua proposta, e, não tendo sido apresentada qualquer proposta sob as verbas n.ºs 6 a 12, 22, 34 e 92 a 94, decidiu-se que a verba n.º 94 fosse adjudicado aos interessados DD e EE, em comum e partes iguais, pelo valor € 6.953,00.

Sucedeu assim que, em sede de conferência de interessados, o cabeça de casal apresentou proposta para que lhe fosse adjudicados bens, os quais se decidiu ficarem a este adjudicados.

*

            Por despacho proferido em 9/07/2017 pela Sr.ª Notária, foram os advogados dos

interessados notificados para se pronunciarem sobre a forma da partilha de acordo com o artigo 57.º do RJPI, sendo que em relação concretamente à forma da partilha pronunciou-se apenas o interessado CC, o qual para além de ter apresentado a sua forma de partilha, suscitou concomitantemente a questão prévia de nulidade do testamento outorgado pelo inventariado BB.

                                                                       *

            Por despacho da Sr.ª Notária datado de 06/01/2020, foram os autos remetidos ao tribunal competente, a saber, o Juízo de Competência Genérica de ....

                                                                       *

Por despacho judicial datado de 30/04/2020, determinou-se a suspensão da instância em virtude de correr termos o processo comum n.º 1884/19...., nesse mesmo Tribunal, na qual eram partes como autor DD, menor, representado pela sua progenitora FF e como réu CC, e no âmbito da qual se apreciou a questão da (in)validade do supra-referido testamento outorgado pelo Inventariado BB, questão essa prejudicial que a ser decidida releva para a definição de direitos de interessados diretos na presente partilha.

                                                           *

            Por sentença proferida no âmbito deste dito processo n.º ...9..., a 15-07-2020, e transitada em julgado a 30-09-2020, decidiu-se declarar que o «testamento, identificado no ponto 7) dos factos provados [testamento público, lavrado no Livro de Testamentos Públicos e Escrituras de Revogação de Testamentos n.º 7, de folhas cento e trinta quatro a folhas cento e trinta e quatro verso], no que concerne às disposições testamentárias, é válido quanto ao seu valor e nulo/inválido quanto à substância, convertendo-se ope legis em legado de valor;», sendo de notar que o valor do legado é de 144.000,00€.

                                                                       *

            Em 15/12/2020 pelo Exmo. Juiz de 1ª instância foi proferido despacho determinativo da forma da partilha, do qual consta, com relevância, o seguinte:

«(…)

Atendendo a que a tramitação subsequente do processo deve revelar-se idónea a conciliar o respeito pelos efeitos dos actos processuais já regularmente praticados, em sede de inventário notarial, com o ulterior processamento do inventário judicial, há que sobrelevar o seguinte:

- em sede de inventário notarial, procedeu-se a conferência de interessados, no âmbito da qual se adjudicou ao interessado CC a verba n.º 45, por ter oferecido proposta de maior valor, bem como lhe foram adjudicados todos os restantes bens constantes da sua proposta, e, não tendo sido apresentada qualquer proposta sob as verbas n.ºs 6 a 12, 22, 34 e 92 a 94, decidiu-se que a verba n.º 94 fosse adjudicado aos interessados DD e EE, em comum e partes iguais, pelo valor € 6.953,00;

- na vigência do RJPI (Lei n.º 23/2013, de 05 de Março) a conferência de interessados precedia a prolação de despacho sobre a forma de partilha (artigos 49.º e 57.º da Lei n.º 23/2013, de 05 de Março), o que se inverteu no novo regime de inventário judicial (artigos 1110.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil).

- a tramitação subsequente do presente inventário deve respeitar aqueles efeitos.

Segue-se, por isso, a prolação de despacho determinativo da forma da partilha, mantendo-se integralmente os efeitos do anteriormente processado.

(…)

Os bens a partilhar (acervo hereditário) são compostos pelos bens que integram a relação de bens apresentada pelo cabeça-de-casal a fls. 215-233, com as rectificações operadas pelo despacho da Sr.ª Notária de 18 de Maio de 2017.

 (…)

IV – Em face do exposto, deve proceder-se à partilha do seguinte modo:

a) Quanto à herança da inventariada AA:

(…)

b) Quanto à herança do inventariado BB:

i) O valor da herança, correspondente à soma da metade referida supra em 2), mais a metade do valor dos bens comuns, mais os bens próprios do inventariado, nos termos do disposto nos artigos 2131.º, 2133.º, n.º1, al.a), e 2139.º, n.º 2, todos do Código Civil.

ii) o valor total divide-se em duas partes iguais, constituindo uma delas o valor da quota indisponível do inventariado e a outra metade o valor da sua quota disponível – artigo 2159.º, n.º 2, do Código Civil.

iii) o valor da quota indisponível do inventariado cabe ao cabeça-de-casal (constituindo a sua legítima subjectiva);

iv) na quota disponível do inventariado começa por imputar-se o valor dos legados [o valor pecuniário das coisas objecto do legado e apenas à parte que pertencia ao inventariado – artigos 1685.º, n.º 2, e 2252.º, n.ºs 1 e 2, do CódigoCivil] que o inventariado deixou aos interessados EE e DD e, se o valor de tais legados exceder o valor da quota disponível, o excesso será imputado na legítima subjectiva do cabeça-de-casal, sendo reduzido o legado de valor se exceder a quota disponível do inventariado e a legítima subjectiva do cabeça-de-casal;

v) havendo sobras da quota disponível, o valor das mesmas caberá aos interessados EE e DD.

                                                                       *

O preenchimento dos respectivos quinhões será efectuado em conformidade com o que foi parcialmente acordado na conferência de interessados em sede de inventário notarial.

*

Tendo havido licitações e adjudicações de verbas em sede de conferência de interessados no inventário notarial, mas inexistindo propostas quanto a outros bens relacionados, para a realização da conferência de interessados, designa-se o dia 21 de Janeiro de 2021, pelas 14h00, que se destina, em primeiro lugar, à tentativa de procurar uma solução amigável para a partilha, ainda que parcial, dos restantes bens e a proceder à composição dos quinhões dos interessados, deliberação do passivo e forma do seu pagamento, bem como sobre a forma de cumprimento de legados e demais encargos da herança – cf. artigos 1110.º, n.ºs 2, al. b), e 4, e 1111.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4, do Código de Processo Civil, na redacção dada pela Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro.

(…)»

                                                           *

Esta dita conferência de interessados veio a realizar-se efetivamente em 28/01/2021, e nela, constatada a falta de acordo entre os interessados, decidiu-se prosseguir com a abertura de licitações entre eles, nos termos do art. 1113º, nº1 do n.C.P.Civil, para o que se entendeu formar dois lotes, a saber, o primeiro composto pelos bens 6,8, 9, 10,11, 15, 22 e 34 (cujo valor base foi determinado ser de € 1.780,00)  e um segundo lote com as a verbas 92 e 93 (cujo valor base foi determinado ser de € 9.716,50), mais se determinando que se prosseguiria com a continuação da Conferência de Interessados, com licitações desses lotes, no dia 10/02/2021.                                                                                                        *

Na continuação dessa conferência de interessados, em 10/02/2021, pelo Exmo. Juiz de 1ª instância foi perguntado aos presentes se algum dos interessados pretendia licitar algum dos ditos lotes, sendo que a resposta dos interessados foi negativa, face ao que veio a ser proferido o seguinte despacho:

«Considerando a posição assumida pelos interessados e concluídas as diligências previstas no artigo 1113.º e seguintes do Código de Processo Civil, notificam-se os interessados e o Ministério Público, para no prazo de 20 dias, (…), juntar proposta de mapa da partilha, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1120.º, n.º 1, do Código Processo Civil.-

Notifique.»

                                                           *

Após vicissitudes processuais, e face à posição do cabeça-de-casal (CC no sentido de que as verbas não licitadas deviam nos termos do artigo 1120.º, n.º 4, alínea b) do Código de Processo Civil, e ainda nos termos do artigo 1117.º, serem sorteadas entre os interessados DD e EE (fazendo-se se necessário dois lotes de montantes iguais, tudo para preenchimento dos respetivos quinhões hereditários), e à posição dos interessados DD e EE no sentido de que os bens descritos sob as verbas nº(s) 6, 8, 9, 10, 11, 15, 22, 34, 92 e 93, fossem adjudicados ao cabeça de casal, na proporção do valor que lhe faltar para preenchimento do seu quinhão, foi decidido pelo Exmo. Juiz de 1ª instância, por despacho proferido em 7/05/2021, que era de prosseguir com a «(…) realização de sorteio, entre todos os interessados, dos bens sobrantes correspondentes às verbas n.º s 6, 8, 9, 10, 11, 15, 22, 34, 92 e 93, por aplicação analógica do artigo 1117.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), do Código Civil (artigo 10.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil)», sendo que para tal efeito se designou o dia 24 de Maio de 2021.

                                                           *

Em 24/05/2021, constando de Ata Judicial designada por “Sorteio”, foi decidido pelo Exmo. Juiz de 1ª instância para o que ora releva o seguinte:

«(…)

O quinhão do cabeça-de-casal já se encontra excedido (isto é, licitou em excesso), pelo que o sorteio que se determinou será feito quanto às aludidas verbas e apenas entre os interessados DD e EE, com vista a preencher os seus quinhões, formando-se, para tal, dois lotes sensivelmente iguais (natureza e valor dos bens), sendo o primeiro lote designado por lote A, composto pelas verbas 10, 34, e 92, e o segundo lote, designado por lote B, composto pelas verbas 6, 8, 9, 11, 15, 22, 42-A e 93, sendo o valor do primeiro lote € 6.980,00, e o do segundo lote € 4.566,50,

Em face de todo o exposto, dos argumentos acima aduzidos, (…), constatando-se que ao cabeça-de-casal foram já adjudicados bens no valor de € 87.814,88 [tantos bens móveis como imóveis], enquanto aos outros interessados apenas, cada um deles, € 4.090,00 [um imóvel adjudicado, em partes iguais, a estes], sendo os bens sobrantes no valor total de € 11.546,50, determina-se que esse mesmo sorteio, dos lotes A e B acima descrito, seja realizado apenas entre os interessados DD e EE, com vista a preencher os seus quinhões e evitar criar créditos avultados a pagar pelo cabeça-de-casal àqueles.»,

sendo que, nesse seguimento, após realização do sorteio, o LOTE A composto pelas verbas 10, 34, e 92, foi sorteado ao interessado DD e o LOTE B composto pelas verbas 6, 8, 9, 11, 15, 22, 42-A e 93, sorteado ao interessado EE;

            No final de tal esta diligência foi dada por encerrada, tendo sido ordenada a «(…) notificação dos interessados e do Ministério Público, enquanto interveniente acessório, para no prazo de 20 dias, juntar proposta de mapa da partilha, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1120.º, n.º 1, do Código Processo Civil».

                                                                       *

            Por despacho proferido em 8/07/2021, determinou o Exmo. Juiz de 1ª instância a elaboração do mapa de partilha no quadro previsto no art. 1120º, nos 1 e 2 do n.C.P.Civil, em concretos termos aqui dados por reproduzidos, concluindo com o seguinte:

«Em face do exposto, elabore em conformidade o mapa da partilha, e uma vez concretizado, notifique os interessados para apresentar reclamações contra o mesmo, no prazo de 10 (dez) dias – artigos 1120.º, n.º 5, e 149.º, n.º 1 e 549.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).»

                                                                       *

            Intentou a secretaria elaborar o Mapa de partilha, mas deu nota ao Exmo. Juiz de uma lacuna, face ao que, por despacho judicial datado de 20/10/2021 foi ainda determinado complementarmente quanto às verbas n.ºs 2-A e 7, ainda não adjudicadas a nenhum interessado (determinando-se que, não havendo oposição, as mesmas seriam adjudicadas em comum aos interessados, na proporção do valor que lhes falta para preenchimento dos seus quinhões, sendo que as partes concordaram com o sugerido).

                                                                       *

            Notificados do mapa de partilha finalmente elaborado, vieram os interessados DD e EE reclamar o pagamento das tornas que nos termos desse mapa deviam ser pagas a favor dos mesmos pelo cabeça de casal CC, o qual, por sua vez, reclamou do mapa da partilha, concluindo no sentido de que «Termos em que se reclama do Mapa de Patilha, apresentado, e se requer se determine que nesse mapa, a composição das quotas (que não são quotas, mas quinhões) dos não licitantes se efective por atribuição aos mesmos em compropriedade e partes iguais dos restantes bens licitados, mas não escolhidos pelo reclamante, e nos precisos termos do disposto no artigo 1120 nº 4 alínea b) do C.P.C, elaborando-se em conformidade novo mapa de partilha.»

                                                                       *

            Este último requerimento foi indeferido pelo Exmo. Juiz de 1ª instância, por despacho proferido em 31/12/2021, do seguinte teor:

«Notificado do mapa de partilha, veio o cabeça de casal apresentar reclamação daquele, aduzindo, em síntese, o seguinte:

- em 10/03/2021, nos termos do previsto no artº 1116 e 1120 do C.P.C, após notificação para o efeito o ora reclamante apresentou a sua proposta de mapa de partilha, escolhendo os bens constantes da relação de bens, por si licitados, por preenchimento da sua quota hereditária, prescindindo assim da adjudicação dos restantes bens;

- não faz sentido que quota hereditária dos não licitantes, não seja preenchida com bens da mesma natureza, quando o seria no caso de o legado se manter válido, e também, quando é manifesto ter o licitante prescindido da adjudicação dos restantes bens que compõe a herança;

- o preenchimento de quota dos restantes interessados, deve ser efectivada pelos restantes bens da herança, pelos valores decorrentes da licitação à qual não se opuseram, e assim nos precisos termos do disposto no artº 1117 nº 1 alínea b) do C.P.C;

- exerceu os seus direitos, escolhendo os bens para preenchimento da sua quota, e prescindindo assim dos restantes, optando os não conferentes por reclamar pagamento de valores pecuniários, quando, ainda é possível atribuir-lhe bens da mesma espécie natureza dos doados e licitados, como prevê a lei;

- ao presente caso se impõe, para uma partilha justa, a aplicação ao disposto no artº 1120 nº 4 alínea b) face ao total alheamento, por falta de escolha dos restantes interessados, que assim o poderiam ter feito, e não fizeram porque não quiseram, e tal omissão não lhe confere o direito de sem mais requererem o pagamento de valores pecuniários.

Termina requerendo que se determine que nesse mapa, a composição das quotas (que não são quotas, mas quinhões) dos não licitantes se efective por atribuição aos mesmos em compropriedade e partes iguais dos restantes bens licitados, mas não escolhidos pelo reclamante, e nos precisos termos do disposto no artigo 1120 nº 4 alínea b) do C.P.C, elaborando-se em conformidade novo mapa de partilha.

Em resposta, pugnam os demais interessados pelo indeferimento do requerido, por falta de fundamento legal, opondo-se a que lhes seja atribuído em compropriedade e em partes iguais os restantes bens licitados pelo cabeça de casal.

Vejamos.

(…)

Pelo que se deixou exposto, entende o Tribunal que o requerido pelo cabeça de casal não tem arrimo legal e terá assim de ser indeferido.

Mas para além disso, compulsado o teor do mapa de partilha, verifico que o mesmo se limita a cumprir o despacho sobre a forma à partilha, bem como o despacho proferido em 08/07/2021.

Dessa forma, decide-se indeferir a reclamação contra o mapa de partilha apresentada pelo cabeça de casal CC.

Custas do incidente pelo cabeça de casal CC, fixando-se a taxa de

justiça em 2 (duas) U.C. (arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC e 7.º, n.º 3, e tabela II, do R.C.P.).

Notifique.»

                                                           *

Inconformado com esta decisão, apresentou o cabeça de casal CC recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes “conclusões”:

«1 – O presente recurso deve ter efeito suspensivo nos termos do artº 1123 nº 3 do C.P.C.

De verdade,

2 – Apesar do requerimento do recorrente para que a composição das quotas dos não licitantes, se efective por atribuição judicial, aos mesmos em compropriedade e partes iguais, dos restantes bens licitados não escolhidos, e, não licitados, como logo inicialmente requerido em primeiro requerimento de forma a partilha, tudo nos precisos termos do disposto no artº 1120 do nº 4 alínea b) do C.P.C.,

3 – O processo é nulo, com inclusão da conferência de interessados de 09/07/2017, por em 15-07-2020, terem os autos sido remetidos para os meios comuns.

4 – Sendo assim também nulo o despacho ora impugnado de 31/12/2021, por ter ignorado tal realidade processual, com as legais consequências, e assim como tal deve ser declarado nos precisos termos do disposto no artº 195 e 201 do C.P.C e por ofenda ao disposto no artº 1113 do C.P.C

5 – E as licitações de 09/07/2017, foram efectivadas no pressuposto da validade do testamento, que mais tarde veio a ser declarado inválido, por sentença de 15-07-2020, o que sempre imporá nova conferência de interessados, para partilha da totalidade dos bens, face ao novo quadro legal, e assim novas licitações em arrematação, agora nos termos do artº 1113 do C.P.C, mas para todos os bens.

6 – E que a partilha a que nos opomos, não pode ignorar estas três realidades:

a) - As licitações validadas, antes da sentença judicial, foram feitas num regime totalmente diferente do actual.

b) – Segundo, foram feitas, no pressuposto da validade de um testamento substancialmente válido que afinal não era.

c) – Terceiro, a forma à partilha e a partilha, não estão a ser efectuadas de acordo com o quadro previsto no anterior regime, pois uns bens foram licitados por carta fechada, e outros por arrematação pública, o que constitui manifesta violação do princípio da igualdade de todas as partes, que deve ser pautado por regras processuais únicas desenvolvidas durante o processo.

7 – É que, na regra actual, através de arrematações verbais, tem o arrematante a possibilidade de controlar o preenchimento e equilíbrio financeiro dos quinhões, o que não sucedeu nas propostas em carta fechada, regra que o recorrente não pode utilizar.

8 – As licitações foram efectuadas quando o legado ainda existia, e por via da remessa dos autos para os meios comuns, não foi sequer dado cumprimento ao disposto nos artº 53, 54 e 55 do R.G.P.I

9 – É que, conforme resulta das licitações, do arrematante aos bens legados, não foram licitados como tais.

10 – A conferência de interessados de 09/07/2017, é nula e como tal deve ser declarada pois que, a sua execução é contra a verdade processual e boa decisão da causa.

11 – E nem sequer o regime previsto no artº 1116 a 1118 do C.P.C é coincidente com o fixado no artº 58 do R.G.P.I

12 – É manifesto que, vincular este processo a uma venda judicial, quando há possibilidade de os não licitantes serem inteirados em bens, constitui uma partilha injusta, jamais querida pelo inventariado, prejudica os interesses dos legatários, quando até os mesmos são os únicos e futuros herdeiros legítimos do recorrente.

13 – Só interesses de terceiros, podem justificar tal actuação, e nomeadamente os interesses do herdeiro menor, bem carecido de justa e merecida tutela, perante a defesa que lhe é ministrada.

14 – Reafirma-se que o presente processo é nulo após a primeira conferência de interessados, com inclusão desta, pois as licitações foram efectuadas na existência de um legado válido, mais tarde considerado inválido.

15 – Por outro lado, há licitações efectuadas no novo quadro, ou seja, por arrematação pública em conferência de interessados.

16 – Tal realidade, impõe a declaração da nulidade do processado, e da conferência de 09/07/2017, e assim e por consequência do despacho que agora se recorre.

17- E impunha-se tivesse o Mº Juiz em conformidade com o disposto no artº 13 nº 4 da Lei 117/2019, determinado tramitação subsequente do processo que se mostrasse idónea para conciliar o respeito pelos efeitos dos actos processuais já regularmente praticados no inventário Notarial, com o ulterior processamento do inventário judicial, o que não fez.

18 – A lei sempre pretendeu que aos herdeiros não licitantes sejam atribuídos, quando possível, bens da mesma espécie e da natureza dos legados.

19 – Deve ser declarada a nulidade do processo após a conferência de interessados de 09/07/2017 e com inclusão desta, e por consequência a nulidade do despacho de que se recorre com as legais consequências, nomeadamente a da nova marcação de outra conferência de interessados, nos termos do artº 1111 e 1113 do actual C.P.C. De verdade,

20 – O aliás douto despacho viola além do mais o disposto no artº 13º da Lei 117/2019 – artº 1685 do C.C , artº 195 e 201 e artº 1110 e SS do C.P.C e artº 49 a 61 do R.G.P.I.

Termos em que face ao exposto, deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se o despacho de 31/12/2021, e por nulidade do processo substituindo-o por outro que mande prosseguir os autos, com marcação de nova conferência de interessados, para nova partilha de bens nos termos do artº 1110 e SS do C.PC. e, com as legais consequências. »

                                                           *

Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.

                                                           *

O Exmo. Juiz a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto, devidamente instruído, sendo certo que no mesmo sustentou a não verificação da nulidade arguida.

                                                           *

Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                           *

2 – QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo cabeça de casal CC nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4, 636º, nº2 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detetar o seguinte:

- nulidade do processo [«após a primeira conferência de interessados, com inclusão desta, pois as licitações foram efectuadas na existência de um legado válido, mais tarde considerado inválido»]; 

- desacerto no processamento dos autos [designadamente porque não foi feita nos autos a “adequação formal” dos mesmos e porque «A lei sempre pretendeu que aos herdeiros não licitantes sejam atribuídos, quando possível, bens da mesma espécie e da natureza dos legados», sendo certo que constitui uma “partilha injusta” «vincular este processo a uma venda judicial, quando há possibilidade de os não licitantes serem inteirados em bens»].

                                                           *

3 - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos a ter em consideração para a decisão são os que decorrem do relatório supra.

                                                           *

4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1 - Por razões de precedência lógica e jurídica não pode deixar de se começar pela apreciação da questão da nulidade do processo [«após a primeira conferência de interessados, com inclusão desta, pois as licitações foram efectuadas na existência de um legado válido, mais tarde considerado inválido»].

Sustenta enfaticamente o cabeça de casal CC ora recorrente a nulidade do processo porque, se bem se percebe, ainda na fase do inventário notarial, teve lugar uma conferência de interessados na qual ele foi arrematante em bens legados, os quais «não foram licitados como tais», donde a nulidade de todo o processo, estando inquinados todos os termos posteriores à dita conferência de interessados.

Que dizer?

Quanto a nós, que para esta nulidade não se encontra fundamento legal, para além de que a sua arguição é intempestiva, sendo também destituída de qualquer sentido, quer sob o ponto de vista material, quer formal.

Senão vejamos.

Desde logo, s.m.j., não se vislumbra qual seja o normativo legal que comine de “nulidade” o ocorrido.

Atente-se que mais concreta e verdadeiramente temos que tendo sido suscitada a questão da invalidade do testamento do inventariado BB no processo n.º ...9..., sucedeu que por sentença proferida no âmbito deste dito processo, a 15-07-2020, e transitada em julgado a 30-09-2020, se decidiu declarar que o «testamento, identificado no ponto 7) dos factos provados [testamento público, lavrado no Livro de Testamentos Públicos e Escrituras de Revogação de Testamentos n.º 7, de folhas cento e trinta quatro a folhas cento e trinta e quatro verso], no que concerne às disposições testamentárias, é válido quanto ao seu valor e nulo/inválido quanto à substância, convertendo-se ope legis em legado de valor».

Ora se assim sucedeu, não é verdade que o legado tivesse deixado de existir, antes se converteu, ope legis, em legado de valor.

Assim sendo, não vislumbramos que se possa considerar que deixaram de existir os pressupostos de validade da licitação no legado em causa.

Nem, aliás, uma tal invalidade foi expressa ou implicitamente declarada, nem decorre da dita conversão ope legis do legado…

Por outro lado, a arguição desta nulidade sempre teria de ser considerada intempestiva.

            Com efeito, admitindo para este efeito que assiste razão ao cabeça de casal CC ora recorrente, isto é, que a modificação da natureza dos bens legados de que ele foi arrematante ainda na fase do inventário notarial, ocorreu quando os autos se encontravam já no tribunal para o qual haviam sido entretanto remetidos, o que é certo é que resulta insofismavelmente do descrito no Relatório supra, que esse mesmo cabeça de casal CC ora recorrente de tal teve devido conhecimento, por os autos até terem estado suspensos aguardando o desfecho do processo que tinha por objeto a invalidação do testamento, necessariamente antes de 15/12/2020 quando foi proferido pelo Exmo. Juiz de 1ª instância o  despacho determinativo da forma da partilha, pelo que, teria ele que ter reclamado de tal oportunamente, isto é, na sequência da decisão do dito processo n.º ...9....

Ora se assim foi, entendendo que constituía nulidade processual a tramitação do inventário com aproveitamento dos anteriores atos ainda da fase notarial e antes da decisão do processo n.º ...9..., esse interessado tinha que contra ela reclamar[2] e a reclamação devia ser apresentada e julgada[3]../../../../fa00140/Os meus documentos/Jurisprud├¬ncia/C├¡vel/1┬¬ Sec/Dr. Ant├│nio Be├ºa Pereira/Apela├º├úo 268-11.doc - _ftn9 no "tribunal perante o qual a nulidade ocorreu, ou o tribunal a que a causa estava afecta no momento em que a nulidade se cometeu"../../../../fa00140/Os meus documentos/Jurisprud├¬ncia/C├¡vel/1┬¬ Sec/Dr. Ant├│nio Be├ºa Pereira/Apela├º├úo 268-11.doc - _ftn10.

Deste modo, se o cabeça de casal CC entendia que antes de ser elaborado o mapa de partilha sobre cujos termos ora recorre foi cometida a alegada nulidade, tinha que, em devido tempo, dela ter reclamado no tribunal a quo e, julgada essa reclamação, se discordasse da respetiva decisão poderia, então, questioná-la em sede de recurso[4].

Ora, não tendo deduzido qualquer arguição da nulidade, a mesma ficou oportunamente sanada.

Finalmente, salvo sempre o devido respeito, parece-nos que esta arguição de nulidade é também claramente destituída de qualquer sentido, quer sob o ponto de vista material, quer formal.

Explicitemos.

Na medida em que por força da decisão proferida no dito processo n.º ...9..., teve lugar conversão ope legis do legado, em legado de valor, subsistia plenamente válida a arrematação/licitação dos bens propriamente ditos objeto do legado.

O que nos parece perfeitamente incontestável por estar em causa a arrematação/licitação por parte do cabeça de casal CC, pois que sempre subsiste salvaguardado o legado de valor a favor dos demais interessados a manter-se como válida a arrematação/licitação operada por aquele, resumindo-se agora tudo a uma questão de “deve” e “haver” nas contas do mapa de partilha, com o pagamento de tornas sendo disso caso!

Improcede assim tudo o sustentado no âmbito desta questão.

                                                           *

4.1 – Questão do desacerto no processamento dos autos [designadamente porque não foi feita nos autos a “adequação formal” dos mesmos e porque «A lei sempre pretendeu que aos herdeiros não licitantes sejam atribuídos, quando possível, bens da mesma espécie e da natureza dos legados», sendo certo que constitui uma “partilha injusta” «vincular este processo a uma venda judicial, quando há possibilidade de os não licitantes serem inteirados em bens»].

Será assim?

Temos, desde logo, que não é verídica a afirmação de que não foi feita nos autos a “adequação formal” dos mesmos.

Na verdade, como de forma insofismável flui e se extrai do Relatório supra, o Exmo. Juiz de 1ª instância em 15/12/2020, como ato prévio ao despacho determinativo da forma da partilha, pronunciou-se sobre a “adequação formal” dos autos, operando-a nos termos que teve por mais convenientes.

Sendo que, tendo de tal sido notificado, o cabeça de casal CC não apresentou qualquer reclamação ou discórdia.

Por outro lado, o momento processual para opinar sobre a “composição dos quinhões”, designadamente nos termos previstos no art. 1117º do n.C.P.Civil, já estava há muito ultrapassado.

Recorde-se que se estava na fase procedimental da “notificação” do mapa de partilha – cuja “elaboração” fora anteriormente “determinada” pelo Juiz, no quadro previsto nos nos 1 e 2 do n.C.P.Civil! – tendo sido na sequência dessa notificação, e com expressa alusão ao nº 5 do art. 1120º do n.C.P.Civil, que surgiu a “reclamação” deduzida pelo cabeça de casal CC, a qual ao ter sido indeferida por despacho do Exmo. Juiz a quo, foi objeto do recurso ora em apreciação.

Ocorre que, consabidamente, só se passa à etapa de “elaboração” do mapa da partilha, depois de encerradas as diligências possíveis na e da fase da partilha.

A tal propósito, e dizendo-se que o modelo procedimental instituído para o inventário na Lei n.º 117/19 comporta várias fases – a saber, uma “fase de articulados”, uma “fase de saneamento”, um procedimento específico para a “verificação e redução de eventuais inoficiosidades”, e uma “fase da partilha” – já foi doutamente sublinhado o seguinte[5]:

«(…) A fase da partilha, consubstanciada, desde logo, nas diligências e atos que integram a conferência de interessados, em que devem realizar-se todas as diligências que culminam na consumação ou realização concreta da partilha: frustrando-se o acordo (por unanimidade dos interessados, nos termos da lei civil e por exigência do princípio da intangibilidade da legítima), a partilha do acervo hereditário resultará das licitações (que pressupõem a necessária estabilização do valor dos bens, já que funciona como momento terminal para o pedido de avaliação precisamente o início das licitações), que estão compreendidas no âmbito dos atos que integram a própria conferência de interessados, devendo ser também nela deduzidas as oposições a um eventual excesso de licitação por algum dos herdeiros; e, subsidiariamente, terão cabimento as diligências da formação de lotes igualitários, do sorteio ou – como ultima ratio – da adjudicação de bens em contitularidade.

Só depois de encerradas estas diligências se passa à elaboração do mapa da partilha, concretizando, na sequência do resultado dessas várias diligências anteriores, os bens que integram o quinhão hereditário de cada interessado – e encerrando-se naturalmente o processo com a prolação de sentença homologatória da partilha.»

Para, subsequentemente, se concluir nos seguintes termos:

«Esta estruturação sequencial e compartimentada do processo envolve logicamente a imposição às partes de cominações e preclusões, anteriormente inexistentes, levando naturalmente – em reforço de um princípio de auto responsabilidade das partes na gestão do processo – a que (como aliás constitui princípio geral em todo o processo civil) as objecções, impugnações ou reclamações tenham de ser deduzidas, salvo superveniência, na fase procedimental em que está previsto o exercício do direito de contestação ou oposição.»

O que tudo serve para dizer que qualquer requerimento, pretensão ou oposição tem obrigatoriamente de ser deduzido no momento processual tido por adequado pela lei de processo, sob pena de preclusão.

Não há, assim, nada que censurar ao sentido do despacho recorrido, particularmente do seguinte segmento:

«(…)

Não pode assim, sem mais, o cabeça de casal, que pretendeu que lhe fossem adjudicadas determinadas verbas, manifestando tal vontade em sede de conferência de interessados, mediante apresentação de propostas, num momento ulterior, quando confrontado com o pagamento de tornas aos demais interessados, sem que tenha sido deduzida oposição ao excesso de licitação vir “escolher” por que bens que adjudicou será preenchido o seu quinhão, tendo os demais interessados de ver a sua quota preenchida por bens que foram adjudicados ao cabeça de casal por vontade deste, pois que poderia sempre não requerer a adjudicação e aguardar pelos trâmites ulteriores, que com grande probabilidade desembocariam na realização de sorteio como veio a suceder!»

Resumindo: por se estar na etapa da “elaboração do mapa de partilha”, e mais concretamente depois de já ter sido determinada a elaboração deste, ter sido ordenada a notificação dos interessados para reclamarem de alguma desconformidade na atinente elaboração pela secretaria, tinha-se operado a preclusão de serem suscitadas questões ainda respeitantes à antecedente “fase da partilha”.

Improcedem assim, inapelavelmente sem necessidade de maiores considerações, as conclusões recursivas e o recurso.

                                                           *                                                          

(…)                                                    *

6 - DISPOSITIVO

Pelo exposto, decide-se a final julgar totalmente improcedente o recurso, mantendo-se o sentido do despacho recorrido nos seus precisos termos.

Custas do recurso pelo recorrente.

                                                           *

                                                                                   Coimbra, 25 de Maio de 2022

      Luís Filipe Cravo

     Fernando Monteiro

       Carlos Moreira




[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
  2º Adjunto: Des. Carlos Moreira
[2] Ex vi do prazo geral previsto no art. 199º, nº1 do n.C.P.Civil.
[3] Havendo aqui exceções, nomeadamente no caso das nulidades mencionadas no nº2 do art. 198º e na situação prevista no nº3 do art. 199º, ambos do mesmo C.P.Civil, mas não aplicáveis ao caso vertente.
[4] Neste sentido, veja-se, inter alia, o Ac da Rel. de Coimbra de 3-07-2012, proc. nº 268/11.7T2AND.C1, acessível em www.dgsi.pt, e demais jurisprudência citada em nota [13] deste, sendo certo que embora proferido na vigência do C.P.Civil revogado, o entendimento nele perfilhado mantém plena atualidade face ao atual n.C.P.Civil.
[5] Assim por LOPES DO REGO, “A recapitulação do inventário”, in Revista JULGAR, Online, dezembro de 2019, a págs. 11-12.