Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
368/11.3TBMGR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREITAS NETO
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
ENTREGA JUDICIAL DE BENS
COISA IMÓVEL
LOCAÇÃO FINANCEIRA
RESOLUÇÃO
Data do Acordão: 12/11/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: MARINHA GRANDE 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 21.º, N.º 7 DO DL 149/95 DE 24/05, COM A REDAÇÃO CONFERIDA PELO DL Nº 30/2008 DE 25/02; ARTIGO 383.º, N.º 1; 671.º E SS DO CPC.
Sumário: 1. Por virtude da introdução do nº 7 do artigo 21.º do DL 149/95 de 24/05, na redação do DL 30/2008 de 25/02, a providência especial de entrega judicial do bem locado deixou de esgotar-se com a ordem de entrega do bem ao locador, como efeito provisório da resolução ou do decurso do prazo contratual. Passou a ser também possível prolatar, ainda no âmbito deste procedimento, a decisão definitiva sobre a existência do direito acautelado.

2. A accão que o legislador de 2008 procurou eliminar ou evitar foi apenas aquela que se destina ao reconhecimento do direito do locador à entrega do bem locado (com a correspondente condenação do locatário), seja quando esse direito se funda em resolução já comunicada, seja quando provem do mero decurso do prazo do contrato (sem que, entretanto, o locatário tenha exercido a opção de compra).

3. Não se pode afirmar que fica precludida a possibilidade de o requerido na providência cautelar vir a alegar e provar, na ação destinada a confirmar o direito meramente acautelado pela providência, os respetivos fundamentos de facto.

4. Não obstante a abertura do nº 7 do art.º 21 do DL 149/95 à aí chamada “resolução definitiva do caso”, esta só pode ter lugar se o juiz da providência estiver munido como aí se diz de todos os “elementos necessários”.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

A....requereu no 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Marinha Grande uma providência cautelar de entrega judicial de bens, ao abrigo do disposto no art.º 21 do DL 149/95 de 24/06, contra B....., alegando, em resumo, o seguinte:

Em 9 de Janeiro de 2004 celebrou com a Requerida um contrato de locação financeira imobiliária tendo por objecto um prédio urbano destinado a indústria, com a superfície coberta de 620 m2 e logradouro de 2.680 m2, cujo gozo foi cedido mediante o pagamento de 120 rendas mensais; no entanto, a Requerida apenas liquidou 55 dessas rendas, o que em 29.12.2008 levou a Requerente a enviar-lhe uma primeira carta registada a conceder prazo para a satisfação de tais montantes, sob pena de resolução, e, mais tarde, em 2.09.2009, nova carta a declarar o contrato resolvido; não tendo a Requerida entregue o imóvel que recebeu em locação, viu-se a Requerente forçada a proceder ao cancelamento do respectivo registo da locação financeira; com a não restituição do imóvel, a Requerente sofre avultados prejuízos, pois é certo que o prédio locado se encontra ocupado por outras duas sociedades, ambas detidas pelo sócio maioritário da Requerida, uma delas já em estado de insolvência.

Remata pedindo que se decrete a entrega judicial do imóvel que foi objecto do resolvido contrato e, bem assim, que o tribunal se pronuncie pela resolução definitiva do caso, julgando-se definitiva a referida entrega.

Notificada para, querendo, deduzir oposição, veio a Requerida defender-se argumentando que o imóvel dado em locação pertencia à sociedade C...., sociedade que o vendeu à Requerente, apesar de aí ter continuado a laborar tal como até essa data o fazia; a dita C…. foi sempre quem disponibilizou à Requerida o valor mensal das rendas; no contrato de locação financeira outorgado com a Requerida ficou estipulado que, em caso de incumprimento da locatária, a posição da Requerida ficava imediatamente cedida à C....; pelo que, tendo havido incumprimento pela Requerida, é a cessionária e não esta a efectiva locatária desde então, o que acarreta a ilegitimidade a Requerida; aquela C…., apesar de já insolvente, ainda tentou negociar o pagamento das suas dívidas para com a Requerente e a Caixa Geral de Depósitos, mas foi confrontada com a interposição da presente providência.

A final, e após se considerar a Requerida parte legítima, foi a providência decretada e, em função disso, determinada a entrega imediata do imóvel locado à Requerente.

Após vicissitudes várias - que para o vertente recurso não relevam - esta decisão transitou em julgado.

Entretanto, por requerimento de 20.09.2012, e para os efeitos do nº 7 do art.º 21 do DL 149/95 de 24/05, com a redacção conferida pelo DL nº 30/2008 de 25/02, veio a Requerente renovar a pretensão de que o tribunal se pronunciasse pela resolução definitiva do litígio, julgando o prédio urbano locado à Requerida definitivamente entregue pela resolução do contrato validamente operada.

Ouvida, veio a Requerida sustentar, por seu turno, a impossibilidade de antecipação do juízo da causa principal, uma vez que, tendo de considerar-se transmitida a posição contratual de locatária à sociedade C...., esta não foi efectivamente notificada da resolução, pelo que não é viável a resolução definitiva do caso.

Nessa sequência, foi proferida a decisão recorrida, mediante a qual, por se concluir que “a factualidade subjacente à sentença proferida nestes autos se mostra controvertida, impondo-se a produção de prova em sede de acção principal definitiva”, se indeferiu o pedido de antecipação do juízo da causa principal.   

Irresignada, deste veredicto recorreu a Requerente Caixa Leasing e Factoring, recurso admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.

Dispensados os vistos, cumpre decidir.

São os seguintes os factos dados como provados na decisão de 1ª instância:

1) A requerente tem por objecto o exercício de actividades financeiras, entre elas o exercício da actividade designada por “locação financeira”.

2) No exercício da sua actividade, em 09 de Janeiro de 2004, a requerente na qualidade de “locadora” celebrou com a requerida, esta na qualidade designada de “locatária” um acordo chamado de “locação financeira imobiliária” ao qual foi atribuído o número 600150, que tinha por objecto o prédio urbano composto por barracão amplo destinado a indústria de artefactos e cimento e logradouro, sendo a superfície coberta de 620 m2 e o logradouro de 2.680 m2, situado no lugar de Trutas, freguesia e concelho da Marinha Grande, descrito sob o n.º 03636 e inscrito na matriz sob o art. 10.995.

3) A requerida de harmonia com o acordo referido em 2) assumiu a obrigação de entregar à requerente 120 rendas, no valor de € 9.631,95 cada, valor esse alterável em razão da oscilação daquilo que foi designado como “indexante”.

4) O valor residual para o fim do contrato foi estabelecido em € 50.000,00.

5) O acordo referido em 2) foi objecto do competente registo na CRPredial da Marinha Grande pela AP n.º 21 de 2004/02/05.

6) No acordo supra ai aparece como terceira outorgante a sociedade “C….” na referida qualidade de avalista.

7) No mesmo acordo sob a epígrafe “condições especiais” n.º 11 deixou-se escrito:

“outras condições/cessão da posição contratual:

a) o locatário, cede a sua posição contratual ao terceiro outorgante, ficando a mesma cessão suspensivamente condicionada ao não cumprimento pelo locatário de qualquer obrigação susceptível de fundamentar a resolução contratual do presente contrato designadamente a não liquidação pontual de 3 ou mais rendas.

b) o terceiro outorgante aceita a cessão de posição contratual nos termos previstos na alínea anterior.

c) No caso de o locatário não cumprir qualquer obrigação susceptível de fundamentar a resolução contratual o locador notificará desse facto o locatário e o terceiro outorgante.”

8) A requerida apenas procedeu ao pagamento de 55 prestações esta última em 14 de Julho de 2008.

9) Por carta datada de 29 de Dezembro de 2008 recepcionada pela requerida aí deixou escrito a requerente, além do mais que: “ o contrato em assunto regista nesta data, diversos débitos em atraso, cujo montante ascende a € 67.585,67, aos quais acrescem juros de mora, à taxa contratualmente prevista que serão debitados após integral pagamento do montante reclamado. Vimos por esta via, interpelar V. Exa(s) para o pagamento da referida quantia no prazo máximo de 30 dias a contar desta data a fim de evitar a resolução do contrato, a obrigação de restituição do imóvel livre de pessoas e bens e o recurso às vias judiciais …”.

10) Por carta datada de 2 de Setembro de 2009 recepcionada pela requerida aí deixou escrito a requerente, além do mais que: “Na sequência da nossa anterior carta e por falta de regularização dos débitos na mesma indicados vimos pela presente informar que consideramos o contrato em assunto definitivamente incumprido e que procederemos nesta data à sua resolução. Em consideração à resolução do referido contrato, encontram-se V. Exa(s) obrigados à liquidação de todos os valores contratualmente exigíveis que nessa data ascendem a € 147.967,78 e à imediata restituição do imóvel locado de livre de pessoas e bens sob pena de accionamento judicial …”.

11) Até à data da prolação da decisão cautelar a requerida não tinha entregue o bem, tendo sido cancelado na CRPredial o acordo referido em 2).

12) Desde antes da data do acordo referido em 2) a sociedade C… tem as suas instalações nesse local.

13) Desde data não concretizada mas pelo menos após a data do acordo referido em 2) que é do conhecimento de funcionários da requerente o referido em 12).

14) Até próximo da data de entrada em juízo da presente providência, representantes da Caixa Geral de Depósitos e da C… mantiveram contactos afim de conseguirem resolver as questões relativas ao acordo indicado em 1).

                                                                             *

A apelação.

Nas conclusões com que encerra a respectiva alegação, e através das quais delimita o objecto do recurso, a apelante A…. suscita as questões de saber se:

1º - Há nulidade da decisão por contradição entre o dispositivo e os seus fundamentos;

2º - Ocorre violação do caso julgado relativamente à decisão que concedeu a providência;

3º - Não foi cumprido pela Requerida o ónus de alegar e provar os elementos da putativa cessão da posição contratual de locatária.

Sobre a nulidade da decisão.

Sustenta a apelante a tese de que na decisão impugnada se verifica a nulidade prevista no art.º 668, nº 1, alínea c), do CPC.

Estatui esta norma que a sentença é nula, nomeadamente quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.

Tal como tem sido unanimemente entendido, esta oposição é meramente lógica, não se confundindo com a subsunção dos fundamentos de direito explanados no discurso do juiz ao quadro normativo aplicável. Trata-se, por conseguinte, de um vício interno, formal, puramente lógico do raciocínio desenvolvido, que se deve revelar por si, sem qualquer apelo ao direito que se tenha por ajustado ao caso.

Mas o que a apelante enfoca na sua alegação - cfr. as conclusões D a G - é uma certa incongruência entre o que vem expendido na decisão sobre a concessão da providência cautelar – que considerou a Requerida como locatária de direito no momento em que se opera a comunicação resolutiva – e a decisão que negou a antecipação do juízo sobre a causa principal a que alude o actual nº 7 do art.º 21 do DL nº 149/95 de 24/06.

Ora o que deste modo aparece relevado pela recorrente é uma simples divergência na configuração da relação material em discussão quanto à posição contratual de locatário, que ela considera envolver duas decisões que se podem dizer perfeitamente diferenciadas, uma vez que obedecem a distintos objectos processuais.

Assim sendo, não se detectando na decisão recorrida, em si mesma considerada, qualquer contradição interna, a questão improcede.

Sobre o caso julgado.

Insurge-se a recorrente contra a decisão por esta ter supostamente ofendido o caso julgado que se acharia já formado pela decisão cautelar anteriormente proferida (a que decretou a entrega do imóvel em apreço).

Propugna agora a apelante A… mais exactamente que, tendo sido declarado na decisão que deferiu a providência que era a Requerida C....a efectiva locatária e, em função disso, a entidade contratualmente obrigada à restituição do imóvel locado, violaria essa apreciação a consideração agora expressa na decisão recorrida de que não estaria apurado quem seria o locatário, tendo em vista o efeito que a Requerente procurou alcançar com a comunicação da resolução.

Na realidade, não há nesta posição do veredicto recorrido qualquer ofensa do caso julgado material.

Vejamos antes do mais o contexto legal em que foram prolatadas as decisões agora em confronto na alegação da recorrente.

A Requerente A… veio impetrar contra a Requerida C…. para a Indústria de Plástico, SA, o decretamento da providência cautelar de entrega judicial, nos termos do art.º 21 do DL nº 149/95 de 24/06, com as alterações entretanto ocorridas, reclamando a entrega do bem imóvel que a esta havia sido objecto de contrato de locação financeira imobiliária que com a mesma outorgara em 2004.

São três os requisitos de cuja demonstração depende actualmente – isto é, após a entrada em vigor da alteração introduzida no art.º 21 daquele diploma pelo art.º 1º do DL 30/2008 de 25/02 – o sucesso desta providência especial:

A existência – e subsistência - de um contrato de locação de locação financeira entre quem nela é Requerente e quem nela é Requerido;

A cessação do contrato por resolução ou decurso do prazo sem exercício do direito de compra;

A prévia formulação do pedido de cancelamento do registo da locação financeira;

A não restituição do bem pelo locatário.

Prescreve o nº 2 do referido artigo: “Com o requerimento, o locador oferece prova sumária dos requisitos previstos no número anterior, excepto a do pedido de cancelamento do registo (….

Estabelece-se ainda nos nºs 6 e 7:

“6. Decretada a providência e independentemente da interposição de recurso pelo locatário, o locador pode dispor do bem nos termos do art.º 7.

7. Decretada a providência cautelar, o tribunal ouve as partes e antecipa o juízo sobre a causa principal, excepto quando não tenham sido trazidos ao procedimento, nos termos do nº 2, os elementos necessários à resolução definitiva do caso.”

Por virtude da introdução deste nº 7 pelo já referido DL 30/2008 de 25/02, a providência especial de entrega judicial do bem locado deixou de esgotar-se com a ordem de entrega do bem ao locador, como efeito provisório da resolução ou do decurso do prazo contratual, em consequência da confirmação da presença dos requisitos previstos no nº 1 do mesmo art.º 21.

Passou a ser também possível prolatar, ainda no âmbito deste procedimento, a decisão definitiva sobre a existência do direito acautelado.

Com o enxerto desta nova vertente na estrutura adjectiva da providência cautelar veio concretizar-se a intenção do legislador, logo manifestada no preâmbulo do diploma de 2008, de, através de um único processo ou procedimento, deixar definitivamente arrumada a questão da restituição e entrega do bem com base na resolução ou termo do prazo da locação, dispensando-se o locador de propor a acção destinada à declaração do direito que foi pressuposto da providência.

Outra coisa não se pode retirar destas palavras da exposição que ali se contem:

" (...) permite-se ao juiz decidir a causa principal após decretar a providência cautelar de entrega do bem locado, extinguindo-se a obrigatoriedade de intentar uma acção declarativa apenas para prevenir a caducidade de uma providencia cautelar requerida por uma locadora financeira ao abrigo do art.º 21 do DL 149/95 de 24/06, alterado pelos Decretos Leis nº 265/97 de 2 de Outubro e 285/2001 de 3 de Novembro".

 Esclarece-se de seguida o propósito que presidiu a tal inovação: "evitar-se assim a existência de duas acções judiciais – uma providência cautelar e uma acção principal – que materialmente têm o mesmo objecto: a entrega do bem locado".

Isto é, o que se procurou foi reunir num só procedimento o acolhimento dos dois maiores interesses do locador financeiro: por um lado, o de, com urgência, ele poder recuperar imediatamente o bem locado (e a sua disponibilidade); e, por outro lado, praticamente do mesmo passo, o de ele conseguir ver declarado definitivamente o seu direito à restituição do mesmo bem.

Verdadeiramente aquele procedimento não deixou de ter a fisionomia adjectiva de uma providência cautelar. Apenas passou a ser integrado ou complementado por um procedimento declaratório abreviado ou simplificado de condenação definitiva do locatário a entregar a coisa locada ao respectivo locador.

Na verdade, de acordo com o nº 1 do art.º 383 do CPC, "O procedimento cautelar é sempre dependência da causa que tenha por fundamento o direito acautelado (...)".

Não fora aquela alteração introduzida em 2008, o locador, uma vez obtido o deferimento da providência, teria sempre de propor a competente acção de que esta era dependência no prazo de 30 dias contados da notificação da decisão que a tivesse ordenado, nos termos do art.º 389, nº 1, al.ª a) do CPC.

Por conseguinte, a acção que o legislador de 2008 procurou eliminar ou evitar – embora acabando por realizar em parte a economia que vinha anunciada no preâmbulo do diploma [1] - foi apenas aquela que se destina ao reconhecimento do direito do locador à entrega do bem locado (com a correspondente condenação do locatário), seja quando esse direito se funda em resolução já comunicada, seja quando provem do mero decurso do prazo do contrato (sem que, entretanto, o locatário tenha exercido a opção de compra).

Não foi, pois, seguramente, outra qualquer acção, nomeadamente a relativa à condenação do locatário na satisfação de quantias devidas por força do contrato, ou do seu eventual incumprimento. É que a providência do art.º 21 do DL 149/95 nada tem que ver com estes créditos, pois o seu objecto restringe-se – como se viu - à mera recuperação do bem locado. Por conseguinte, se com o alargamento do âmbito jurisdicional do procedimento o DL 30/2008 teve em vista a economia decorrente da desnecessidade de uma certa acção, também não quis conferir a esse novo âmbito mais do que o valor da declaração definitiva da obrigação de restituição do bem pelo locatário - na medida em que continuou a restringir a aplicação do respectivo processo à simples entrega desse bem (resultante do decurso do prazo da locação ou da resolução do contrato), de harmonia com a actual redacção dos nºs 1 e 2 do art.º 21 do DL 149/95.

Todavia, esta densificação finalística do procedimento não podia por termo à diferente natureza das duas decisões nele coexistentes: permaneceu a dimensão cautelar, meramente assente na prova sumária dos requisitos definidos, à qual se acrescentou agora a antecipatória do juízo sobre a causa principal, esta baseada na prova, já final ou definitiva, dos pressupostos do direito à entrega.

Insurge-se a apelante contra a circunstância de a decisão cautelar que determinou a entrega judicial estar a ser desrespeitada no julgamento que efectuou sobre a relação material e os sujeitos respectivos (no caso, a qualidade de locatária que pertenceria à Requerida C....– Projectos), assim incorrendo a decisão ora atacada na violação da regra do caso julgado com a configuração que resulta dos art.ºs 671 e seguintes do CPC.

Olvida, porém, que o caso julgado tem os limites que estão definidos pelos requisitos subjectivos e objectivos que decorrem dos art.ºs 497 e 498 do CPC (nº 1 do art.º 671 do CPC).

Um desses requisitos é a coincidência ou identidade nos entre as causas de pedir e os pedidos.

Ora há que lembrar desde logo que a pretensão inerente a uma providência cautelar é sempre necessariamente diversa do pedido que vai ser formulado na acção principal respectiva. Ali tem-se meramente em vista uma medida destinada a prevenir um dano inerente à demora da decisão definitiva, sendo o direito do requerente alvo de uma análise sumaria e de uma prova perfunctória. Aqui obtém-se uma apreciação exaustiva e cabal da relação material e declara-se ou não o direito do autor de modo definitivo e não rediscutível.

De igual modo, os fundamentos de uma determinada providência não são confundíveis com a causa de pedir da acção correspondente.

Aqueles fundamentos só carecem de uma avaliação sumária, o que não sucede com a apreciação da causa de pedir da acção.

Não pode, assim, haver qualquer pré-juízo ou caso julgado entre a decisão da providência e a da causa principal, além do mais porque, numa e noutra situação, as respectivas garantias de contraditório e prova não são comparáveis.

Daí que sem qualquer margem de erro se deva concluir que nunca poderia existir qualquer caso julgado, formal ou material, proveniente da decisão que decretou a providência, relativamente ao juízo antecipado da causa principal  que se viesse a emitir de harmonia com o nº 7 do art.º 21 do DL 149/95, na sua actual redacção.

Aliás, se assim fosse, o decretamento da providência levaria inexoravelmente à declaração definitiva do direito acautelado, o que, se atentarmos na redacção da aparte final do nº 7 do art.º 21 do DL 149/95, não foi seguramente o que o legislador desejou.

Donde a improcedência desta questão.

  

Sobre a prova da qualidade de locatária da Requerida.

Rebela-se aqui a recorrente contra a decisão de indeferir o pedido de antecipação do juízo da causa principal a que se reporta o nº 7 do art.º 21 do DL nº 149/95, por o tribunal poder operar já a resolução definitiva aí mencionada diante do que veio a defluir da oposição à providência.

A este respeito entende-se como útil reproduzir a passagem da decisão em que sinteticamente foram alinhadas as razões avançadas como justificação para a recusa daquele juízo antecipado:

“ (…) Ora, o Tribunal desconhece se a condição suspensiva a que estava subordinada a cessão da posição contratual da locatária se verificou ou não pelo mero incumprimento contratual por parte da requerida ou se a condição suspensiva estava dependente de qualquer interpelação por parte da requerente à cedente e à cessionária. Logo, o tribunal desconhece quem é efectivamente a locatária.

Assim, em face da (o)posição da requerida nos autos e por se nos afigurar essencial à boa decisão da causa e bem assim, ao (eventual) efeito útil da mesma, temos que não se mostra possível a antecipação do juízo definitivo da causa, uma vez que a factualidade subjacente à sentença proferida nestes autos se mostra controvertida, impondo-se a produção de prova em sede de acção principal e definitiva. (…)”.

Ou seja, o Sr. Juiz expressa dúvidas sobre quem deteria a qualidade ou posição de efectivo locatário na altura da resolução (e, necessariamente, a partir dela).

Objecta a apelante que, ao entrar por este caminho, a decisão criticada não só deu como provada matéria que o não foi, como deu por adquirido um facto não alegado – o consentimento da Requerente para a hipotética cessão, que seria exigido pelo art.º 424, nº 2 do CC.

Que dizer?

O que a recorrente quer sublinhar é que não foi demonstrada - por quem tinha o ónus de o fazer - a cessão da posição de locatária que contratualmente pertencia à Requerida.

Está aqui em jogo a interpretação e aplicação do conteúdo da cláusula do contrato de locação aludida em 7 dos factos provados, cujo teor é o seguinte:

““outras condições/cessão da posição contratual:

a) o locatário, cede a sua posição contratual ao terceiro outorgante, ficando a mesma cessão suspensivamente condicionada ao não cumprimento pelo locatário de qualquer obrigação susceptível de fundamentar a resolução contratual do presente contrato designadamente a não liquidação pontual de 3 ou mais rendas.

b) o terceiro outorgante aceita a cessão de posição contratual nos termos previstos na alínea anterior.

c) No caso de o locatário não cumprir qualquer obrigação susceptível de fundamentar a resolução contratual o locador notificará desse facto o locatário e o terceiro outorgante.”

Não se pode negar que a cláusula citada incorpora o acordo dos outorgantes e do terceiro cessionário quanto a uma condição mediante cuja verificação se produziria a cessão da posição da locatária contratual – a C…, nos moldes previstos no art.º 424, nº 1 do CPC.

Sendo igualmente inequívoco que o consentimento da locadora que emerge da subscrição da clausula é prévio ou anterior à cessação, o que implica que a eficácia da eventual transmissão tenha ficado dependente da notificação ou reconhecimento aludidos no nº 2 daquele art.º 424 do CC.

É também insofismável que, ao invocar tal cessão quando se opôs à providência, a Requerida não alegou a ocorrência desta notificação ou reconhecimento.

Sucede ainda que foi também o fracasso na demonstração desse facto modificativo que levou a que a Requerida B…. visse ser concedida a providência contra si instaurada, e que, como locatária, tivesse ficado obrigada à entrega do imóvel à Requerente.

Mas daí não se pode afirmar que se precludiu a possibilidade de ela vir a alegar e provar essa matéria na acção destinada a confirmar o direito meramente acautelado pela providência.

É que o juízo em que é antecipada a causa principal tem o mesmo valor de uma sentença de uma acção, o que implica que aí tenha de haver a confrontação plena das partes, com o exercício normal da defesa do réu.

Não obstante a abertura do nº 7 do art.º 21 do DL 149/95 à aí chamada “resolução definitiva do caso”, esta só pode ter lugar se o juiz da providência estiver munido como aí se diz de todos os “elementos necessários”.

É verdade que se afirma que os tais “elementos necessários” terão que ser “trazidos ao procedimento, nos termos do nº 2” (do mesmo artigo 21).

Do aqui patentemente se trata é, todavia, da prova, agora não sumária mas cabal, dos mesmos pressupostos que vêm identificados no nº 1.  

Em face da expressão “não tenham sido trazidos ao procedimento, nos termos do nº 2”, e tendo presente que este nº 2 se reporta unicamente aos requisitos cuja prova recai sobre o requerente, não repugna admitir – antes tudo aponta para que assim seja – que a antecipação do juízo sobre a causa principal tenha sido pensada para hipótese mais frequente de a providência ter sido concedida sem ter sido deduzida qualquer oposição. Situação que merece idêntica tutela é, obviamente, aquela em que, apesar de o requerido se haver oposto ao decretamento da providência, as questões por ele levantadas se revelem manifestamente impertinentes ou irrelevantes.

Em todos os outros casos de oposição, a antecipação da decisão definitiva sobre a relação controvertida que caberia à causa principal surge como perfeitamente temerária, ademais de violadora do direito ao adequado contraditório que cabe ao requerido, e que só pode ser preenchido na acção correspondente.

Flagrantemente, e no que aos vertentes autos diz respeito, a questão da cessão da posição contratual da Requerida, aflorada na oposição à providência, não deve ser tida por irrelevante, visto que só com o apuramento de todos contornos de facto que na futura acção se venham a desenhar poderão os seus efeitos ser convenientemente sopesados e julgados.

Neste enquadramento – mesmo sem sufragar nos seus exactos termos a respectiva fundamentação – o sentido da decisão recorrida é, mesmo assim, o que resulta de uma prudente interpretação e aplicação do nº 7 do art.º 21 do DL 149795 de 24/05, na redacção do DL 30/2008 de 25/02.

Donde que, também neste conspecto, o recurso não seja de atender.

Pelo exposto, julgando a apelação improcedente, confirmam a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

                       

   

Relator: Freitas Neto

Adjuntos:

1º - Carlos Barreira

2º - Barateiro Martins

   


[1] Onde aludiu ao programa de "descongestionamento do sistema judicial" e ao propósito de acabar com "acções judiciais desnecessárias".