Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
12/11.9TBSBG-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
VALOR DA CAUSA
CASO JULGADO FORMAL
Data do Acordão: 01/07/2013
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: SABUGAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: INDEFERIDA
Legislação Nacional: ARTS.305, 308, 311, 314, 315, 1052, 1412, 1413 CPC
Sumário: 1. A acção de divisão de coisa comum não se integra nos processos previstos no n.º 4 do artigo 308.º do CPC, porquanto não existe qualquer iliquidez ou indeterminação do seu valor, o qual é legalmente determinado pelo valor da coisa que se pretende dividir.

2. O valor que deve considerar-se como valor processual da causa nas acções para divisão de coisa comum, é o valor real dos prédios em questão, não tendo que corresponder ao respectivo valor patrimonial ou tributário.

3. Porém, fixado à causa pelo juiz no momento do despacho saneador o valor patrimonial do imóvel que tenha sido indicado pelos autores e expressa ou tacitamente aceite pelos réus, e não tendo sido interposto recurso de tal despacho, o mesmo faz caso julgado formal, impondo-se no processo em que foi proferido.

4.Por isso, mesmo que o prédio venha a ser em momento posterior da causa avaliado em valor superior, é aquele valor e não o resultante da avaliação, o valor processual da causa que se tem definitivamente como fixado, para todos os efeitos referidos no artigo 305.º, n.º 2, do CPC.

5. Consequentemente, se o valor da causa assim fixado for inferior à alçada dos tribunais de 1.ª instância, é legalmente inadmissível o recurso interposto da sentença proferida.

Decisão Texto Integral: Decisão sumária nos termos do artigo 688.º, n.º 4, do Código de Processo Civil[1]

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I - RELATÓRIO

1. A (…), C (…) e M (...) requeridos na acção de divisão de coisa comum, supra identificada, tendo sido notificados do despacho proferido em 20-11-2012 que com os fundamentos expostos na certidão que ora faz fls. 48 a 50 dos autos, julgou inadmissível o recurso por eles interposto da sentença proferida nestes autos, dele apresentaram a presente reclamação, tendo formulado as seguintes conclusões:

“A)- Uma vez concluída a avaliação do imóvel ajuizado, ao qual foi atribuído valor distinto e superior, devia ter-se procedido, oficiosamente, à correcção do valor da causa;

B)- Tal não tendo sucedido, nada obstava que aquela omissão fosse suprida no despacho referido no artº 685º - C CPC;

C)- O valor da causa não é arbitrário, antes representa a utilidade económica imediata que com a acção se pretende obter;

D)- Com a avaliação, ordenada no decurso da audiência de julgamento, e tendo sido atribuído ao imóvel o valor de € 56.231,44, passou a ser este a utilidade económica do pedido, o qual deveria ter sido fixado;

E)- Consequentemente, admitido o recurso atempadamente interposto;

F) Deferida a presente reclamação, deve ser ordenado a superação da omissão, prosseguindo o processo os ulteriores termos.

2. Notificados os autores, prescindiram do prazo para resposta à reclamação, por nada terem a acrescentar ao que já haviam referido nas contra-alegações de recurso, e por concordarem na íntegra com o despacho proferido.


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II. Objecto da reclamação:

Na presente reclamação a questão que importa sindicar é tão só a de saber se o despacho de indeferimento do recurso interposto com o fundamento no facto de o valor da acção ser inferior ao valor da alçada dos tribunais de primeira instância, deve ou não ser mantido, não estando em causa nesta sede a apreciação do mérito da decisão recorrida, independentemente da bondade da mesma[2].

      Para tal, importa apreciar se, como pretendem os reclamantes, o valor da acção de divisão de coisa comum devia ter sido oficiosamente alterado em face da avaliação pericial efectuada no decurso do julgamento que atribuiu ao imóvel o valor de 56.231,44€, e, consequentemente, devia ter sido admitido o recurso interposto pelos ora reclamantes, ou, ao invés, conforme decidiu o Mm.º Juiz, se, estando fixado o valor da causa, não existem motivos para proceder à sua alteração, por não estarmos perante nenhum dos casos previstos no artigo 308.º, n.º 4, do CPC[3].


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III – Fundamentos

III.1 – De facto:

São os seguintes os fundamentos de facto que importam à decisão da presente reclamação:

1. A acção de que os presentes autos são apenso é uma acção especial de divisão de coisa comum.

2. O valor da causa indicado pelos autores na petição inicial foi de 1.908,65€, correspondente ao valor patrimonial do prédio constante da caderneta predial urbana.

3. No despacho saneador proferido em 02-11-2011, a fls. 109 dos autos, a Mm.ª Juiz do tribunal a quo proferiu o seguinte despacho: “Atentas as versões apresentadas pelas partes nos seus articulados, entendo que a questão deve ser objecto de decisão sumária nos termos do disposto no artigo 1053.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, pelo que ao abrigo do n.º 3 do mesmo preceito legal, determino que os autos sigam os termos do processo declarativo comum na sua forma sumária, atento o valor da causa, que fixo em €1.908,65 (mil novecentos e oito euros e sessenta e cinco cêntimos) cfr. artigos 308.º, n.º 1, 311.º, n.º 2, e 315.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil.

4. No decurso da audiência de julgamento foi determinada a realização de perícia ao imóvel com vista a determinar a divisibilidade ou indivisibilidade do prédio, e, em caso de divisibilidade, pronunciar-se sobre a composição dos quinhões dos comproprietários.

5. O Senhor Perito pronunciou-se pela divisibilidade do prédio, atribuindo ao imóvel o valor de 56.231,44€.


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III.2 – De direito:

Conforme resulta do disposto no artigo 305.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, «[a] toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido», sendo que o valor da causa tem influência directa para determinar «a competência do tribunal, a forma do processo comum e a relação da causa com a alçada do tribunal».

Assim, “o critério fundamental que a lei nos fornece é o da utilidade económica imediata que com a acção se pretende obter, ou seja, a expressão monetária do benefício que pela acção se quer assegurar. Ora, em rigor, o benefício a que a acção visa é dado, não pelo pedido isoladamente considerado, mas pelo pedido combinado com a causa de pedir. (…) De maneira que, em última análise, o critério fundamental para a determinação do valor da acção é a pretensão do autor, designando-se pela palavra pretensão o pedido combinado com a causa de pedir.[4]

Seguidamente a lei estabelece critérios gerais e especiais[5] a que deve obedecer a fixação do valor da acção, prevendo o artigo 311.º, n.º 2, do CPC, que «nas acções para divisão de coisa comum, atende-se ao valor da coisa que se pretende dividir».

A redacção deste n.º 2 foi introduzida pelo DL n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, porquanto anteriormente o preceito apenas se referia especificamente às causas em que se pretendesse fazer valer o direito de propriedade ou outro direito real sobre uma coisa, ficando agora expressamente consagrado este critério especial de atribuição de valor à causa nas acções para divisão de coisa comum: o de que nas mesmas se deve atender ao valor total da coisa a dividir[6].

Trata-se de evolução legislativa que veio clarificar as dúvidas que podiam surgir a este respeito da determinação do valor processual neste tipo de acções.

Na verdade, «[p]oderia parecer que a solução devesse ser outra: determinar-se o valor pela importância da quota parte pertencente ao autor. Realmente a utilidade económica que pela acção o autor pretende obter é equivalente ao valor da sua quota. (…)

Repare-se, porém, no seguinte: o verdadeiro fim da acção é a divisão do prédio e não a constituição, isolada, da parcela a adjudicar ao autor, pois que, para se formar o quinhão deste, força é formar também os quinhões dos outros comproprietários.

Pela mesma razão, o valor do inventário deve fixar-se em atenção ao valor da massa hereditária, ao valor dos bens a partilhar»[7].

Note-se que, também quanto a este tipo de processo, o legislador consagrou o critério já defendido pelo Professor Alberto dos Reis, na referida alteração introduzida pelo DL n.º 34/2008, ao aditar o n.º 3 do indicado preceito, quanto aos processos de inventário.

A lei não estabelece, porém, como se determina o valor da coisa.

Não obstante, é entendimento uniforme aquele que considera que «[o] que interessa é o valor real do prédio, e não o valor formal (…). O rendimento real pode ser e é frequentemente, diverso do rendimento colectável inscrito na matriz. Quando assim suceda, as partes devem atender, para a determinação do valor da causa, ao rendimento real e não ao rendimento colectável»[8].

Assim sendo, o valor do prédio que importa para determinar o valor processual da causa não tem necessariamente que corresponder ao seu valor para efeitos tributários ou fiscais, tanto mais que é notório que, sobretudo quando estão em causa prédios antigos, se verifica uma manifesta desactualização dos elementos patrimoniais das matrizes prediais.

Desta sorte, o valor que deve considerar-se como valor processual da causa nas acções para divisão de coisa comum, é o valor real dos prédios em questão, «a determinar por referência ao seu rendimento ou, se o não produzir, ao que derivar de um juízo relativo à respectiva matéria, utilidade e estado de conservação ou manutenção»[9].

Porém, apesar de estabelecer os critérios gerais e especiais para fixação do valor da acção, a lei atribuiu poderes às partes quanto à indicação do valor – artigo 314.º do CPC.

 Ora, no caso dos autos, os autores atenderam na respectiva petição inicial ao valor patrimonial do prédio constante da caderneta predial urbana, não tendo os réus impugnado tal indicação do valor processual indicado, no montante de 1.908,65€, significando, portanto, que aceitaram o valor atribuído à causa pelos autores - artigo 314.º, n.º 4, do CPC -, indicado por estes no momento em que a acção foi proposta, e que é o momento legalmente considerado como sendo, em regra, o momento a atender para a determinação do valor processual da causa – artigo 308.º, n.º 1, do CPC.

Por seu turno, e de harmonia com o disposto no n.º 1 do art. 315.º do CPC, «compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes», devendo tal valor ser fixado no despacho saneador, salvo nos processos a que se refere actualmente o n.º 4 do artigo 308.º do CPC (correspondente ao anterior n.º 3 do mesmo preceito) – n.º 2 do artigo 315.º da referida codificação legal.

A excepção legalmente consagrada quanto ao momento para fixação do valor da causa[10], refere-se aos processos de liquidação ou a outros em que, analogamente, a utilidade económica do pedido só se define na sequência da acção, situação em que o valor inicialmente aceite será corrigido logo que o processo forneça os elementos necessários para o efeito.

No caso dos autos, quer a Mm.ª Juiz que elaborou o despacho saneador quer o Mm.º Juiz que lavrou o despacho de que ora os requeridos reclamam, por entenderem que o caso em apreço não se integrava na referida excepção quanto ao momento relevante para determinação do valor da acção, fixaram à causa o valor indicado pelos autores na petição inicial, considerando definitivamente fixado o valor referido no despacho saneador.

Por isso, em virtude de o valor da causa ser manifestamente inferior à alçada do tribunal de primeira instância, o recurso interposto pelos autores não foi admitido, com fundamento nas disposições conjugadas dos artigos 678.º, n.º 1, do CPC e 24.º, n.º 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, porquanto a decisão fora proferida em acção com um valor em que o tribunal decide sem possibilidade de recurso.

Em defesa da posição assumida no sentido de que o caso dos autos não se integrava na excepção consagrada no n.º 4 do artigo 308.º, o Mm.º Juiz citou Lebre de Freitas aduzindo que este preceito aplica-se «aos processos especiais de liquidação de patrimónios (liquidação judicial de sociedades – arts. 1122 e ss.; liquidação de herança vaga em benefício do Estado – asts. 1132 e ss.; processo de insolvência – cf. art. 15 CIRE), a outros cuja natureza implique que a utilidade económica do pedido só se defina na sequência da acção (inventário – arts. 1326 e ss.; prestação de contas provocada – arts. 1014 a 1017) e às acções em que tem lugar incidente de liquidação de pedido genérico»[11].

Portanto, como a acção especial para divisão de coisa comum não se integra em nenhum dos referidos, concluiu que a delimitação do artigo 308.º, n.º 4 é clara e, em caso algum, poderá ser aplicado aos presentes autos, inexistindo qualquer motivo legal para proceder à pretendida alteração do valor da causa.

Dir-se-á, desde já, que lhe assiste razão.

Como é consabido, a acção de divisão de coisa comum, tem como objectivo pôr termo à contitularidade de direitos sobre uma mesma coisa, uma vez que nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão, e, na falta de acordo quanto à divisão, é por via da acção de divisão de coisa comum que este exerce em juízo o seu direito de exigir a divisão da coisa.

Por isso, o artigo 1052.º, n.º 1, do CPC, em decorrência do preceituado nos artigos 1412.º, n.º 1, e 1413.º, n.º 1, do Código Civil, estabelece que «todo aquele que pretenda pôr termo à indivisão de coisa comum, requererá, no confronto dos demais consortes, que, fixadas as respectivas quotas, se proceda à divisão em substância da coisa comum, ou à adjudicação ou venda desta, com repartição do respectivo valor, quando a considere indivisível».

Trata-se duma acção especial, que antes da reforma processual civil de 1995 se encontrava incluída nas acções de arbitramento, e que se manteve autónoma após tal alteração legislativa, por ser necessário formular na mesma um verdadeiro juízo divisório, para o qual o tribunal recorre à produção de prova pericial, conforme se alcança do disposto nos artigos 1053.º a 1055.º do CPC.

Tal não significa, porém, que a mesma seja acção análoga às de liquidação a que alude o artigo 308.º, n.º 4, do CPC, em que a utilidade económica do pedido só se define na sequência da acção.

Na verdade, o preceito em referência reporta-se aos casos em que, «o valor da acção ou do processo depende, na realidade, do que vier a apurar-se no desenvolvimento dele. São os casos em a verdadeira finalidade do processo é uma liquidação. No momento em que a causa começa o valor é ilíquido ou indeterminado; há-de liquidar-se ou determinar-se por virtude do mecanismo do próprio processo»[12]. Daí que sejam exemplos deste tipo de processos, os denominados de liquidação e ainda os de insolvência e de inventário, precisamente porque quando começam amiúde não está ainda determinado sequer que bens existem e muito menos qual o seu valor.

Ora, tal não ocorre no processo de divisão de coisa comum, em que a lei veio expressamente consagrar qual o valor a atribuir à acção e que corresponde ao da coisa cuja divisão se requer. Portanto, não há qualquer iliquidez ou indeterminação. O que, frequentemente acontece é que o valor patrimonial do imóvel não é o valor real, situação que é muito diferente da referida.

Nestes casos, em que se integra o dos autos, tendo os autores feito corresponder na petição inicial o valor da causa ao valor patrimonial do imóvel, e não concordando com o mesmo podiam os réus impugnar o valor da causa indicado na petição inicial, oferecendo outro em substituição – artigo 314.º, n.º 1, do CPC. Se os autores o aceitassem passaria a ser este o valor da acção – artigo 314.º, n.º 2, do CPC. Caso contrário, se fosse necessário, procedia-se a arbitramento seguido de decisão do suscitado incidente de valor – artigos 318.º e 319.º do CPC.

Ora, como vimos, no caso dos autos, os réus, apesar de considerarem que o valor real do prédio era substancialmente superior ao valor patrimonial declarado, nada disseram apesar de não poderem desconhecer que a falta de impugnação do valor indicado pelos autores na petição inicial, tem o significado legalmente consagrado de aceitação do valor atribuído à causa por aqueles – artigo 314.º, n.º 4, do CPC.   

Portanto, para todos os efeitos legais, os réus aceitaram o valor processual atribuído à acção pelos autores, com as consequências previstas no artigo 305.º, n.º 2, do CPC, quanto à competência do tribunal, forma do processo, e alçada do tribunal.

No entanto, apesar desta aceitação, actualmente ao juiz incumbe fixar o valor da causa, sendo o momento para tal efeito o da prolação do despacho saneador, a não ser que o processo o não comporte, caso em que é então fixado na sentença – artigo 315.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

Trata-se, portanto, de questão cujo conhecimento oficioso lhe é imposto, ainda que as partes tenham acordado, expressa ou tacitamente, no valor processual da acção.

«A regra da fixação obrigatória do valor da causa pelo juiz foi claramente assumida como uma das medidas inseridas no "desígnio de racionalização do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça" (cfr. preâmbulo do citado diploma).

O objectivo, no fundo, foi, pois, o de controlar efectivamente o valor da causa, em muitos casos desfasado da realidade e indicado pelas partes em função do mínimo necessário para aceder ao tribunal superior (sob pena de a alteração das alçadas não ter qualquer efeito útil na aludida racionalização).

Atribuiu-se assim ao juiz o poder-dever de fixar o valor da causa, mesmo quando o valor aceite pelas partes, tácita ou expressamente, não esteja em "flagrante oposição com a realidade"[13].

Assim sendo, e estando em causa um imóvel, podia o juiz que proferiu o despacho saneador, em face do diminuto valor processual atribuído pelos autores e que obteve a concordância tácita dos réus, ter determinado oficiosamente a avaliação do imóvel para fixar o valor à causa.

Porém, não o fez, tendo decidido, no momento em que lavrou o despacho saneador e determinou que a acção seguisse a forma de processo sumário, atribuir à causa o valor acordado pelas partes.

Deste despacho os ora reclamantes não recorreram, embora pudessem ter interposto recurso precisamente quanto ao valor dado à causa, porquanto nessa situação o mesmo é sempre admissível, ao abrigo do disposto no artigo 678.º, n.º 2, alínea b), do CPC.

Ora, o caso dos autos não se integra na excepção prevenida no n.º 4 do artigo 308.º do CPC, razão por que, o valor processual da causa se fixou definitivamente no momento em que transitou em julgado o despacho proferido sobre o valor da acção aquando do despacho saneador, valor que não se confunde com o valor que pode ser fixado à causa para efeitos de custas judiciais, nos termos do n.º 3 do artigo 305.º do CPC.

Tal significa que a referida decisão de fixação do valor processual da causa transitou em julgado, existindo consequentemente caso julgado formal cuja força se impõe dentro do processo e vincula as partes e o Tribunal, por força do disposto nos artigos 672.º, n.º 1 e 677.º, ambos do CPC.

Nestes termos, considerando que o valor da causa a atender para a admissibilidade de recurso, é o fixado definitivamente pela primeira instância no momento do despacho saneador, este valor mantém-se, ainda que o imóvel tenha posteriormente sido avaliado no decurso da audiência de julgamento em valor superior ao patrimonial, porquanto salvo nos casos referidos no n.º 4 do artigo 308.º, a lei não prevê qualquer mecanismo de correcção, ainda que oficiosa, do valor que se mostre já definitivamente fixado[14].

Consequentemente, atento o valor processual da causa definitivamente fixado em 1.908,65€, é inadmissível o recurso de apelação interposto pelos requeridos, atento o disposto nos artigos 24.º, n.º 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, e no artigo 678.º, n.º 1, do CPC, porquanto o recurso não tem por fundamento qualquer das situações previstas nos n.ºs 2 e 3 deste preceito legal.


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III.3. Síntese conclusiva:

I – A acção de divisão de coisa comum não se integra nos processos previstos no n.º 4 do artigo 308.º do CPC, porquanto não existe qualquer iliquidez ou indeterminação do seu valor, o qual é legalmente determinado pelo valor da coisa que se pretende dividir.

II - O valor que deve considerar-se como valor processual da causa nas acções para divisão de coisa comum, é o valor real dos prédios em questão, não tendo que corresponder ao respectivo valor patrimonial ou tributário.

III – Porém, fixado à causa pelo juiz no momento do despacho saneador o valor patrimonial do imóvel que tenha sido indicado pelos autores e expressa ou tacitamente aceite pelos réus, e não tendo sido interposto recurso de tal despacho, o mesmo faz caso julgado formal, impondo-se no processo em que foi proferido.

IV – Por isso, mesmo que o prédio venha a ser em momento posterior da causa avaliado em valor superior, é aquele valor e não o resultante da avaliação, o valor processual da causa que se tem definitivamente como fixado, para todos os efeitos referidos no artigo 305.º, n.º 2, do CPC.

V – Consequentemente, se o valor da causa assim fixado for inferior à alçada dos tribunais de 1.ª instância, é legalmente inadmissível o recurso interposto da sentença proferida.


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IV - Decisão

Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação, confirmando o despacho de indeferimento do recurso proferido pelo Mm.º Juiz de primeira instância.

Custas pelos reclamantes.


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  Albertina Maria Gomes Pedroso ( Relatora )


[1] Doravante abreviadamente designado CPC.
[2] Na verdade, “[p]or mais clamoroso ou gritante que possa ser o erro da decisão em causa, nada justifica, no silêncio da lei a tal respeito, que esta «queixa» se transmute numa antecipada reponderação da decisão de mérito” – cfr. Decisão sumária de 16-10-2009, proferida no TRL, processo 224298/08.4YIPRT-B.L1-8, disponível em www.dgsi.pt.
[3] Por lapso manifesto, o artigo em apreço foi referido no despacho reclamado como sendo o artigo 408.º.
[4] Cfr. Alberto dos Reis, in Comentário ao Código do Processo Civil, vol. 3.º, Coimbra Editora 1946, págs. 593 e 594.
[5] Quanto às disposições especiais expressamente referidas as mesmas representam a “concretização e adaptação deste critério geral, em função da modalidade do pedido formulado” – cfr. Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código do Processo Civil Anotado, Vol. I, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág. 588.

[6] Note-se que este preceito corresponde, no essencial, ao que anteriormente prescrevia o artigo 6.º. n.º 1, alínea f), do Código das Custas Judiciais, que para efeito de custas também considerava que o valor da acção de divisão de coisa comum é o valor dos bens a dividir.
[7] Cfr. Alberto dos Reis, in Comentário ao Código do Processo Civil, vol. 3.º, Coimbra Editora 1946, págs. 599 e 600.
[8] Cfr. autor e ob. cit., pág. 595.
[9] Cfr. Salvador da Costa, in Os Incidentes da Instância, 4.ª Edição, Actualizada e Ampliada, Almedina 2006, pág. 45.
[10] Única que aqui importa apreciar porquanto não existem outras modificações posteriores relevantes, como sejam a dedução de reconvenção, a intervenção principal ou a dedução de incidente de valor.
[11] In Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 594.
[12] Cfr. Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 660.
[13] Cfr. Ac. TRP de 26-01-2012, proferido no proc.º n.º 5978/08.3TBMTS.P1, disponível em www.dgsi.pt. 

[14] Cfr. Ac. STJ de 23-04-2008, proferido no proc.º n.º 08S320, disponível em www.dgsi.pt.