Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
907/10.7TAGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: PROVA PROIBIDA
TELEFONE
ALTA VOZ
AMEAÇA
INJÚRIA
Data do Acordão: 07/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE SABUGAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 125º A 127º CPP
Sumário: 1.- Quando a vítima seja interlocutora e destinatária da comunicação telefónica ou outra comunicação técnica equiparada, considera-se justificada a divulgação do teor da conversa telefónica pelo sistema de alta voz (a que é semelhante a mensagem sonora) quando essa precisa comunicação telefónica é o meio utilizado para cometer um crime de ameaças, ou injurias e a vítima consinta, de modo expresso ou implícito, na sua divulgação a terceiros como forma de se proteger de tais ameaças e, com o tal não constitui prova proibida;

2.- O arguido ao enviar a mensagem sonora para o telemóvel da ofendida sabia e queria que esta a ouvisse, sabendo que era gravada, com essa mesma finalidade de ser ouvida pelo destinatário. Não se trata de qualquer intromissão ilícita nas telecomunicações que necessite de salvaguarda, porque não há sequer intromissão, não há violação à reserva constitucional da privacidade;

3.- Mesmo não utilizando a gravação (mensagem de voz gravada), ou seja, em telefonema direto, o teor da conversa pode ser escutado por terceiros, ou porque estão perto do auscultador do telefone ou, o aparelho é colocado em alta voz.

Decisão Texto Integral: Acordam  no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.

            No processo supra identificado foi proferida sentença que julgou procedentes as acusações deduzidas contra o arguido:

A..., casado, comerciante, filho de (...) e de (...) , natural de (...) , titular do Bilhete de Identidade n.º (...) , residente em (...) , Covilhã.

Sendo decidido:

1.Condenar o arguido numa pena de 70 dias de multa, pela prática de um crime de injúria, p. e p. no artigo 181 n.º 1 do CP.

2.Condenar o arguido numa pena de 140 dias de multa, pela prática de um crime de ameaça agravada p. e p. nos artigos 153 n.º 1 e 155 n.º 1 a) do CP.

3.Condenar o arguido numa pena de 140 dias de multa, pela prática de um crime de ameaça agravada p. e p. nos artigos 153 n.º 1 e 155 n.º 1 a) do CP.

4.Condenar o arguido, após efetuado cúmulo jurídico, numa pena única de 250 dias de multa, à taxa diária de 5,50 euros, pela prática de dois crime de ameaça agravada p. e p. nos artigos 153 n.º 1 e 155 n.º 1 a) do CP e de um crime de injúria, p. e p. no artigo 181 n.º 1 do CP, no montante global de 1.375,00 euros.

5.Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado por B (...) contra A (...) e, consequentemente, condenar o demandado a pagar à demandante a quantia global de 1.750,00 euros, acrescida de juros de mora contados desde a notificação, até efetivo e integral pagamento.


***

Inconformado, da sentença interpôs recurso o arguido formulando as seguintes conclusões na motivação do mesmo e, que delimitam o objeto:

1- De acordo com o relatório da sentença, a formação da convicção pelo tribunal a quo resulta, no fundo, exclusivamente do depoimento da queixosa/assistente.

2- Com efeito tal depoimento tem como facto gerador base, alegadas mensagens enviadas pelo arguido do seu telemóvel para o telemóvel da assistente.

3- A recolha das mensagens e a comprovação da autoria das mensagens, assim como da data em que as mesmas terão sido expedidas, não foi feita com respeito pelas normas constantes do art° 197 n° 1 do C. P. Penal.

4- O relatório que transcreveu as mensagens a partir de suposta gravação feita pela assistente foi feito por um agente da G.N.R. que foi ouvido no decurso da audiência como testemunha.

5- Ora o senhor agente da G.N.R. apenas pôde constatar o que a assistente lhe contou e o que a suposta gravação feita pela assistente comportava.

6- Tanto a forma como foram recolhidas as mensagens, como a forma como foram objeto de transcrição, não permitem conclusões seguras tanto a nível da autoria das mensagens por parte do arguido como da data em que as mesmas terão sido emitidas.

(inexistem conclusões 7 e 8)

9- Houve assim, pelo meritíssimo juiz a quo, violação do disposto no art° 197 n° 1 do C. P. Penal, sendo a prova em que se alicerçou a sentença nula pelo disposto no art° 190 do mesmo diploma legal e o efeito de tal nulidade o previsto no art° 122 do C. P. Penal.

10- Não existem nos autos provas que possam ser valoradas, à face dos preceitos legais referidos, de onde possa resultar a convicção de que o arguido praticou os factos que lhe foram imputados na acusação e por que vem condenado.

11- Não existe assim fundamento factual e legal para a condenação do arguido pelo crime por que foi pronunciado, devendo dele ser absolvido assim como do pedido cível conexo .

Revogando a sentença recorrida no que concerne á condenação do arguido pela prática dos crimes de injúria e de ameaça agravada na pessoa da queixosa/ assistente nos autos e no pagamento à mesma de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes, produzindo outra na qual se reconheça a nulidade da prova que fundamentou a condenação do arguido, e, em consequência se absolva o arguido dos crimes e do pedido cível em que foi condenado.

Não foi apresentada resposta (a apresentada pelo Mº Pº e, pelos motivos que invoca é extemporânea):

Nesta Relação, a Ex.mª PGA emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Foi cumprido o art. 417 do CPP.

Não foi apresentada resposta.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir:


***

São os seguintes os factos que o Tribunal recorrido deu como provados e sua motivação:

Factos Provados (com relevo para a causa)

Discutida a causa, consideram-se provados os seguintes factos com relevância para a decisão final:

A.O arguido era, em Julho de 2010, titular do n.º de telemóvel (...) da operadora de telecomunicações Vodafone Portugal. Comunicações SA.

B. A assistente B... era, nessa altura, titular do n.º de telemóvel (...) da mesmo operadora.

C. No dia 28 de Julho de 2010, pelas 16h:18m, o arguido enviou do referido n.º de telemóvel para o telemóvel da assistente uma mensagem de voz com o seguinte conteúdo: “mato-te onde te apanhar na rua, no carro, seja onde for, onde te apanho em casa. Escuta bem, estás condenada à morte, nada te pode separar dela. Vou matar-te brevemente. Quando te encontrar na rua, estejas com quem estiveres, eu mato-te. Já tenho no meu bolso uma pistola que te fodo os cornos…”.

D. No dia 28 de Julho de 2010, pelas 16h:26m, o arguido enviou através do mesmo aparelho telefónico para o telemóvel da assistente outra mensagem de voz com o seguinte conteúdo: “Puta assassina, mataste o teu pai…tu mataste…e agora andas com esse cabrão, o do (...) , o C (...) , (…) eu vou matar-te mesmo com as portas fechadas e vou arrombar a porta, puta, puta, puta (…).

E.Tais mensagens foram rececionadas pela assistente quando se encontrava na quinta dos seus pais, sita na (...) Concelho do Sabugal.

F.Ao escutar tais palavras, a assistente sentiu receio, inquietação e medo, evitando cruzar-se com o arguido, temendo que aquele viesse, num futuro próximo, a atentar contra a sua vida e a concretizar o que disse.

G.O arguido conhece os hábitos da assistente, designadamente os locais que costuma frequentar, bem como a sua residência.

H.O arguido agiu de forma livre e com o propósito concretizado de utilizar tais expressões, que sabia serem adequadas a produzir receio, medo e inquietação à assistente.

I.O arguido agiu ainda livre voluntária e conscientemente com o propósito conseguido de ofender a honra e a consideração da assistente.

J.O arguido sabia que as suas condutas eram punidas e proibidas por lei.


+

Resultaram ainda provados os seguintes factos.

K. O arguido é casado,

L. É reformado,

M. Aufere cerca de 297,00 euros mensais,

N. A sua esposa aufere cerca de 1.150,00 euros mensais,

O. Despende cerca de 580,00 euros mensais com a prestação bancária relativa ao crédito à habitação,

P. Despende cerca de 150,00 euros mensais com medicamentos para o tratamento de uma doença crónica da esposa,

Q. Ao nível das habilitações escolares, possui o curso comercial antigo.

R. Não apresenta antecedentes criminais.


+

Do Pedido de Indemnização Civil (com relevo para a decisão):

S. Com a conduta do arguido, a assistente sentiu medo e receio,

T. Sentiu-se angustiada, insegura e intranquila,

U. Temeu pela vida,

V. Passou a estar constantemente trancada em casa,

W. Passou a evitar a frequência de certos locais e

X. Deixou de se deslocar a pé ao comércio tradicional.

Y. A conduta do arguido agravou o estado de saúde da assistente que, também por esta causa, teve de ser assistida em consultas de psicologia.

Z. A assistente é uma pessoa educada e recatada.

AA. Com as expressões proferidas pelo arguido, a assistente sentiu-se triste, envergonhada, humilhada e perturbada.

BB. O facto de o arguido ter atribuído as culpas da morte do pai da assistente à própria assistente, causou a esta tristeza, perturbação, nervosismo e revolta.


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Factos Não Provados (com relevo para a causa):

Inexistem.                  


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Motivação

A convicção do tribunal para a determinação da matéria de facto dada como provada e não provada resultou da análise livre e crítica das declarações da assistente, da prova testemunhal produzida e dos documentos juntos aos autos.

Primeiramente, o tribunal valorou as palavras da assistente, que mereceu toda a credibilidade face ao modo como decorreram as suas declarações, marcadas por um tom sério e condoído, deixando perpassar uma profunda angústia com o sucedido.

A assistente confirmou o teor das mensagens de voz por si recebidas, provindas do telemóvel do arguido, seu antigo patrão, e bem ainda o sítio onde se encontrava quando isso sucedeu e as consequências que tais episódios tiveram na sua vida, pedaços de vida retratados pormenorizadamente no acervo de factos dados como provados.

Sem qualquer hesitação, a assistente explicitou que não teve nem tem dúvidas que tais mensagens foram proferidas pelo arguido, tendo ainda esclarecido que se deslocou ao posto da GNR, onde foram ouvidas as gravações.

Como expendemos, nenhuma razão emergiu da produção de prova para duvidarmos da total veracidade das palavras da assistente, não tendo a negação do arguido tido a virtualidade de colocar no nosso espírito qualquer sombra de dúvida.

O tribunal valorou também o testemunho de D (...) , Agente da GNR que, em Julho de 2010, prestava serviço no Posto do Sabugal.

O depoente, com credibilidade e isenção, afiançou lembrar-se do sucedido e confirmou que ouviu as mensagens de voz, que reconheceu a voz do arguido, uma vez que já tinha falado com ele noutras ocasiões, que transcreveu as mensagens a partir da audição do telemóvel e que a assistente patenteou bastante receio e perturbação.

Quanto ao conteúdo das mensagens, também o tribunal teve a possibilidade de, em plena sede de audiência de julgamento, proceder à audição do elemento fonográfico constante dos autos, tendo constatado as seguintes expressões: “quando te encontrar na rua, estejas onde estiveres, eu mato-te”; “eu vou-te matar, mesmo com as portas fechadas”; “puta” e “assassina” (cfr. acta de julgamento de 10/01/2013).

Por último, o tribunal firmou ainda a sua decisão nas palavras de José Pais, primo da assistente, que, com conhecimento direto dos factos, atenta a proximidade familiar, relatou as mudanças na vida da assistente em resultado da conduta do arguido.

Em síntese, a testemunha sustentou que a assistente ficou abalada, com receio, com medo da concretização das ameaças, que mudou hábitos de vida, que se fechava em casa, que deixou de fazer caminhadas a pé e de ir ao comércio tradicional, que ficou chorosa, muito abalada por o arguido ter tocado no assunto do pai, que pedia aos filhos para a acompanharem e que teve de receber tratamento médico.

No que tange à prova documental, emerge com demarcada importância o auto de notícia elaborado pela testemunha D (...) (fls. 5), no qual se afere o teor concreto das mensagens, bem como o dia e hora em que foram proferidas.

Uma vez que estamos perante mensagens de voz no telemóvel, e considerando as regras comuns da experiência, nenhuma dúvida se poderá gerar quanto às circunstâncias de tempo dadas como provadas, ainda que, prima facie, possam surgir dúvidas quanto à forma de escrita constante do auto de notícia.

Neste documento, cristalizaram-se expressões como a seguinte “280842Jul10”. Ora, a única interpretação possível a dar-lhe é a de que a mensagem ocorreu no dia 28 de Julho de 2010, pelas 08h:42m, como aliás consta da alegação plasmada na acusação deduzida pela assistente e no pedido de indemnização civil.

 Parece-nos também óbvio que a informação aposta no auto resulta diretamente do próprio telemóvel, não havendo assim razões válidas e legítimas para colocar em crise o que foi relatado e lavrado em auto pelo Sr. Agente da GNR, com conhecimento privilegiado e sem qualquer interessa na causa.

Foi igualmente valorado o relatório psicológico de fls. 175 e 176, no qual se dá conta que a assistente passou a ser seguida em consultas de psicologia desde o dia 04 de Novembro de 2010, sendo um dos fatores da sua instabilidade emocional o envio constante de mensagens para o seu telemóvel e a perseguição do seu ex-patrão, aqui arguido.

Por último, cumpre referir que para a prova dos factos pessoais da arguido foram valoradas as suas declarações e que para a prova da inexistência de antecedentes criminais  foi considerada a exegese do certificado de registo criminal (fls.174).


***

            Conhecendo:

Analisemos a questão suscitada:

Valoração de prova proibida, por não respeitar o disposto no art. 187 nº1 do CPP e, consequentemente nula, por força do art. 190 do mesmo diploma.


+++

Prova:

Temos que o recorrente labora em erro ao enquadrar a prova produzida no âmbito do disposto nos arts. 187 a 190 do CPP.

Não se trata nos autos de situação de interceção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas e, só estas têm um formalismo de operações para poderem ser consideradas válidas e atendíveis como prova.

A situação prevista nesses preceitos reporta-se à eventualidade de ser necessário intercetar conversações de terceiros que, por completo desconhecem que é objeto de gravação a conversa que estão a efetuar.

Quando a vítima seja interlocutora e destinatária da comunicação telefónica ou outra comunicação técnica equiparada, considera-se justificada a divulgação do teor da conversa telefónica pelo sistema de alta voz (a que é semelhante a mensagem sonora) quando essa precisa comunicação telefónica é o meio utilizado para cometer um crime de ameaças, ou injurias e a vítima consinta, de modo expresso ou implícito, na sua divulgação a terceiros como forma de se proteger de tais ameaças.

No caso vertente, o arguido ao enviar a mensagem sonora para o telemóvel da ofendida sabia e queria que esta a ouvisse, sabendo que era gravada, com essa mesma finalidade de ser ouvida pelo destinatário. Não se trata de qualquer intromissão ilícita nas telecomunicações que necessite de salvaguarda, porque não há sequer intromissão, não há violação à reserva constitucional da privacidade.

Mesmo não utilizando a gravação (mensagem de voz gravada), ou seja, em telefonema direto, o teor da conversa pode ser escutado por terceiros, ou porque estão perto do auscultador do telefone ou, o aparelho é colocado em alta voz.

Sobre questão idêntica se pronunciou o Ac. desta Relação, de 6-03-2013, proferido no processo nº 119/11.2GDAND.C1, onde se concluiu: “podemos traçar relativamente à interceção e à gravação das comunicações telefónicas ou através de outros meios técnicos de transmissão, de acordo com o primado da dignidade humana, das garantias constitucionais de defesa e de reserva da privacidade, devidamente amparadas pelo princípio da intervenção mínima, o qual está sujeito a critérios de proporcionalidade, bem como pelo princípio da legalidade da prova, as seguintes diretrizes:

i) Tais meios de obtenção de prova inscrevem-se no pilar constitucional das provas relativamente proibidas, o que sucederá quando as mesmas se revelarem abusivas;

ii) Serão meios de obtenção de prova abusivos quando a sua realização não se mostrar proporcional face aos parâmetros constitucionais estabelecidos pelo princípio da intervenção mínima (i) e as exigências de um processo penal justo (ii), designadamente na sua vertente de interdição legal;

iii) Tal meio de obtenção de prova será, por isso, legalmente admissível quando for decretado por despacho judicial e sejam observados os respetivos requisitos legais, ou seja, diga respeito a crimes inscritos no catálogo descrito no artigo 187, n.º 1 do C. P. Penal (i) – como sucede com o crime de ameaças quando cometido por telefone e naturalmente por qualquer outro meio técnico de transmissão de conversações ou comunicações (187, n.º 1, al. e); 189, n.º 1); tal interceção ou gravação incida, independentemente da titularidade do meio de comunicação utilizado, nas comunicações efetuadas, entre outros, pelo suspeito ou arguido (a) ou então a própria vítima do crime, mas mediante o seu consentimento efetivo ou presumido (b) (187, n.º 4, al. a) e c) C. P. Penal) (ii);

 iv) Fora destas circunstâncias, a divulgação de uma comunicação telefónica será um meio de obtenção de prova legalmente admissível desde que, de acordo com um critério de duplo efeito, se mostrem preenchidos os requisitos legais substantivos das escutas telefónicas (i), revelando-se essa divulgação necessária, adequada e na justa medida para repelir uma agressão atual e ilícita de que se seja vítima (ii), mormente quando esta é a interlocutora e destinatária da referida comunicação telefónica ou outra comunicação técnica equiparada, ficando sempre salvaguardado a dignidade da pessoa humana dos intervenientes na respetiva comunicação;

v) Neste último caso, considera-se justificada a divulgação de uma conversa telefónica pelo sistema de alta voz quando essa precisa comunicação telefónica é o meio utilizado para cometer um crime de ameaças ou injúrias e a vítima consinta, de modo expresso ou implícito, na sua divulgação a terceiros como forma de se proteger de tais ameaças ou injúrias” (sublinhado nosso).

Assim, entendemos ser de concluir como no Ac. da Rel. do Porto de 9-01-2013, proferido no processo nº 1516/08.6PBGMR.P1, “Nesta conformidade não encontramos que o tribunal recorrido tenha admitido qualquer prova proibida por lei quando ponderou o depoimento da testemunha …, quando esta revelou o teor das palavras consideradas ameaçadoras que o arguido dirigiu a …, em virtude desta ter colocado o sistema sonoro do seu telemóvel em “alta voz”, porquanto esse meio de obtenção de prova teve uma causa legítima, mostrando-se proporcional a divulgação, naquele preciso momento e em tempo real, dessa conversação telefónica, suscetível de integrar um crime de ameaças, com a proteção que merece tal vítima”.

Não tendo sido admitida prova proibida, a valoração da prova produzida deve obedecer aos cânones legais.

No nosso ordenamento jurídico/processual penal vigora o princípio da livre apreciação da prova, sendo esta valorada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador -, art. 127 do C. P. Penal.

O princípio da livre apreciação da prova está intimamente ligado à obrigatoriedade de motivação ou fundamentação fáctica das sentenças criminais, com consagração no art. 374/2 do Código de Processo Penal.

E não dispensa a prova testemunhal um tratamento cognitivo por parte do julgador mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal qual a prova indiciária de qualquer natureza, pode ser objeto de formulação de deduções ou induções baseadas na correção de raciocino mediante a utilização das regras de experiência.

A atribuição de credibilidade ou da não credibilidade a uma fonte de prova por declarações assenta numa opção motivável do julgador na base da sua imediação e oralidade que o tribunal de recurso só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum. O juiz é livre de formar a sua convicção no depoimento de um só declarante em desfavor de testemunhos contrários, cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, 207.

No mesmo sentido, recurso desta Relação nº 3127/99 de 2-2-2000, no qual se refere que “as declarações da ofendida, quando credíveis e inferidas de todos os outros elementos de prova, são suficientes para, segundo as regras da experiência, dar como provados os factos”.

Assim que, se entenda que é possível dar como provados factos fundando-os num só depoimento, desde que o mesmo seja convincente.

Não sendo o que aconteceu in casu como resulta da motivação supra transcrita. Declarações da assistente, prova testemunhal produzida e documentos juntos aos autos.

Depoimentos objetivos, isentos e reveladores de como os factos aconteceram.

E, diremos que o preceituado no art.127 do Código de Processo Penal deve ter-se por cumprido quando a convicção a que o Tribunal chegou se mostra objeto de um procedimento lógico e coerente de valoração, com motivação bastante, e onde não se vislumbre qualquer assumo de arbítrio na apreciação da prova.

O alegado pelo recorrente (afastada a questão de utilização de prova proibida) não abala os fundamentos da convicção do julgador, que temos conformes às regras da experiência.

Afigura-se-nos que ressalta, de forma límpida, do texto da sentença ter o Tribunal, após ponderada reflexão e análise crítica sobre a prova recolhida, obtido convicção plena, porque subtraída a qualquer dúvida razoável (não violação do princípio in dúbio pro reo), sobre a verificação dos factos imputados ao arguido.

O que, diferentemente se pretende é que o tribunal deveria ter valorado as provas à maneira do recorrente (não as valorando), substituindo-se ele-recorrente ao julgador, mas tal incumbência é apenas, porém, deste - art. 127 CPP.

Na conjugação dos depoimentos com a credibilidade que cada um mereceu e as inferências daí resultantes, partiu para a operação intelectual de formação da convicção, resultando a prova dos factos.

Assim que improcedem todas as conclusões do recurso e, consequentemente, este.

Decisão:

Acordam os Juízes desta Relação e Secção Criminal em negar provimento ao recurso do arguido A (...) e, em consequência, mantem-se na integra a sentença recorrida.

            Custas pelo recorrente com 4 Ucs de taxa de justiça.

Jorge Dias (Relator)

Brizida Martins