Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
605-B/1999.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA INÊS MOURA
Descritores: ACÇÃO DE DEMARCAÇÃO
PROCESSO ESPECIAL
CRAVAMENTO DE MARCOS
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Data do Acordão: 02/18/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T. J. DE POMBAL 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 1058 CPC, DL Nº 329-A/95 DE 12/12
Sumário: 1. A colocação de marcos divisórios de acordo com sentença proferida em acção especial de demarcação intentada em 26/01/1994 deve ter lugar no próprio processo, nos termos do artº 1058 nº 5 do C.P.C., na redacção anterior ao Decreto-Lei 329-A/95 de 12 de Dezembro, que dispõe: “Fixada a linha divisória, se for necessário cravar marcos, os peritos farão proceder a essa diligência.”

2. A isso não obsta o facto do diploma em causa ter acabado com tais acções especiais, já que, conforme refere o artº 16 do diploma preambular do citado Decreto Lei 329-A/95, este só se aplica à acções que sejam intentadas após a sua entrada em vigor.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

AM (…) e MR (…), por apenso à execução para prestação de facto instaurada contra ambos e contra CN (…) e mulher MA (…), por JR (…)e DN (…) vêm deduzir oposição à execução.

Alegam, em síntese que, correu termos acção especial de demarcação cuja sentença constitui o título executivo na execução, que julgou a acção parcialmente procedente e definiu uma linha divisória dos prédios, mas nela não foram os executados especialmente condenados a proceder à demarcação definida, nem tinham de ser. Isto porque, tendo a acção em causa dado entrada em juízo em 26/01/1994, antes da reforma processual civil preconizada pelo Decreto-Lei nº 329/A/95 de 12 de Dezembro e 303/2007 de 24 de Agosto, impunha-se apenas que o Tribunal determinasse o cravamento dos marcos por peritos, nos termos do disposto no nº 5 do artigo 1058º do Código de Processo Civil, então vigente ou que por simples requerimento os exequentes requeressem ao Tribunal tal diligência a efectivar pelos mesmos peritos já existente nos autos. Concluem que não existe qualquer obrigação dos executados a proceder a qualquer demarcação, sendo que é o tribunal que deve ordenar a efectivação dessa diligência, e que também não estão obrigados ao pagamento de qualquer sanção compulsória, nomeadamente a prevista no artigo 939º do Código de Processo Civil, por não estarem obrigados à execução de qualquer prestação em qualquer prazo.

            Admitida a oposição, os exequentes foram notificados para contestar, o que fizeram, alegando, em síntese, que a sentença transitou em julgado e não padece de qualquer vício, tendo sido proferida já no âmbito do actual Código do Processo Civil, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 321-A/95 de 12/12. E como tem sido entendimento da doutrina e jurisprudência, constitui título executivo a sentença proferida em acção de demarcação. Caso contrário, a sentença ficaria desprovida de efeito útil, contrariando assim o disposto no nº 2 do artigo 2º do Código de Processo Civil e, consequentemente, o direito ao acesso aos tribunais constitucionalmente consagrado. Concluem que, nos termos do disposto no artigo 817º nº 1 alínea b) do Código de Processo Civil, a oposição deverá ser indeferida liminarmente por o fundamento não se ajustar ao disposto nos artigos 814º a 816º do mesmo código.

Foi apreciado o mérito da oposição, tendo-se concluindo pela improcedência da mesma.

Não se conformando com a decisão proferida, vêm os oponentes interpor recurso de apelação da mesma, pedindo a sua revogação e substituição por outra que julgue procedente a oposição, apresentando as seguintes conclusões:

1 – A presente causa deu entrada em juízo em 26/01/94, sendo classificada como “ACÇÃO ESPECIAL DE DEMARCAÇÃO.”

2 – Acção instaurada antes da reforma de processo civil, do Dec.Lei 329/A/95, encontrando-se em vigor e sendo aplicável ao presente caso o disposto no artº 1058 do C.P.C., na redacção anterior ao revogado diploma legal.

3 – O nº 5 daquela norma, refere que se for necessário cravar marcos, os peritos farão proceder a essa diligência”

4 – Sucedendo assim, como sucedia, será necessário apenas e só que o Tribunal por despacho ordene tal diligência, quando requerida, não se mostrando necessário a instauração de qualquer execução para prestação da facto, nomeadamente a prevista nos artº 933 do C.P.C. na redacção anterior a 1 de Setembro de 2013.

5 – É que não existe qualquer obrigação especial dos executados para prestação de tal facto - cravamento de marcos - mas sim e tão só estão os mesmos obrigados a respeitar este cravamento e a linha pelo mesmo definida, respeito esse e obrigação que após trânsito da sentença sempre fizeram.

6 – Os Acórdãos invocados – de 14/10/2004, 20/01/2005 e 15/05/2007, reportam-se a situações de processos instaurados após 1995, constituindo acções declarativas – com pedido próprio - e não assim especiais de demarcação, não tendo pois as decisões aí tomadas, quaisquer similitude com o caso dos autos.

7 – Assim, a aliás douta sentença viola além do mais o disposto no artº 1058 nº 5 do C.P.C, na sua redacção anterior ao Dec. Lei 329/A/95 , aqui aplicável nos artº 933 e 939 do C.P.C na redacção anterior a 1 de Setembro de 2013 .

Os exequentes vêm contra-alegar pugnando pela improcedência do recurso, concluindo, em síntese, que a a execução foi proposta na vigência do regime processual civil introduzido pelo D.L. 329-A/95 de 12/12, já tendo sido suprimidas as ações de arbitramento previstas nos artºs. 1052º ss do C.P.C., pelo que o meio processual adequado à execução da mencionada sentença só poderia ser a ação de execução para prestação de facto.

II. Questões a decidir

Tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelo recorrente nas suas conclusões (artº 635º nº 2 e 3 e 639º nº 1 e 2 do C.P.C.), salvo questões de conhecimento oficioso- artº 608 nº 2 in fine:

- de ser aplicável ao presente caso o disposto no artº 1058 do C.P.C., na redacção anterior ao Decreto-Lei 329-A/95 que o revogou, não havendo lugar a execução para prestação de facto.

III. Fundamentos de Facto.

São os seguintes os factos provados, com interesse para a decisão, considerando a certidão junta aos autos a fls. 48 ss. e o acordo das partes e nos termos dos artº 663 nº 2 e 607 nº 4 do C.P.C.

1. O título executivo é constituído por uma sentença proferida no âmbito de acção especial de demarcação intentada em 26/01/1994 por JR (…) e mulher DN (…) contra AM (…) e mulher MR (…) e contra CN (…) e mulher MA (…).

2. A sentença foi proferida a 7/11/2001 e a decisão tem o seguinte teor: “Pelo exposto, decido julgar parcialmente procedente a acção, determinando que se proceda à demarcação dos prédios dos autores e dos réus da seguinte forma:

- relativamente à linha divisória entre o prédio dos autores e dos 1ºs RR., mediante o cravamento de três marcos: um primeiro marco a Oeste (poente) junto à estrada, a 2,10m para sul do extremo norte do pilar de um muro aí existente, o segundo marco a 1,30m do interior do bordo norte de um poço situado no terreno dos 1ºs RR., no sentido Nordeste (NE), e um terceiro marco a Este (nascente) a 0,15m para Norte de uma oliveira queimada e caduca aí existente;

- relativamente à linha divisória entre o prédio dos autores e dos 2º RR. mediante o cravamento de dois marcos: um primeiro marco a colocar a metade da distância entre a extrema dos 2ºs RR. com o confinante a norte e o marco a colocar a 1,30m do interior do bordo norte de um poço situado no terreno dos 1ºs RR. no sentido Nordeste (NE); e um segundo marco a poente junto à estrada, situado a metade da distância entre o marco que separa os 2ºs RR. do confinante a norte e o marco que separa a poente junto à estrada os autores e os 1ºs RR.

Custas em idênticas proporções pelas partes.”

3. A 04/04/2008 os Exequentes apresentam requerimento executivo, onde invocam os seguintes factos:

1º Por douta sentença transitada em julgado proferida no processo acima referenciado, foi determinado que se procedesse à demarcação dos prédios dos AA. e RR. da seguinte forma (transcreve a parte decisória da sentença).

2º Tal demarcação, de acordo com a dita sentença, foi determinada de acordo com a posse dos exequentes.

3º Desde essa data e até hoje os executados não se aprestaram a proceder à demarcação, de acordo com as linhas divisórias estabelecidas.

4º Os exequentes reputam como suficiente o prazo de 15 dias para se proceder à determinada demarcação.

5º Ao abrigo do disposto no artº 933 nº 1 “ex vi” do artº 939 do C.P.C. os exequentes requerem a aplicação de sanção pecuniária compulsória pelo período de tempo em que durar o incumprimento dos executados.

6º Os exequentes reputam como adequado que tal sanção seja fixada no valor diário de € 50,00.

IV. Razões de Direito

- de ser aplicável ao presente caso o disposto no artº 1058 do C.P.C., na redacção anterior ao Decreto-Lei 329-A/95 que o revogou, não havendo lugar a execução para prestação de facto.

A questão que se impõe decidir é a de saber qual a diligência adequada à colocação dos marcos divisórios determinada na sentença dada à execução: se o procedimento previsto no artº 1058 nº 5 do C.P.C., antes da sua revogação pelo Decreto-Lei 329-A/95, como pretendem os Recorrentes ou se a execução para prestação de facto de que os Exequentes se socorrem, o que veio a ter acolhimento na decisão recorrida.

A acção de demarcação no âmbito da qual foi proferida a sentença agora dada à execução, deu entrada em juízo a 26/01/1994, configurando-se como uma acção especial de arbitramento, à data regulada nos artº 1052 ss. do C.P.C. O artº 1058 estabelecia os termos especiais da acção de demarcação, com vista à determinação da linha divisória, dispondo, no seu nº 5 que: “Fixada a linha divisória, se for necessário cravar marcos, os peritos farão proceder a essa diligência.”

Era entendimento comum que, no âmbito de tal regime processual, a acção especial de demarcação compreendia duas fases: uma declarativa que visava a definição do direito que se pretendia fazer valer e uma executiva, na qual se procurava a concretização do direito declarado- vd. neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14/10/2004, in. www.dgsi.pt

O Decreto-Lei 329-A/95 de 12 de Dezembro veio, no seu artº 3º, revogar expressamente as normas referentes à acção de demarcação, que deixou assim de existir enquanto acção especial. No entanto, o artº 16 do diploma preambular de tal Decreto-Lei, vem estabelecer que as modificações que dele decorrem, salvo as excepções que aí salvaguarda, só se aplicam aos processos iniciados após a sua entrada em vigor, em 1 de Janeiro de 1997.

Com esta reforma, os interessados passaram então a ter que recorrer à acção declarativa comum, com vista à determinação e delimitação das extremas dos seus prédios confinantes. Em face desta alteração, as acções de demarcação intentadas depois de 01/01/1997 passam a seguir a forma de processo comum.

É no âmbito desta modificação que tem surgido a questão de saber se a sentença proferida em processo comum que estabelece a forma de demarcação dos prédios em litígio, sem expressamente condenar qualquer das partes na colocação de marcos, quando a esta colocação haja lugar, pode servir de título executivo no âmbito de execução para prestação de facto.

Sobre esta situação pronunciou-se em sentido afirmativo a sentença recorrida, em conformidade com o que tem vindo a ser decidido pela nossa jurisprudência, que aliás cita de forma própria. Contudo, esta questão tem sido suscitada e só se coloca, quando está em causa a execução de sentença proferida em acção de demarcação que segue a forma de processo comum, conforme decorre aliás do teor dos acórdãos citados. Aliás, outra coisa nem faria sentido, na medida em que, na anterior acção especial de demarcação a colocação dos marcos se efectivava nessa mesma acção, pelos peritos, nos termos do mencionado artº 1058 nº 5 do C.P.C., integrando ela própria uma fase executiva.

No caso em presença a sentença dada à execução foi proferida em acção especial de demarcação que deu entrada em juízo antes da reforma do processo civil determinada pelo Decreto-Lei 329-A/95 de 12 de Dezembro, o regime processual que tal acção tem de seguir é assim o das acções de arbitramento, previsto nos artº 1052 ss do C.P.C. e em concreto no artº 1058 para as acções de demarcação.

A isso não obsta o facto do diploma em causa ter acabado com tais acções especiais, já que, por um lado, conforme refere o citado artº 16 do diploma preambular do Decreto Lei 329-A/95, este só se aplica à acções que sejam intentadas após a sua entrada em vigor e, por outro lado, importa ter em conta o disposto no artº 142 nº 2 do C.P.C. que nos diz que a forma de processo aplicável se determina pela lei vigente à data em que a acção é proposta.

Desta forma, já se vê que a colocação de marcos pretendida pelos Exequentes, de acordo com a sentença proferida em acção especial de demarcação intentada em 26/01/1994 deve ter lugar no próprio processo, nos termos do artº 1058 nº 5 do C.P.C. que dispõe: “Fixada a linha divisória, se for necessário cravar marcos, os peritos farão proceder a essa diligência.”

A decisão sob recurso afastou este regime, entendendo que o cravamento de marcos por parte dos peritos sempre assumiria a natureza de um enxerto executivo no âmbito da própria acção, com a inerente renovação da instância em caso de incumprimento e por àquela data já se encontrar em vigor o novo regime, considerando que a instância executiva já se inicia no domínio da lei nova.

Não se crê contudo que este entendimento possa ter acolhimento naquele regime processual. É que, não obstante a acção especial de demarcação regulada no artº 1058 do C.P.C. comporte o que, de forma pacífica, era designado por uma fase declarativa e por uma fase executiva (apenas quando houvesse lugar ao cravamento de marcos), não pode deixar de entender-se que ambas as fases fazem parte de um só processo especial, consubstanciando a forma necessária para a composição do litígio suscitada em juízo. Por outro lado, neste processo especial, não se torna necessária a existência de qualquer incumprimento da sentença para haver lugar à colocação dos marcos, na medida em que, de acordo com a norma referida, desde que seja necessário cravar marcos, os peritos farão proceder a tal diligência nos autos, só assim se completando o mesmo.

O procedimento do cravamento dos marcos pelos peritos, previsto no artº 1058 nº 5 do C.P.C., traduz-se numa actividade material prevista realizar no âmbito daquele processo especial, de forma a assinalar a linha divisória definida por meio de sinais externos visíveis e permanentes, sendo excessivo considerar que tal diligência prevista naquele processo especial representa uma instância executiva autónoma.

Em face do que fica exposto, considera-se que não há fundamento legal para afastar a diligência prevista no artº 1058 nº 5 do C.P.C., forma própria de se efectuar o cravamento dos marcos nos termos determinados na sentença proferida no âmbito do processo especial de demarcação, como é o caso, não podendo dizer-se que tal diligência dá início a uma nova instância executiva, regulamentada pela lei vigente à data da entrada em juízo de tal pedido.

Tal como nos diz o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20/01/2005 in. www.dgsi.pt : “No âmbito do estabelecido no Código de Processo Civil antes da reforma que lhe foi introduzida pelo já citado Decreto-Lei 329-/95, a questão estava resolvia com o disposto no n.º 5 do artigo.1058º, o qual determinava que “fixada a linha divisória, se for necessário cravar cravos, os peritos farão proceder a essa diligência”.

Assim, estando em causa esse mesmo processo especial, é nos termos por ele definidos que a questão deve de ser resolvida. Uma acção especial de demarcação comportando uma fase declarativa e uma fase executiva no seu regime processual, deve prosseguir até ao fim. É que, embora se venha falando de uma fase declarativa e de outra executiva, o que é certo é que estas representam fases de um mesmo processo especial que só termina com a colocação de marcos, nos termos do artº 1058 nº 5 do C.P.C., se a isso houver lugar, sendo certo que só não há lugar ao cravamento de marcos se estes já existem e se encontram visíveis.

Em face do exposto, considera-se que a sentença apresentada à execução não constitui título exequível, julgando-se procedente a oposição apresentada e em consequência extinta a execução, devendo o cravamento dos marcos ter lugar nos termos do artº 1058 nº 5 do C.P.C., no processo próprio.

V. Sumário:

1. A colocação de marcos divisórios de acordo com sentença proferida em acção especial de demarcação intentada em 26/01/1994 deve ter lugar no próprio processo, nos termos do artº 1058 nº 5 do C.P.C., na redacção anterior ao Decreto-Lei 329-A/95 de 12 de Dezembro, que dispõe: “Fixada a linha divisória, se for necessário cravar marcos, os peritos farão proceder a essa diligência.”

2. A isso não obsta o facto do diploma em causa ter acabado com tais acções especiais, já que, conforme refere o artº 16 do diploma preambular do citado Decreto Lei 329-A/95, este só se aplica à acções que sejam intentadas após a sua entrada em vigor.

VI. Decisão:

Em face do exposto, julga-se procedente o recurso interposto pelos Oponentes, revogando-se a decisão recorrida, julgando-se procedente a oposição apresentada com a consequente extinção da execução.

Custas pelos Recorridos.

Notifique.

                                                           *

                                               Coimbra, 18 de Fevereiro de 2014

                                               Maria Inês Moura (relatora)

                                               Fernando Monteiro (1º adjunto)

                                               Luís Cravo  (2º adjunto)