Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
484/06.3PAMRG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOURAZ LOPES
Descritores: DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
REGIME EM CONCRETO MAIS FAVORÁVEL
FIXAÇÃO DO MONTANTE DIÁRIO NA PENA DE MULTA
Data do Acordão: 03/03/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA MARINHA GRANDE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: 205º DA CRP, 2º,Nº4, 40º,47º,Nº2 DO CP, 127º, 374º,Nº2 , 410º, 412º E 428º DO CPP
Sumário: 1.A insuficiência a que alude a al. a) do n.º 2 do art. 410.º do CPP decorre da circunstância do tribunal não ter dado como provados ou não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da discussão.
2.Na apreciação da prova, o tribunal é livre de formar a sua convicção desde que não contrarie as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos.

3.O julgador está obrigado a indicar os meios de prova em que fez assentar a sua convicção e a esclarecer as razões pelas quais lhes conferiu relevância, não só para que a decisão se possa impor aos outros, mas também para permitir o controlo da sua correcção pelas instâncias de recurso.

4.O Tribunal, em qualquer situação que se coloque a questão de aplicação de duas leis no tempo deve efectuar a comparação de regimes tendo por base a avaliação em concreto perante cada uma das leis em função de todos os elementos que constem na própria lei penal (elementos do tipo de crime, circunstâncias atenuantes e agravantes ou duração da pena).

5. O Tribunal não efectuou no caso concreto essa comparação exigida, optando, desde logo pela aplicação do regime legal decorrente da Lei nº 59/2007, que fixou o correspondente diário da pena de multa entre €5 e €500.

6.A fixação do montante diário da multa é uma operação autónoma da fixação prévia do número de dias de multa, seja como pena principal seja como pena subsidiária, que com ela se não pode confundir, nomeadamente pelo facto de se proibir a dupla valoração de circunstâncias.

7.A fixação do montante diário da multa é, no entanto, ainda uma operação que se insere no âmbito da aplicação concreta da pena de multa e nessa medida não podem colocar-se de lado as finalidades que subjazem à própria pena, nomeadamente os princípios decorrentes do artigo 40º do Código Penal, ou seja a protecção de bens jurídicos, a reintegração do arguido e a culpa que vinculam quem aplica em concreto as penas.

8.No caso, trata-se de um empresário da construção civil, que aufere cerca de 600 € mensais, vive em casa própria com a mulher que trabalha com ele e aufere cerca de 500 €. O arguido tem a 4ª classe da instrução primária. Face a esta factualidade e tendo em conta o que ficou referido quanto às finalidades da pena, no âmbito da versão do artigo 47º n.º 2 do C. Penal, antes da reforma de 2007, seria adequado cominar ao arguido um quantitativo diário não inferior ao que foi estabelecido pelo Tribunal, ou seja sete euros por dia.

9. Quanto à nova versão, sabido que o mínimo legal está estabelecido em 5 euros, é manifesto que a situação pessoal patrimonial do arguido leva a que, tendo em conta os mesmo princípios que pela nova Lei não foram modificados, o quantitativo diário se fixe no mínimo em dez euros por dia.

10.Ora tendo em conta o disposto no artigo 2º n.º 4 do CP, é mais favorável o regime da lei antiga, que por isso mesmo se aplica ao arguido. Regime que acabando por manter o que foi fixado na decisão recorrida leva a que se mantenha por isso, na íntegra o decidido .

Decisão Texto Integral: I. RELATÓRIO.
No processo Comum singular n.º …./06.3PAMRG. o arguido R., foi pronunciado para julgamento com intervenção do Tribunal Singular por factos susceptíveis de integrarem, em autoria material, um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido à data dos factos pelos artigos 143.º e 146º, por referência à al. j) do nº 2 do artº 132º, todos do Código Penal e actualmente pelo artº 145º, nº 1 al. e) e 2, por referência à al. j) do nº 2 do artº 132º, ambos do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro.
No mesmo processo, o Hospital de Santo André, EPE, deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido no montante de 65,50 € e respectivos juros e a assistente apresentou pedido de indemnização civil contra o demandado, pedindo que este seja condenado a pagar-lhe, por danos não patrimoniais o montante de 60.000 €, e danos não patrimoniais a quantia de 32.011.27€ e ainda que o demandado seja condenado a pagar os juros vincendos sobre as referidas quantias desde a citação até integral pagamento, à taxa legal, bem como que o mesmo seja condenado em custas e procuradoria condigna e ainda a pagar à demandante todos os danos patrimoniais e não patrimoniais, que ainda não se verificaram, a liquidar em execução de sentença.

Realizado o julgamento, o arguido, R foi condenado como autor material de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido à data dos factos pelos artigos 143.º e 146º, por referência à al. j) do nº 2 do artº 132º, todos do Código Penal e actualmente pelo artº 145º, nº 1 al. e) e 2, por referência à al. l) do nº 2 do artº 132º, ambos do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, na pena de 200 (duzentos) dias de multa à razão diária de 7 € (sete euros) o que perfaz o montante global de 1.400 € (mil e quatrocentos euros) e a que correspondem subsidiariamente 133 (cento e trinta e três) dias de prisão.

Foi ainda condenado a pagar ao Hospital de Santo André a quantia de 65,50 € (sessenta e cinco euros e cinquenta cêntimos) e respectivos juros e a pagar à assistente/demandante SA a quantia de 797,30 € (setecentos e noventa e sete euros e trinta cêntimos) e respectivos juros.

Finalmente foi condenado em 3 UC de taxa de justiça e nas restantes custas do processo, fixando-se no mínimo a procuradoria (arts. 74º, 82º, 85º, n.º 1, al. a), 89º, 95º do CCJ e 513º, 514º do CPP), no pagamento da quantia correspondente a 1% da taxa de justiça, a reverter para o Cofre Geral dos Tribunais, nos termos e para os efeitos do art. 13º, nº 3 do D.L. nº 423/91, de 30/10 (alterado pela Lei 10/96 de 23.3, Lei 136/99 de 28.8, DL 62/2004 de 22.3. e Lei 31/2006 de 21.7)e D.R. nº 4/93, de 22/02 (alterado por D. Reg. 1/99 de 15.2) e ainda o arguido e demandantes condenados na Custas do pedido cível na proporção do respectivo decaimento.

Não se conformando com a decisão, o arguido veio interpor recurso da mesma para este Tribunal, concluindo na sua motivação nos seguintes termos:

1. Nos presentes autos nada justifica a condenação do arguido pelos factos por que vinha acusado.

2. Desde logo porque se baseou, apenas, a douta sentença para a condenação do arguido pela prática do crime de ofensa à integridade fisica qualificada por que vinha acusado, nas declarações prestadas em sede de audiência de julgamento pela assistente e no Relatório de Exame Médico-Legal

3. Refere a douta sentença do Tribunal a quo, “nenhuma das testemunhas ouvidas em julgamento assistiu aos factos. Resta, assim, ao Tribunal a versão trazida por um lado, pelo arguido, e por outro lado, pela assistente. Com efeito, o arguido começou por negar a totalidade dos factos que lhe vinham imputados, para posteriormente admitir que tinha retirado a pasta à assistente, e continuar a negar a prática de qualquer agressão, o que levou a que o Tribunal não desse credibilidade ao seu depoimento.

4. Mais se refere na douta sentença que “Quanto à versão trazida a julgamento pela assistente, logrou convencer o Tribunal sobre a forma como ocorreram os factos e como a mesma foi agredida.”

5. Ora, salvo o devido respeito, jamais poderia o Tribunal a quo fazer consignar que o “arguido começou por negar a totalidade dos factos que lhe vinham imputados, para posteriormente admitir que tinha retirado a pasta à assistente, e continuar a negar a prática de qualquer agressão, o que levou a que o Tribunal não desse credibilidade ao seu depoimento.

6. Pois o que se pode ouvir nas declarações do arguido, quando questionado pela Meritíssima juiz do Tribunal a quo se queria prestar declarações sobre os factos por que vinha acusado, foi que “tudo o que está no inicio do processo é verdade” e continuou esclarecendo “peguei na pasta (com os documentos da assistente) desorientado e saí porta fora. Eia veio atrás de mim, não sei se a meio da escada, não posso precisar, ela puxou para um lado e eu puxei para o outro, eu desequilibrei-me, caí de costas, tive um traumatismo aqui na minha cabeça (...) e eu senti que a senhora também tinha caído que eu ouvia a chamar por alguém mas não sei onde é que eia ficou, talvez um piso acima, não faço ideia. Eu sei que desci 4 ou 5 degraus de marcha atrás depois desequilibrei-me e bati com a cabeça, que ainda aqui tenho a marca na cabeça, aí talvez a 1 metro de altura já no piso O, bati no rés-do-chão. E eia também caiu só que eu não consegui levantar-me pá ir ... pronto não sei onde é que ela caiu que eu não consegui, eu tava postado no chão (...) Foi assim, foi assim que ocorreu. “ E concluiu referindo “nunca agredi ninguém, com a idade que tenho nunca levei bofetada de ninguém nem nunca dei nem nunca levei. O que aconteceu foi unicamente aquilo que eu estou a dizer. Ela puxou a pasta para um lado eu puxei para outro, caiu um para cada lado. Eu caí para a parte de baixo, ela caiu para a parte de cima.”

7. Ou seja, não conseguimos descortinar onde é que a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo ouviu o arguido iniciar o seu depoimento negando a totalidade dos factos por que vinha acusado.

8. Muito pelo contrário o que realmente se pode ouvir da boca do arguido foi que, efectivamente, confirmava o início da descrição dos factos por que vinha pronunciado e prosseguiu contando o que se passou na realidade e concluiu sim o arguido que nunca agrediu ninguém nem nunca foi agredido.

9. Ou seja, o arguido ao longo das suas declarações descreveu sempre o que se passou de forma coerente e, em nosso entendimento, nunca entrou em qualquer contradição. Tendo inclusive confessado que retirou de cima da secretária a pasta com os documentos da assistente mas isso em nada releva porque não vinha acusado por qualquer crime de furto ou roubo.

10 O que de todo o arguido não confessou por não ser verdade é que alguma vez tivesse agredido a assistente, pois as lesões resultantes no corpo desta e descritas no relatório de exame médico-legal de fis 12 e 13 e 31 a 33 tiveram origem, tão só e apenas, na queda nas escadas, não havendo qualquer dolo da sua parte na produção de tais lesões.

11 O rol de lesões, constatadas na assistente, é perfeitamente consentâneo com a descrição feita pelo arguido ao Tribunal de como se passaram os factos naquele dia, nomeadamente, aquando da disputa pela posse da pasta e após o desequilíbrio a assistente cai para trás.

12 Se o arguido alguma vez tivesse pontapeado, dado murros e cotoveladas em várias partes do corpo da assistente por forma a que esta o soltasse (tal como vem dado como provado na douta sentença) não teriam tais agressões que deixar marcas e ser estas descritas no relatório de exame médico-legal?

13 Como é que é concebível que o arguido tivesse pontapeado a assistente quando, supostamente, tentava fugir com a pasta do escritório e ela o agarrava por trás, sem deixar marcas?

14 Como pode a douta sentença dar como provado que o arguido deu murros e cotoveladas em várias partes do corpo da assistente por forma a que esta o soltasse se no relatório de exame médico-legal só são descritas algumas equimoses e escoriações na perna, braço, antebraço e mão?

15 Não se afigura nada crivel que tais agressões tenham ocorrido.

16 Pois a assistente, de acordo com a sua versão, terá sido espancada na parte superior do corpo e deitava bastante sangue pelo nariz e nem uma equimose sequer conseguiu ser vislumbrada pelo senhor perito na cara ou no peito! E nem sequer no relatório médico elaborado no serviço de urgência do Hospital Santo André, onde foi assistida poucas horas ou minutos depois, foi feita qualquer referência a tais lesões!

17 A douta sentença do Tribunal a quo faz ainda consignar no domínio dos factos provados que “lá/unto às escadas que se situam à porta do escritório da assistente no primeiro andar, o arguido volta-se para esta última e empurra-a provocando-lhe a queda pelas escadas, mas agarrando-se a assistente ao arguido, o que levou a que o mesmo caísse em cima dela “. Ora, salvo o devido respeito, deve ter havido um lapso neste segmento dos factos assentes pois a própria assistente declarou que no patamar existente entre o primeiro e o segundo lanço de escadas é que se atirou ao arguido quando este ia a passar por si e ele acabou por vir a cair-lhe em cima no rés-do-chão

18 Mais referindo que foi como que em voo desde este patamar das escadas até ao fim do primeiro lanço de escadas no sentido ascendente. Perdoe-se-nos a imagem mas, sempre salvo o devido respeito, parece que a assistente anda a ver muitos filmes! Pois como é que é possível ela atirar-se ao arguido, vão como que em voo até ao rés-do-chão e por ironia do destino ainda acaba por levar com o arguido a cair em cima de si.

19 O depoimento da assistente, salvo o devido respeito, não merece nenhuma credibilidade pois está repleto de contrariedades e declarações sem qualquer nexo, a versão dos factos apresentada pela assistente não se afigura verosímil nem consentânea com a prova documental junta aos autos nem com as regras da experiência.

20 O Tribunal a quo na pessoa da Digna Procuradora do Ministério Publico alertou mais do que uma vez a assistente “não convém pintar a história pior do que o que ela é “. Isto no seguimento do depoimento da assistente que afirmava ao tribunal ‘ com hematomas por todo o lado”, “eu via-me negra por todo o lado”

21 A assistente outra coisa não pretendia como bem notou a Digna Procuradora que pintar a situação mais negra do que ela efectivamente tinha sido para conseguir a condenação do arguido. Como não tinha havido qualquer testemunha presencial dos factos tentou a assistente criar ao Tribunal a imagem do arguido como sendo um bárbaro que espanca barbaramente uma pessoa. Quando na realidade o que o arguido apenas fez foi ter-lhe retirado a pasta com os documentos

22Prestada a devida atenção no depoimento da assistente vemos que ela inicialmente começou por dizer que podia haver alguns pormenores de que já não se lembrasse para posteriormente fazer um depoimento bastante pormenorizado mas após a constatação pela Digna Procuradora como é que tinha inicialmente dito que podia já não se lembrar de algumas coisas e afinal tinha contado tudo tão pormenorizadamente começou a adoptar uma estratégia diferente e a recorrer frequentemente à expressão “não me recordo “, “não tenho a certeza”.

23Assim, forçosamente somos levados a concluir que in casu não existe um repositório e todo um caudal probatório suficiente para a certeza exigida para um juízo condenatório. E, tais dúvidas, de acordo com o princípio “in dubio pro reo”, acarretam como consequência darem-se por não provados os factos em causa.

24 Não existe fundamento algum que justifique tal juízo condenatório, pois em sede de audiência de discussão e julgamento apenas foram produzidos os depoimentos do arguido e da assistente e nenhuma razão assiste ao Tribunal a quo para decidir no sentido de que aquele não lhe oferece qualquer credibilidade.

25 Merece sim o depoimento do arguido total credibilidade, pois é consentâneo com as lesões descritas como verificadas na assistente

26 Não merecendo, pois qualquer credibilidade o depoimento da assistente por não se afigurar conciliável com as lesões descritas no relatório de exame médico-legal e do serviço de urgência, nomeadamente, não descrevem estes relatórios qualquer lesão ao nível do peito ou da cara quando esta declarou que tinha sangrado bastante do nariz, tinha levado com a pasta no peito,

27 Caso o Tribunal a quo tivesse por bem dar credibilidade ao depoimento da assistente (o que não aceitamos e apenas admitimos por mero dever de patrocínio) e valorasse as declarações do arguido, pois as mesmas não enfermam de qualquer contradição, sempre estaríamos perante duas versões contraditórias e não havendo outra prova que viesse confirmar a versão de um ou do outro sempre teria que lançar-se mão do principio iii dúbio pro reo.

28 Mas os relatórios médicos juntos aos autos só vêm conferir total credibilidade às declarações do arguido.

29 Segundo o princípio ii dubio pro reo, se o Tribunal, depois de ter produzido todos os meios de prova, ficar com uma dúvida razoável (o que seria o caso dos presentes autos caso não tivesse erradamente desvalorizado o depoimento do arguido e credibilizado o da assistente) não poderá dar como provados os factos por que o arguido era acusado devendo antes absolvê-lo por falta de provas.

30 Seguindo a máxima “quod non esi in actis non esi in inundo “, como nos presentes autos não se produziu qualquer prova quanto à eventual prática pelo arguido dos factos por que vinha pronunciado, teria o mesmo que vir a ser absolvido.

31 Havendo contradição entre os dois únicos depoimentos existentes e persistindo uma dúvida razoável no âmbito dos factos imputados ao arguido, isto é, persistindo um facto “non liquet”, devia o julgador decidir a favor daquele, dando tais factos por não provados.

32 Revisitando a prova produzida deparamo-nos apenas com os depoimentos do arguido e da assistente e o relatório de exame médico-legal que, em nosso entender, corrobora as declarações do arguido, mas caso se entendesse que se estava perante um “non liquet”, imperiosamente se devia ter determinado a absolvição do arguido.

33 Desta forma, verifica-se que há uma insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, o que implica darem-se por não provados, com a sua consequente passagem para a lista dos factos não provados, por se mostrarem incorrectamente julgados, os factos seguintes:

1) A assistente logrou alcançar o arguido ainda no interior do escritorio, junto a porta de saída, tendo nessa ocasião o arguido pontapeado e dado murros e cotoveladas em várias partes do corpo da assistente por forma a que esta o soltasse;

2) Já junto às escadas que se situam à porta do escritório da assistente no primeiro andar, o arguido volta-se para esta última e empurra-a provocando-lhe a queda pelas escadas, mas agarrando-se a assistente ao arguido, o que levou a que o mesmo caísse em cima dela.

3,) Em consequência da actuação do arguido, a assistente sofreu traumatismo craniano sem perda de conhecimento, ferida na região occipital que foi suturada, contusão da fíbio-társica e do calcaneo esquerdos, lesões que lhe determinaram 21 dias de doença, com igual período de incapacidade geral para o exercício da actividade.

4,) O arguido agiu livre voluntária e conscientemente e com intenção de molestar fisicamente a assistente, o que logrou alcançar bem sabendo da qualidade de advogada da mesma e que se encontrava no exercício das suas funções

5,) Ao apoderar-se da pasta em causa, o arguido agiu livre voluntária e conscientemente, com intenção de obter para si um beneficio ilegítimo, privando «F Lda. » da capacidade de utilização dos documentos como meios de prova ou no mínimo relendo temporariamente tais documentos, impedindo deste modo que os mesmos pudessem ser utilizados como meio de prova

6) O arguido sabia que ambas as condutas eram proibidas e punidas por lei

7,) Em consequência dos factos praticados pelo demandado a demandante ficou com fractura no calcanhar esquerdo e múltiplos hematomas em todo o corpo, mormente na zona do peito

34 A douta sentença do Tribunal a quo tem exarado que: “Para fixar o quantitativo diário da pena de multa, deve atender-se, de acordo com o art. 47°, n.° 2, do Código Penal vigente, na redacção resultante das alterações introduzidas pela Lei 59/2007 de 4 de Setembro, à situação económica e financeira do agente e aos seus encargos pessoais (correspondendo cada dia de multa a uma quantia entre E 5 e e 500) Ponderando a situação sócio económica do arguido, afigura-se ajustado fixar o quantitativo diário da muita em 7 E.”

35 Salvo o devido respeito por opinião contrária, o Tribunal a quo não aplicou devidamente a lei.

36 Isto porque à data da prática dos factos (07.06.2006) vigorava no nosso ordenamento jurídico a redacção do CP aprovada pela Lei 65/98, de 2 de Setembro.

37 Nesta redacção estipulava o n.° 2 do artigo 47° do CP que “cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 1 e € 498.80, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais”

38 Na actual redacção do nosso CP o n.° 4 do artigo 2° preceitua que “quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente; ...“

39 Ora, atendendo ao facto de o regime previsto no CP vigente à data da prática dos factos ser mais favorável ao arguido devia a douta sentença fixar a pena de multa aí prevista, ou seja numa quantia entre € 1 e € 498.80.

40 Depois atendendo à situação económica e financeira do agente e aos seus encargos pessoais devia ter fixado o quantitativo diário da pena de multa num valor nunca superior a 4 ou, no máximo, 5 euros diários.

41 Não tendo decidido desta forma está o Tribunal a quo a violar o disposto no já referido n.° 4 do artigo 2° na redacção dada pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro.

NORMAS VIOLADAS

A douta sentença fez incorrecta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 2°, n.° 4, 47° n° 2, 71°, 143°, 145° do CP; artigos 125°, 126°, 127° do CPP e ainda o disposto no artigo 32° da CRP. A correcta interpretação e aplicação do disposto nos artigos anteriores impõem em sede de reapreciação da prova colhida e documentada nos autos decisão de facto e de direito diversa da que foi tomada pelo Tribunal a quo e consequentemente a revogação da sentença substituindo-a por outra que seja absolutória do arguido ou pelo menos, o que apenas se admite por mero dever de patrocínio, deve vir a ser alterado o quantitativo diário da pena de multa que lhe foi fixado.

PEDIDO

Nestes termos deve o presente recurso vir a ser julgado procedente por provado e, através de reponderação de prova perante os elementos disponíveis, alterada a decisão recorrida, a qual em vez de condenatória deverá passar a absolver o arguido pelo ilícito de natureza penal de ofensa à integridade fisica qualificada por que veio a ser condenado e tudo sob as legais consequências, ou, subsidiariamente, e apenas se conjectura por mero dever de patrocínio, caso entendam V. que o arguido cometeu o crime por que veio pronunciado deve mesmo assim vir a ser alterado o quantitativo diário da pena de multa fixado.

Quando assim se não entenda deverá sempre, e nesse caso, esse Venerando Tribunal anular o julgamento ordenando o reenvio do processo e tudo sob as legais consequência»

O Ministério Público, nas suas contra-alegações pronunciou-se pela improcedência do recurso, posição que o Exmo. Senhor Procurador Geral-Adjunto neste Tribunal da Relação corroborou no seu parecer.

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II FUNDAMENTAÇÃO

As questões a decidir e sobre as quais o tribunal terá de se pronunciar, de acordo com as conclusões apresentadas pelo recorrente, são duas: i) insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; ii) aplicação errada da Lei vigente à data da prática dos factos, no que respeita ao quantitativo diário da pena de multa.

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É a seguinte a matéria de facto dada como provada, bem como a motivação:

No dia… de … de 2006, cerca das 18h45m, o arguido deslocou-se ao escritório da assistente, SA, sito na Avenida ..,, Marinha Grande, alegando querer chegar a um acordo quanto a um diferendo que o arguido possui com a firma « F… Lda.» relacionado com o não pagamento de quantias tituladas por cheques e letras, no valor aproximado de 60.000 euros;

Os legais representantes da referida firma encarregaram a assistente, na qualidade de advogada, de negociar as dívidas em causa com o arguido, com a cominação de serem instauradas as competentes acções judicias;

Uma vez no interior do referido escritório, enquanto a assistente tinha em cima da sua secretária uma pasta que continha no seu interior diversos cheques que tinham aposto a indicação de devolução por falta de provisão e diversas letras emitidas pelo arguido em que figuravam como beneficiários os legais representantes da firma em causa, sem que nada o fizesse prever, num movimento brusco, o arguido lançou a mão a tal pasta e de imediato se pôs em fuga;

A assistente logrou alcançar o arguido ainda no interior do escritório, junto à porta de saída, tendo nessa ocasião o arguido pontapeado e dado murros e cotoveladas em varias partes do corpo da assistente por forma a que esta o soltasse;

Já junto às escadas que se situam à porta do escritório da assistente no primeiro andar , o arguido volta-se para esta última e empurra-a provocando-lhe a queda pelas escadas, mas agarrando-se a assistente ao arguido, o que levou a que o mesmo caísse em cima dela.

Em consequência da actuação do arguido, a assistente sofreu traumatismo craniano sem perda de conhecimento, ferida na região occipital que foi suturada, contusão da tíbio-társica e do calcaneo esquerdos, lesões que lhe determinaram 21 dias de doença, com igual período de incapacidade geral para o exercício da actividade.

O arguido agiu livre voluntária e conscientemente e com intenção de molestar fisicamente a assistente, o que logrou alcançar bem sabendo da qualidade de advogada da mesma e que se encontrava no exercício das suas funções.

Ao apoderar-se da pasta em causa, o arguido agiu livre voluntária e conscientemente, com intenção de obter para si um beneficio ilegítimo, privando «F Lda.» da capacidade de utilização dos documentos como meios de prova ou no mínimo retendo temporariamente tais documentos, impedindo deste modo que os mesmos pudessem ser utilizados como meio de prova;

O arguido sabia que ambas as condutas eram proibidas e punidas por lei.

Em consequência dos factos praticados pelo demandado a demandante ficou com fractura no calcanhar esquerdo e múltiplos hematomas em todo o corpo, mormente na zona do peito.

A demandante teve 21 dias de doença com igual incapacidade para o trabalho.

A demandante teve que ser sujeita a diversas sessões de fisioterapia.

Durante esse período, teve que pedir a um colega, que lhe tramitasse todos os processos do seu escritório e que fizesse os seus julgamentos.

A demandante teve diversas despesas médicas com Raio-X e exames diversos, despendendo o montante de 658.57 €.

A demandante teve ainda despesas de farmácia no montante de 138,73 Euros.

A roupa que a demandante vestia na altura dos factos ficou com sangue.

A demandante sentiu dores.

A demandante é advogada e tem escritório na Marinha Grande.

Os factos praticados pelo demandado foram divulgados na comunicação social local, tendo sido transmitido erroneamente que quem tinha agredido a demandante, seria um próprio cliente da mesma.

Tal facto levou a que os clientes da demandante, pensassem que a mesma fosse menos séria.

A demandante sentiu vergonha e humilhação.

A demandante esteve várias noites sem dormir e sentiu ansiedade e nervos constantes.

A demandante teve medo do demandado, o que levou a que modificasse os comportamentos que tinha até então.

O arguido aufere cerca de 600 € mensais, vive com a mulher que trabalha com ele e aufere cerca de 500 €.

O casal vive em casa própria.

O arguido tem a 4ª classe da instrução primária.

O arguido tem um processo pendente.


Do certificado de registo criminal do arguido, consta a seguinte condenação:

Por decisão proferida em 16…..2007, foi o arguido condenado no âmbito do Proc. …/06.7TACBR do 4º Juízo Criminal de…, pela prática de um crime de desobediência, na pena de 60 dias de multa à razão diária de 5.00 €, que pagou.


Matéria de facto não provada

Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa, nomeadamente:

Que se manteve a incapacidade efectiva da demandante, para o trabalho, até ao final do ano de 2006.

Que a roupa que a demandante vestia na altura dos factos ficou inutilizada, pois estava rasgada, tendo a demandante procedido à sua substituição no que despendeu o montante de 342.40 Euros.

A demandante despendeu mais de 600 Euros em combustível, nas deslocações aos serviços médicos e Hospital de Santo André em Leiria, uma vez que a demandante reside na Marinha Grande.

A demandante continua a ter dificuldades ao nível da locomoção.

A demandante tenha pago o montante de 5000 Euros a uma colega que a substituiu durante o período de 21 dias.

A demandante ficou acamada durante o seu período de incapacidade ( 21 dias).

Acresce que o demandado, após os factos, tentou por diversas vezes abordar a demandante, pressionando a mesma a desistir de queixa.

O que fez com que a demandante tivesse medo de sair à rua, para não ter que encontrar o demandado.


Motivação da decisão de facto

Prima facie, importa salientar que entre nós, o julgador é livre na apreciação da prova, conquanto vinculado esteja aos princípios em que se consubstancia o direito probatório (art. 127º do CPP), pelo que, a liberdade concedida se trata de uma liberdade de acordo com um dever, qual seja o de perseguir a chamada verdade material, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto redutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo Ac. da RC, 13.01.99, CJ, 1999, I, 44 e Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1981, I, 202..

Deste modo, a liberdade do juiz, neste particular, mais não é que a liberdade para a objectividade, aquela que se concede e se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objectiva, isto é, uma verdade que transcende a pura subjectividade e que se comunique e imponha aos outros Castanheira Neves, Sumários de Processo Criminal (1967-1968), 50.. Isto significa, por um lado, que a exigência de objectividade é ela própria um princípio de direito, ainda que no domínio da convicção probatória, e implica, por outro lado, que essa convicção só será válida se for fundamentada, já que de outro modo não poderá ser objectiva.

À luz das considerações supra expostas temos que, in casu, a convicção do Tribunal formou-se a partir das declarações do arguido que referiu ao Tribunal ter uma dívida para com a “F, Ldª” e por isso se deslocou ao escritório da assistente para falar sobre assunto relacionado com essa divida. Inicialmente o arguido começou por negar todos os factos que lhe vinham imputados, sendo que posteriormente acabou por admitir que no decurso da conversa, pegou na pasta que a assistente tinha em cima da secretária e saiu, sendo que a assistente veio atrás dele, e ao puxarem a pasta, um para um lado e outro para o outro lado, ele se desequilibrou, caiu e bateu com a cabeça na parede, caindo ele para baixo e a assistente para a parte de cima. No mais nega que tenha havido qualquer agressão, nomeadamente murros, pontapés e cotoveladas. Referiu ainda ao Tribunal que se encontrava desorientado e desesperado.

O arguido esclareceu ainda o Tribunal relativamente às suas condições pessoais, profissionais e familiares e quanto aos antecedentes criminais relevou o certificado de registo criminal junto aos autos a fls. 590 a 591.

Sopesadas as declarações da assistente SA, que esclareceu que o arguido a procurou no escritório, para falar acerca de uma divida que tinha com a “F, Ldª,” , a conversa decorreu normalmente e ele foi ao carro buscar umas cópias para lhe dar, no que demorou cerca de 20 minutos, nesse entretanto, ela fez duas chamadas telefónicas para os sócios da “F Ldª”. Quando o arguido regressou trazia uma pasta que abriu e continha muitos papéis. A assistente referiu que tinha a sua pasta aberta em cima da secretária e o arguido, de repente, levantou-se e começou a bater-lhe com a pasta que trazia no peito o que levou a que ela caísse para trás, na cadeira, e ficasse a sangrar do nariz e tendo-lhe o arguido desferiu pontapés. Após, o arguido pegou na pasta que a assistente tinha em cima da secretária e levou-a juntamente com a pasta dele. A assistente esclareceu que foi atrás do arguido agarrou-o pelas costas e este continuou a bater-lhe com a pasta a dar-lhe pontapés e murros, até que a empurrou levando a que caísse e não se conseguisse levantar. Quando o arguido vinha já no vão da escada a assistente atirou-se a ele que a empurrou e cai por cima dela , levando a que os documentos se espalhassem. A assistente referiu que foi ao hospital onde fez um raio-x e levou gesso numa perna, o que levou a que tivesse que fazer fisioterapia até final do ano de 2006.

Sopesado o depoimento das testemunhas: C, vizinho do escritório da assistente, que confirmou a data e hora em que os factos ocorreram e referiu que se apercebeu de barulhos estranhos no prédio e pedido de ajuda, tendo vindo a constatar que no rés do chão se encontrava o arguido deitado, inanimado, e a assistente, de pé, descalça, a escorrer sangue, uma vez que tinha um ferimento na parte de cima da cabeça e com uma pasta na mão. Ajudou a assistente a ir para cima, para o escritório e prestou-lhe os primeiros socorros com uma toalha e chamou a ambulância e os bombeiros. Quando chegou a PSP já não se encontrava no local. PJ, agente da PSP, esclareceu que quando chegou ao local viu o arguido no chão, tentou falar com ele, mas este não respondia. Subiu as escadas e foi até ao escritório onde entregou um anel de curso e umas chaves à assistente. Esclareceu ainda que viu manchas de sangue nas escadas e junto do arguido. Por ultimo, esclareceu que foi outro colega que falou com o arguido, sendo que ele apenas falou com a assistente. J, agente da PSP, esclareceu que ficou junto do arguido e o colega que estava consigo subiu as escadas e foi falar com a assistente. Acrescentou que o arguido tinha um ferimento na cabeça e que no chão havia uma pasta, documentos espalhados, um telemóvel desmanchado, uns óculos graduados e um anel de curso. E, funcionária da assistente, esclareceu que recebeu uma mensagem da assistente a dizer-lhe que estava no hospital e tinha sido agredida. Posteriormente apareceu no escritório uma pessoa que procurava a assistente e queria saber se esta estava muito ferida. Esclareceu ainda que, de manhã quando entrou no escritório viu sangue na parede e na maçaneta da porta. Referiu que a assistente não trabalhou até final do ano, indo poucas vezes ao escritório, sendo que era uma colega, SA, que ia fazer o trabalho dela. Acrescentou que a assistente teve a perna direita com gesso durante mais de um mês, andou de canadianas e com um penso na cabeça, fez tratamentos e fisioterapia. A assistente tinha medo o que levou a que ela ficasse a trabalhar até mais tarde para saírem juntas e passou a ter um sistema de vídeo-vigilância no escritório. Referiu ainda que a assistente teve vergonha e ficou muito revoltada com a situação, deprimida e nervosa. Por fim acrescenta que havia pessoas que lhe perguntavam se o arguido era cliente da assistente. F, vizinho do escritório da assistente, esclareceu que voltou à sua loja porque tinha trabalho atrasado e viu o arguido numa maca, ser levado para uma ambulância dos bombeiros. Não entrou no prédio. RZ, foi empregado do arguido durante cinco anos, esclareceu o Tribunal quanto à sua personalidade, referindo que o mesmo é uma pessoa pacata e bem vista na terra onde vive. M, conhece o arguido há cerca de 12 anos e esclareceu o Tribunal acerca da sua personalidade, confirmando que o mesmo é uma pessoa pacata. A, amigo do arguido há cerca de 15 anos, esclareceu o Tribunal acerca da sua personalidade. L, empregado de carpintaria, esclareceu que a assistente lhe enviou uma mensagem, por volta da uma da manhã a dizer que tinha urgência em falar-lhe. Referiu ainda que o arguido foi falar com a assistente e depois foi com a mulher dizer-lhe que tinha agredido a advogada.

Na análise do Relatório de Exame Médico-Legal de fls. 31 a 33; dos documentos de fls. 127, fls.176, 178, 180 a 182, 186 a 188, 190 a 194, 196 a 197; fls. 433 a 435, 437 a 439, 442 e 443; fls. 635, 637, 639 e 672.

Feita a inspecção ao local, onde foi possível visionar o escritório onde ocorreram os factos, nomeadamente a secretária onde a assistente estava sentada, as portas de entrada e saída, quer do escritório, quer do prédio e os lanços de escada existentes.

Concretizando:

Nenhuma das testemunhas ouvidas em julgamento assistiu aos factos. Resta, assim, ao Tribunal a versão trazida por um lado, pelo arguido, e por outro lado, pela assistente. Com efeito, o arguido começou por negar a totalidade dos factos que lhe vinham imputados, para posteriormente admitir que tinha retirado a pasta à assistente, e continuar a negar a prática de qualquer agressão, o que levou a que o Tribunal não desse credibilidade ao seu depoimento. Quanto à versão trazida a julgamento pela assistente, logrou convencer o Tribunal sobre a forma como ocorreram os factos e como a mesma foi agredida. Já a versão da arguida, não logrou convencer o Tribunal, na sua totalidade, por se mostrar exagerada, no que tange às lesões por si sofridas, que não são consentâneas com a prova documental, quer quanto aos prejuízos que a situação lhe terá causado, mormente no que se refere à roupa inutilizada, à necessidade de pagar 5.000€ a uma colega que a terá substituído e ainda quanto à necessidade de obter sistema de vídeo-vigilância.

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i) Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

O recurso sobre a matéria de facto, garantia que resulta directamente do âmbito do princípio constitucional do direito ao recurso, assume-se como uma fortíssima garantia de defesa que atingiu o seu esplendor normativo com a reforma de 2007 do CPP efectuada pela lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto, no seguimento das alterações que envolveram a reforma de 1998, introduzidas pela lei n.º 59/98 de 25 de Agosto.

Não consubstanciando, em momento algum, a realização de um novo julgamento, do que se trata, com o julgamento do recurso sobre a matéria de facto, é despistar e sanar os eventuais erros procedimentais ou decisórios cometidos e que tenham sido devidamente suscitados em recurso – vejam-se os Ac. do STJ de 16.6.2005, Recurso n.º 1577/05), e de 22. 6. 2006 do mesmo Tribunal.

Assente este princípio fundamental, a dimensão normativa estabelecida no CPP relativa ao recurso sobre a matéria de facto, assume duas dimensões:

a) a possibilidade de recurso que resulta da restrita aplicação estabelecida no artigo 410º nº 2 referente à correcção dos vícios aí referenciados por simples referência ao texto da decisão recorrida;

b) a que resulta da ampla possibilidade concedida à impugnação da matéria de facto resultante de erros de julgamento, por invocação de prova produzida e erroneamente apreciada pelo tribunal recorrido que se alude no artigo 412º nº 3.

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No que respeita ao conhecimento do recurso sustentado nos vícios a que se refere o artigo 410º nº 2, é jurisprudência pacífica a praticamente uniforme que aqueles vícios, em todas as suas alíneas (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão) têm que resultar da própria decisão/sentença, como documento único, embora essa conjugação possa ser referente às regras da experiência (cf. Ac. STJ 17 de Março de 2004).

Assim a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, a que se alude no artigo 410º n.º 2 alínea b), e o erro notório na apreciação da prova, consubstanciam, respectivamente, a inexistência de factos provados suficientes, a incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório da apreciação da prova efectuada pelo Tribunal.

Tudo isto, repete-se, desde que resulte do próprio texto da sentença, por si só ou conjugada com as regras da experiência.

Recorde-se que estes vícios, podendo e devendo ser alegados, são no entanto de conhecimento oficioso.

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Todo o campo de possibilidade de recurso em matéria de facto que se não limita aos vícios do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal ou seja, que «saem fora desta previsão balizadora» (na expressão utilizada no Ac da RC de 3.2.2010, relator Gomes de Sousa) constituem a segunda dimensão do recurso sobre a matéria de facto. Estão neste âmbito todos os casos de erro, não notório, na apreciação da prova de que o tribunal de recurso se aperceba na reanálise dos pontos de facto apreciados e permitidos pelo recurso em matéria de facto. Igualmente estão em causa os in erros de julgamento, nos quais se incluem os erros na apreciação das declarações orais prestadas em audiência e devidamente documentadas e a não ponderação ou errada ponderação de qualquer prova que, não sendo notórios, impõem uma diversa ponderação. Assim como o uso inadequado de presunções naturais, conhecimentos científicos, regras de experiência comum ou simples lógica.

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No que respeita ao recurso sobre a matéria de facto resultante de erros de julgamento, por invocação de prova produzida e erroneamente apreciada pelo tribunal recorrido, a que se alude no artigo 412º nº 3, impõe-se ao recorrente o cumprimento do ónus de impugnação especificada contido nos números 3 e 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal.

Nesse sentido o artigo 412º, nº 4 do Código de Processo Penal refere que “as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”. Ou seja, nestes casos ao recorrente é exigida a i) indicação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (al. a) do nº 3 do artigo 412º do Código de Processo Penal); ii)- A indicação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (al. b) do nº 3 do artigo 412º do Código de Processo Penal; iii) A indicação concreta das passagens em que se funda a impugnação por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364 (nº 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal).

Ao estabelecer que o recorrente tem que indicar as provas que impõem uma diversa apreciação da matéria de facto o legislador quer sublinhar que «o recurso não é um novo julgamento, [mas] sim um mero instrumento processual de correcção de concretos vícios praticados e que resultem de forma clara e evidente da prova indicada. É que houve um julgamento em 1ª instância. E do que aqui se trata é de remediar o que de errado ocorreu em 1ª instância. O recurso como remédio jurídico (conforme se refere no Ac. RC de 3.2.2010, relator Gomes de Sousa).

As considerações tecidas permitem atentar na situação sub judice, de uma forma mais clara.

O recorrente vem sustentar o seu recurso numa pretensa insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, invocando, no entanto tanto nas suas conclusões como na motivação que as suporta argumentos que mais não são do que a contraposição da sua apreciação dos factos ao julgamento à apreciação e efectuada pelo Tribunal.

Aliás o recorrente não faz qualquer indicação sobre a: ii) indicação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (al. a) do nº 3 do artigo 412º do Código de Processo Penal); ii) indicação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (al. b) do nº 3 do artigo 412º do Código de Processo Penal; iii) a indicação concreta das passagens em que se funda a impugnação por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.

Daí que resta a este Tribunal atentar se no caso estão em causa alguns dos vícios que sustentam o artigo 410º do CPP, sendo certo que o recorrente orienta o seu recurso para uma eventual insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

Desde já se diga que é jurisprudência pacifica que «A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada é a que decorre da omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados pela acusação ou defesa ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou não provados todos aqueles factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da discussão. (…) Assim a insuficiência da matéria de facto para a decisão integradora do vicio da al. a) do n.º 2 do art.º 410º do C.P.P., ocorre quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a decisão de direito, só existindo quando o tribunal tiver deixado de investigar factos, que podia e devia, tornando a matéria de facto apurada inadequada à subsunção jurídico - criminal, isto é, quando inquina a matéria de facto provada de tal maneira, que não é possível fundamentar a solução de direito correcta, legal e justa» - cf. Ac. STJ 20.5.2004, proc. O4P771 in www.dgsi.pt.

Daí que a insuficiência a que alude a al. a) do n.º 2 do art. 410.º do CPP decorra da circunstância do tribunal não ter dado como provados ou não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da discussão; daí, ainda que aquela alínea se refira à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova (art. 127.º), que é insindicável em reexame da matéria de direito (cfr. neste sentido, os AcSTJ de 18.3.04, de 8/6/06, proc. E Ac 07P2268 de 21.6.2007.

Ora o que o recorrente sustenta é coisa diversa. Ele pretende sustentar que não foi produzida qualquer prova em sede de audiência de discussão e julgamento que permita demonstrar que cometeu o crime em causa (veja, de uma forma inequívoca a sua motivação a fls 760).

Ora da análise da fundamentação da sentença que condenou o recorrente, sobre os factos que importam (em sínteses, saber se o arguido agrediu ou não a assistente, nos termos que constam na acusação), o Tribunal em primeiro lugar deu como provados os seguintes factos: «Uma vez no interior do referido escritório, enquanto a assistente tinha em cima da sua secretária uma pasta(…)sem que nada o fizesse prever, num movimento brusco, o arguido lançou a mão a tal pasta e de imediato se pôs em fuga; A assistente logrou alcançar o arguido ainda no interior do escritório, junto à porta de saída, tendo nessa ocasião o arguido pontapeado e dado murros e cotoveladas em varias partes do corpo da assistente por forma a que esta o soltasse; Já junto às escadas que se situam à porta do escritório da assistente no primeiro andar , o arguido volta-se para esta última e empurra-a provocando-lhe a queda pelas escadas, mas agarrando-se a assistente ao arguido, o que levou a que o mesmo caísse em cima dela».

Para fundamentar estes factos que considerou provados o Tribunal além de fazer um exaustivo e, diga-se, desnecessariamente longo e acrítico relato das testemunhas, acaba por salientar em termos e de efectivo exame crítico das provassem que se sustentou, de acordo com o inciso legal constante do artigo 374º n.º 2, que «Nenhuma das testemunhas ouvidas em julgamento assistiu aos factos. Resta, assim, ao Tribunal a versão trazida por um lado, pelo arguido, e por outro lado, pela assistente. Com efeito, o arguido começou por negar a totalidade dos factos que lhe vinham imputados, para posteriormente admitir que tinha retirado a pasta à assistente, e continuar a negar a prática de qualquer agressão, o que levou a que o Tribunal não desse credibilidade ao seu depoimento. Quanto à versão trazida a julgamento pela assistente, logrou convencer o Tribunal sobre a forma como ocorreram os factos e como a mesma foi agredida. Já a versão da arguida, não logrou convencer o Tribunal, na sua totalidade, por se mostrar exagerada, no que tange às lesões por si sofridas, que não são consentâneas com a prova documental».

Ou seja o Tribunal sustentou as suas razões tanto no depoimento do arguido como no depoimento da assistente, para além na prova documental referente às lesões, e elaborou uma fundamentação consistente, coerente e adequada em função da prova produzida tendo tido o cuidado de explicitar as dúvidas que lhe suscitaram os próprios depoimentos do arguido e da assistente e de que modo os valorou em função dessas dúvidas.

Na apreciação da prova, o tribunal é livre de formar a sua convicção desde que não contrarie as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos. O julgador está obrigado a indicar os meios de prova em que fez assentar a sua convicção e a esclarecer as razões pelas quais lhes conferiu relevância, não só para que a decisão se possa impor aos outros, mas também para permitir o controlo da sua correcção pelas instâncias de recurso.

Neste sentido é clara a jurisprudência quando refere que «Os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente para uma resposta diferente da que foi dada pela 1.ª instância. E já não naqueles em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa delas (ou na parte de cada uma delas que se apresentou como coerente e plausível) sem que se evidencie no juízo alcançado algum atropelo das regras da lógica, da ciência e da experiência comum, porque nestes últimos a resposta dada pela 1.ª instância tem suporte na regra estabelecida no artigo 127.º do Código de Processo Penal, e, por isso, está a coberto de qualquer censura e deve manter-se», conforme se refere no Acórdão desta relação de 13.01.2010 (relator, Brizida Martins).

Sublinhe-se que, nesta perspectiva, que se entende como a perspectiva que a lei quis impor no âmbito do recurso da matéria de facto, «o Tribunal de segunda jurisdição não vai à procura de uma nova convicção, mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova pode exibir perante si ” cf. Ac RC de 3.10.2000, CJ T.IV, 2000 p. 28.

Ora analisada e ouvida a prova gravada, nomeadamente as declarações da assistente e do arguido, tendo em conta, face à matéria em apreço, que são apenas estas declarações que importam referenciar (como aliás o Tribunal referiu na sua motivação ao não valorar as declarações do arguido, por não lhe merecerem credibilidade) não surgem dúvidas que o arguido quando estava no escritório da assistente agarrou numa pasta daquela (declarações do arguido, 5.07 e declarações da assistente, 22.40), fugiu tendo no entanto ido para a porta de um outro gabinete onde foi agarrado pela assistente (declarações da assistente, 22.50) e nessa altura, agredindo-a (declarações da assistente, 23.51) volta para a zona da escada, momento em que se envolvem um com o outro (vide declarações do arguido, 5.20, e declarações da assistente, 22.50) até que o arguido a empurra (declarações da assistente, 25.06), tendo posteriormente o próprio arguido caído por cima da assistente nas escadas (declarações da assistente, 26.48).

Por outro lado o mapa das lesões que a assistente apresenta não podendo ser minuciosa e precisamente identificadas como resultado de uma agressão especifica de um determinado acto (pontapé, murro) do arguido num determinado local do seu corpo, ou seja, a lesão no couro cabeludo decorrer, por exemplo do facto de ter batido com a cabeça na escada, as equimoses nas faces posteriores do braço e antebraço ou a equimose na face anterior da perna decorrem de um pontapé do arguido, (por não ter sido produzida prova clara e directa sobre a questão) são, no entanto, claramente compatíveis com os factos provados, nos termos em que o foram ou seja, resultarem do « arguido [ter] pontapeado e dado murros e cotoveladas em varias partes do corpo da assistente por forma a que esta o soltasse; Já junto às escadas que se situam à porta do escritório da assistente no primeiro andar,, o arguido volta-se para esta última e empurra-a provocando-lhe a queda pelas escadas».

Importa referir que a valoração do depoimento da assistente, mesmo que não tendo sido efectuada dum modo pleno no sentido de tudo o que a assistente disse ter sido acriticamente aceite pelo Tribunal (como fez, bem, o Tribunal, repete-se) é absolutamente coerente com a prova (essa sim evidente e clara) resultante dos exames clínicos juntos com os autos e que não foram impugnados.

Não há assim qualquer incoerência ou contraditoriedade e muito menos insuficiência de prova relativamente a esta questão.

Nesta medida carece de razão o recorrente, quanto a esta parte do seu recurso.

*

ii) aplicação errada da Lei vigente à data da prática dos factos, no que respeita ao quantitativo diário da pena de multa.

Sobre esta questão há que atentar em duas sub questões suscitadas pelo recorrente.

Em primeiro lugar insurge-se o mesmo pelo facto de o Tribunal não ter aplicado devidamente a lei porque à data da prática dos factos (07.06.2006) vigorava no nosso ordenamento jurídico a redacção do CP aprovada pela Lei 65/98, de 2 de Setembro onde se estipulava no n.° 2 do artigo 47° do CP que “cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 1 e € 498.80, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais”.

A segunda questão tem a ver com o facto de segundo o recorrente o tribunal face à situação económica e financeira do agente e aos seus encargos pessoais devia ter fixado o quantitativo diário da pena de multa num valor nunca superior a 4 ou, no máximo, 5 euros diários.

*

Não há dúvidas que o n.° 4 do artigo 2° do CP preceitua que “quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente“.

Sublinhe-se que a lei fala no regime concretamente mais favorável e não no regime mais favorável.

Porque o que se pretende tutelar é ainda uma vertente do princípio da legalidade na aplicação das penas, no sentido de que só deve ser aplicada uma pena que esteja prevista numa lei anterior, para entender qual a lei mais favorável de modo a não ser violado este princípio, será sempre aplicável a lei que concretamente aplicada for mais favorável ao arguido.

Nesse sentido, o Tribunal, em qualquer situação em que esteja envolvida uma situação de aplicação de duas leis no tempo deve efectuar-se essa comparação tendo por base a avaliação em concreto efectuada perante cada uma das leis em função de todos os elementos que constem na própria lei penal (elementos do tipo de crime, circunstâncias atenuantes e agravantes ou duração da pena).

Ora, compulsada a decisão, efectivamente o Tribunal não efectuou no caso concreto essa comparação exigida, optando, desde logo pela aplicação do regime legal decorrente da Lei nº 59/2007, que fixou o correspondente diário da pena de multa entre €5 e €500.

Importa por isso, dando, nesta parte razão ao recorrente, efectuar essa comparação do regime normativo no que tange ao quantitativo diário da pena de multa, sendo certo que este Tribunal dispõe tanto de legitimidade como de elementos probatórios para o poder fazer nesta sede.

Fixado que está a pena de multa em 200 dias, e isso não está posto em causa, vejamos então qual o quantitativo diário devido, tendo em conta os dois regimes legais.

Refira-se que, ao efectuarmos esta operação está desde logo a responder-se à segunda questão suscitada pelo recorrente, ou seja a sua discordância em relação ao quantitativo diário fixado pelo Tribunal ad quo.

Nos termos do artigo 47º n.º 2 do Código Penal, «cada dia de multa corresponde a uma quantia fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais».

Na fixação do quantitativo diário da multa deve o Tribunal balancear a sua decisão em função de dois parâmetros: situação económica e financeira do condenado e os encargos que demonstra ter.

A fixação do montante diário da multa é uma operação autónoma da fixação prévia do número de dias de multa, seja como pena principal seja como pena subsidiária, que com ela se não pode confundir, nomeadamente pelo facto de se proibir a dupla valoração de circunstâncias.

A fixação do montante diário da multa é, no entanto, ainda uma operação que se insere no âmbito da aplicação concreta da pena de multa e nessa medida não podem colocar-se de lado as finalidades que subjazem à própria pena, nomeadamente os princípios decorrentes do artigo 40º do Código Penal, ou seja a protecção de bens jurídicos, a reintegração do arguido e a culpa que vinculam quem aplica em concreto as penas – o que, repete-se, não se confunde com a proibição da dupla valoração.

Como se referiu no Acórdão desta Relação de 23.01.2008 (proce. 932/05) «a multa não é um simulacro da punição», (cf. Colectânea de Jurisprudência, on line).

Por outro lado importa constatar que o princípio da fundamentação das decisões, estabelecido constitucionalmente no artigo 205º da CRP, impõe que em qualquer decisão seja efectuada uma justificação, suficiente, coerente e concisa sobre o que se decidiu.

A exigência de uma determinada fundamentação deve ser sempre concretizável de modo a puder ser sindicada pelo Tribunal Superior, assim se concretizando uma das finalidades endo processuais exigidas pelo princípio da fundamentação das decisões (para além das restantes finalidades seja, ainda, de natureza endo-processual, como é o acaso do auto-controlo, ou das garantias de defesa, seja de natureza extraprocessual).

Exigência constitucional e normativa que se impõe igualmente quando está em causa uma parcela da decisão que pode ser sujeita a posterior verificação pelo Tribunal de recurso, como é caso do quantitativo diário da pena de multa.

Vistos estes princípios vejamos a situação do arguido.

Trata-se de um empresário da construção civil, que aufere cerca de 600 € mensais, vive com a mulher que trabalha com ele e aufere cerca de 500 €. O casal vive em casa própria. O arguido tem a 4ª classe da instrução primária. Face a esta factualidade e tendo em conta o que ficou referido quanto às finalidades da pena, no âmbito da versão do artigo 47º n.º 2 do C. Penal antes da reforma de 2007 será adequado cominar ao arguido um quantitativo diário não inferior ao que foi estabelecido pelo Tribunal, ou seja sete euros por dia.

Já quanto à nova versão, sabido que o mínimo legal está estabelecido em 5 euros, é manifesto que a sua situação pessoal patrimonial conhecida leva a que, tendo em conta os mesmo princípios que pela nova Lei não foram modificados, o quantitativo diário se fixe no mínimo em dez euros por dia.

Ora tendo em conta o disposto no artigo 2º n.º 4 é mais favorável o regime da lei antiga, que por isso mesmo se aplica ao arguido. Regime que acabando por manter o que foi fixado na decisão recorrida leva a que se mantenha por isso, na íntegra o decidido, julgando improcedente o recurso.

III. DECISÃO

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso, confirmando-se integralmente a decisão recorrida.
Fixa-se a taxa de justiça devida pelo recorrente em 7 Ucs (Artº 87º nº 1 b) e 3 CCJ).
Notifique.
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (artº 94º nº 2 CPP).

Coimbra, 3 de Março de 2010


Mouraz Lopes


Félix de Almeida