Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2492/08.0TXCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CACILDA SENA
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
INDEFERIMENTO
ADAPTAÇÃO
Data do Acordão: 02/24/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DE PENAS - COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 61º, 62º DO CPP
Sumário: O indeferimento da colocação do recorrente em liberdade condicional ao meio da pena, não implica a negação do regime de adaptação à liberdade condicional um ano antes do cumprimento dos dois terços.
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

Nos autos epigrafados, foi proferido em apoio e complemento, a decisão de não tomar conhecimento e apreciar a adaptação à liberdade condicional do condenado nos termos que seguem:

“ Atenta a posição da Mma Juíza Titular, que remeteu os autos para colher a minha posição e na salvaguarda dos direitos e interesses do recluso, cumpre-me, enquanto autor da decisão que não concedeu a liberdade condicional ao meio da pena, tecer alguns esclarecimentos sem entrar no mérito da questão e na apreciação da pretensão do recluso.

A decisão de fls. 472 e seg., considerou inoportuna a libertação antecipada do condenado tendo por referencial os pressupostos elencados no artº 61º do Cód. Proc. Penal para o ½ da pena. Assim, por um lado, em termos de prevenção especial, entende-se que a (recente) mudança de atitude do condenado, quanto aos crimes e postura normativa, necessitaria de sedimentação, sendo por isso intempestiva a libertação. Quanto às exigências de prevenção geral, ainda apreciáveis tendo em mente o ¼ da pena, a tutela do ordenamento jurídico extravasa os limites geográficos de S. Pedro do Sul onde existe, de facto, abonação do carácter do condenado e não existirão reflexos negativos para a sua libertação antecipada. É, no entanto, uma visão muito localizada para as exigências de prevenção geral positiva e também por aqui se considerou inoportuna a libertação.

Pretende agora o condenado a apreciação da possibilidade de antecipação da liberdade condicional aos 2/3 da pena, sujeita à obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica.

A nosso ver a pretensão do recluso não foi equacionada na nossa decisão e, por isso, implicará, salvo melhor opinião, a elaboração de novos relatórios que considerem o objecto da pretensão e novamente os requisitos da liberdade condicional, mas agora aos 2/3 da pena.

Não sendo uma questão complementar à decisão por mim proferida, nem sendo, por este ponto de vista “aproveitável” o C.T já realizado (não obstante a coincidência de datas quanto aos limites da antecipação), nada haverá mais a referir, prosseguindo os autos os seus ulteriores termos de acordo com a posição que vier a vier a ser defendida pela M.ma Juíza titular do processo.”

Seguem os autos com nova conclusão, seguida do seguinte despacho judicial:

“ Nos termos e com os fundamentos aduzidos no nosso despacho de fls. 504 a 508, aqui dado por integralmente reproduzido, e colhida também a informação que o meu Ex.mo Colega que apreciou a situação do arguido para efeitos de liberdade condicional, entendeu por bem aditar, a fls. 507/8, vai indeferida a pretensão do arguido, para ser desde já colocado em adaptação à Liberdade Condicional.

E certo que em 18/09/09 estava a um ano dos 2/3, mas não é menos certo que foi apreciado para efeitos de liberdade condicional nessa mesma data, não lhe tendo sido esta concedida.

Sendo os pressupostos para a liberdade condicional e para a adaptação à mesma exactamente os mesmos, se o arguido não reunia condições para ir em liberdade condicional, não as reunia também, para ser colocado em adaptação à mesma.

Notifique com cópia dos despachos citados (fls. 504 a 508)”

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Inconformado com o assim decidido, recorre o condenado extraindo da respectiva motivação as seguintes

Conclusões

1 – O indeferimento da colocação do recorrente em liberdade condicional ao meio da pena, não implica a negação do regime de adaptação à liberdade condicional um ano antes do cumprimento dos dois terços.

2 – Não resulta da letra da lei, nem do espírito do legislador, que a apreciação da adaptação à liberdade condicional tenha um período mínimo de tempo para ser efectuada.

3 – Os relatórios solicitados, há vários meses, para a avaliação da concessão da liberdade condicional a meio da pena, ao abrigo do artº 484º nº1 e nº2 do Código de Processo Penal, não contêm a informação e os pareceres necessários a adequados para uma correcta apreciação da adaptação à liberdade condicional do condenado.

4 – Os relatórios que fundamentam o preenchimento do pressuposto para a concessão da adaptação à liberdade condicional têm de ser distintos e ajustados à nova apreciação.

5 – Por outro lado, não existindo um juízo de prognose acerca do futuro comportamento do condenado em liberdade, exigido pela alínea a) do nº 2 do artº 61º do Código Penal.

6 – Em lado algum se prova que o recorrente não reúne as condições exigidas para beneficiar do regime de adaptação à liberdade condicional.

7 – É inegável que o ora recorrente é merecedor de concessão deste regime por se mostrarem cumpridos os respectivos pressupostos.

8 – A colocação do recorrente em adaptação à liberdade condicional compreende um inúmero conjunto de vantagens de cariz pessoal e profissional potenciando, assim, a sua preparação para uma eficaz reinserção social.

9 – Ao não ter sido considerado assim, a Mmº Juiz a quo violou o disposto nos artigos 61º nº2, alínea a) e 62º do Cód. Penal e o artº 484º do Código de Processo Penal.

10 – Não se dando cumprimento ao estatuído no artº 412º al.a), nº2 do CPP, dado que as mesmas firam ignoradas na decisão recorrida.

Termos em que, na procedência do presente recurso, deverá ser proferido Acórdão revogando a decisão em recurso e consequentemente, concedendo ao recorrente a antecipação da liberdade condicional, com aplicação do regime de permanência na habitação, de acordo com o preceituado no artº 62º do Cód. Penal.

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A Ex.ma Procuradora Adjunta junto do tribunal recorrido bateu-se pela procedência do recurso, pondo o acento tónico na diferença dos dois institutos, liberdade condicional por um lado, e sua antecipação (adaptação à liberdade condicional), por outro.

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Neste tribunal da Relação de Coimbra, defendeu também a procedência do recurso.

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Corridos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

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Decidindo:

Está, pois, em causa no presente recurso, saber se tendo sido decidido não conceder a liberdade condicional durante o prazo em que podia ser apreciada a sua antecipação nos termos do artº 62º do Cód. Penal, aquela apreciação prejudica esta última.

Como defendem os Magistrados do Ministério Público em ambas as instâncias, não se vê como possa fazer-se coincidir dois institutos que a lei distingue. Por um lado, a apreciação da liberdade condicional – artº 61º do Cód. Penal, e, por outro, antecipação à liberdade condicional – artº 62º do mesmo Código.

 A liberdade condicional destina-se a assegurar uma gradual preparação para o reingresso na vida livre.

Com o novo instituto da adaptação à liberdade condicional, (introduzido pela reforma penal de 2007, Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro), visa-se em detrimento da reclusão, cujos efeitos nem sempre são favoráveis ao condenado, de o preparar ou potenciar a sua preparação para ser sujeito à disciplina da liberdade condicional, desde que preenchidos os pressupostos atinentes à mesma. Uma tal preparação concretiza-se através da possibilidade de antecipar, por período de não mais de um ano, a «colocação em liberdade condicional», substituindo-se a reclusão por «regime de permanência na habitação», ao qual se associam as «demais condições impostas» com a fiscalização a que a lei se reporta. E em ordem a que se lhe siga, após decurso do tempo respectivo, se as condições impostas não forem violadas, o ingresso na liberdade condicional propriamente dita.[1]

Assim que, embora intimamente ligados, os dois institutos se não possam confundir, não sendo um impeditivo da concessão do outro.

Com efeito, como bem nota o Ex.mo Procurador Geral Adjunto, assistindo ao condenado a possibilidade de conforme previsto no artº 62º do Cód. Penal, lhe ser apreciada a antecipação da liberdade condicional referente aos 2/3 da pena, dada a distinta natureza das situações e institutos, não se vê que de forma apriorística e fundamentalista, pelo simples facto de lhe ter sido denegada a liberdade condicional ao meio da pena, e já à data dessa decisão se estar dentro do prazo de um ano previsto para a antecipação relativa aos 2/3 da pena, se possa transformar essa decisão em denegação da adaptação à liberdade condicional.

Até porque, como bem conclui o mesmo Ilustre Magistrado: “Tal apreciação[2] não significará qualquer efectivo comprometimento dessa antecipação da liberdade condicional, mas tão só uma mera apreciação de acordo com as específicos pressupostos que para tal devam ser chamados à colação no âmbito deste instituto.

Ou dito de outro modo, o facto de ter sido apreciada a concessão da liberdade condicional durante o período em que poderia ser também apreciada a sua antecipação, não deve levar à postergação desta.

Apesar de se reconhecer que face ao percurso do recorrente que viu ser-lhe negada a colocação em liberdade condicional há pouco tempo, se torna mais provável o indeferimento da sua nova pretensão, entendemos não lhe dever ser negado o direito a ver a sua situação devidamente reapreciada, certo sendo que, agora, não está em causa a liberdade condicional, mas sim a sua antecipação, cujo juízo de prognose tem de ser menos exigente, visto que agora se trata não já de pôr o condenado em liberdade, condicional, é certo, mas apenas de ver se ele está apto a que lhe seja aplicado um regime menos gravoso que a reclusão stricto sensu, regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controle à distância[3], regime que visa prepará-lo para a libertação ainda que condicional.

Se tivermos o entendimento que foi plasmado no despacho recorrido, de a apreciação da liberdade condicional, prejudicar a antecipação, quando aquela é apreciada no prazo em que esta o podia ser, chegamos à conclusão que este último instituto apenas teria justificação ao meio da pena, pois, em todas as outras situações seria mais simples em vez de antecipar a liberdade condicional concede-la.

 Eis as razões pelas quais, se entende que não assiste razão ao tribunal recorrido, que nunca se pronunciou acerca da aplicação ao condenado do regime a que se reporta o artº 62º do Cód. Penal.

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Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, decide-se revogar o despacho recorrido que deve ser substituído por outro que aprecie a possibilidade de o condenado beneficiar do regime de adaptação à liberdade condicional relativamente aos 2/3 da pena, observadas que sejam as diligências necessárias para o efeito.

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Sem tributação

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Coimbra, 24 de Fevereiro de 2010

(Cacilda Sena)

(Alberto Mira)


[1] Código Penal Anotado e Comentado, Victor Sá Pereira e Alexandre Lafayette, pág. 201
[2] Liberdade condicional ao meio da pena
[3] Que em si constitui uma forma de cumprimento de pena – artº 44 nº1 do Cód. Penal