Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1627/04.7TBFIG-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: JUSTO IMPEDIMENTO
PRAZO PEREMPTÓRIO
ACTO PROCESSUAL
EXTEMPORANEIDADE
Data do Acordão: 03/06/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA FIGUEIRA DA FOZ – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 145º, NºS 3 E 5 E 146º DO CPC
Sumário: I – O justo impedimento configura uma excepção à regra de que o decurso do prazo peremptório opera a extinção do direito de praticar o acto, regra consagrada no n.º 3 do art.º 145 do C. P. Civil.

II - Da leitura sistemática deste preceito resulta que, tendo decorrido o prazo de que a parte dispunha para praticar o acto, o direito de o praticar não se extingue caso tenha ocorrido no seu decurso uma situação de justo impedimento ou, uma vez já decorrido aquele prazo, o vier a praticar num dos 3 dias seguintes ao seu termo, ficando, neste último caso, a sua validade dependente do cumprimento das sanções pecuniárias que a lei estabelece.

III - A faculdade de praticar o acto depois de expirado o prazo peremptório, nos termos previstos no art.º 145º, n.º 5 do C. P. Civil, foi consagrada em termos inovadores, inicialmente pelo DL 323/70, de 11.7, mantendo-se desde aí apenas com alterações quanto ao montante das multas.

IV - O justo impedimento e o prazo suplementar de 3 dias são dois recursos processuais autónomos e independentes, com fundamentos distintos, que permitem à parte praticar o acto para além do prazo peremptório legalmente estabelecido, não podendo ser utilizados cumulativamente, uma vez que, conforme resulta da própria redacção do artigo 145º, n.º 5 do C. P. Civil, o prazo suplementar de 3 dias já é um período excepcional que decorre para além do prazo para praticar o acto, e é apenas durante este prazo que uma situação de justo impedimento deve ainda permitir o seu cumprimento imediatamente a ela cessar.

Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

Na sequência da notificação da sentença veio, através de requerimento de 9 de Maio de 2011, a Autora:
a) interpor recurso da decisão proferida, e
b) invocar justo impedimento para a interposição do recurso naquela data, alegando, em síntese:
 - o prazo para a interposição do recurso terminou no dia 3 de Maio de 2011, podendo ser praticado com multa até 6.5.2011.
- só na tarde de 6 de Maio é que se reuniram as condições para a interposição do recurso;
- o que não foi possível formalizar uma vez que o sistema Citius, na sequência de vírus informático que afectou toda a rede, colapsou impedindo o arranque de qualquer computador, sendo que aquela hora – 20h 25mn – já não estavam disponíveis serviços de fax ou de correio.
 - o mandatário tinha nos computadores avariados as cópias dos certificados digitais dos advogados com procuração, estando, desse modo impossibilitado de obter o DUC, documento sempre necessário independentemente da forma de envio das peças processuais;
- o sistema informático apenas voltou  a funcionar no sábado, sendo o dia 9.5.2011 o 1º dia útil seguinte à cessação do impedimento.
Concluiu, pela verificação do justo impedimento e consequente admissão do recurso.
Arrolou prova documental e testemunhal.

A Ré F…, S. A., pronunciou-se no sentido da não verificação do alegado justo impedimento, fundamentalmente pelo facto do mesmo não poder ser invocado após os 3 dias seguintes ao fim do prazo, defendendo que o último dia do prazo para interpor recurso foi 2.5.2011.

Veio a ser proferida decisão que julgou improcedente o justo impedimento alegado.

Inconformada com a decisão veio a Autora interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:

Conclui pela procedência do recurso.
A Ré F…, S. A. apresentou contra-alegações, pugnando pela confirmação da decisão proferida.
1. Do objecto do recurso
Um facto impeditivo ocorrido no decurso do prazo a que alude o art.º 145º, n.º 5 do C. P. Civil, pode consubstanciar justo impedimento para a prática do acto?
2. Os factos
Com interesse para a decisão deste recurso importa considerar a verificação dos seguintes factos processuais:
1 – A decisão de que a Autora pretende recorrer foi proferida em 3.4.2011 e notificada às partes por carta registada enviada em 11.4.2011. – fls. 43 a 75, pese embora elaborada no Citius em 8.4.2011.
2 – O requerimento de interposição do recurso e a invocação do justo impedimento para a prática do acto tem a data de 9.5.2011, sendo invocada uma situação impeditiva da prática do acto ocorrida em 6.5.2011.

3. O direito aplicável
Com este recurso a Autora pretende a revogação da decisão que julgou improcedente a alegação do justo impedimento por si deduzida.
A decisão recorrida considerou, por um lado, que a Autora invocou a existência de um facto impeditivo da prática do acto em causa ocorrido já depois do prazo para o praticar ter terminado, mesmo considerando o prazo suplementar de 3 dias úteis, previsto no art.º 145º, n.º 5 do C. P. Civil, uma vez que considerou que o último desses três dias foi o dia 5.5.2011, e, por outro lado, que a Autora não praticou imediatamente o acto em causa, após ter cessado o impedimento.
Da leitura atenta do processo conclui-se que o despacho recorrido parte de premissas que não encontram fundamento naquele.
Assim:
-  a decisão de que a Autora pretendia interpor recurso não foi notificada às partes por carta de 8.4.2011, mas sim por carta elaborada nessa data no programa informático Citius, mas enviada às partes por correio no dia 11.4.2011, o que determina que o prazo para recorrer terminou no dia 3.5.2011, sendo este o 3.º dia útil posterior ao dia 6.5.2011, data em que a Autora invoca que ocorreu o colapso informático que a impediu de interpor o recurso em causa.
- no requerimento entrado em 9.5.2011, a Autora começa por interpor recurso da decisão proferida, ou seja o acto em falta, deduzindo, imediatamente a seguir, o incidente de justo impedimento, justificativo dessa falta.
Assim, considerando os factos que efectivamente ocorreram, cumpre reapreciar a tempestividade da dedução do incidente de justo impedimento.
A Autora, alegando a ocorrência de factos que em seu entender justificavam a sua impossibilidade de ter praticado o acto em causa no último dos 3 dias seguintes ao termo do prazo previsto na lei para o fazer, veio praticá-lo no dia útil imediato a ter cessado esse impedimento, pretendendo socorrer-se da figura do justo impedimento prevista no art.º 146º do C. P. Civil.
Dispõe este preceito:
1. Considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto.
2. A parte que alegar o justo impedimento oferecerá logo a respectiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admitirá o requerente a praticar o acto fora do prazo, se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.
O justo impedimento configura, assim, uma excepção à regra de que o decurso do prazo peremptório opera a extinção do direito de praticar o acto, regra consagrada no n.º 3 do art.º 145 do C. P. Civil.
Dispõe este artigo:
1. O prazo é dilatório ou peremptório.
2. O prazo dilatório difere para certo momento a possibilidade de realização de um acto ou o início da contagem de um outro prazo.
3. O decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto.
4. O acto poderá, porém, ser praticado fora do prazo em caso de justo impedimento, nos termos regulados no artigo seguinte.
5 - Independentemente de justo impedimento, pode o acto ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa, fixada nos seguintes termos:
Da leitura sistemática deste preceito resulta que, tendo decorrido o prazo de que a parte dispunha para praticar o acto, o direito de o praticar não se extingue caso tenha ocorrido no seu decurso uma situação de justo impedimento ou, uma vez já decorrido aquele prazo, o vier a praticar num dos 3 dias seguintes ao seu termo, ficando, neste último caso, a sua validade dependente do cumprimento das sanções pecuniárias que a lei estabelece.
A faculdade de praticar o acto depois de expirado o prazo peremptório, nos termos previstos no art.º 145º, n.º 5 do C. P. Civil, foi consagrada em termos inovadores, inicialmente pelo DL 323/70, de 11.7, mantendo-se desde aí apenas com alterações quanto ao montante das multas.
Segundo Antunes Varela [1] a solução preconizada pelo DL 323/70, de 11.7, teve por base “o reconhecimento de uma velha pecha da nossa maneira colectiva de agir, a que não se mostram imunes os procuradores mais qualificados de negócios alheios, que são os mandatários judiciais.
O propósito louvável, que remonta já aos primórdios da chamada reforma do processo, com o primado da justiça material sobre a pura legalidade formal, é o de evitar que a omissão de uma simples formalidade processual possa acarretar a perda definitiva dum direito material. O inveterado defeito em que a permissão directamente se funda é o hábito condenável de guardar para a última hora todo o acto que tem um prazo para ser validamente praticado.
Consta, no seguimento da transcrição que antecede, no Ac. do S. T. J, de 27.11.2008 [2]:
Sendo esta a ratio legis, seria inaceitável que o justo impedimento pudesse funcionar e produzir efeitos relativamente a um período temporal adicional, que está fora do prazo peremptório estabelecido na lei e de que a parte só pode valer-se pagando uma multa, como sanção pelo desrespeito pelo prazo que devia ter observado, presumindo-se que o não observou por negligência.
Consta no mesmo acórdão que protelando a prática do acto para os três dias seguintes ao termo do prazo, sem que haja qualquer impedimento à sua prática em tempo (i.e., dentro do prazo), a parte perde a salvaguarda do justo impedimento, pois que este só vale para o «impedimento» surgido no decurso do prazo peremptório. A parte não pode «acumular» o justo impedimento com o alternativo prazo suplementar de condescendência (este já «independente do justo impedimento»).
Na verdade, atendendo às razões que estiveram na base da consagração legal do prazo de complacência e aos condicionantes de que está dependente a validade da prática de um acto no seu decurso, não pode no mesmo funcionar o justo impedimento que é dele independente [3].
O justo impedimento e o prazo suplementar de 3 dias são dois recursos processuais autónomos e independentes, com fundamentos distintos, que permitem à parte praticar o acto para além do prazo peremptório legalmente estabelecido, não podendo ser utilizados cumulativamente, uma vez que, conforme resulta da própria redacção do artigo 145º, n.º 5 do C. P. Civil, o prazo suplementar de 3 dias já é um período excepcional que decorre para além do prazo para praticar o acto, e é apenas durante este prazo que uma situação de justo impedimento deve ainda permitir o seu cumprimento imediatamente a ela cessar.
Assim, recuperando a contagem do prazo acima efectuada para a Autora interpor recurso de uma decisão proferida no tribunal recorrido, conclui-se que no dia em que a mesma alega ter ocorrido o facto impeditivo da sua interposição (6.5.2011) já havia decorrido o prazo legal para o fazer, que, como vimos, expirou a 3.5.2011.
Face ao exposto, decorrido que estava o prazo para a interposição do recurso, não pode a Recorrente valer-se de facto impeditivo ocorrido posteriormente, ainda que dentro dos 3 dias úteis subsequentes, para poder praticar o acto em causa.
Daí que, por razões diferentes das que fundamentaram o despacho recorrido, se confirme o mesmo, improcedendo o recurso.

Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, confirmando-se o despacho recorrido, com diferente fundamentação.
Custas do recurso pela Recorrente.
 
Sílvia Pires (Relatora)
Henrique Antunes
Regina Rosa


[1] In R. L. J, Ano 116º, pág. 31.

[2] Relatado por Santos Bernardino e acessível em www.dgsi.pt.

[3] Neste sentido, também o Ac. do T. R. C. de 12.7.1995, relatado por Virgílio de Oliveira, acessível in Colectânea on line Ref. 10930/1995.