Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1163/16.9T8CLD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA MARIA ROBERTO
Descritores: PENSÃO POR MORTE
A QUEM É DEVIDA
CÔNJUGE JUDICIALMENTE SEPARADO
Data do Acordão: 03/29/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO DO TRABALHO DAS CALDAS DA RAINHA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 57º DA LAT (LEI N.º 98/2009, DE 04/09).
Sumário: 1. A pensão por morte é devida, entre outros, ao cônjuge judicialmente separado à data da morte do sinistrado e com direito a alimentos. Tendo a A. prescindido de alimentos do cônjuge sinistrado, não se encontram preenchidos os requisitos a que alude a alínea b) do artigo 57.º da LAT.

2. Encontrando-se a A. e o sinistrado separados de pessoas e bens, mantendo-se por isso o vínculo conjugal (artigo 1795.º-A do CC), não podem os mesmos permanecer casados e ao mesmo tempo em união de facto, pelo que também não se encontram preenchidos os requisitos a que alude a alínea a) do artigo 57.º da LAT e, consequentemente, a A. não é titular do direito à pensão por morte do sinistrado.

Decisão Texto Integral:



Acordam[1] na Secção Social (6.ª secção) do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório

S..., viúva, residente no ...,

intentou a presente ação especial de acidente de trabalho contra

L..., SA, com sede em ...

alegando, em síntese que:

É viúva do sinistrado J..., com quem foi casada, tendo em 13/10/2009 sido decretada por mútuo consentimento a separação de pessoas e bens; esta separação prendeu-se com o facto de a A. não ter querido assumir responsabilidades bancárias e de outra natureza na qualidade de cônjuge do sinistrado e no âmbito da sua atividade comercial; desconhecia que havia a hipótese de estipular uma pensão de alimentos e na vida do casal nada se alterou pois tal valor era voluntariamente prestado pelo sinistrado com a comparticipação do seu salário para a família e seu sustento; o rendimento de ambos era gerido como um só, pelo que, encontram-se preenchidos os requisitos previstos no artigo 57.º, n.º 1, b) da LAT; a A. tem carência de alimentos, sozinha não consegue prover ao sustento da sua família; se assim não se entender, desde outubro de 2009 que a A. e o sinistrado passaram a viver em união de facto preenchendo os requisitos da alínea a) do citado normativo.

Termina, dizendo que pela presente ação pretende ver reconhecido o seu direito à atribuição da pensão por morte do seu marido em virtude da ocorrência de acidente de trabalho e o seu direito a alimentos por deles carecer e, ainda, ver a Ré condenada no pagamento da pensão por morte, devendo a ação ser julgada procedente por provada e a Ré condenada nos precisos termos do pedido.

                                                             *

A Ré seguradora contestou, alegando, em síntese, que:

A A. não é beneficiária do sinistrado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 57.º da LAT; ambos os cônjuges prescindiram de alimentos; parece não existir carência de alimentos por parte da A. e, ainda, que pela via da união de facto também não assiste à A. qualquer direito, uma vez que o regime do casamento e da união de facto não podem cumular-se.

Termina, dizendo que deve a presente ação ser julgada improcedente por não provada e, em consequência, ser a Ré absolvida do pedido, com as legais consequências.

                                                             *

Foi proferido o despacho saneador de fls. 347 e segs.; selecionada a matéria assente e elaborada a base instrutória.

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento.

Foi, depois, proferida sentença (fls. 379 e segs.) e de cujo dispositivo consta:

Pelo exposto, julgo improcedente, por não provada, a presente ação e, em consequência, absolvo a R., “L..., S.A.”, dos pedidos contra si formulados pela A.”.

*

A A., notificada desta sentença, veio interpor o presente recurso formulando as seguintes conclusões:

...

A Ré respondeu ao recurso alegando que:

...

O recurso foi julgado extemporâneo no tribunal de 1ª instância, no entanto, a A. reclamou e, por decisão deste Tribunal da Relação, o recurso foi admitido.

                                                             *

O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer de fls. 452 e 453, concluindo no sentido da “revogação da sentença e procedência do recurso, não porque o caso se enquadra na alínea b) – ex-cônjuge com direito a alimentos – mas na alínea a) ambos do nº 1, do artigo 57º - parte final – da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, como subsidiariamente, vem referido no recurso.”

  Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

  II – Saneamento

A instância mantém inteira regularidade por nada ter entretanto sobrevindo que a invalidasse.

  III – Fundamentação

a) Factos provados constantes da sentença recorrida:

1. J... faleceu no dia 17 de junho de 2016 – A) dos factos assentes;

2. Nesse dia, J... trabalhava, com a categoria profissional de gerente, sob a autoridade de direção de "..., Lda." e auferia a retribuição de € 530,00 x 14 meses + € 2,42 x 22 dias x 11 meses, num total anual de € 8.005,64 – B) dos factos assentes;

3. Nesse dia, J... encontrava-se a reparar uma avaria na suspensão pneumática do camião junto da cabine, esta desprendeu-se e J... ficou entalado entre a cabine e o pneumático frontal esquerdo – C) dos factos assentes;

4. Em consequência direta e necessária do descrito em C), J... sofreu hemorragia subaracnoídea associada a compressão torácica (asfixia posicional), as quais foram consequência direta e necessária da sua morte – D) dos factos assentes;

5. A entidade patronal de J... tinha a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho transferida para a R., através da apólice n.º ..., pelo salário de € 700,00 x 14 meses, num total anual de € 9.800,00 – E) dos factos assentes;

6. A A. casou com J... em 7 de setembro de 1998 – F) dos factos assentes;

7. Em 13 de outubro de 2009 foi decretada a separação de pessoas e bens por mútuo consentimento entre a A. e J... – G) dos factos assentes;

8. Para efeito da decisão mencionada em G) os então requerentes declararam manter o propósito de se separar de pessoas e bens, bem como os acordos apresentados sobre o destino da casa de morada de família, a regulação das responsabilidades parentais quanto ao filho menor e de que prescindem de pensão de alimentos um em relação ao outro – H) dos factos assentes;

9. A A. e J... decidiram requerer a sua separação de pessoas e bens porque a A. não queria assumir responsabilidades bancárias e de outra natureza na qualidade de cônjuge e no âmbito da atividade comercial de J... – 1 da base instrutória;

10. Desde a data em que casaram um com o outro, a A. e J... mantiveram a sua morada na mesma habitação, na Rua ... – 2 da base instrutória;

11. O rendimento do casal era gerido como um só e com ele pagavam o carro, a casa, as contas da casa, água, luz, gás, internet, vestiam-se, calçavam-se, viajavam, pagavam assistência médica e medicamentosa – 3 da base instrutória;

12. Desde a data em que casaram um com o outro, sempre a A. e J... dormiam juntos, confecionavam as suas refeições juntos – 4 da base instrutória;

13. Sempre receberam em sua casa os seus amigos mais próximos – 5 da base instrutória;

14. Os amigos mais próximos desconheciam a sua situação de separação de pessoas e bens – 6 da base instrutória.

 b) - Discussão

Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (art.º 639.º, n.º 1, do CPC), salvo as que são de conhecimento oficioso.

Questão prévia:

Reapreciação da matéria de facto

Conforme resulta do disposto no artigo 640.º, do C.P.C.:

<<1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 . No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; (…)>>.

Acresce que, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação nos casos previstos no artigo 662.º, do CPC.

Lidas as alegações e respetivas conclusões, constatamos que a recorrente, pese embora alegue no requerimento do recurso que este tem por objeto a reapreciação da prova gravada, no termos do disposto no artigo 80.º, n.º 3, do CPT, não procedeu à indicação dos concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados.

Na verdade, a recorrente nem no corpo das alegações nem nas conclusões procede àquela indicação e alega, ainda, que “discorda em absoluto com as conclusões a que chegou o Tribunal a quo, sem prejuízo de concordar em absoluto com as premissas existentes nos autos e concordar com toda a matéria assente e dada como provada nos mesmos, à luz da prova carreada para os presentes autos e valorada.”

Significa isto que a recorrente, afinal, não pretende a reapreciação/alteração da matéria de facto provada mas sim a revogação da decisão de direito.

Acresce que, <<a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão sobre a matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:

a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto;

b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;

c) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);

d) Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda;

(…)

Importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo>>[2].

Posto isto, dúvidas não existem de que a recorrente não cumpriu o ónus que sobre si impendia pois, desde logo, não indicou os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados e, consequentemente, este tribunal não pode proceder à reapreciação da matéria de facto impondo-se, por isso, nesta parte, a rejeição do presente recurso e, consequentemente, a manutenção da matéria de facto dada como provada.

                                                             *

Cumpre, então, conhecer a restante questão suscitada pela A recorrente:

Se a A. é titular do direito à pensão por morte do sinistrado.

Conforme resulta do disposto no artigo 57.º da Lei n.º 98/2009, de 04/09[3], sob a epígrafe: titulares do direito à pensão por morte:

<<1. Em caso de morte, a pensão é devida aos seguintes familiares e equiparados do sinistrado:

a) Cônjuge ou pessoa que com ele vivia em união de facto;

b) Ex-cônjuge ou cônjuge judicialmente separado à data da morte do sinistrado e com direito a alimentos;

(…)>>.

Por outro lado, <<a separação judicial de pessoas e bens não dissolve o vínculo conjugal, mas extingue os deveres de coabitação e assistência, sem prejuízo do direito a alimentos; (…)>> - artigo 1795.º-A – Efeitos, do CC.

A este propósito consta da sentença recorrida, além do mais, o seguinte:

“Resulta dos factos provados que, à data da morte de J... (17/6/2016), a A. e este estavam separados de pessoas e bens, desde 13/10/2009.

A separação judicial de pessoas e bens não dissolve o vínculo conjugal, embora extinga os deveres de coabitação e assistência, conforme preceituado no art.º 1795.º-A do Código Civil.

A separação judicial de pessoas e bens termina pela reconciliação dos cônjuges ou pela dissolução do casamento – art.º 1795.º-B do Código Civil.

Por fim, nos termos do art.º 3.º do Código do Registo Civil, a prova resultante do registo quanto aos factos que a ele estão obrigatoriamente sujeitos e ao estado civil correspondente não pode ser ilidida por qualquer outra, a não ser nas acções de estado e nas acções de registo.

Nestes termos, urge concluir, pois, que a A. e J... estavam casados um com o outro, mas separados judicialmente de pessoas e bens, pelo que, em primeira linha, impõe-se apurar se estão reunidos os requisitos para a A. poder ser beneficiária de J... ao abrigo da alínea b) do n.º 1, art.º 57.º.

São requisitos cumulativos por via do preceituado no art.º 57.º, n.º 1, al. b) e no art.º 59.º, n.º 1, al. b):

- cônjuge judicialmente separado do Sinistrado à data da morte deste;

- direito a alimentos fixados.

Não há dúvida que, no presente caso, está preenchido o primeiro dos requisitos enunciados, mas o mesmo não sucede quanto ao segundo.

Com efeito, ficou demonstrado que no processo de separação de pessoas e bens os cônjuges prescindiram do direito de alimentos um em relação ao outro, certamente porque, como ficou demonstrado também, nunca tiveram intenção de se separar.

Assim, porque não ficou a demonstrado que A. estivesse a receber alimentos prestados pelo Sinistrado, falta de um dos requisitos legais, pelo que, enquanto cônjuge separada de pessoas e bens do Sinistrado, não é considerada beneficiária.

A A. funda a sua pretensão, também, na união de facto existente entre si e o seu marido, o Sinistrado.

Basta enunciar a questão para desde logo se perceber ser incongruente que as mesmas pessoas sejam casadas e unidas de facto entre si.

Um regime afasta necessariamente o outro, dada a incompatibilidade entre os mesmos – as pessoas são casadas entre si ou, não podendo beneficiar de tal regime, são unidas de factos entre si. Não podem assumir, simultaneamente, a mesma qualidade (casados e unidos de facto).

Atente-se que união de facto, como a define o art.º 1.º, n.º 2 da lei 7/2001, de 11 de Maio, é a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges (sublinhado meu).

Retira-se desta definição que aquelas duas pessoas a que a lei alude não poderão ser cônjuges entre si.

No caso em apreço, a A. e o Sinistrado estavam unidos pelo vínculo conjugal.

A união de facto é um estado de facto decorrente de uma vivência em comunhão entre pessoas não casadas entre si.

Quando a lei que regula a união de facto estabelece que impedem a atribuição de direitos fundados na união de facto o casamento não dissolvido, salvo se tiver sido decretada a separação de pessoas e bens, supõe que em causa estão pessoas diferentes. Isto é, que não existe coincidência entre as pessoas que constituem o casamento no qual foi decretada a separação e as pessoas que constituem a união de facto.

Em suma, quando se estabelece como requisito que o membro da união de facto falecido não seja casado à data da sua morte ou, sendo-o, se encontre nessa altura separado judicialmente de pessoas e bens supõe-se, naturalmente, por razões lógicas e teleológicas, que os membros da união de facto não sejam casados entre si e entre si separados de pessoas e bens.

<<Vivem, com efeito, em união de facto aquelas pessoas não unidas entre si através do casamento, mas que têm comunhão de leito, mesa e habitação, correspondendo o instituto à situação que ocorre entre duas pessoas que não são casadas mas vivem uma com a outra como se o fossem. (…)

«A união de facto existe porque as pessoas não querem casar-se ou têm um impedimento transitório que não lhes permite unirem-se através do casamento.» - acórdão S.T.J., 14/7/2016, P. 2637/04.0TBVCD-L.P1.S1, www.dgsi.pt.

Relembre-se que o regime da união de facto foi criado, precisamente, para proteger aqueles que, tendo uma longa comunhão de leito, mesa e habitação entre si, não contraíram, qualquer que fosse a razão, matrimónio, não podendo, por isso, beneficiar do regime de protecção instituído para o casamento.

Não podemos ficcionar uma união de facto entre duas pessoas unidas entre si pelo casamento, vínculo que se mantém mesmo após a separação de pessoas e bens.

Ora, no caso dos autos, a A. goza da protecção do casamento, não havendo qualquer razão para estender-lhe a protecção da união de facto.

A A. e o Sinistrado, seu marido, decidiram separar-se de pessoas e bens para beneficiar da protecção deste regime contra eventuais credores – a A. não queria assumir responsabilidades bancárias e de outra natureza no âmbito da actividade comercial daquele.

A A. não pode usar o estado de separada de pessoas e bens ou um eventual estado de unida de facto (incompatível com o primeiro) consoante as suas conveniências de modo a obter de cada um apenas e tão só os benefícios

Conclui-se, pois, que a A. e o Sinistrado, porque casados entre si, não estavam numa situação de união de facto e, por isso, não pode a A. ser beneficiária de prestações emergentes do acidente de trabalho que vitimou o seu marido.

*

Concluindo, a A. não é, à luz do disposto no art.º 57.º da Lei 98/2009, beneficiária e, consequentemente, não tem direito a prestações emergentes do acidente, improcedendo esta acção in totum.fim de transcrição.

Vejamos, então, se assiste razão à recorrente.

Alega a recorrente que resulta do conjunto da prova existente nos autos que não se fixou alimentos porque não havia intenção de haver uma separação e a manter-se inalterada a vida conjugal, o marido contribuiria com o seu salário para a vida da família como sempre fez; que o tribunal a quo concluiu que: “com efeito, ficou demonstrado que no processo de separação de pessoas e bens os cônjuges prescindiram de alimentos um em relação ao outro certamente porque, como ficou demonstrado também, nunca tiveram intenção de se separar”; resultou provado que o rendimento do casal era gerido como um só; se o sinistrado comparticipava com o seu salário para o sustento do seu agregado familiar, esta comparticipação tem que legalmente ser vista como uma verdadeira prestação de alimentos que fazia voluntariamente e, ainda, que o tribunal a quo concluiu indevidamente que não ficou demonstrado que a A. estivesse a receber alimentos prestados pelo sinistrado, quando da prova produzida resulta que a recorrente com a morte do seu marido viu-se privada do contributo do seu salário, sendo de concluir que carece de alimentos.

Por outro lado, resulta da matéria de facto provada que:

Em 13 de outubro de 2009, foi decretada a separação de pessoas e bens por mútuo consentimento entre a A. e J...; para efeito desta decisão os então requerentes declararam manter o propósito de se separar de pessoas e bens, bem como os acordos apresentados sobre o destino da casa de morada de família, a regulação das responsabilidades parentais quanto ao filho menor e de que prescindem de pensão de alimentos um em relação ao outro; desde a data em que casaram um com o outro, a A. e J... mantiveram a sua morada na mesma habitação, na Rua ..., o rendimento do casal era gerido como um só e com ele pagavam o carro, a casa, as contas da casa, água, luz, gás, internet, vestiam-se, calçavam-se, viajavam, pagavam assistência médica e medicamentosa; desde a data em que casaram um com o outro, sempre a A. e J... dormiam juntos, confecionavam as suas refeições juntos e sempre receberam em sua casa os seus amigos mais próximos.

Ora, face à matéria de facto provada desde já avançamos que não podemos deixar de acompanhar a sentença recorrida.

Na verdade, a pensão por morte é devida, entre outros, ao cônjuge judicialmente separado à data da morte do sinistrado e com direito a alimentos.

Ora, tendo a A., ora recorrente, prescindido de alimentos do cônjuge sinistrado, não se encontram preenchidos os requisitos a que alude a alínea b) do artigo 57.º da LAT.

A A. nem sequer questionou esta sua declaração e o facto de, apesar da separação, ter continuado a viver com o sinistrado nas mesmas condições supra descritas em nada belisca o que ficou dito, na medida em que, ao contrário do alegado pela recorrente, esta situação não consubstancia uma qualquer obrigação de prestação de alimentos por parte do sinistrado e só aos mesmos é imputável.

Tendo decidido separar-se competia aos cônjuges acautelar-se quanto à prestação de alimentos, o que não fizeram.

 Em suma, a lei reconhece ao cônjuge judicialmente separado o direito a pensão por morte do sinistrado obrigado a prestar-lhe alimentos[4] o que, como já referimos, não ocorre no caso em apreciação e, consequentemente, a A. não é beneficiária nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 57.º, n.º 1, b), da LAT.

Resta dizer o seguinte:

A ora recorrente, em sede de recurso, abandonou a sua tese no sentido de que sempre se encontrariam preenchidos os requisitos previstos na alínea a) do artigo 57.º da LAT pois desde outubro de 2009 que passou a viver em união de facto com o sinistrado.

Como já referimos, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente, no entanto, uma vez que os direitos emergentes de um acidente de trabalho são inalienáveis e irrenunciáveis (artigo 78.º da LAT) cumpre, ainda, apreciar aquela questão também abordada pelo Exm.º Procurador-Geral Adjunto.  

Assim:

Em caso de morte do sinistrado, a pensão é devida ao cônjuge ou a pessoa que com ele viva em união de facto (n.º 1, a), do artigo 57.º da LAT), sendo considerada pessoa que vivia em união de facto a que preencha os requisitos do artigo 2020.º do CC. – n.º 3 do mesmo normativo, sendo que, <<o membro sobrevivo da união de facto tem o direito de exigir alimentos da herança do falecido>> - n.º 1 do artigo 2020.º do CC.

Acresce que, <<a união de facto é a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos>> - n.º 2 do artigo 1º da Lei n.º 7/2001, de 11/05 05 (Medidas de Proteção das Uniões de Facto).

As pessoas que vivem em união de facto têm direito a prestações por morte resultante de acidente de trabalho nos termos previstos no respetivo regime jurídico (artigo 3.º, f), da mesma lei).

E, impedem a atribuição de direitos ou benefícios, em vida ou por morte, fundados na união de facto: o casamento não dissolvido, salvo se tiver sido decretada a separação de pessoas e bens – artigo 2.º c), da lei n.º 7/2001, de 11/05.

Ora, dúvidas não existem de que a união de facto é a situação jurídica de duas pessoas que não se encontram ligadas pelo vínculo do casamento.

Assim sendo, e salvo o devido respeito por outro entendimento, não vemos como é que encontrando-se a A. e o sinistrado separados de pessoas e bens, mantendo-se por isso o vínculo conjugal (artigo 1795.º-A, do CC), podem os mesmos permanecer casados e ao mesmo tempo em união de facto.

Na verdade, a citada lei que adota medidas de proteção das uniões de facto tem por objeto a situação de duas pessoas que não celebraram entre si um contrato de casamento mas vivem em condições análogas às dos cônjuges.

Como se refere na sentença recorrida, um regime afasta necessariamente o outro e, a exceção feita na citada Lei n.º 7/2001 no sentido de que impede a atribuição de direitos fundados na união de facto o casamento não dissolvido, salvo se tiver sido decretada a separação de pessoas e bens, só pode ser entendida com referência a um terceiro[5] e não à outra pessoa que constitui a união de facto.

A A. e o sinistrado decidiram requerer a sua separação de pessoas e bens porque a A. não queria assumir responsabilidades bancárias e de outra natureza na qualidade de cônjuge e no âmbito da atividade comercial de J...

Acontece que, como também se refere na sentença recorrida, a A. “não pode usar o estado de separada de pessoas e bens ou um eventual estado de unida de facto (incompatível com o primeiro) consoante as suas conveniências de modo a obter de cada um apenas e tão só os benefícios”.

Desta forma, uma vez que a A. e o sinistrado não se encontravam numa situação de união de facto, antes permaneceram casados entre si, não se encontram preenchidos os requisitos a que alude a alínea a) do artigo 57.º da LAT e, consequentemente, a A. ora recorrente não é titular do direito à pensão por morte do sinistrado.

Desta forma improcede a pretensão da recorrente.

                                                             *

Na total improcedência das conclusões formuladas pela A. recorrente, impõe-se a manutenção da sentença recorrida em conformidade.

IV – Sumário[6]

1. A pensão por morte é devida, entre outros, ao cônjuge judicialmente separado à data da morte do sinistrado e com direito a alimentos. Tendo a A. prescindido de alimentos do cônjuge sinistrado, não se encontram preenchidos os requisitos a que alude a alínea b) do artigo 57.º da LAT.

2. Encontrando-se a A. e o sinistrado separados de pessoas e bens, mantendo-se por isso o vínculo conjugal (artigo 1795.º-A, do CC), não podem os mesmos permanecer casados e ao mesmo tempo em união de facto, pelo que, também não se encontram preenchidos os requisitos a que alude a alínea a) do artigo 57.º da LAT e, consequentemente, a A. não é titular do direito à pensão por morte do sinistrado.

V – DECISÃO

Nestes termos, sem outras considerações, na total improcedência do recurso, acorda-se em manter a sentença recorrida.

Custas a cargo da A. recorrente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.                                                                                                                                                                       Coimbra, 2019/03/29

                                                         (Paula Maria Roberto)

                                                             (Ramalho Pinto)

              (Felizardo Paiva)

                                                                                                                                                          


***



[1] Relatora – Paula Maria Roberto
  Adjuntos – Ramalho Pinto
                        Felizardo Paiva

[2] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, págs. 128 e 129.
[3] Aplicável aos acidentes ocorridos após a sua entrada em vigor, ou seja, após 01/01/2010. (artigo 187º e 188º, da mesma Lei).
[4] A este propósito, cfr. o acórdão do STJ, de 23/11/2011, disponível em www.dgsi.pt.
[5] Neste sentido, cfr. o Ac. da RP, de 09/02/2009, disponível em www.dgsi.pt.
[6] O sumário é da exclusiva responsabilidade da relatora.