Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2832/08.2PBAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ESTEVES MARQUES
Descritores: CONDUÇÃO SOB A INFLUÊNCIA DO ÁLCOOL
CONTRA- PROVA
Data do Acordão: 01/28/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 32º DA CRP, 292º DO CP,153º,Nº3 DO CE, ARTIGO 2º DA LEI N.º 18/2007, DE 17 DE MAIO
Sumário: 1.A contraprova, requerida pelo arguido (submetido ao teste do álcool) terá de ser realizada com aparelho diferente, pois só assim se pode assegurar os fins visados, isto é impugnar o resultado obtido no primeiro teste, ou se se quiser saber se o aparelho inicialmente utilizado padece de qualquer defeito que influencie os seus resultados. Outra interpretação não permite o nº3 do artigo 153º do CE e o respeito pelas garantias de defesa do arguido
Decisão Texto Integral: RELATÓRIO

Em processo abreviado do Juízo de Pequena Instância Criminal da Comarca do Baixo Vouga, Ílhavo, o arguido JZ foi submetido a julgamento, tendo sido condenado pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez previsto e punido nos artº 292º nº 1 do Código Penal, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de 6 Euros.
Foi ainda o arguido condenado na proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 meses, nos termos do artº 69º nº 1 a) CP.
Inconformado, o arguido interpôs recurso da sentença e em cuja motivação produziu as seguintes conclusões:
“ impugnação da matéria de facto
I. Impugna-se a decisão sobre a matéria de facto, nos termos do artigo 412°, nºs 3 e 4, do Código de Processo Penal, quanto aos pontos 4, 5 e 11 dos factos dados como provados pelo douto Acórdão recorrido, pois, como se explicitou supra, não foi produzida prova bastante que permitisse ao Tribunal a quo dar como provado que o arguido, não ignorando que havia ingerido bebidas alcoólicas em quantidade suficiente para lhe causar uma taxa de álcool no sangue superior a 1,2 g/l, resultado esse que previu e com o qual se conformou, querendo, não obstante, conduzir o veículo nessas condições como efectivamente fez; bem como não se fez prova que o arguido agiu livre e voluntariamente, bem sabendo que a sua conduta era punida por lei; e o arguido não confessou integralmente e sem reservas os factos pelos quais vinha acusado.
restantes vícios da douta Sentença recorrida
II. As declarações do arguido não traduziram qualquer confissão integral e sem reservas, para efeitos do disposto no nº 1 do artigo 344º do Código de Processo Penal.
Assim, a douta Sentença ora recorrida, ao considerar que existiu tal confissão, violou a supracitada disposição legal.
III. Afirmando toda a consideração por perspectiva diferente, a contraprova do teste de alcoolemia tem que ser realizada em aparelho diferente do utilizado no primeiro teste.
Pelo que o resultado de 1,24 g/l apresentado pelo aparelho Drager, com o nº de série ARRA-0046, aquando da contraprova, não podia ser considerado meio de obtenção de prova válido.
Assim, tendo a douta Sentença ora recorrida alicerçado toda a sua fundamentação e convicção no aludido resultado, dando-o como válido, violou o disposto na alínea a) do n.º 3 e o n.º 4 do artigo 159º do Código da Estrada.
IV. Não se podendo concluir, como se fez na douta Sentença ora recorrida, que do conteúdo dos artigos 5° e 7° da Portaria nº 1556/2007, de 10 de Dezembro, decorre que os erros obtidos nas verificações são previstos nos resultados dos aparelhos em causa aquando da sua utilização concreta.
De facto, na utilização concreta dos alcoolímetros, “… os valores obtidos poderão não corresponder ao valor real, mas irão situar-se necessariamente dentro dos limites definidos por tais erros máximos admitidos.” (vide douto Acórdão dessa Relação, com data de 09/04/2008, publicado em http://www.dgsi.pt/jtrc. nsf/c3fb530030ealc61802568d9005cd5bb/cea31bde2f2896a58025743500561409? openDocument).
Pelo que o Tribunal a quo teria que, pelo menos, admitir que o arguido podia não ter cometido o crime de que vem acusado, pois era possível que a sua taxa de alcoolémica fosse inferior ao limite de imputabilidade penal, ou seja 1,20 g/l.
Assim, ao não admitir tal possibilidade de inocência do arguido, a douta Sentença ora recorrida violou o princípio constitucional in dúbio pró reo.
V. A forma como o Tribunal a quo apreciou as provas disponíveis revela uma clara violação do artigo 127° do Código de Processo Penal. Extraiu conclusões que plasmou na matéria de facto provada que não tem assento razoável, nem lógico, na prova efectivamente produzida.
VI. Tudo visto, deverá o arguido ser absolvido da prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por falta de prova válida que fundamente tal condenação.”.
Respondeu o MP, pugnando pela manutenção da douta sentença, salvo na parte em que se considerou haver confissão dos factos.
Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto conclui que o recurso não merece provimento.
Foi dado cumprimento ao disposto no artº 417º nº 2 CPP.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


FUNDAMENTAÇÃO

É a seguinte a matéria de facto dada como provada:
“1 – No dia …. de … de 2008, pelas 00h 30m, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula….ML, pelo prolongamento da Av. Dr. Lourenço Peixinho, em Aveiro;
2 – Ao ser submetido ao teste de pesquisa de álcool no sangue, através do aparelho Drager Alcotest, modelo 7110MK III-P, exame esse efectuado pelas 00h18m, o arguido acusou uma taxa de álcool de 1,24 g/l;
3 – Efectuada contraprova no mesmo aparelho, pelas 00h30, o arguido acusou a mesma taxa;
4 – O arguido conhecia as características do veículo e do local por onde o conduzia, não ignorando que havia ingerido bebidas alcoólicas em quantidade suficiente para lhe causar uma taxa de álcool no sangue superior a 1,2 g/l, resultado esse que previu e com o qual se conformou, querendo, não obstante, conduzir o veículo nessas condições como efectivamente fez;
5 – O arguido agiu livre e voluntariamente, bem sabendo que a sua conduta era punida e proibida por lei;
6 – O arguido é técnico de secretariado, auferindo mensalmente a quantia de €: 649,00;
7 – Paga a quantia mensal de €: 350,00 a título de renda;
8 – Despende mensalmente a quantia de €: 160,00 na prestação para aquisição de veículo automóvel;
9 – Vive em união de facto, tendo um filho do seu casamento, para cujo sustento contribui;
10 – Possui o 12º ano de escolaridade;
11 – O arguido confessou os factos de forma integral e sem reservas;
12 – Demonstrou arrependimento;
13 – O arguido não tem antecedentes criminais nem processos pendentes;
14 – O aparelho utilizado no teste de alcoolemia a que o arguido foi sujeito foi objecto de primeira verificação no dia 21 de Agosto de 2008;
15 – O arguido é pessoa honesta e trabalhadora, sendo respeitador e respeitado por aqueles que conhece.”.
Motivação de facto:
“ O tribunal assentou a sua convicção na confissão livre e espontânea, integral e sem reservas do arguido dos factos de que vinha acusado, bem como nas suas declarações quanto à sua situação sócio-económica, no certificado de registo criminal de fls. 15, nos talões de fls. 3 e no certificado de verificação de fls. 25.
Teve-se também em conta as declarações do agente CA, que confirmou o local em que os factos ocorreram bem como as condições em que foi efectuada contraprova.
A testemunha JE, pai do arguido esclareceu o tribunal quanto às condições económicas e pessoais daquele.”
*
A divergência do arguido relativamente à sentença recorrida assente nos seguintes pontos:
- Impugnação dos pontos 4, 5 e 11 da matéria de facto provada, por inexistência de confissão dos factos e utilização de meio de obtenção de prova não válido;
- Violação do princípio in dubio pro reo;
- Aplicação da margem de erro máximo à TAS indicada pelo aparelho.
Vejamos.
Começa o arguido por impugnar a matéria de facto dada como provada nos pontos 4, 5 e 11, porquanto no seu entender, não só não confessou os factos, como foi utilizado o mesmo aparelho para a realização da contraprova.
Invoca para o efeito as suas declarações, o depoimento das testemunhas CG e bem ainda os talões dos resultados dos testes equitativos do aparelho.
Comecemos pois por apreciar a forma como foi obtida a prova, já que da sua procedência resultará prejudicada a apreciação de todas as restantes questões.
Comecemos pelas normas jurídicas.
Assim em matéria de fiscalização da condução sob influência do álcool, estabelece o artº 153º do Código da Estrada:
“1— O exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito.
2— Se o resultado do exame previsto no número anterior for positivo, a autoridade ou o agente de autoridade deve notificar o examinando, por escrito, ou, se tal não for possível, verbalmente, daquele resultado, das sanções legais dele decorrentes, de que pode, de imediato, requerer a realização de contraprova e de que deve suportar todas as despesas originadas por esta contraprova no caso de resultado positivo.
3— A contraprova referida no número anterior deve ser realizada por um dos seguintes meios, de acordo com a vontade do examinando:
a) Novo exame, a efectuar através de aparelho aprovado;
b) Análise de sangue.
4— No caso de opção pelo novo exame previsto na alínea a) do número anterior, o examinando deve ser, de imediato, a ele sujeito e, se necessário, conduzido a local onde o referido exame possa ser efectuado.
5— Se o examinando preferir a realização de uma análise de sangue, deve ser conduzido, o mais rapidamente possível, a estabelecimento oficial de saúde, a fim de ser colhida a quantidade de sangue necessária para o efeito.
6— O resultado da contraprova prevalece sobre o resultado do exame inicial.
7— Quando se suspeite da utilização de meios susceptíveis de alterar momentaneamente o resultado do exame, pode a autoridade ou o agente de autoridade mandar submeter o suspeito a exame médico.
8— Se não for possível a realização de prova por pesquisa de álcool no ar expirado, o examinando deve ser submetido a colheita de sangue para análise ou, se esta não for possível por razões médicas, deve ser realizado exame médico, em estabelecimento oficial de saúde, para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool.”.
Por outro lado há ainda a considerar o Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, que foi aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio, o qual estabelece no seu artº 2º o método de fiscalização nos seguintes termos:
“ 1— Quando o teste realizado em analisador qualitativo indicie a presença de álcool no sangue, o examinando é submetido a novo teste, a realizar em analisador quantitativo, devendo, sempre que possível, o intervalo entre os dois testes não ser superior a trinta minutos.
2— Para efeitos do disposto no número anterior, o agente da entidade fiscalizadora acompanha o examinando ao local em que o teste possa ser efectuado, assegurando o seu transporte, quando necessário.
3 — Sempre que para o transporte referido no número anterior não seja possível utilizar o veículo da entidade fiscalizadora, esta solicita a colaboração de entidade transportadora licenciada ou autorizada para o efeito.
4— O pagamento do transporte referido no número anterior é da responsabilidade da entidade fiscalizadora, sem prejuízo do disposto no nº 3 do artigo 158º do Código da Estrada.
Estabelecendo-se no artº 3º que:
“ Os métodos e equipamentos previstos na presente lei e disposições complementares, para a realização dos exames de avaliação do estado de influenciado pelo álcool, são aplicáveis à contraprova prevista no nº 3 do artigo 153º do Código da Estrada.”..
Pois bem analisando agora a matéria de facto dada como provada, constata-se que o arguido foi submetido ao teste de pesquisa de álcool no sangue através do aparelho Drager Alcoteste, modelo 7110MK III-P, tendo perante o resultado obtido solicitado a realização da contraprova, tendo esta sido realizada exactamente no mesmo aparelho.
Ora o que desde logo se nos afigura é que é de todo inadmissível que uma contraprova, que se solicita porque não se aceita o resulta obtido com determinado equipamento, seja realizado com esse mesmo equipamento.
Na verdade se se dá ao arguido a oportunidade de requerer uma contraprova, é evidente que ela terá de ser realizada com aparelho diferente, pois só assim se pode assegurar os fins visados, isto é impugnar o resultado obtido no primeiro teste, ou se se quiser saber se o aparelho inicialmente utilizado padece de qualquer defeito que influencie os seus resultados.
Funciona pois como uma garantia de defesa do condutor e que tem de ser exercida de imediato face à especificidade da situação.
Só assim se pode interpretar o disposto no transcrito nº 3 do artº 153º CE, ao impor a realização de novo exame, através de aparelho aprovado, pois se fosse no mesmo, o legislador limitar-se-ia a prever a possibilidade da sua repetição, sendo certo que se assim fosse tal não passaria de um acto inútil, pois o resultado seria o mesmo e não testava a fiabilidade do funcionamento do aparelho em que não se confiava.
Significa isto que um novo exame realizado no mesmo aparelho inviabiliza a garantia de defesa do arguido.
Acresce que se o exame fosse para ser feito pelo mesmo alcoolímetro, a norma da parte final do nº 4 do artº 153º CE (“e, se necessário, conduzido a local onde o referido exame possa ser efectuado”), não teria qualquer sentido, pois haveria sempre o aparelho com o qual fora realizado o 1º exame.
Por isso perante a inexistência de um outro alcoolímetro aprovado, o condutor tem de ser conduzido a local onde essa contraprova possa ser efectivada através de outro aparelho.
É que o resultado da contraprova prevalece sobre o exame inicial – nº 3 do artº 156º CE.
Assim não tendo o exame de contraprova sido realizado em alcoolímetro diverso do que realizou o primeiro exame, não pode ter-se como válido o seu resultado e como tal não pode ser valorado.
Há pois que considerar não provada a taxa de álcool no sangue, o que conduz sem mais à absolvição do arguido.
Ora não se provando a taxa de álcool no sangue, é completamente desnecessária a apreciação de todas as restantes questões.

DECISÃO

Nestes termos, os Juízes desta Relação acordam em conceder provimento ao recurso interposto, e em consequência, alteram a decisão recorrida, absolvendo agora o arguido da prática do crime de condução em estado de embriaguez p. e p. pelo artº 292º nº 1 e 69º nº 1 CP, de que vinha acusado.
Sem tributação.
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (Artº 94º nº 2 CPP).
Tribunal da Relação de Coimbra, 28 de Janeiro de 2010.