Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ABÍLIO RAMALHO | ||
Descritores: | ATO PROCESSUAL CORREIO ELECTRÓNICO PROCESSO PENAL | ||
Data do Acordão: | 05/08/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | 2.º JUÍZO CRIMINAL DE VISEU | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 112º NºS 1, 5, 6 E 7 CRP, D.L. N.º 303/2007, DE 24/08, D.L. N.º 324/2003, DE 27/12, 138º- A Nº 1 E 150º CPC, PORTARIA N.º 114/2008, PORTARIA N.º 642/2004, DE 16/06, 7º Nº 2 CC | ||
Sumário: | 1.- Uma portaria, enquanto ato regulamentar do Governo, ocupa na hierarquia das fontes normativas uma posição inferior ao decreto-lei que visa regulamentar, sendo dele mero complemento, a si, necessariamente subalternizado, subordinado e vinculado, nunca, pois, a respetiva disciplina podendo contrariar, como claramente resulta das disposições ínsitas sob os nºs. 1, 6 e 7 do art.º 112.º da Constituição Nacional; 2.- Havendo o D.L. n.º 303/2007, de 24/08, alterado a versão anteriormente conferida ao art.º 150.º do Código de Processo Civil pelo D.L. n.º 324/2003, de 27/12, pela substituição do modo de envio a juízo de atos processuais escritos por correio eletrónico, com aposição de assinatura eletrónica avançada, pelo de transmissão eletrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 138.º-A, ou seja, pela enunciada Portaria n.º 114/2008, e, assim, tácita e inequivocamente revogado a Portaria n.º 642/2004, de 16/06, daquela anterior versão regulamentadora – como postulado pelo modificado n.º 2 do citado art.º 150.º, cujo texto obviamente foi suprimido –, cuja razão-de-ser no particular deixou, por tal sorte, evidentemente de existir, como incontornavelmente estabelecido pelo n.º 2 do art.º 7.º do Código Civil, constituirá uma desconcertante perversão jurídica qualquer entendimento tendente à consideração de que a 27.ª norma da sucedente Portaria n.º 114/2008 – com mera natureza regulamentar – teria virtualidade para, sobrepondo-se ao próprio diploma legislativo a cuja regulamentação precisamente se destina – D.L. n.º 303/2007, de 24/08, concretamente à versão por ele introduzida ao art.º 138.º-A do CPC –, subvertendo a própria ordem constitucional de hierarquia das fontes normativas e, ademais, por maioria de razão, a proibição expressa pelo n.º 5 do enunciado art.º 112.º da Constituição, fazer repristinar o texto e valor jurídico-normativo da anterior versão do dito dispositivo 150.º – decorrente do D.L. 324/2003, de 27/12 –, bem como da Portaria n.º 642/2004, de 16/06, que as als. d) e e) do referente n.º 1 visava regulamentar/disciplinar, e isto apenas para, assim enviesada e tortuosamente, se procurar sustentar a legalidade da apresentação de peças processuais por correio-electrónico em processo criminal. | ||
Decisão Texto Integral: | RECLAMAÇÃO DE DECISÃO-SUMÁRIA *** Acordam – em conferência – na 4.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra: I – INTRODUÇÃO
1 – Recorreu o sujeito-arguido A..., por peça ínsita em ficheiro informático expedido a juízo por anexo a referente mensagem de correio-electrónico (reproduzida e junta a fls. 437/438, cujos dizeres nesta sede se têm por reproduzidos), da sentença da sentença documentada na peça de fls. 420/428v.º, que, na sequência de pertinente julgamento, o condenou à pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na respectiva execução por idêntico período (3 anos), a titulo punitivo do comparticipativo (em co-autoria) cometimento dum crime de furto qualificado, [p. e p. pelos arts. 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, al. e), do C. Penal], pugnando pela pessoal absolvição, em essencial razão de lobrigada corrupção do julgado pelo vício lógico-silogístico de erro notório na apreciação da prova – prevenido sob a al. c) do n.º 2 do art.º 410.º do C. P. Penal –, associado a afirmada violação do princípio constitucional de presunção de inocência, estabelecido no n.º 2 do art.º 32.º da CRP, e do correlato in dubio pro reo, (vd., máxime, 9.ª a 11.ª conclusões), e, subsidiariamente, pela mera condenação por furto simples, a pena substancialmente reduzida/atenuada, (vd., máxime, 12.ª a 14.ª conclusões). 2 – Realizado o pertinente exame preliminar, em conformidade com o estatuído no n.º 6, al. b), do art.º 417 do C. P. Penal, por decisão-sumária do desembargador-relator – exarada a fls. 547/553 – foi o recurso rejeitado, em razão de ajuizada ilegalidade/invalidade do uso de tal meio – correio-electrónico – para apresentação a juízo da peça recursória. 3 – Manifestando-se inconformado, dela o id.º arguido/recorrente reclamou para a conferência, em argumentário vertido na peça junta a fls. 567/570 (cujos dizeres nesta sede se têm outrossim por reproduzidos): [a)] contra-afirmando a legalidade/validade de tal modo de comunicação a juízo da vontade/motivação recursória, nuclearmente para tanto argumentando com a manutenção em vigor, no âmbito do processo criminal, da Portaria n.º 642/2004, de 16/06, supostamente por efeito do art.º 27.º da Portaria n.º 114/2008, de 06/02, que estatuiu no sentido da revogação daqueloutra apenas quanto às acções previstas no respectivo art.º 2.º[1], no seu entendimento mantendo em vigor a anterior redacção do art.º 150.º do Código de Processo Civil, na redacção decorrente do D.L. 324/2003, de 27/12; e [b)] arguindo a sua pretensa nulidade por pseudo afrontação da vedação à Relação de alteração do alcance e estabilidade jurídica (por trânsito-em-julgado-formal) do despacho judicial de 1.ª instância de fls. 505 (despacho de admissão do recurso por legal e tempestivo). II – AVALIAÇÃO
§ 1.º
Como é do presumível conhecimento de qualquer jurista, a reapreciação – em conferência – por órgão colegial do acto decisório reclamado não tem por finalidade uma eventual desautorização do relator fundada num qualquer ideado critério de força – de autoridade resultante de virtual somatório de diferentes sensibilidades da maioria –, mas antes, evidentemente, a ponderação de pertinente argumentação jurídica que o reclamante de novo necessariamente aduza no respectivo acto de reclamação, no sentido demonstrativo da ilegalidade da concernente apreciação e decisão pelo relator, posto que, pela própria natureza e definição, a figura jurídica de reclamação, prevenida no n.º 8 do art.º 417 do CPP – como em qualquer ramo do direito cuja disciplina a contemple –, sempre se haverá de constituir numa prerrogativa legal, procedimental de controlo, de impugnação dalgum dos actos decisórios enunciados nos ns. 6 e 7 do citado normativo 417.º, posta à disposição do próprio destinatário da respectiva decisão que por ela se considere prejudicado, tendente à referente revogação, modificação ou substituição por ilegalidade[2], por si exercitável, se e enquanto se não tiver conformado – expressa ou tacitamente – com o atinente acto[3]. § 2.º
Porém, com o devido respeito, no caso sub judice, o argumentário do id.º sujeito-reclamante desmerece o propugnado acolhimento, por assentar em clamoroso/basilar vício de raciocínio jurídico, axiomaticamente corruptor do próprio silogismo, e, logo, inidóneo à modificação do sindicado despacho do relator, pela seguinte essencial ordem-de-razões: 1 – Como aí (decisão-sumária) se esclareceu – e pressupostamente deverá ser, aliás, dominado por qualquer iniciado à aprendizagem do direito nacional –, uma portaria, enquanto acto regulamentar do Governo, ocupa na hierarquia das fontes normativas uma posição inferior ao decreto-lei que visa regulamentar, sendo dele mero complemento, a si (decreto-lei) necessariamente subalternizado, subordinado e vinculado, nunca, pois, a respectiva disciplina podendo contrariar, como claramente resulta das disposições ínsitas sob os ns. 1, 6 e 7 do art.º 112.º da Constituição Nacional[4]/[5]. Por conseguinte, havendo o D.L. n.º 303/2007, de 24/08, alterado (pelo respectivo art.º 1.º) a versão anteriormente conferida ao art.º 150.º do Código de Processo Civil pelo D.L. n.º 324/2003, de 27/12, pela substituição do modo de envio a juízo de actos processuais escritos por correio electrónico, com aposição de assinatura electrónica avançada, pelo de transmissão electrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 138.º-A, (aditado pela Lei n.º 14/2006, de 26/04, e identicamente modificado pelo D.L. n.º 303/2007, de 24/08), ou seja, pela enunciada Portaria n.º 114/2008, (de 06/02)[6], e, assim, tácita e inequivocamente revogado a Portaria n.º 642/2004, de 16/06, daquela anterior versão regulamentadora – como postulado pelo modificado n.º 2 do citado art.º 150.º, cujo texto obviamente foi suprimido –, cuja razão-de-ser no particular deixou, por tal sorte, evidentemente de existir, como incontornavelmente estabelecido pelo n.º 2 do art.º 7.º do Código Civil[7], constituirá uma desconcertante perversão jurídica qualquer entendimento tendente à consideração de que a 27.ª norma da sucedente Portaria n.º 114/2008 – com mera natureza regulamentar – teria virtualidade para, sobrepondo-se ao próprio diploma legislativo a cuja regulamentação precisamente se destina – D.L. n.º 303/2007, de 24/08, concretamente à versão por ele introduzida ao art.º 138.º-A do CPC –, subvertendo a própria ordem constitucional de hierarquia das fontes normativas e, ademais, por maioria de razão, a proibição expressa pelo n.º 5 do enunciado art.º 112.º da Constituição[8], fazer repristinar o texto e valor jurídico-normativo da anterior versão do dito dispositivo 150.º[9] – decorrente do D.L. 324/2003, de 27/12 –, bem como da Portaria n.º 642/2004, de 16/06, que as als. d) e e) do referente n.º 1 visava regulamentar/disciplinar, e isto apenas para, assim enviesada e tortuosamente, se procurar sustentar a legalidade da apresentação de peças processuais por correio-electrónico em processo criminal (!). Demonstrado que está, pois, tal absurdo jurídico, dispensamo-nos de outras considerações a propósito, recordando, porém, ainda, ao sujeito-reclamante – ou a quem mais aproveitar – que, como enfatizado no reclamado despacho, num estado-de-direito democrático, como no desta nação portuguesa, todos se haverão de escrupulosa e rigorosamente subordinar ao ordenamento jurídico constitucionalmente/validamente aprovado, (cfr. art.º 3.º, ns. 2 e 3, da Constituição)[10], absolutamente irrelevando a individual manifestação opinativa de referente desconhecimento e/ou discordância, (cfr. arts. 6.º e 8.º, n.º 2, do Código Civil)[11], e/ou, doutra-sorte, a ilícita invocação, por quem-quer-que-seja, duma qualquer – eventual – indevida e censurável infiscalização do respectivo respeito/acatamento, posto que, evidentemente, nunca a ilegítima tolerância tácita dalgum acto desconforme à lei, ainda que reiterada, conferirá ao respectivo infractor a aquisição da concernente licitude (quiçá por usucapião!?). 2 – O pretenso fundamento jurídico da suscitada invalidade (nulidade) do referido acto decisório é incontornavelmente neutralizado pelo n.º 3 do art.º 414.º do C. P. Penal – normativo mantido pelas sucessivas revisões legais operadas ao próprio compêndio pela Assembleia da República, mormente pela recente Lei n.º 20/2013, de 21/02, e aí (decisão-sumária) convocado, (cfr. II, § 2, a fls. 552), porém, quiçá displicentemente, desconsiderado pelo id.º reclamante –, que expressamente estabelece a invinculatividade do tribunal superior à decisão de 1.ª instância que, máxime, admita o recurso[12]. III – DISPOSITIVO
Como assim – sem outras considerações, por inócuas –, o órgão colegial judicial reunido para o efeito em conferência neste Tribunal da Relação de Coimbra, julgando/declarando a improcedência da avalianda reclamação, delibera: 1 – A confirmação da afrontada decisão-sumária, em razão da ajuizada invalidade jurídica da comunicação a juízo por meio de correio-electrónico – inequivocamente eliminado do ordenamento jurídico nacional, como modalidade de apresentação a juízo de actos processuais escritos das partes/sujeitos no âmbito do processo cível e criminal, pelo art.º 1.º do D.L. n.º 303/2007, de 24/08 – da intenção e motivação recursória da questionada sentença (de 1.ª instância) documentada a fls. 420/428v.º, cujo trânsito-em-julgado assim se reafirma; 2 – A condenação do id.º recorrente/reclamante A... ao pagamento da sanção pecuniária equivalente a 3 (três) UC, a título de taxa de justiça, pelo respectivo decaimento, (cfr. ainda normativos 513.º, n.º 1, do CPP, e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, na redacção introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13/02). *** (Abílio Ramalho, relator) (Luís Ramos)
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