Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1342/11.5TBPMS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: PERITAGEM
REMUNERAÇÃO
PERITO
Data do Acordão: 06/04/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE PORTO DE MÓS – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 17º, NºS 1, 2 E 3 DO REG. CUSTAS PROCESSUAIS.
Sumário: Para efeitos da remuneração de um perito, nos termos do art.17º, nºs 1, 2 e 3 e tabela IV do R.C.P., que foi nomeado para proceder à avaliação de 89 prédios, deve adoptar-se um critério objectivo ou funcional, no sentido de que haverá tantas perícias quantos os juízos periciais, ou seja, quantos os bens avaliados, logo a remuneração terá que ser fixada em função de cada avaliação, devido ao carácter autónomo de cada uma delas, por implicar uma distinta operação (percepção/apreciação), o que equivale a dizer um juízo singular (técnico-científico) sobre cada um dos prédios.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO

         1.1.- Os Autores – D…, H…, A…e J… - requereram na Comarca de Porto de Mós, em processo especial, a insolvência da requerida – R…, Lda.

         A requerida deduziu oposição e requereu prova pericial em relação a todos os prédios rústicos e urbanos, com o objectivo de se averiguar qual o valor de mercado dos mesmos e se esse valor é superior ao patrimonial.

         1.2. - Por despacho de 23/11/2011 admitiu-se a perícia.

         Por despacho de 4/1/2012 foi nomeado para perito o Senhor Eng. M...

         1.3. - Em 31/1/2012, o senhor Perito informou que a diligência abrangia a avaliação de 89 prédios, entre rústicos e urbanos, alguns de avaliação complexa, cujo custo estima em 110 Uc + IVA, solicitando, face ao valor indicado, se a diligência era ou não para realizar e pedindo o prazo de 60 dias.

1.4.- Por despacho de 6/3/2012 determinou-se a perícia, conforme já ordenado, fixando-se o prazo em 60 dias.

1.5. - Em 8/6/2012, o Senhor Perito apresentou o relatório da avaliação dos prédios (valor global de € 8.945.030,00) e juntou nota de honorários no valor de 11.388,30 €.

         A requerida opôs-se, dizendo que os honorários devem ser fixados de acordo com o art.17º do R.C.P., dentro dos limites legais (1 a 10 Uc).

         1.6.- Por despacho de 9/7/2012, decidiu-se:

O Sr. Perito veio requerer a fixação de remuneração no valor de 110 UC.

A requerida veio opor-se a tal fixação atento o limite imposto no Regulamento das Custas Judiciais.

Cumpre apreciar e decidir.

Estabelece o artigo 17º, nº 2 do Regulamento das Custas Processuais que a remuneração de peritos é efectuada nos termos do disposto no referido artigo e na Tabela IV, segundo a qual a remuneração de peritos é fixada entre 1 e 10 UC. Ora, sendo a remuneração variável, refere o nº 3 do referido artigo que a remuneração é fixada em função do serviço ou deslocação, tendo em consideração o tipo de serviço, os usos de mercado e a indicação dos interessados.

Pelo exposto, tendo em conta o limite legal de 10 UC e face ao tipo de serviço prestado, fixa-se a remuneração ao Sr. Perito em 10 UC.”

         1.7.- Em 28/8/2012, o Senhor Perito pediu a revogação do despacho.

         1.8.- Por despacho de 9/8/2012 decidiu-se:

         “ Atento os fundamentos constantes do despacho de fls. 635/636, no âmbito do qual se refere, de forma expressa, qual a legislação aplicável e o montante máximo de remuneração a fixar ao sr. Perito, mantem-se o mesmo nos seus exactos termos”.

         1.9.- Inconformado, o Senhor Perito (Eng. M…) recorreu de apelação (admitida em separado e com efeito devolutivo), com as seguintes conclusões:

Não houve contra-alegações.


II – FUNDAMENTAÇÃO

         2.1. – Delimitação do objecto do recurso

         A violação do caso julgado;

         O valor da remuneração ao perito;

         A inconstitucionalidade do art. 17º, nºs 2 e 3º, em conjugação com a tabela IV, do RCP.

         2.2. – O mérito do recurso

         O recurso incide sobre o despacho de 9/7/2012, que fixou a remuneração ao senhor Perito no valor de 10 UC, nos termos do art.17º nº2 do RCP.

         Para a decisão do recurso, e porque documentados no processo, relevam os elementos processuais descritos.

         A violação do caso julgado:

         Considera o Apelante que o despacho recorrido viola o caso julgado pelo despacho de 6/3/2012, dizendo que o mesmo aceitou o valor de 110 Uc para a remuneração.

         Com o devido respeito, não lhe assiste razão.

         Desde logo, o despacho de 6/3/2012 não se pronunciou sobre o valor da remuneração, nem o poderia fazer, por se estar ainda na fase preparatória da perícia, limitando-se a determinar a perícia conforme já ordenado e a fixar o prazo de 60 dias (“ Proceda-se à perícia nos termos já ordenados. Prazo - 60 dias, conforme requerido pelo Sr. Perito” ).

         É certo que no requerimento de fls. 518 o senhor Perito estima o valor da avaliação em 110Uc.+IVA, solicitando informação, face ao valor proposto, sobre se a diligência seria ou não para realizar, mas, na resposta, a requerente da diligência, sobre esse eventual custo, remeteu o apuramento na conta final.

Contudo, como a decisão só “constitui caso julgado nos precisos termos em que julga” (art.673 CPC) não havendo pronúncia sobre o valor estimado da perícia, é evidente que não fez caso julgado.

Por outro lado, não ocorre o chamado “julgado implícito”, que é aquele que contende com a extensão do caso julgado, ou seja, a afirmação que faz caso julgado impõe, por si só, como consequência necessária, outra a que o caso julgado se alarga por inferência ou implicação imediata e não em termos de razoabilidade (cf. Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, pág.344).

         O valor da remuneração:

A demandada R…, Lda requereu, na oposição, a prova pericial relativamente a todos os prédios rústicos e urbanos que constam dos documentos matriciais juntos.

         Por força do art.17º do CIRE aplica-se subsidiariamente o regime do processo civil sobre da prova pericial, que foi alterado pelo DL nº 329-A/95, de 12/12, por razões de modernização e eficácia, conforme se justificou no respectivo Preâmbulo, mas estruturalmente continua a abranger duas fases: (1ª) uma fase declarativa (preparatória ou preliminar), (2ª) uma fase executiva (a realização da perícia, inspecção, relatório e publicitação).

         Inserido na fase declarativa, o art.577º, nº1, do CPC determina que a parte que requeira a realização de perícia deve indicar, sob pena de rejeição, o respectivo objecto, enunciando as questões de facto a esclarecer, nada obstando a que possa ser feita através de quesitos, tal como na vigência da lei anterior, devendo ainda indicar o seu perito, em caso de perícia colegial, ou sugerir na perícia singular (art.569 nº1 b) e 3). Na fase preparatória (art.578, nºs 1 e 2 CPC), se o tribunal entender que a diligência não é impertinente nem dilatória, após audição da parte contrária, ordena a realização da perícia, fixando o respectivo objecto.

         A requerida R…, Lda, relativamente a todos os prédios rústicos e urbanos que constam dos documentos matriciais juntos, pretendeu saber qual o seu valor de mercado e se é superior ao valor patrimonial.

         O objecto da prova pericial está definido no art. 388º do CC, destinada à percepção ou apreciação de factos por meio de peritos quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuam.

         O Prof. Manuel de Andrade ensinava que “em face da lei processual civil, é característica da prova por arbitramento a percepção de factos presentes (verificação material – art.595 nº3), acompanhada normalmente da sua apreciação, em regra sendo ainda necessário que estas operações ou algumas delas requeiram conhecimentos especiais (…)” - Noções Elementares de Processo Civil, pág.263.

A perícia (exame, vistoria, avaliação) pressupõe a necessidade de submeter factos à apreciação de pessoas especializadas, com conhecimentos técnico-científicos.

         Uma vez que a prova pericial (avaliação) teve por objecto 89 prédios, para efeitos de renumeração do perito deve conceber-se como uma única perícia ou tantas as perícias quantas as avaliações?

         Se partirmos do critério subjectivo, dir-se-á que se trata apenas de uma só perícia, porque efectuada pelo mesmo perito, incidindo, no entanto, sobre uma pluralidade de bens (objecto plural).

         Se adoptarmos o critério objectivo ou funcional, haverá tantas perícias quantos os juízos periciais, ou seja, no caso, quantos os bens avaliados.

         Não obstante a prova pericial integrar a categoria das chamadas “provas pessoais” (cf. A. Reis, Código de Processo Civil, IV, pág. 168), deve adoptar-se o critério objectivo, logo a remuneração terá que ser fixada em função de cada avaliação, devido ao carácter autónomo de cada uma, por implicar uma distinta operação (percepção/apreciação), o que equivale a dizer um juízo singular (técnico-científico) sobre cada um prédios.

         Ainda que determinado no mesmo acto processual o exame pericial a duas pessoas, ninguém terá dúvidas de que estamos perante dois exames, logo duas perícias. O mesmo sucede quando se está perante uma perícia de avaliação de bens imóveis.

         O art.17º, nºs 1 e 2 do RCP confere ao perito o direito à remuneração, nos termos da tabela IV, que em relação aos “peritos e peritagens” estabelece uma “remuneração por serviço/deslocação”, variável entre “1 Uc a 10 Uc (serviço)”.

         Dispõe o nº3 que “quando a taxa seja variável, a remuneração é fixada numa das seguintes modalidades, tendo em consideração o tipo de serviço, os usos do mercado e a indicação dos interessados: a) remuneração em função do serviço ou deslocação; b) (…) “.

         No caso dos autos, em face da opção pelo critério objectivo, haverá que fixar a remuneração por cada umas das avaliações, dentro dos limites legalmente estabelecidos (1 Uc a 10 Uc).

         Refira-se que o art.17º, nº3 do RCP ao estatuir a “remuneração por serviço/deslocação” parece adoptar o critério objectivo para efeitos remuneratórios, o que, aliás, só assim se revela proporcional e justo.

         Ora, o valor global (110 Uc) proposto pelo recorrente não chega sequer a 2 Uc por cada avaliação (relatório) - à volta de 1,2 Uc - e, em boa verdade, não se mostra exagerado, considerando cada um dos relatórios das avaliações (com cópia de plantas e fotografias aéreas).

         Procede a apelação, ficando prejudicada a questão da arguida inconstitucionalidade do art. 17º, nº 2 e 3º, em conjugação com a tabela IV do RCP.

         2.3. – Síntese Conclusiva

         Para efeitos da remuneração de um perito, nos termos do art.17º, nºs1, 2 e 3 e tabela IV do RCP, que foi nomeado para proceder à avaliação de 89 prédios, deve adoptar-se um critério objectivo ou funcional, no sentido de que haverá tantas perícias quantos os juízos periciais, ou seja, quantos os bens avaliados, logo a remuneração terá que ser fixada em função de cada avaliação, devido ao carácter autónomo de cada uma delas, por implicar uma distinta operação (percepção/apreciação), o que equivale a dizer um juízo singular (técnico-científico) sobre cada um dos prédios.


III – DECISÃO

         Pelo exposto, decidem:

1)

         Julgar procedente a apelação e revogar o despacho recorrido, fixando-se em 110 Uc (cento e dez unidades de conta) a remuneração ao recorrente.

         Sem custas.

        


( Jorge Arcanjo - Relator )

( Teles Pereira )

( Manuel Capelo )