Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
154/08. 8TATNV-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO VALÉRIO
Descritores: MULTA PROCESSUAL
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
Data do Acordão: 06/30/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TORRES NOVAS – 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGO 33º REGULAMENTO CUSTAS JUDICIAIS
Sumário: É inadmissível o pagamento em prestações da multa processual resultante de uma condenação devida à falta a uma audiência de julgamento.
Decisão Texto Integral: Em conferência na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra
1- No Tribunal Judicial de Torres Novas, no processo acima identificado, foi, a fls 57 sgs, proferido despacho judicial em que, apreciando um requerimento da arguida A... relativo à isenção e pagamento em prestações de uma pena de multa criminal, custas criminais e multa processual penal, se indeferiu parcialmente tal requerimento nos termos a seguir referidos

2- Inconformada, recorreu a arguida, concluindo a motivação deste modo :
Por sentença transitada em julgado foi a arguida A... condenada no pagamento de uma pena de multa no valor de € 800,00, e bem assim nas custas cujo montante ascende a € 957,60 . Mais havia sido condenada no pagamento de uma multa processual de €192,00 por ter faltado, sem ter apresentado justificação, à audiência de discussão e julgamento.
A requerente solicitou a dispensa ou pagamento dos ditos valores em prestações mensais de € 50,00 (neste caso a multa penal),
As premissas nas quais se baseou o tribunal " a quo" para proceder à fixação de tais montantes são, salvo o devido respeito, erróneas e ilegais, porquanto, por um lado, defende que inexiste qualquer dispositivo legal que permita pagamento em prestações de multas processuais, olvidando, assim, a possibilidade de aplicação do instituto de analogia, violando o artigo 10.º do Código Civil. De facto, se a lei permite o mais - pagamento em prestações de multas penais, também, por imperativo lógico, permitirá o menos, isto é pagamento em prestações de multas processuais.
Por outro lado, o tribunal "a quo" entende erroneamente, que o valor fixado de 125,00 a título de multa penal, é um sacrifício adequado à arguida por se tratar de urna pena de multa, que representa a sanção pelo crime cometido, olvidando-se urna vez mais que o legislador não pretende o exclusivo pagamento de numerários em detrimento do incomensurável valor da vida humana, que só pode ser assegurado com uma subsistência mínima possível , situada nos limites exigíveis da dignidade .
Como a experiência comum ensina, e logo sem necessidade de comprovativos documentais, a arguida, sendo portadora de urna patologia crónica incapacitante, e como ser humano que é, tem de fazer face aos dispêndios mensais que se reportam directamente à sua própria subsistência com alimentação, vestuário, calçado, higiene e outras
O quantitativo mensal recebido pela arguida, a título de rendimento mínimo garantido é o seu único meio de subsistência, motivo pelo qual é excessivo e completamente desproporcional à necessidade diária de sustento as quantias fixadas pelo tribunal "a quo".
Pelo mero cálculo matemático se infere a falta de dignidade humana na qual é lançada a arguida , ao ser-lhe imposta uma prestação, que "in concreto" ultrapassa , absoluta e inequivocamente, os limites mínimos que o próprio legislador quis assegurar com a previsão da possibilidade de pagamento em prestações, nas várias situações da vida quotidiana.
O tribunal " a quo" , ao impor o montante de € 125,00 por mês (multa penal) à arguida, compromete mesmo até seu direito à liberdade, já que a faz incorrer, necessariamente, em incumprimento, o que a conduzirá, sem apelo nem agravo, ao estabelecimento prisional competente, o que, seguramente, não foi intenção no momento da sentença aplicada nem do próprio legislador ao estabelecer o disposto no artigo 47° n°3 do Código Penal .
Ao limitar, nos termos expostos, a redacção literal do próprio artigo 47° n° 3 do Código Penal, o tribunal a quo, não fez boa aplicação da lei, motivo pelo qual deve a mesma decisão ser revogada.

3- O Exmo PGA nesta Relação pronuncia-se pela improcedência do recurso

4 - Foram colhidos os vistos legais e teve lugar a conferência.

5- O objecto do presente recurso, tal como vem definido nas conclusões do recurso traduz-se exclusivamente na impugnação do indeferimento em prestações de uma multa processual penal e na discordância quanto ao tempo e montantes mensais das prestações correspondentes à pena de multa criminal e às custas crime. Assim, estão fora do âmbito deste recurso o facto de ter sido indeferida a isenção de pagamento da multa processual e das custas, e também a extensão do beneficio de apoio judiciário, porquanto esta última questão, invocada no recurso, ainda não foi sequer objecto de decisão da 1.ª instância .
No que agora interessa, o despacho recorrido tem o seguinte teor, em resumo : « Não se vislumbra a existência de alguma norma legal que permita ao tribunal dispensar a arguida das custas e da multa processual em que foi condenada no processo. Na verdade, se arguida pretendia beneficiar de dispensa do pagamento das custas deveria ter solicitado, na altura temporal devida, a concessão de apoio judiciário nessa modalidade. (...).
O art. 33.º do Regulamento das Custas Judiciais apenas permite o pagamento das custas em prestações. Tal beneficio não abrangerá assim a multa processual em que a arguida foi condenada nos autos, na medida em que a mesma não integra as custas. Deste modo, a arguida estará obrigada a pagar a multa processual em que condenada nos autos por inteiro, não podendo fazê-lo em prestações. Indefere-se assim o pedido da arguida para pagar a multa processual em que condenada nos autos em prestações (...)
Ainda atentas ainda as razões apresentadas pela arguida A... e as informações sobre a sua situação económica que constam dos autos, defere-se o pedido da mesma para proceder ao pagamento da pena de multa, no montante de 800 euros, em que foi condenado no presente processo, em prestações mensais, nos termos do artigo 47°, n°3, do Código Penal. Contudo, determina-se que esse pagamento deverá ser feito em 7 prestações mensais, sendo a primeira de 50 euros, e as restantes seis, iguais e sucessivas, no montante de 125 euros cada uma, e não naquelas que pretende a arguida. De facto, o pagamento da pena de multa também deverá comportar algum sacrifício para o arguido, pois se o montante que foi fixado à mesma for demasiado baixo perde efectividade o seu objectivo de constituir um sanção pelo crime cometido. Para além disso, a informação da situação económica (...). constante dos autos não permite que se reduza o valor das prestações. Acresce que a arguida não veio apresentar qualquer prova quanto às despesas extraordinárias que afirma ter (...)».

Quanto ao pagamento em prestações da multa por que a recorrente foi condenada pela prática de um crime, o despacho recorrido limitou-se a fazer a aplicação do disposto no art. 33.º do Regulamento das Custas Judiciais, que dispõe assim : « Pagamento faseado : « 1 — Quando o valor a pagar seja igual ou superior a 3 UC, o responsável pode requerer, fundamentadamente, o pagamento faseado das custas, agravadas de 5 %, de acordo com as seguintes regras: a) O pagamento é feito em seis prestações mensais sucessivas, não inferiores a 0,5 UC, se o valor total não ultrapassar a quantia de 12 UC, quando se trate de pessoa singular, ou a quantia de 20 UC, tratando-se de pessoa colectiva; b) O pagamento é feito em 12 prestações mensais sucessivas, não inferiores a 1 UC, quando estejam ultrapassados os valores referidos na alínea anterior (...) ».
Aqui, como também quanto ao ponto seguinte, não se vê qualquer violação legislativa do principio da proporcionalidade. Como é sabido, o princípio da proporcionalidade ( também chamado princípio da proibição do excesso) desdobra-se em três sub-princípios: a) princípio da adequação, isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente prote­gidos); b) princípio da exigibilidade, ou seja, as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias (tornaram-se exigíveis), porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias); c) principio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa 'justa medida', impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos". Ora, as soluções legais a que agora se faz referência mostram-se adequadas e necessárias aos fins a que se destinam, e não impõem encargos excessivos ás pessoas oneradas.

Quanto á inadmissibilidade do pagamento em prestações da multa processual em que a recorrente foi condenada devido à falta a uma audiência de julgamento, ela decorre imediatamente do facto de aquele regulamento não prever, de modo pensado, nessa possibilidade. Não se trata, como pretende a recorrente, de uma lacuna, um esquecimento do julgador, a ser suprida pela analogia com outras disposições que permitem o pagamento faseado. Decisivamente, porque não há qualquer similitude com o pagamento em prestações duma multa pela prática de um crime ou com uma situação de divida por custas : a multa processual é uma penalidade por uma falta ou violação de uma disposição processual injuntiva e pretende sancionar com efeitos imediatos e eficazes essa mesma falta, porque de outro modo, isto é, a permitir o aliviamento da sanção através do pagamento em prestações ou outras formas de diferimento ou prolação no tempo, estaria encontrada a fórmula para incentivar repetidas omissões-violações de normas processuais injuntivas

No que concerne ao pagamento em prestações da multa pelo crime cometido, o despacho recorrido decidiu que a mesma deveria ser paga em 7 prestações mensais, sendo a primeira de 50 euros, e as restantes seis, iguais e sucessivas, no montante de 125 euros cada uma, e deferiu esse pagamento com base nas condições económicas da arguida e na consideração de que a multa devia ter algum efeito dissuasivo e penalizador.
O n.º 3 do artigo 47.º do CodPenal dispõe como segue : « Sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda um ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos dois anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação ».
Ora, considerando aqueles mesmos rendimentos dados como provados pelo despacho recorrido ( que a recorrente vive de Rendimento de Inserção ), o facto de ter de pagar agora a multa processual e em prestações sucessivas as custas do processo, afigura-se razoável que a multa penal seja paga dentro daquele âmbito temporal de 2 anos do art. 47.º do CodPenal, ou seja, no prazo de 15 meses.

6- Decisão :
Pelos fundamentos expostos :
I- Concede-se parcial provimento ao recurso e , em consequência, revoga-se o despacho recorrido no sentido de autorizar o pagamento da multa de € 800 em 15 prestações iguais e mensais

II- A recorrente pagará 2 Ucs da taxa de justiça.
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Tribunal da Relação de Coimbra, - -


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( PauloValério )

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( Frederico Cebola )